Nº 2448 - Janeiro de 2006
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Segurança Ambiental e Terrorismo
Eng.
José Francisco Mestre
1.  Valor dos Sistemas Naturais
 
Além da vida, as actividades económicas não seriam possíveis sem os sistemas naturais. Grande parte dos bens utilizados pela sociedade, ou são recolhidos directamente do ambiente ou produzidos a partir daí.
 
Os processos que ocorrem nos ecossistemas são gerados por complexos ciclos naturais onde se incluem os ciclos biogeoquímico e hidrológico. Esses processos, além de críticos para o funcionamento interno dos habitats e dos sistemas biológicos, são determinantes da qualidade das funções que desempenham para as actividades humanas: bens (p.e. alimento e matérias primas) e serviços (p.e. assimilação de resíduos, purificação do ar e da água, protecção contra radiação ultravioleta, estabilização climática).
 
Provavelmente a natureza e valor dos serviços são mais conhecidos a pretexto da degradação que vêm sofrendo por acção humana (TYDEMAN, 1999). Não obstante, o valor total dos recursos naturais não tem sido e continua a não ser considerado na maioria dos casos. Pode mesmo afirmar-se que tem pouco significado nas tomadas de decisão que envolvem acções sobre o ambiente. Segundo CONSTANZA et al. (1998), a relativa pouca importância do valor dos ecossistemas nas decisões políticas decorre: (i) do facto dos serviços prestados pelos ecossistemas não serem completamente reflectidos nos mercados; ou, (ii) porque não são adequadamente quantificados de modo a serem comparáveis a serviços económicos e a capital produzido (“manufactured capital”).
 
 
 
Figura 1 - Esquematização do valor económico total dos sistemas naturais.
 
De modo simplificado (já que os vários autores têm visões diversas), o valor que os sistemas naturais representam para a sociedade, pode ser contabilizado através do agrupamento de várias componentes. Conceptualmente chamado de valor económico total (VET), esse valor expressa a motivação do indivíduo para pagar pelo uso e/ou conservação dos sistemas naturais, sendo a medida do bem-estar (ou da utilidade) que é retirada dos sistemas naturais em geral (ou dos recursos naturais em particular). O uso pode ser directo (VUD), sendo utilizado para fins produtivos ou para consumo final. O valor de uso indirecto (VUI) é relativo aos benefícios que resultam das funções dos ecossistemas e se traduzem em valor produtivo ou de consumo indirectos (figura 1).
O valor de não uso (VNU) expressa também a utilidade individual relativa a determinado recurso, contudo com uma motivação para o seu não uso imediato, numa perspectiva de uso futuro. No âmbito do VNU surge o valor de opção (VO), expressando a intenção de pagar pela conservação dos sistemas ambientais no presente, com vista a assegurar uma determinada probabilidade de provisão de determinado recurso no futuro, ou seja, para reter a possibilidade (a opção) de vir a usufruir mais tarde desse recurso. O VO pode assim ser considerado um prémio de risco quando existe a incerteza acerca da procura e/ou oferta dos serviços ambientais no futuro - SANTOS (2001).
 
Alguns autores consideram o VO no contexto do VU. Contudo, é relativamente unânime que o valor de quase opção (VQO) seja considerado no contexto do VNU. O VQO reflecte o máximo que um indivíduo se dispõe a pagar no momento actual para assegurar a preservação dos recursos no futuro (ou da necessidade de os conservar), altura em que é suposto dispor de informação mais rigorosa para decidir do uso desses recursos, da forma de uso e dos impactes desses usos. Por exemplo decidir da construção de uma barragem e da inundação de uma dada área, o que implica alteração de alguns ecossistemas e a destruição de outros (alguns com carácter irreversível); decidir da preservação ou não de determinado recurso cuja utilização económica não é viável actualmente mas poderá sê-lo no futuro; decidir que a destruição de determinadas espécies podem dar contributos científicos ou tecnológicos (p.e. para estudos genéticos ou químicos com utilidade farmacêutica).
 
O valor de existência (VE) revela o que se está disposto a pagar por manter determinados recursos/ sistemas ambientais para o futuro. Não existe a intenção de vir a utilizá-los no futuro, mesmo reconhecendo-lhes várias utilidades. É o seu valor intrínseco que é considerado tão importante que impede a consideração do seu uso (revela respeito pela biodiversidade, pelas outras espécies, etc).
O valor de legado (VL) relaciona-se com os restantes VNU, expressando não o interesse individual de quem se dispõe a pagar por preservar determinados sistemas/ recursos ambientais, não para uso ou não uso próprios, mas, antes, uso das gerações futuras.
 
 
2.  Ambiente e Segurança: Pontos de Convergência
 
«As we move to the 21st century, the nexus between security and the environment will become even more apparent». Esta frase foi proferida em 1996 num discurso de Warren Christopher, Secretário de Estado da Defesa dos Estados Unidos, durante a presidência de Bill Clinton. Tal afirmação não foi singular, tendo coincidido com a colocação dos assuntos de ambiente e segurança na agenda política. Em 1991, as relações entre problemas de ambiente e a estabilidade internacional ficou estabelecida na Estratégia de Segurança Nacional dos EUA. Reforçando esta tónica o director da CIA indicou em vários fora que os factores ambientais seriam passíveis de contribuir para a geração de conflitos e de instabilidade; constituiriam mesmo factores passíveis de falência da acção dos Estados - DABELKO & SIMMONS (1997).
 
Demonstrando a importância dada pela “Administração Clinton” às questões de segurança ambiental, segundo o mesmo autor, em 1993 foram criados vários postos ao mais alto nível com o intuito de seguir aqueles assuntos, mesmo nos organismos mais tradicionais dos EUA. Em 1993 foi criado uma “directorate” de Assuntos Ambientais Globais no Conselho Nacional de Segurança (CNS), dirigida por um director sénior; um Gabinete de “deputy” para a Segurança Ambiental, na Secretaria de Defesa; um Gabinete na Sub-Secretaria de Estado para os Assuntos Gerais; e o National Intelligence Office for Global and Multilateral Issues no Conselho Nacional de Infor­mações.
 
Em 1996 foi elaborado um memorando sobre segurança ambiental entre os Departamentos de Defesa e Energia e a Agência de Protecção Ambiental (conhecida por EPA). Este documento afirmava a dada altura que “as ameaças à qualidade do ambiente afectam simultaneamente os interesses económicos e de segurança do país bem como a saúde e o bem-estar individual dos cidadãos” - DABELKO & SIMMONS (1997).
 
Não obstante, há quem critique a afirmação de que as questões ambientais possam envolver ameaças passíveis de consideração nas políticas de defesa: alegadamente não serão comparáveis com ameaças militares (que envolvem um quase certo risco de violência), ao contrário das questões ambientais, que respondem a uma escala temporal muito diferente, de um modo que nem sempre é fácil de prever, mas que, não tem que ser violento; envolver as questões de segurança ambiental com as questões tradicionais de segurança e defesa, além de envolver instrumentos analíticos inúteis criaria na prática constrangimentos nas relações entre Estados.
 
Quando são abordadas as questões de segurança atende-se habitualmente a: (i) valores relevantes que importa assegurar; (ii) ameaças que incidem sobre esses valores; (iii) vulnerabilidades que tornam aquelas ameaças relevantes; (iv) mecanismos de resposta para reposição da segurança - BARNETT (2001). Com uma sensibilidade equivalente à que proporciona esta sistemática, desde o fim da Guerra-Fria, os conceitos tradicionais relacionados com segurança baseada na soberania nacional e na segurança territorial têm vindo a ser crescentemente questionados. A integridade do território nacional, a independência política e a soberania nacional mantêm-se factores fundamentais. Contudo, uma definição mais aproximada de segurança deverá incorporar factores que decorrem de ameaças não tradicionais e as suas causas subjacentes. Segundo LIETZMANN & VEST (1999) entre essas ameaças são apontados: o declínio económico; a instabilidade política e social; as rivalidades étnicas e as disputas territoriais; o terrorismo internacional; a lavagem de capitais e o tráfico de droga; e a degradação ambiental (os autores referem-se a “environmental stress”).
 
O conceito de segurança ambiental surge referenciado pela primeira vez no início dos anos 80, no relatório sobre assuntos de segurança e desarmamento liderado por Olaf Palme - ICDSI (1982), cit. CUNHA (2003). Distinguia-se então “collective security” de “common security”: “collective security” enquanto relacionada com as questões de defesa entre Estados, alianças e dissuasão; “common security” enquanto tratamento de interesses globais comuns rela­cionados com o futuro do Ser Humano e a sua sobrevivência. Além de ameaças militares foram identificadas outras ameaças tais como os problemas económicos, a escassez de recursos, o crescimento demográfico e a destruição do meio ambiente.
 
Mais tarde, num discurso de 1996, Sherri Goodman, Deputy da Sub-Secretaria de Estado para a Segurança Ambiental (dos EUA), acrescenta outro conceito, o de “preventive defense”, afirmando que sob determinadas circunstâncias, a degradação ambiental e a escassez podem contribuir para a instabilidade e para o conflito, devendo por isso olhar-se para os factores ambientais como elementos a considerar para a segurança total - ACUNU (2004).
 
Em 1987, o Relatório Bruntland e a afirmação pioneira dos princípios de desenvolvimento sustentável veio pôr em evidência os problemas de degradação ambiental. A conferência do Rio, em 1992 veio aprofundar o tema e dar-lhe uma dimensão e actualidade mundiais. Efectivamente a maior causa da contínua degradação do ambiente decorre da insustentabilidade dos padrões de consumo e de produção. A gestão responsável e numa óptica de longo prazo dos sistemas naturais é a única forma de tornar sustentável a vida da sociedade.
 
Não obstante convirjam de modo sinérgico para o mesmo objectivo, segurança ambiental e desenvolvimento sustentável não são a mesma coisa. Desenvolvimento sustentável centra-se directamente sobre a dimensão socio-económica. Segurança ambiental centra-se sobre a prevenção de conflitos relacionados com factores ambientais e mais recentemente com as medidas adicionais necessárias à protecção das forças militares ou reposição de danos provocados por acções militares - ACUNU (2004).
 
Mas como definir então segurança ambiental? Tanto quanto foi possível investigar, existem vários países têm a sua própria definição e entendimentos políticos próprios das variáveis envolvidas, nem sempre escritos ou oficiais. São conhecidas por exemplo as definições dos seguintes países e organi­zações: EUA, Federação Russa, Comunidade de Estados Independentes, Índia, NATO, OSCE. A Índia ou a Argentina não têm qualquer definição oficial, estando a China, Austrália e Hungria a trabalhar numa definição. Apesar de relativamente coerentes quanto às definições, ameaças e responsabilidades políticas, o posicionamento prático dos governos perante determinado assunto de segurança ambiental é contudo pouco consensual e discrepante.
 
A resposta à pergunta formulada no parágrafo anterior foi justamente um dos propósitos do Projecto Millennium, promovido pelo Conselho Americano da Universidade das Nações Unidas (cuja sigla da sua designação original é ACUNU). Foi reunido um painel alargado de responsáveis nacionais e institucionais de todo o mundo, tendo-se chegado a várias definições de segurança ambiental, das quais duas alcançaram elevado consenso. Essas definições são veiculadas a seguir no texto original, por ordem decrescente de unanimidade. Todas as definições propostas estavam relacionadas com (i) reparação dos danos ambientais, (ii) motivos de suporte da vida humana, (iii) o valor moral e do ambiente em si mesmo e (iv) a prevenção de danos ambientais adicionais por acção humana.
 
«Environmental security is the relative safety from environmental dangers caused by natural or human processes due to ignorance, accident, mismanagement or design and originating within or across national borders.»
 
«Environmental security is the state of human-environment dynamics that includes restoration of the environment damaged by military actions, and amelioration of resource scarcities, environmental degradation, and biological threats that could lead to social disorder and conflict.»
 
A pesquisa bibliográfica permitiu identificar vários projectos, uns ainda em curso, visando o estudo dos problemas relacionados com segurança ambiental: as suas causas; como provocam conflitos; quais são os problemas mais prementes neste domínio; quais são os focos previsíveis de conflitualidade ambiental no futuro; qual a geografia e os cenários dos futuros conflitos; de que modo as técnicas de gestão de conflitos se aplicam a esta problemática; qual o enquadramento legal internacional e a sua utilidade. Desses vários projectos destacam-se os que estão a ser/foram promovidas por:
ª  Committee on the Challenges of Modern Society, no âmbito da NATO (CCMS/NATO)
ª  American Council of the United Nations University (ACUNU)
ª  Pacific Institute for Studies in Development Environmental and Security
ª  American University
ª  Carleton University
ª  International Peace Research Institute (PRIO)
ª  Center for Security Studies e Swiss Peace Foundation
 
É útil referenciar também o papel da CCMS/NATO nas abordagens integradas dos problemas de defesa colectiva, demonstrando que a segurança não é apenas função do poder militar ou policial e força geopolítica. A CCMS/NATO existe desde 1969 e sempre procurou introduzir a dimensão social e económica aos problemas, o que faz da NATO uma organização muito mais ampla no seu âmbito do que apenas militar, estando isso mesmo plasmado no conceito estratégico da Aliança, recentemente revisto.
 
A NATO encontra-se a desenvolver actualmente o Diálogo do Mediter­râneo. Trata-se de uma iniciativa que assume claramente a segurança na Europa como função designadamente da segurança no Mediterrâneo. Em face disto, é importante que a consolidação da estabilidade e segurança no Mediterrâneo passe pelo conhecimento recíproco dos países envolvidos, dos seus problemas e que não exista desconfiança quanto às medidas que sejam necessárias tomar para os resolver.
 
Inseridas no Diálogo do Mediterrâneo têm decorrido encontros para explorar especificamente os problemas ambientais que se perspectivam poder vir a ocorrer num futuro próximo na bacia do Mediterrâneo, acentuados pelos efeitos das alterações climáticas em curso - os conflitos pela água (vide CUNHA, 2003 e BRAUCH, 2003).
 
 
3.  Conflitos Ambientais
 
3.1.     Processos de desenvolvimento e intensidade
 
Em termos gerais, pode afirmar-se que os conflitos configuram tecnicamente situações de crise, enquanto fenómenos políticos, voluntários e controlados, circunscritos a um período temporal. Como outras realidades humanas o conflito é dialéctico (já que pode ganhar-se ou perder-se) e dilemático (pode ganhar-se estando-se sujeito a riscos, ou, então ceder perante o opositor, com as consequências que decorrem dessa decisão). O ambiente de crise envolve portanto e sobretudo imprevisibilidade, sujeito a três condições: medo, tensão e urgência.
 
Academicamente, um conflito é originado por divergências quanto a interesses. Começa por resultar daqui o que se designa de conflito brando, abaixo do patamar de crise. Para que ocorra o que se designa por crise é necessário um catalisador geral, indicador do nível de tolerância máximo perante determinada situação de conflito entre dois opositores. O catalisador específico determina o início das (re)acções hostis, funcionando como desafio ao adversário e podendo algumas vezes ter carácter acidental ou forjado.
 
Os conflitos ambientais, como outros tipos de conflitos, deverão ser entendidos como processos dinâmicos com diferentes níveis de intensidade, numa gama que vai da guerra até ao estado de paz duradoura, conforme os níveis de cooperação envolvidos (figura 2). Após um desafio adversário, não tem necessariamente que ocorrer confrontação violenta, podendo as crises resolver-se através de compromissos, portanto sem guerras nem capitulações (a figura 3 revela alguns tipos de acções que podem ter lugar enquanto persistem os conflitos). Assim, na gestão das crises entre Estados é usual referir como necessário, independentemente da natureza dos conflitos: controlo político firme (com comando centralizado); fazer respeitar a necessidade de segredo (p.e. segredo de Estado); assegurar uma comunicação eficaz entre as partes; accionar os sistemas de informações para conhecimento das intenções do adversário; realizar actividade diplomática com vista à obtenção de consensos e apoio internacional; operar uma conduta flexível (com disposição para realizar avanços e recuos de posição negocial); aumentar a credibilidade das posições tomadas; desvalorizar os objectivos do adversário; assegurar “saídas” ao adversário.
 
 
Figura 2 - Dinâmica dos conflitos, Fonte: LIETZMANN & VEST (1999).
 
 
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Figura 3 - Teoria dos conflitos: níveis de intensidade, Base: SACCHETTI (1994).
 
Como se referiu apenas uma parte dos conflitos redunda em crises, menos ainda em crises violentas (assumindo violência como o excesso de uso da força empregue contra o que se julga o direito natural de outrem) e menos ainda em crises de intensidade elevada. O stress ambiental é um factor que pode participar de diversas formas na dinâmica do conflito, podendo constituir:
 
ª  a origem estrutural do conflito: é entendido como um factor permanente que afecta os interesses e preferências dos actores em conflito;
ª  o catalisador do conflito: constitui o factor que propicia um exacerbar de posições, em face de tensões de outra natureza, pré-existentes ou desenvolvidas durante o processo de degradação ambiental;
ª  o gatilho do conflito: quando estão criadas condições para o conflito, este é instigado pela situação de stress, particularmente se motivar factos repentinos que lesem os interesses das partes envolvidas.
 
 
Figura 4 - Modelo conceptual da relação entre alterações dos factores ambientais e segurança. Fonte: LIETZMAN & VEST (1999)
 
Os conflitos ambientais manifestam-se através de conflitos sociais, polí­ticos, económicos, étnicos, religiosos, territoriais, conflitos resultantes de interesses nacionais diversos, ou, quaisquer outros (figura 4). Contudo, são induzidos pela degradação de factores ambientais (a nível da sua qualidade e quantidade), ou, pelo acesso diferencial a recursos ambientais, traduzindo problemas de dependência assimétrica: um recurso de que determinado actor carece é degradado por um ou vários outros actores, ou, porque estes são independentes desse recurso, ou, porque sendo utilizado por todos, degrada-se.
 
As formas pelas quais se manifestam os conflitos ambientais agrupam factores do mesmo género (sociais, políticos, etc), considerados factores de contexto. Os factores de contexto influenciam no desenvolvimento do conflito (escalada e potencial de incidência), conforme se descreve a seguir, deter­mi­nando a disposição para empreender acções visando mitigar ou repor situações de menor stress dos factores ambientais em jogo - LIETZMAN & VEST (1999):
ª  Padrões de percepção: o modo como os actores entendem que a situação de stress lesa os seus interesses, prioridades e bem-estar físico;
ª  Vulnerabilidade económica e dependência dos recursos: o grau de dependência de um grupo ou de um Estado relativamente a determinado(s) recurso(s) torna-os susceptíveis, na mesma proporção, de sofrer os impactes decorrentes de alterações geradas sobre esses recursos;
ª  Capacidade institucional, socio-económica e tecnológica: a resposta, designadamente para promover actos cooperativos perante uma situação de degradação de determinado(s) recurso(s) é função destes factores;
ª  Factores culturais e etno-políticos: se estes factores forem causa de diferenças de posição, tenderão a agravar o posicionamento perante um conflito, tanto mais se houver marcada assimetria das facções no acesso aos recursos em jogo;
ª  Potencial de violência e estruturas de segurança interna: os suportes legais e os instrumentos de reposição de ordem pública deverão funcionar e, funcionar para todos os que estão envolvidos no conflito, sob o risco do problema passar a estar instrumentalizado por parte dos actores que participam do conflito;
ª  Estabilidade política: os factores sociais estão fortemente relacionados com os de natureza política; se as estruturas políticas não forem capazes de controlar as tensões significa que os propósitos para os quais existem estão a falhar e a sua própria existência corre riscos;
ª  Participação: qualquer processo visando a exploração de recursos naturais que pretenda implementar-se sem o mais amplo consenso corre riscos de ser contestado;
ª  Interacção internacional: em geral decorrem efeitos positivos sobre os factores ambientais a consideração de acordos internacionais (que importaria ratificar) e uma posição neutral que pode servir de mediação para situações onde há conflitos de interesse (esta é uma realidade válida para diversos domínios, servindo também ao domínio dos conflitos ambientais);
ª  Mecanismos de resolução de conflitos: o reconhecimento como legítimos de instrumentos úteis à resolução de impasses negociais é essencial para que tenha lugar a negociação, o compromisso e a mediação.
 
A relação entre o stress ambiental e os problemas de segurança é unanimemente multicausal, sendo-o do mesmo modo a impossibilidade de prever a magnitude a que podem chegar os conflitos resultantes da degradação ambiental, ou, pela partilha de factores ambientais. Com o intuito de gerar respostas preventivas para situações de crise potencial, foram desenvolvidos indicadores capazes de alertar precocemente os decisores políticos quanto às causas, aos factores de contexto e às consequências dos conflitos ambientais. Os seus autores são do German Government’s Advisory Council on Global Change e do Potsdam-Institute for Climate Impact Research (PIK). Esses indicadores (chamados síndroma) estabelecem de algum modo “situações tipo” quando ao stress a que os factores ambientais podem estar sujeitos, estando patentes no quadro 1.
 
Quadro 1 - Síndromes de alterações ambientais
 
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3.2.     Tipologia
 
Segundo LIBISZEWSKI (2004), conflito ambiental é um conflito causado pela escassez de recursos, motivada por alterações dos níveis de regeneração dos mesmos. Pode resultar da sobre-exploração dos recursos renováveis, ou, pela ultrapassagem da capacidade de carga dos ecossistemas. Nesta situação atingem-se então situações que o autor designa de stress ambiental.
 
O grau em que a degradação ambiental contribui para a incidência e escalada dos conflitos depende da relação entre essa degradação e os factores socio-económicos, políticos ou outros e o modo como se reflectem na pobreza, insegurança, condições de vida, migração, etc. Do mesmo modo, a estabilidade económica e política, factores étnicos e culturais são determinantes da severidade dos conflitos ambientais. Deste modo, os países em desenvolvimento ou em transição são os que potencialmente poderão ser mais problemáticos do ponto de vista da incidência daquele tipo de conflitos (contando-se na área euro-atlântica alguns desses países).
 
Da análise de vários casos, o Environmental Conflicts Project (ENCOP) do CCMS/NATO conclui que existe um padrão de conflitos ambientais, permitindo agrupá-los de acordo com as combinações do quadro 2. BAECHLER (1999) veicula uma lista de vários conflitos ambientais analisados no ENCOP. Contudo, podem encontrar-se cronologias bastante mais extensas p.e.: em LEE (2004), no âmbito do Mandala’s Project; em ACUNU (2004), no âmbito do Millennium Project; em GECHS (2004), no âmbito do Environment Change and Human Security Project; e, em GLEICK (2003). Da análise destas fontes poderá concluir-se que os conflitos ambientais são efectivamente frequentes (ACUNU, 2004 contém relatórios mensais sobre este tipo de conflitos). Apenas o funcionamento dos mecanismos de resolução de conflitos impedem que esses conflitos degenerem em crises violentas. Existem na Europa vários desses casos, sendo talvez o facto desses mecanismos funcionarem que permite argumentos que desvalorizam a gravidade em que os conflitos podem transformar-se.
 
Quadro 2 - Conflitos ambientais: agrupamento taxonómico
 
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As combinações relevantes dos tipos de conflitos identificados pelo ENCOP (quadro 2) são apresentados a seguir.
 
Tipo A.I: Conflitos etno-políticos
Os conflitos Tipo A.I ocorrem quando dois ou mais grupos étnicos partilham (i) uma mesma área ambientalmente degradada onde ocorrem recursos improdutivos; (ii) uma mesma área com graus diferentes de produtividade. Em (i), os recursos são insuficientes e é essa a causa da escalada do conflito; em (ii), uma das facções invade o território de outras e ocorrem então as confrontações. Exemplos deste tipo de conflitos são os ocorridos, respectivamente no Ruanda e entre o Bangladesh e a Província Indiana de Assam. No primeiro caso há uma crise de subsistência, com elevada densidade populacional e sobre-exploração do solo asso­ciados com deflorestação. O resultado desta situação foi a instauração de um estado de guerra com massacres e genocídio. No segundo caso as consequências não foram tão graves, embora com causas subjacentes aná­logas.
 
Tipo A.II: Conflitos centro-periferia
Os conflitos centro-periferia ocorrem em geral em sociedades em desenvolvimento. Existe um grupo altamente dependente do capital natural ou um espaço que deixa de poder ser usado, já que esse uso colide com o interesse de outros que pretendem fazer uma utilização diferente nesse espaço. Entretanto, o produto que resulta dessa nova utilização não é capaz de substituir o da primeira. Por exemplo, uma sociedade rural dependente da sua floresta e do seu solo por razões de sobrevivência e protecção pode entrar em conflito com o governo, ou grupos económicos que queiram instalar minas, barragens, unidades industriais ou outras nas zonas onde se encontram implantados, inviabilizando campos agrícolas e pastagens, degradando os meios hídricos e floresta etc. BAECHLER (1999) revela uma variante internacional a este tipo de conflitos referenciando o caso dos testes nucleares franceses no Pacífico, na Polinésia. Alguns efeitos das alterações climáticas poderão configurar também, em breve, conflitos deste tipo.
 
Tipo A.III: Conflitos de migração regional
Os conflitos tipo A.III são provocadas por fenómenos migratórios dentro do próprio Estado, induzidas por factores como secas, cheias, erosão e desertificação. Estes factores podem ter um carácter persistente ou sazonal, associando-se movimentos nómadas a essa sazonalidade. Os migrantes dirigem-se para zonas mais férteis, aumenta a densidade dos que querem fruir dos recursos em presença (naturais ou produzidos, como é o caso de colheitas), aumentando a possibilidade de conflitos. Por exemplo os pastores Himalaias descem com os seus rebanhos das montanhas para os planaltos férteis da Ásia Central. No Corno de África, ocorre migração desde zonas com solo degradado pela monocultura e em erosão para vales mais férteis. No Sudão, grupos semi-nómadas afluem a montanhas subtropicais, vindos de zonas semi-áridas.
 
Tipo B.IV: Conflitos de migração transnacional
As razões subjacentes aos conflitos tipo B.IV podem ser do género das referenciadas para o tipo A.III. Podem também decorrer de causas não ambientais como a guerra ou outros actos que impelem à fuga (a falência da acção dos governos, exclusão social, pobreza, a existência de factores naturais ou empreendimentos baseados na utilização desses recursos - p.e. empreendimentos de rega). Uma vez chegados os grupos migratórios aos destinos (já fora do Estado de Origem), passam então a ocorrer os conflitos para acesso aos recursos naturais como o espaço, o solo agrícola, a floresta como fonte de biomassa (cuja utilização pode vir a ter impactes a outros níveis), os recursos piscícolas, etc.
 
Tipo B.V: Conflitos com migração de origem demográfica
Os conflitos do tipo B.V ocorrem também em sociedades menos desenvolvidas, organizadas numa base fortemente rural e dependentes dos recursos ambientais. Quando essas sociedades envolvem densidades populacionais elevadas, com necessidades de recursos acima do que o meio lhes pode fornecer ocorre sobre-exploração desses recursos e degradação ambiental. São estas as razões que promovem o êxodo, em várias direcções (mesmo para fora das fronteiras), indo as populações fixar-se em zonas onde o fenómeno tenderá a repetir-se. Essas zonas podem ser peri-urbanas, resultando daí conflitos sociais ou, zonas rurais. Em zonas rurais a propriedade pode ser privada e quanto maior a sua dimensão maior probabilidade tem de resultar em conflitos, já que, envolve mais agentes lesados. Há zonas que podem ter carácter conservacionista e nessa altura, quando se tenta impedir as populações de permanecerem p.e. em parques ou reservas naturais, é difícil fazer-lhes ver que a sua permanência aí será factor de degradação. Sentindo-se de novo discriminados inicia-se um ciclo de hostilidade (casos no Quénia e Tanzânia).
 
Tipo C.VI: Conflitos de partilha de bacias hidrográficas
Muito embora possa ocorrer entre comunidades do mesmo Estado, a partilha de rios internacionais é dos tipos mais óbvios de conflitualidade potencial. Não obstante, ocorrem mais frequentemente envolvendo violência, como outros, em países menos desenvolvidos. Os Estados e as instituições estão menos consolidados, existe algum sentimento de descon­fiança perante os vizinhos, o Direito internacional não tem grande importância, as necessidades envolvem por vezes factores de sobrevi­vência (são sociedades muito dependentes da terra), os instrumentos de diálogo que permitiriam dirimir cooperativamente as diferenças de pontos de vista e de interesses não estão afinados, etc.
 
Os conflitos tipo C.IV são dos mais estudados, existindo muitos exemplos desse tipo (vide GLEICK, 2003). Em geral são os Estados de jusante que são mais lesados (e aqueles que iniciam as hostilidades), subjazendo aos conflitos razões de: quantidade de água (os caudais afluentes são menores e o regime hidrológico encontra-se alterado); de qualidade da água (ocorrem actividades a montante que implicam custos de tratamento a jusante para que a água possa ser utilizada); e de potencial hidroeléctrico. Os conflitos tipo C.IV relacionam-se com os caudais afluentes (quantidade, qualidade e regimes) e, com os locais para instalar regularizações (o que motiva algumas vezes questões relacionadas com a delimitação de fron­teira e com a inundação de terrenos com diversos tipos de utilização, de infra-estruturas, de património e de ambiente natural, que ficam inviabi­lizados com a constituição de albufeiras).
 
A vulnerabilidade das “sociedades de jusante” perante os recursos hídricos (que depende do nível de escassez introduzido a montante e das características socio-económicas a jusante) e a importância estratégica atribuída à água são as razões determinantes do conflito.
 
Tipo C.VII: Conflitos ambientais globais
Em face da natureza transnacional dos fenómenos de natureza ambiental com carácter global (como os provocados por alterações climáticas, poluição atmosférica e chuvas ácidas, diminuição da camada de ozono, aquecimento global, etc), os conflitos que poderão resultar entre “quem causa” e “quem sofre” as consequências dos fenómenos globais são dos que poderão envolver mais agentes, sendo esses agentes os Estados. Não existem notas históricas sobre conflitos deste tipo. Contudo trata-se de fenómenos relativamente recentes, envolvendo contudo consequências devastadoras - IPCC (2002) e em breve poderão começar a existir países querendo legitimamente ser ressarcidos de danos ambientais provocados por terceiros, já que são alheios às suas causas. Se foi difícil gerir internacionalmente o não acordo dos EUA ao Protocolo de Quioto com vista a diminuir a emissão dos gases com efeito de estufa (já que aquele país é o principal contribuinte mundial naquele domínio), adivinham-se grandes dificuldades quando os conflitos eclodirem, também eles a nível global.
 
 
4.  Segurança Ambiental: Novas Realidades, Novos Desafios
 
Até 1990 subsistiam algumas dúvidas quanto a saber se a mudança climática de carácter global em curso era devida às implicações ambientais da industrialização e portanto, pela primeira vez na história do planeta devido a causas antropogénicas. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (conhecido da designação em inglês como IPCC) veio dissipar essas dúvidas no seu primeiro relatório de 1990, reiterando essa conclusão no seu segundo e terceiro relatórios, respectivamente em 1995 e 2001 - MESTRE (2003).
 
As alterações climáticas, o efeito de estufa e a depleção da camada de ozono enquanto problemas de carácter global representam novas realidades para a segurança ambiental dos Estados. Por um lado criam novos problemas, por outro lado acentuam fenómenos extremos, na sua intensidade, frequência e duração (nalguns casos ainda esses fenómenos dão-se em locais onde não seria habitual).
Um aspecto muito importante dos problemas ambientais globais é que afectam de um modo geral a todos os países (muito embora de modo diferencial). Apesar disso, em muitos Estados, a importância dos efeitos que sofrem é muito superior ao seu contributo individual para as causas. Até agora, esses países ainda não reclamaram do facto de serem “lesados líquidos” e disso poder constituir uma ameaça à sua soberania. Irá esta realidade manter-se? Efectivamente, “países baixos” como a Holanda, insulares como as Maldi­vas, débeis por razões climáticas como o Bangladesh, ou, costeiros como Portugal não terão capacidade de lidar sozinhos com um problema que está a ocorrer por via do efeito de estufa - a subida do nível do mar. O problema não é apenas socioeconómico porque ocorrem alterações aos recursos económicos mais ou menos importantes para um país (caso da perda de praias e portanto fortes perdas para o turismo português). Mais importante ainda, é um problema físico, já que é a viabilidade territorial dos Estados que pode estar comprometida - poderão desaparecer ou ficar enormemente reduzidos no seu espaço.
 
Pensa-se que a incidência de alguns tipos de cancro está aumentar em consequência da exposição aos raios ultravioleta proporcionada pela descontinuidade induzida à camada do ozono. O aquecimento global irá proporcionar condições mais favoráveis para o aparecimento de doenças infecciosas ou para a prevalência de algumas em zonas onde não seriam normais, designadamente as que são oriundas de zonas tropicais (dengue e malária, p.e.), podendo dar-se também o recrudescimento de doenças quase extintas (varíola, tuberculose, cólera).
 
A escassez de solo arável, de recursos hídricos, destruição de espaços florestais, elevação do nível do mar (com destruição de infra-estruturas costeiras, intrusão salina e alteração de ecossistemas dulçaquícolas), aumento dos níveis gerais de poluição, perda de biodiversidade, etc, todas estas estão e irão ser causas de doença, mortalidade e subnutrição, com tudo o que estes factores representam em termos de insegurança ambiental.
 
Problemas económicos podem resultar directamente de insegurança ambiental: um país que dependa fortemente de recursos florestais e gira mal a sua floresta, além de reduzir esse recurso terá, além de consequências ecológicas, outras consequências também de carácter ambiental passíveis de afectar directamente a sua economia: perda de solo arável, maior vulnerabilidade a cheias (já que perdida a capacidade de detenção proporcionada pelo coberto vegetal é aumentada a torrencialidade do escoamento), incremento dos processos erosivos, assoreamento fluvial (que pode impedir a navegação), etc.
 
Pela sua vulnerabilidade ambiental particular e extrema debilidade das suas economias, muitos dos problemas de insegurança ambiental irão afectar, como já afectam, países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Factores ambientais não representam apenas a componente do valor ambiental, mas antes, um valor de sobrevivência: colheitas, peixe e florestas, por exemplo. Nestes casos, cabem países como a Somália, Haiti, Burundi ou Ruanda, onde problemas de outra ordem serão agravados, tendendo a perpetuar a instabilidade e a pobreza (étnicos, políticos, religiosos, criminalidade, etc). Na medida em que também outros países podem acentuar os seus próprios problemas de natureza ambiental, as relações entre Estados e a defesa de interesses estratégicos pode motivar instabilidade adicional, o que em nada contribui para o intento de paz mundial inscrito na carta das Nações Unidas.
 
Alguns investigadores apontam para que a escassez de determinado factor natural é mais passível de causar conflito dentro dos Estados do que entre eles. Tal realidade é apenas verdade se esses factores não tiverem uma natureza transnacional ou não suscitar o desejo de terceiros se apoderarem deles (mais ainda quando existem matérias não abrangidas pelo direito internacional, indefinições políticas, razões históricas de soberania anterior, etc). Exemplos deste tipo de conflitos, que envolvem ou envolveram por exemplo os países ibéricos (não obstante de âmbito diplomático e pouco mais), são: o anúncio em 1993 da intenção de Espanha implementar um plano hidrológico preconizando transferências de água dos rios partilhados para bacias hidrográficas próprias mais secas, diminuindo as afluências a Portugal; o desejo de Espanha de aumentar o número de licenças de pesca a embarcações espanholas em águas da ZEE portuguesa, com argumentos da parte de Portugal de insustentabilidade ambiental dessa actividade; o impedimento em 1994 (por motivos ambientais análogos), de Portugal (e mesmo de Espanha) pescar bacalhau e palmeta em águas da ZEE do Canadá.
 
A natureza transnacional da maior parte dos problemas ambientais faz com que nenhum país tenha a sua segurança salvaguardada se os países que o rodeiam não a tiverem. Os factores ambientais influenciam a política externa e interna e as acções económica e militares, sendo por isso importantes para a segurança nacional dos Estados. Contudo, a afirmação universal de que podem decorrer conflitos violentos da degradação ambiental como a que é promovida p.e. pela densificação demográfica não é correcta. Existem envolventes culturais, económicas entre outras que são determinantes do grau de intensidade desses potenciais conflitos.
 
Vários autores fazem prospectiva sobre quais os problemas ambientais passíveis de vir resultar em conflito. Por exemplo, CARIUS & LIETZMAN (1999) são editores de uma publicação contendo justamente a posição de vários autores sobre este assunto. Sucede do mesmo modo com BRAUCH et al., dando-se uma perspectiva dos problemas que poderão abater-se sobre a bacia do Mediterrâneo. Na mesma linha dos “problemas ambientais do futuro e da conflitualidade potencial relacionada” surge BONIFACE (2003), chegando-se mesmo a criar cenários concretos sobre a natureza e a geografia dos conflitos futuros. Para tal veja-se por exemplo LEE (2004), ACUNU (2004) e GECHS (2004).
 
De acordo com ACUNU (2004), as principais ameaças em matéria de segurança ambiental no futuro podem ser resumidas de acordo com a forma não hierarquizada do quadro 3. Aquelas que se encontram assinaladas com asterisco são, segundo aquela fonte, aquelas sobre as quais importará despender mais atenção, já que sobre elas impenderá maior risco de ocorrência de conflitos nos próximos dez anos.
 
Quadro 3 - Ameaças Futuras à Segurança Ambiental
 
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5.  Terrorismo: o fenómeno
 
Existe experiência imemorial da perturbação da ordem interna de um Estado suscitada pela luta armada, com ulteriores repercussões na vida internacional - MOREIRA (1997). Guerra civil é uma dessas formas de luta, tendo a guerrilha emergido como instrumento igualmente eficaz nas disputas pelo poder. Se no primeiro caso importa o domínio territorial, no segundo importa mais a existência do que se designa de “santuários”, ainda que fora do espaço onde se desenvolve a luta. Garante-se deste modo a direcção, as reservas e os contactos.
Pode afirmar-se que fenómenos não convencionais e assimétricos como a insurreição, guerrilha e terrorismo sejam tão antigos como a guerra, ou, de um modo geral como os conflitos armados (algumas vezes são mesmo difíceis de classificar e/ou distinguir). Nas guerras do passado, a necessidade de recrutar rapidamente homens para os campos de batalha não permitia a correcta instrução dos códigos de honra utilizados na guerra, garantes do jus in bello. Os homens eram “máquinas de matar” que pilhavam e violavam sem piedade, espalhando o terror. Os objectivos nem sempre eram claros ou definidos, se é que, nalguns casos existiam mesmo. Como afirmava Clausewitz, a guerra nem sequer decorria sempre dos interesses políticos do Estado, mas antes, dos interesses individuais que por sua vez nem sequer estavam sempre preocupados com o bem comum.
 
Aquele que é considerado por alguns autores o primeiro acto terrorista da Era Moderna ocorreu em 1946, em Jerusalém, com a colocação de uma bomba no Hotel Rei David (bastião do poder inglês), por um grupo de Judeus sionistas que integravam o movimento Irgun - DC (2003). Este movimento pretendia a expulsão dos britânicos do seu território, a quem a Sociedade das Nações havia acometido em 1922 a tarefa de administrar transitoriamente a criação de um Estado Judaico na Palestina. Contudo, a defesa dos interesses próprios imperiais não fez mais do que acicatar o ódio entre árabes e judeus.
 
Segundo BONIFACE (1999), desde o séc. XIX até 1914 os atentados terroristas eram cometidos por anarquistas e niilistas. Entre as duas guerras mundiais, esteve ligado às turbulências nos Balcãs. Depois de 1966 e o ataque a um avião da El-Al (companhia aérea de Israel) no Aeroporto de Atenas por um comando palestiniano, o terrorismo passou a estar ligado à situação no Médio Oriente (90% dos atentados de origem estrangeira cometidos na Europa).
 
Pelo seu mediatismo, o baixo custo e a elevada eficácia, o terrorismo é uma excelente forma de propaganda dos propósitos da organização terrorista, em tempo de paz ou de guerra, na medida em que mobiliza a opinião pública (interna e/ou internacional). Faz uso da força contra um objectivo instru­mental (“alvo”) visando causar o medo, a ansiedade (o terror), a frustração e a desilusão no maior número possível de elementos de uma população, lembrando que os episódios violentos podem voltar a repetir-se. O terrorismo reporta sempre para uma organização, com uma estrutura mais ou menos hierarquizada de poder e que pode ser caracterizada pelos seus objectivos, pelos meios/métodos que utiliza, pelas motivações, ideologias, áreas, am­bientes, autores, etc.
 
As causas do terrorismo podem ser de natureza psicológica, político-social ou internacionais. Os objectivos podem ser de pendor separatista, revolu­cionário, neofascista, fanático religioso, ter razões ideológicas, ou outras e, mesmo, patrocinadas pelos Estados, altura em que as acções se designam de terrorismo de Estado. Quanto às áreas, o terrorismo pode ser nacional, transnacional ou internacional. Os métodos são invariavelmente violentos e os mais diversos que a imaginação pode gerar, sem necessidade de grande sofisticação, meios ou financiamento, já que, é impossível garantir segurança sobre tudo aquilo que a mente humana resolva escolher como alvo terrorista.
 
Terrorismo representa uma forma extrema de acção política, preâmbulo ou substituto da guerra que não se pode enfrentar em igualdade de circunstâncias com o poder contestado, mas instituído, o qual pretende destruir. Caracteriza-se por manifestações que envolvem o uso ou ameaça de uso da violência por parte de um indivíduo ou uma minoria, contra terceiras partes. O terrorismo pode ser sistemático se ataca inocentes no exercício interno ou externo das soberanias (portanto desrespeitando o Direito nacional/internacional). Desmoralizando e provocando as autoridades desacredita-se o poder instituído e destabiliza-se a sociedade. Pode ter também um carácter selectivo se for caracterizado pela escolha dos seus opositores, coagindo deste modo a população ao tentar demonstrar a impunidade dos actos terroristas e quão vã é a luta anti-terrorista.
 
Nos fenómenos terroristas a força é exercida sobre “alvos” simbólicos: pessoas, infra-estruturas ou o ambiente natural. Segundo SCHWARTZ (1998), o sucesso do acto terrorista reside precisamente no carácter simbólico do alvo. Aqui reside também a chave da ligação entre os factores ambientais e a segurança ambiental. Existindo factores ambientais sensíveis, eles poderão ser usados como elemento destabilizador. Essa sensibilidade dos factores ambientais traduz o grau de vulnerabilidade dos mesmos. Podem estar em causa atributos físicos dos recursos ambientais como a escassez, o seu simbolismo subjectivo, a sua localização, capacidade de regeneração, importância social, económica, política, cultural, o facto de ser um recurso transnacional como a água, etc.
 
 
6.  Terrorismo Ambiental
 
6.1.     Enquadramento
 
O conceito “terrorismo ambiental” é usado de forma indiferenciada e algo abusiva, muito embora tenha um significado mais ou menos circunscrito no domínio académico. Os media e o discurso político (dos partidos políticos enquanto detentores do poder instituído, ou, das organizações não governamentais que o contesta, designadamente as de cariz ambientalista), são, talvez, os principais contribuintes para a não clarificação do conceito. Determinada evidência de degradação ambiental pode ser invariavelmente qualificada como terrorismo por qualquer daqueles grupos de actores.
 
A bibliografia distingue os conceitos de eco-terrorismo e de terrorismo am­biental. Não se desenvolverá o conceito de eco-terrorismo, mas, basicamente tem que ver com actos de destruição de máquinas, infra-estruturas (estradas e edifícios) ou instalações industriais que alegadamente suportam actividades ou intervenções danosas para o ambiente, incêndio de culturas geneticamente modificadas, ainda que legais, entre outros. São actos que materializam crimes de desobediência civil e vandalismo, contudo não são terrorismo ambiental.
 
Tanto quanto foi possível averiguar SCHWARTZ (1998) foi o primeiro autor a clarificar o conceito de terrorismo ambiental. Segundo ele, para que determinado acto possa qualificar-se como sendo de terrorismo ambiental é impreterível conhecer (i) a intencionalidade dos actos que incorrem em degradação ambiental, (ii) o simbolismo (existência de) dos factores ambientais e portanto da consequência desses actos e (iii) se as ocorrências têm lugar em período de paz ou de guerra.
 
Sempre que ocorrem, os actos terroristas são invariavelmente deliberados. A chave do conceito de terrorismo ambiental reside portanto no simbolismo dos actos sobre os factores ambientais e que o autor classifica de simbolismo primário e simbolismo secundário. Simbolismo primário é relativo ao am­biente enquanto alvo em si mesmo (que funciona como “victim”). É através das consequências ecológicas negativas (os danos) que se inflige terror sobre a população. O simbolismo secundário considera as variáveis ambientais como “veículo”, pelo que, os danos ambientais têm carácter colateral.
 
Quadro 4 - Taxonomia dos actos de degradação ambiental
 
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Os actos terroristas podem ser cometidos em tempo de paz ou de guerra. Uma questão suscitada por SCHWARTZ (1998) é a de como distinguir então um acto terrorista de um acto de guerra em tempo de guerra. Baseado nas posições de outros autores, este sugere que os actos de guerra são cometidos mais frequentemente por Estados. São actos considerados legítimos e cometidos por “bons motivos” (o jus ad bellum), de acordo com um código de conduta justo e reconhecido internacionalmente, o jus in bellum. Deste modo o uso da violência visa alcançar estritamente vantagem militar estratégica sobre o adversário, liquidando ou diminuindo as suas capacidades, sendo dirigido sobre alvos combatentes, portanto militares (segundo o artigo 46 do Protocolo I adicional às Convenções de Genebra é proibido ameaçar ou cometer actos visando espalhar o terror entre a comunidade civil). Assim, os actos de guerra internacional e os actos de terrorismo distinguem-se entre si, por um lado porque os actos de terrorismo são a maioria das vezes indiscriminados (o que inclui civis); por outro porque os actos terroristas não pretendem tomar vantagem directa imediata sobre o adversário já que incidem sobre alvos simbólicos.
 
Os critérios acima (direito da/na guerra), utilizados para distinguir situações de guerra internacional servem mais dificilmente à distinção de actos cometidos sobre factores ambientais em situação de guerra interna dos Estados como foi, ou é, a de Angola, Moçambique, Somália, Ruanda ou Burundi. Quanto ao jus ad bello: um governo pode considerar justo o combate dos insurrectos por todos os meios, já que, ameaçam a integridade do Estado; os rebeldes, por seu turno podem considerar igualmente legítima a sua luta na tentativa de depor o governo, porque o considera corrupto, opressivo, não se revêm nas regras do Estado, etc.
 
Quanto ao jus in bello, a Convenção de Genebra sobre a Modificação das Condições Ambientais (ENMOD, de 1977), afirma que são legítimas as modificações das condições ambientais decorrentes de acções militares (altura em que assumem carácter colateral), podendo mesmo constituir-se o ambiente como alvo, desde que daí advenham vantagens militares como se mencionou anteriormente para as guerras internacionais. Com base nisso CHALECHI (2001) conclui que: já que o terrorismo ambiental visa em último grau um efeito psicológico sobre a população, ainda que não utilize os civis como alvos, ao utilizar os factores ambientais viola o jus in bello, pelo que distinguir-se-ia deste modo terrorismo ambiental dos restantes actos cometidos contra factores ambientais em tempo de guerra. SCHWARTZ (1998) acrescenta contudo que, em face da inexistência de regras claras para as guerras internas, alguns actos ilegítimos de guerra seriam equiparáveis provavelmente a actos de terrorismo, tratando-se portanto de terrorismo de Estado.
 
Quadro 5  - Tratados Multilaterais, Declarações Internacionais e Códigos Relativos a Alterações Ambientais em Período de Guerra
 
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6.2.     Os sistemas ambientais: alvo e instrumento
 
SCHWARTZ (1998) apresenta várias formas de classificar os danos ambientais, classificando inequivocamente de terrorismo ambiental em sentido estrito apenas os que são caracterizados por simbolismo primário (categorias 1 e 2 do quadro 4). Baseada nas categorias de simbolismo daquele autor CHALECHI (2001) opta por classificar o terrorismo ambiental fundamentada na forma em como os sistemas ambientais podem servir aquele fenómeno: (i) sistemas ambientais enquanto instrumento e (ii) sistemas ambientais enquanto alvo (a autora designa-os respectivamente de “resource-as-tool” e “resource-as-target”). Deste modo, deverá considera-se terrorismo ambiental os actos designados pelas categorias 1 a 4 do quadro 5.
Em (i) estariam situações em que os sistemas ambientais serviriam de veículo ao acto de terrorismo com o propósito de prejudicar a população e/ou as actividades económicas. Eles não são um objectivo em si mesmo, ainda que decorram daí danos colaterais sobre os sistemas naturais. Enquadrar-se-iam aqui a contaminação de origens de água de sistemas de abastecimento de água (por introdução de agentes químicos, biológicos, radiológicos ou nucleares), de águas balneares, de colheitas ou de pescado. Sem a intenção de incitar mentes terroristas, apenas tentando um alerta para uma situação verosímil: como seria se uma zona metropolitana como a de Lisboa, onde residem e exercem a sua actividade 3,5 milhões de pessoas, fosse afectada com a inviabilização do abastecimento de água durante por exemplo uma semana? Poderia tratar-se de rupturas múltiplas nas principais condutas de adução (que são comuns), ou, de contaminação do sistema, passível de inviabilização da água de abastecimento e geração de desconfiança futura.
 
Em (ii) o acto terrorista pretende destruir os próprios sistemas ambientais, não necessariamente pelo que representam em si mas pelo seu valor para a sociedade, pretendendo-se privá-la da sua utilização. Poderão constituir exemplos a destruição de uma barragem com o intuito de causar uma cheia artificial e repentina a jusante, resultando daqui a perda de vidas, bens, inutilização de infra-estruturas, indução de distúrbios às actividades econó­micas e à normal vida das comunidades que se pretende afectar.
 
Outro exemplo pode estar em comunidades que dependam fortemente de uma actividade e a eliminação dos recursos utilizados determine a falência dessas actividades: uma comunidade piscatória pode ver inviabilizados os seus recursos (imagine-se por exemplo o efeito de contaminações persistentes sobre moluscos e crustáceos e mesmo de peixes, algo que pode demorar anos a reverter); comunidades em que o turismo de mar represente grande importância, se o propósito for a contaminação de praias (da água e da areia), muito provavelmente o afluxo turístico na época em que for cometido o acto terrorista e na época seguinte serão seguramente penalizados, conhecida que é a elevada sensibilidade dos fluxos turísticos quanto estão em causa destinos considerados pouco seguros; comunidades fortemente agrícolas poderão ver as suas culturas dizimadas por um acto terrorista que contamine as culturas ou o solo. Se a contaminação tiver carácter permanente, além da perda de determinadas colheitas ficarão inviabilizadas todas as seguintes, durante períodos que podem ser de décadas (são conhecidos casos em que incidentes têm este tipo de consequências).
 
A destruição de zonas de elevado valor ecológico poderão constituir exemplos. Imagine-se que se multiplicavam atentados equivalentes ao acidente ocorrido em 26 de Março de 1998 - PÚBLICO (1998) na Reserva Natural do Parque Nacional de Doñana, na Andaluzia (Sul de Espanha, na foz do tipo sapal do Guadalquivir) - trata-se de um espaço de elevadíssima sensibilidade e riqueza ecológica para onde foi drenada uma albufeira mineira em cuja água se encontravam substâncias altamente contaminantes, visto ter ocorrido a ruptura da barragem que formava essa albufeira; ou, então, que não tinha sido acidental o derrame de águas ácidas ocorrido em 9 de Fevereiro de 2000 sobre o rio Tisza, afluente do Danúbio - PÚBLICO (2000), na Roménia e que afectou vários países, particularmente a Hungria (está em causa um rio transnacional que atravessa onze países).
 
Em zonas onde a água represente um valor particularmente elevado pela sua escassez, num período de seca particularmente severo e onde os recursos sejam fundamentalmente superficiais e armazenados em albufeiras, o facto de facilmente se poder fazer explodir órgãos de segurança como são as comportas de barragens pode implicar o esvaziamento total do reservatório (o que a posteriori pode mesmo comprometer estruturalmente a barragem): perde-se o potencial energético que representava a água armazenada; perdem-se os recursos que serviriam as utilizações urbanas de água (particularmente a doméstica); inviabilizam-se as actividades económicas relacionadas; desapa­recem vários ecossistemas.
 
6.3.     Risco e vulnerabilidade
 
Algumas das hipóteses ventiladas como podendo materializar episódios de terrorismo ambiental não são infelizmente académicas. Tal afirmação é corroborada por FORTES (2002), por CHALECHI (2001) ou por DALBY (2002), que reportam vários desses casos reais. Do mesmo modo, GLEICK (1998) refere diversas ocorrências de terrorismo, especificamente no domínio dos recursos hídricos e que representam ameaças à segurança ambiental. Este autor apresenta globalmente casos de conflitos hídricos entre Estados, não obstante, entre outros (por exemplo conflitos internos quase assumindo contornos de guerra civil) encontram-se casos de terrorismo ambiental.
 
A bibliografia específica sobre terrorismo ambiental é reduzida. Apesar de não ter havido ainda suficiente debate sobre este assunto, infere-se de LIETZMANN (1999), é sugerido por exemplo por FORTES (2002), DALBY (2002), SCHOFIELD (1999) e SCHWARTZ (1998) e afirmado por CHALECHI (2001) que os fenómenos de terrorismo ambiental são, apesar de tudo, atípicos na actual conjuntura (pelo menos em algumas das suas formas).
Os terroristas, particularmente os de prevalência islâmica procuram uma elevada espectacularidade, surpresa e o mais elevado dano social (mesmo em termos de vidas humanas), num muito curto espaço de tempo, polarizando sobre si e sobre os seus objectivos todas as atenções com o intuito de ganhar importância negocial.
 
Actualmente os especialistas em terrorismo encontram-se focalizados na possibilidade dos terroristas obterem armas de destruição maciça (ADM). Apesar dos esforços dos terroristas, existem manifestas dificuldades em obter, controlar, acondicionar, transportar e “detonar” essas armas, bem como dos veículos que permitam a colocação e “detonação” das mesmas. Do mesmo modo, despende-se actualmente em operações de segurança, inteligência e contra-terrorismo um orçamento que parece superar-se sucessivamente em cada ano (DABELKO & DABELKO, 1995 e CHALECHI, 2001), podendo pelo menos manter-se o grau de dificuldade em aceder a ADM. É portanto razoável pensar que os grupos terroristas, continuando a existir queiram reajustar o seu modo de operação, podendo pensar-se que os sistemas ambientais possam passar a ser um alvo “apetecível”. Em boa verdade, agir sobre os factores ambientais, além de pouco dispendioso é assustadoramente fácil (o ambiente está por todo o lado e é impossível fiscalizar todos os pontos).
 
Em segurança e defesa é usual tratar-se a ameaça quanto (i) à probabilidade de ser executada, (ii) à capacidade de operá-la e (iii) à intenção de realizá-la. Esta sistemática pode aplicar-se do mesmo modo às ameaças de terrorismo ambiental. Os sistemas ambientais, quando considerados pelos terroristas são escolhidos em função do seu valor (função do seu valor intrínseco e da sua importância para a sociedade), do impacto que poderá ter uma operação sobre eles (função da sua escassez, características específicas e da ocasião em que se pretende operar o dano) e da magnitude das consequências ao longo do tempo.
 
Os sistemas ambientais apresentam características específicas que habi­tualmente são analisadas quanto à probabilidade de ocorrência de determinado factor destabilizador, da resiliência e da vulnerabilidade dessas ocorrências sobre os sistemas ambientais. Estes parâmetros foram definidos por HOLLINGS (1973), cit. HASHIMOTO et. al. (1982), com vista à descrição da capacidade de um sistema dinâmico com várias espécies para manter a mesma estrutura, quando sujeitos a situações de desequilíbrio. MESTRE (2003) refere que sistemas muito resilientes são os que conseguem enfrentar alterações impor­tantes da sua estrutura durante algum tempo, sem que isso se manifeste de forma muito sensível (conhecida que é a capacidade diferencial dos sistemas ficarem danificados e transferirem esses danos a outros sistemas com eles relacionados). Vulnerabilidade é relativa às consequências/severidade dos desequilíbrios induzidos aos sistemas naturais. Nesta assumpção, sistemas muito vulneráveis alteram significativamente a sua estrutura perante pequenas alterações que lhes sejam movidas.
 
 
7.  Portugal e a Segurança Ambiental e Terrorismo
 
Até aos acontecimentos do Onze de Setembro de 2001 em Nova Iorque não se julgava crível que pudessem ocorrer eventos terroristas como os que tiveram lugar, pela sua dimensão, pela magnitude da falha dos sistemas de segurança envolvidos e, sobretudo pela forma como foram praticados. Foi a demonstração de que a imaginação não tem limites e que não há realidades convencionais para os terroristas, apenas alguma “moda”. Poderá no futuro crescer a ameaça do terrorismo ambiental? O Federal Bureau of Investigation (FBI) e a Central Intelligence Agency (CIA) traduzem nos seus objectivos e actividades uma sensibilidade particular sobre segurança ambiental e crimes sobre o ambiente, reconhecendo que são efectivamente uma ameaça. Há mesmo quem proponha uma alteração da moldura penal de alguns crimes sobre o ambiente para o equivalente a actos de terrorismo (p.e. SCHOFIELD, 1999). Também em Portugal os Serviços de Informação e Segurança (SIS) inscrevem os “crimes ecológicos” no âmbito das ameaças em consideração.
 
Insegurança ambiental pode configurar uma sobre-vulnerabilidade a actos de terrorismo ambiental. Assim, afigura-se de elevada utilidade a análise ponderada dos factores ambientais sensíveis e por isso passíveis de gerar situações de insegurança ambiental em Portugal e no seu espaço de interesse estratégico. Assim, pode concluir-se que as diferentes tipologias de conflitos ambientais identificadas na bibliografia aplicam-se a Portugal, podendo mesmo identificar-se das tipologias que podem envolver conflitos entre Estados. Não cabe ao presente texto promover esse estudo até porque os seus resultados teriam que ser classificados. Esses resultados iriam expor metodica­mente eventuais alvos concretos passíveis de acções terroristas, algo que deverá ser conhecido em primeiro lugar pelos Serviços de Informações da República Portuguesa (SIRP).
 
Não detalhando situações concretas, a título de breve exemplo e apenas para o espaço nacional existem algumas situações que podem envolver insegurança ambiental:
 
ª  existência de minas desactivadas ou em fraca laboração, mal acondicio­nadas e mal vigiadas, onde é possível aceder facilmente a materiais altamente contaminantes;
ª  existência de escombreiras mineiras com risco de derrocada sobre cursos de água importantes e/ou contendo materiais contaminantes que têm sido continuamente lixiviadas, poluindo os meios hídricos superficiais e subterrâneos: os meios superficiais envolvem sensibilidade ecológica e os subterrâneos são de muito difícil recuperação uma vez contaminados, podendo actualmente estar-se a inviabilizar origens de água durante décadas ou centenas de anos;
ª  existência de vazamentos de entulho e de lixo com elevado potencial de contaminação de meios hídricos superficiais e aquíferos (particularmente em meios porosos e cársicos), incidindo particularmente sobre origens de água cuja qualidade não é controlada (sobretudo poços particulares e nascentes, algumas delas encaradas pela população com características medicinais);
ª  falibilidade dos aterros sanitários, mas, mais importante, o facto de existirem vários aterros sanitários funcionando mal face ao que foi projectado e construído e, de onde resultam efluentes com um potencial contaminante invulgarmente elevado, com consequências muito superiores às referidas no ponto anterior;
ª  existência de escavações mineiras a céu aberto (ou em galeria) onde se acumulam águas contaminadas propiciando acesso privilegiado aos meios aquíferos;
ª  existência de albufeiras de rejeitados mineiros altamente contaminantes cujas barragens têm elevados riscos de ruptura;
ª  existência de depósitos de materiais perigosos e resíduos perigosos com deficiente acondicionamento;
ª  não cumprimento das regras de acesso a produtos químicos altamente contaminantes (compra, manipulação e transporte);
ª  sobre-incidência de alguns tipos de cancro em zonas onde existem rochas tipo granitóide no subsolo (contendo elementos radioactivos) e nas construções que as utilizam abundantemente;
ª  exposição a factores contaminantes de origens de água importantes para abastecimento doméstico (pelo número de pessoas servidas);
ª  quase abandono e não vigilância de sistemas de transporte e armazena­mento de água;
ª  quase abandono e não vigilância de outras obras hidráulicas;
ª  quase inexistência de fiscalização das rejeições de contaminantes nos meios hídricos (efluentes ou outros) e muito fraca punição dos infrac­tores (quando identificados);
ª  não cumprimento das normas relativas a “ar condicionado” nos edifícios ou outros e genérico fácil acesso a eles para introdução de contaminantes do ar;
ª  existência de centrais nucleares térmicas em Espanha que utilizam água de dois dos rios internacionais, por sua vez origens de água muito importantes em Portugal, abastecendo vários milhões de pessoas;
ª  risco de acidente/atentado em centrais nucleares térmicas espanholas, particularmente as localizadas junto à fronteira, o que implicaria o possível arrastamento de nuvens radioactivas para território nacional; essas centrais utilizam tecnologia relativamente antiga o que implica um aumento potencial desse risco em caso de acidente;
ª  intenção de Espanha de criação de depósito de resíduos nucleares junto da fronteira com Portugal (existem várias propostas);
ª  vulnerabilidade qualitativa de Portugal face aos recursos hídricos afluentes de Espanha: a água dos rios internacionais chega poluída à fronteira;
ª  vulnerabilidade quantitativa de Portugal face aos recursos hídricos afluentes de Espanha: do total de recursos superficiais do continente em ano médio 40% afluem de Espanha (existem projectos para aumento da utilização da água em Espanha o que reduzirá mais ainda as afluências);
ª  vulnerabilidade do país em situações de cheia ou de seca, quando não seja conciliável com os interesses espanhóis a gestão das suas albufeiras, o que, ou poderá implicar a criação ou ampliação dos efeitos de cheias em Portugal ou redução de caudais em situações hidrologicamente deficitárias;
ª  deficiente recarga do litoral com sedimentos (o que põe em risco a existência de praias e a estabilidade da costa - incluindo as infra-estruturas aí localizadas) devido à retenção de sedimentos nas barragens espa­nholas (e nacionais);
ª  poluição e a diminuição do caudal dos rios (particularmente os que não dependem da vontade nacional por afluírem de Espanha) têm consequências ecológicas negativas: ao longo dos rios e nas zonas de foz, porque propiciam avanço da “cunha salina”, alterando os habitats e diminuindo a produtividade biológica da ZEE (as zonas de foz como são os sapais e/ou os estuários dos rios são zonas sensíveis onde ocorre a reprodução de muitas espécies piscícolas), entre elas as que têm VUD (nos termos em que se definiu em 1.);
 
Aos factores acima juntam-se outros identificados no âmbito das “ameaças futuras à segurança ambiental” e que são igualmente passíveis de afectar Portugal:
 
ª  depleção da camada de ozono - apesar de pequeno contribuinte para este fenómeno, Portugal é um país cuja economia depende fortemente do turismo de “sol e praia”; a camada de ozono da alta atmosfera filtra a radiação ultravioleta, passível de provocar a degeneração celular e assim o cancro; com a diminuição desta protecção é previsível o aumento da incidência de vários cancros de pele e da córnea: além do problema de saúde pública que irá gerar não deixará de influenciar a economia se aquele tipo de turismo entrar em declínio;
ª  alterações climáticas - as características climáticas e hidrológicas de Portugal farão com que (i) ocorra diminuição dos recursos hídricos disponíveis: ocorrerá redução da precipitação; o aumento da temperatura média tenderá a propiciar condições para mais fácil deterioração da qualidade da água (favorecendo designadamente fenómenos de eutrofização); Espanha poderá tentar reter maior volume de escoamento já que irá sofrer os mesmo tipos de problemas, diminuindo as afluências a Portugal; (ii) os fenómenos extremos se acentuem: precipitações com elevada intensidade, frequência e duração (originando cheias rápidas) e, fenómenos de seca, mais pronunciados quando à magnitude, frequência e duração; (iii) a subida do nível médio da água do Oceano Atlântico irá provocar o desaparecimento de algumas praias, a redução de outras e o recuo generalizado da linha de costa, com o risco inerente, sobre a segurança de infra-estruturas e construções, custos elevados para a sua deslocalização e impactos sobre o turismo;
ª  fugas radioactivas a partir de submarinos nucleares - a posição geográfica de Portugal torna-o vulnerável a rotas de submarinos militares de propulsão nuclear, aos quais está sempre inerente o risco de problemas que impliquem o seu afundamento e de onde podem resultar fugas radioactivas; os fundos oceânicos ao largo da costa têm cotas muito baixas o que impediria o acesso e inertização dessas fugas, com consequências ecológicas e sobre a saúde humana no caso de ingestão de pescado e marisco;
ª  derrames de combustível - a costa de Portugal faz parte das rotas internacionais de transporte de combustíveis, o que em caso de derrame a torna particularmente vulnerável, com as consequências ecológicas e económicas associadas;
ª  desastres naturais - sismos, cheias, torrentes e escorregamentos são os desastres que envolvem maior risco em Portugal;
ª  escassez e poluição da água - são problemas existentes em algumas zonas do país e que tenderão a acentuar as suas consequências em resultado das alterações climáticas;
ª  salinização do solo - é um fenómeno que decorre fundamentalmente de práticas agrícolas inadequadas, particularmente as que resultam de agricultura intensiva (e a tendência é para a necessidade de aumentar as produções agrícolas);
ª  aumento do uso de fertilizantes químicos, pesticidas e detergentes - no caso dos fertilizantes e pesticidas, decorre da necessidade de aumentar a produtividade agrícola, apesar de gerar efeitos colaterais negativos sobre a estrutura química do solo e gerar poluição dos meios hídricos e dos ecossistemas aquáticos aquando da sua lixiviação e arrastamento; no caso dos detergentes, decorre da intensificação de utilização pelas actividades sobretudo urbanas e da sua rejeição como efluente líquido sem tratamento adequado;
ª  deflorestação - a indústria de mobiliário, de pasta de papel, a criação de campos agrícolas, a expansão urbana e os incêndios são as suas principais causas; aquele fenómeno diminui extraordinariamente o VET dos recursos florestais (nos termos em que foi definido em 1.).
ª  erosão do solo - é um fenómeno relacionado com a deflorestação e as práticas agrícolas inadequadas (designadamente práticas de monocultura) e ao qual está submetida parte significativa do território nacional;
ª  desertificação física - resulta de fenómenos de erosão do solo e de processos climáticos agressivos, sendo por vezes uma realidade irreversível; parte importante do território nacional sofre processos de desertificação física;
ª  implantação de populações e actividades económicas em leitos de cheia, planícies de alagamento, zonas sísmicas ou ecologicamente sensíveis (particularmente florestas e zonas húmidas) - existem muitas destas situações em Portugal;
ª  perda de biodiversidade - envolve processos complexos que decorrem da acção humana por via da pressão urbana, da caça/pesca, da poluição (do ar, da água e do solo) e da destruição/degradação dos ecossistemas;
ª  contaminação do solo e do ar - as zonas urbanas e industriais envolvem graus de poluição do solo e do ar acima dos valores de segurança para a saúde e para o ambiente que a legislação estabelece;
ª  diminuição do stock de pescado - tem vindo a aumentar a pressão das actividades sobre os recursos haliêuticos de onde já resultou a quase extinção de algumas espécies; Portugal tem o segundo maior consumo de pescado per capita a nível mundial e ao qual se tem vindo a somar a pressão de países da UE, querendo explorar os recursos da ZEE nacional;
ª  deposição de resíduos perigosos e tóxicos - não foi adoptada ainda uma solução para tratamento de resíduos perigosos; nalguns casos esses resíduos encontram-se acumulados de modo precário, traduzindo focos de contaminação do solo e da água (no caso do solo, existem elementos lixiviados que podem entrar na cadeia alimentar, com consequências nocivas para a saúde);
ª  doenças novas e reemergentes farmaco-resistentes - apesar não ter sido dos principais países, tem vindo a ocorrer também em Portugal o reaparecimento de doenças consideradas extintas, do mesmo modo como algumas “doenças tratáveis” vêm apresentando complexificação e não conseguem ser tratadas de modo convencional, causando nalguns casos a morte; em face de Portugal se ter tornado país de acolhimento, corre novos riscos em virtude de poder vir a receber emigrantes com doenças consideradas novas, ainda que originadas a grande distância;
 
 
8.  Conclusões
 
O terrorismo vem assumindo novas formas, representando uma ameaça cada vez mais real e intensa à segurança internacional. GLEICK (2001) afirma que as instituições se têm demonstrado lentas quanto à eficácia na avaliação das tensões étnicas e religiosas passíveis de motivar acções terroristas. Segundo o mesmo autor, o próprio fenómeno terrorista está em mutação e apesar disso as discussões relacionadas com ele têm estado centradas na identidade dos terroristas, nas suas motivações e no crescente potencial de destruição posto nas armas a que podem recorrer. Contudo em sua opinião não tem sido igualmente intensa a discussão sobre quais poderão os alvos a ser escolhidos.
 
O tratamento do terrorismo ambiental terá que partir da compreensão das motivações dos terroristas, da sua identidade, identificação das vulnerabilidades e dos riscos dos factores ambientais, procurando encontrar soluções preventivas e preemptivas.
Independentemente da terminologia utilizada, a prática de actos deliberados contra factores ambientais com a intenção de directa ou indirecta de prejudicar as sociedades é uma evidência. A importância dos factores am­bientais na consolidação da segurança dos Estados também. Com a tendência actual é de prever que irão acentuar-se as situações de stress ambiental. Isso significa prever que irão ser acentuadas ou criadas novas debilidades sobre os sistemas ambientais, aumentando o valor e a vulnerabilidade dos recursos envolvidos. Decorrerão daqui: potenciais conflitos internos ou entre Estados no quadro de novas situações de insegurança ambiental; potenciais aproveitamentos da degradação, escassez e simbolismo dos factores ambientais, podendo vir a constituir mais frequentemente no futuro alvos de terrorismo, fáceis, com elevado poder de destruição, envolvendo muitas vítimas e alvos insuspeitos, revelando uma nova face do terrorismo. O terrorismo pode tornar-se portanto um factor acrescido de insegurança ambiental.
 
Não existe em Portugal uma cultura de segurança consolidada, nas instituições civis e entre a população. Este é um factor acrescido de vulnerabilidade. Pensa-se que “apenas acontece aos outros” e atitudes zelosas de segurança são encaradas como sendo exagero. Por exemplo, são conhecidas vulnerabilidades sísmicas muito importantes a Portugal por via da sua localização no contexto tectónico, das deficiências na construção, das deficiências dos sistemas de segurança das infra-estruturas (acessos, portas de saída, sinali­zação, dimensão de componentes, etc) e da própria organização do modelo de socorro (a nível institucional, localização dos pontos de saída de socorro, hierarquia de comando e de integração, comunicações). Atendendo apenas a este tipo de ameaça é incrível a quase inexistente prática de simulacros envolvendo a população. Em situação de catástrofe poucos saberão como agir e que caminhos seguir e, então as consequências apenas poderão ser “as piores”.
 
Em face do diagnóstico breve sobre os problemas que envolvem insegurança ambiental em Portugal e a realidade descrita no parágrafo anterior é possível afirmar que existem ameaças sobre as quais importará dedicar mais atenção, sob pena de “um dia ser tarde demais”.
 
 
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* Relatório elaborado sob orientação do CMG Cervaes Rodrigues, no âmbito do Curso de Defesa Nacional (2003/04).
**     Engenheiro de Recursos Hídricos, Mestre em Hidráulica e Recursos Hídricos, consultor e bolseiro de investigação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL). Desenvolve actividade no Instituto da Água (INAG) do Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território (MAOT).
 1 “Dust Bowl” é uma expressão relativa ao fenómeno surgido nos EUA nos anos 30 (no período da “grande depressão”), relativa às pessoas que viviam em regiões semi-áridas. Essas regiões foram assoladas por fenómenos meteorológicos extremos tais como secas, tornados, tempestades de poeira e mesmo cheias, inviabilizando as actividades agrícolas (que já de si careciam de ser repensadas por serem não sustentáveis).
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by COM Armando Dias Correia