Tal como a região do Niassa era desconhecida[1], também o rio Rovuma sofre do mesmo mal, abandono, desconhecimento, sendo mesmo a área geográfica de Moçambique menos conhecida, mesmo depois da construção do caminho-de-ferro da costa até Lichinga e até ao Malawi.
É sempre difícil desenvolver um tema sobre um rio, principalmente sobre um rio que se conhece mal, que tem centenas de quilómetros, corre em zonas desconhecidas e suas águas que o vão moldando, também têm uma história de milhares de anos de percurso.
Pretende-se com este artigo dar a conhecer algo sobre o rio Rovuma e suas vizinhanças, baseando-se o texto em documentação real, sobre uma descida do rio em 1960.
1. Análise do rio Rovuma
O rio Rovuma nasce no planalto de Ungone (Tanzânia) junto de Ssongea e não longe da margem oriental do lago Niassa. É fronteira de Moçambique durante cerca de 730 km. A sua navegabilidade é de cerca de 200 km e para pequenas embarcações, desde a confluência com o Lugenda até à foz.
O curso do rio Rovuma apresenta uma constituição muito variável, pois atravessa zonas montanhosas
“em solo de base granítica e superficialmente arenoso e onde existem algumas jazidas minerais e se encontram alguns depósitos de xistos betuminosos com alguns grés quartzozo, os quais são muito alterados e fendidos ao longo da linha de junção, o que sugere a ideia da sua infiltração através dos xistos betuminosos. Na catarata próximo de Guamacanja o rio passa sobre o gneisse. Entre o gneisse na região de Pôdo, encontra-se disseminado o ferro magnético.” [2]
Na sua margem direita, e em Moçambique, existem afluentes com direito a serem considerados rios:
- O Messinge, que nasce a sul de Maniamba, a 800 metros de altitude e vai descendo até aos 560 metros na sua junção com o Rovuma;
- O Liunde;
- O Luguluzia;
- O Lucheringo, quase do tamanho do Lugenda, desenvolve por cerca de 250 km desde Lichinga ao Rovuma;
- O Lussanhando;
- O Chiulézi;
- O Lugenda.
2. O Rovuma na Fronteira Norte de Moçambique. Convénios
O Rio Rovuma sendo o segundo rio mais importante de Moçambique, depois do Zambeze e constituindo a quase totalidade da fronteira norte do país, confrontando com a vizinha Tanzânia, está apto a ser objecto do nosso interesse.
Seguindo o curso do grande rio, a fronteira tem seu início na foz e durante 705 quilómetros (438 milhas) serve de raia entre Moçambique e a Tanzânia.
Quando o rio Rovuma inflecte para norte, e após a confluência com o rio Messinge a fronteira segue este rio durante 3,2 quilómetros e depois o rio Shipingue, durante 6,4 quilómetros, seguindo finalmente uma linha quase recta através de uma área montanhosa, com altitudes por vezes superiores a 1.000 metros, até à margem do lago Niassa. Essa linha é definida por 27 marcos de fronteira colocados em 1908 por uma Missão luso-alemã chefiada pelo Capitão-tenente Engenheiro Hidrógrafo Augusto Eduardo Neuparth com a colaboração do alemão Capitão Schlobach. Posteriormente foi alongada para o interior do lago, de modo a que as águas territoriais de Moçambique fossem até meio do lago, também em linha recta mas como fronteira aquática.
Como se pode ver, na figura 6, as altitudes variam entre a cota do lago, cerca de 400 metros, ficando logo o 3º marco a uma cota de 1.136 metros, subindo aos 1.795 metros cerca do 9º marco, andando pelos 952 metros no 20º marco e finalmente junto ao Rovuma, a cerca de um pouco menos dos 550 metros.
A seguir à 1ª Grande Guerra, entre 1936 e 1937, Portugal e a Inglaterra, acordaram que as ilhas do rio Rovuma a montante da foz do rio Domoni aproximadamente a 38º08’ E de longitude, seriam da Inglaterra (agora Tanzânia) e as ilhas a jusante deste ponto seriam de Portugal, (agora Moçambique).
O rio Rovuma era pouco considerado nos séculos XV e XVI, não constando na cartografia da época, porquanto se analisarmos a costa de África Oriental Portuguesa entre Moçambique e Quiloa, por vezes aparece Cabo Delgado, ou Cabo del Gado, a norte das Ilhas Quirimbas, mas nada consta sobre o rio Rovuma, cujo tamanho deveria ser considerável para os navegantes. Só que a sua foz não era aprazível nem protectora para os navios. Daí o seu desinteresse.
Na figura 7, onde se vê uma carta do ano de 1630, já consta o rio Chire, afluente do Zambeze (ou Cuama), indicações de minas de ferro e cobre, a localização do Zimbaue de Rombo ou Rondo, de Macuane, e de um lago entre montanhas a noroeste de Maçaobiqve (Moçambique), mas nada tão importante como seria a foz do grande rio Rovuma.
Na figura 8, de 1780, o rio Rovuma aparece como rio Mongallo, no local certo mas com dimensão ínfima. O cartógrafo Bonne muito importante na Europa, teria pouca informação da África Oriental, nomeadamente a portuguesa. Entre esta foz e o lago Maravi nada consta na referida carta.
No entanto em 1590 Bartolomeu Lasso, numa folha do seu álbum, já apresentava a costa da África Oriental Portuguesa contendo um grande rio, de nome Rio de Arama (Irane ou Krane), desaguando a norte de Cabo Delgado, como se pode ver na fig. 9.
Entretanto, em 1886, e só nesse ano, houve a preocupação de definir internacionalmente as influências que Portugal e a Alemanha, (este país então cheio de entusiasmo colonial), pudessem ter na parte norte da África Oriental Portuguesa.
Note-se que até este ano, 1886, esta parte de África somente interessava por fornecer escravos, ouro e marfim e que o Rovuma e o seu afluente Lugenda estavam nos itinerários principais das “levas de escravos”.
A chamada Companhia do Niassa, mais uma companhia majestática
[4] das que foram montadas em Moçambique, só funcionou a partir de 1888, mas já em 30 de Dezembro de 1886 era assinada uma declaração entre Portugal e a Alemanha respeitante às possessões dos dois países e as respectivas esferas de influência no Sul de África. Tal declaração estabelecia uma fronteira entre o Oceano Índico e o Lago Niassa. Tratados subsequentes foram aumentando detalhes, até à presença da missão de fronteiras já referida do Capitão-tenente Neuparth em 1908.
Recorrendo a fontes mais modernas e de larga difusão pela internet, depara-se nesta zona com situações não correspondentes à verdade que albergam alguma perigosidade, por todo o mundo parecer crer na sua exactidão. Assim, no Google Earth, Moçambique seria prejudicado em cerca de 100 quilómetros quadrados, no local indicado na figura 11, em benefício da Tanzânia, por má marcação dos limites fronteiriços entre os dois países. Há outros locais na mesma fronteira indevidamente marcados.
Há mais zonas em que a fronteira está mal marcada, mas nas imagens 11 e 12 vê-se bem que uma grande área não é considerada como fazendo parte de Moçambique.
3. O Relevo das margens do Rovuma
O relevo das margens do Rovuma encontra-se pormenorizadamente descrito na obra “O Desconhecido Niassa”, publicada em 1964, de autoria do então Capitão Nuno Valdez dos Santos, que espero não leve a mal esta indiscrição. São tópicos que descreverei a seguir em itálico:
“A cota máxima das montanhas não ultrapassa os 1.850 metros, no caso do Monte Txitongo.
O planalto Konde e montes Kinga, que se alinham com outros montes da Tanzânia cujas alturas chegam aos 3.000 metros, caem por vezes abruptamente de alturas de 1.500 e 2.000 metros sobre a margem oriental do lago Niassa.”
A noroeste do sistema domina a cordilheira Jeci, com 1.836 m de altura, entre os rios Messinge e Lucheringo sendo notáveis os montes:
- Metonia 1.608m
- Lilase 1.388m
- Nicolimbo 1.315m
- Mucopo 1.359m
- Marrate 1.355m, etc.
Entre o rio Messinge e o lago Niassa, constam os picos seguintes:
- Xanissa 1.795m
- Txingela 1.787m
- Langa-Lango 1.680m
- Linto 1.731m
- Issanga 1.703m
- Txitongo 1.848m
- Matuaimba 1.682m
- Xitete 1.517m
Neste esquema, fig.14, pode ver-se as zonas montanhosas junto ao lago Niassa, e diversos “inselbergs” espalhados perto do rio Rovuma, até ao monte Lisielo.
Os pormenores das figuras 15 e 16, referem-se a picos existentes na cordilheira montanhosa existente entre o rio Messinge e o lago Niassa e mencionados na figura 14. Estes pormenores foram localizados por ampliação computarizada, obtida na internet, em http://mappery.com/searchmap.php. Repare-se que, a partir de determinada ampliação, os relevos passam a incluir curvas de nível, de 40 em 40 metros, sendo as mestras engrossadas para melhor visibilidade. È uma informação preciosa.
E voltando ao texto segundo Valdez dos Santos:
“Separando as águas do Messinge e Lucheringo existe a cordilheira de Messenga com os seguintes picos:
- Montes Bemba 1.550m
- Serra Jéci 1.836m
- Serra Macuta 1.820m
- Pico Chitagalo 1.803m
- Monte Chilungo 1.650m
- Monte Sanga 1.798m.
Separando as águas dos rios Lucheringo e Lugenda existem:
- Montes Mecuía 1.738m
- Montes Changanssia 1.704m
- Monte Bemba 1.508m
- Montes Mabalé 1.164m
- Monte Oizulo ou Jau 1.356m.
Nestas figuras 14 e 17, indicam-se os rios principais e alguns pontos de cota de referência.
Ao longo do rio Rovuma numa orientação paralela a ele e a sul, existe uma barreira montanhosa durante 150 km, à distância do rio, entre 20 e 50 km.
Nessas barreiras destacam-se:
- Monte Suige 821m
- Monte Quissindo 1.075m
- Monte Lisielo 1.114m
- Monte Ximoso 1.285m
- Monte Missiringe 1.002m
- Monte Muivardo 1.006m
- Monte Metondóva 1.180m
- Monte Bamba e mais a sul 1.105m
-
Serra Mecula 1.441m [6]
As figuras 12, 18, e 19, foram também obtidas pela internet, em http://mappery.com/searchmap.php e ampliadas pelo mesmo processo anteriormente referido. As figuras 19,20 e 21, foram também obtidas na internet em http://nmg.nationalgeographic.com/ngm/megaflyover. Apresentam diversas visualizações da serra Mecula.
A insistência nas imagens da Serra Mecula devem-se ao facto de ser a serra que ocupa maior e mais importante superfície, tendo sido alvo de diversas investigações e estudos científicos, além de ser uma reserva cinegética de elevada importância para Moçambique. De facto junto ao lago Niassa há elevações de maiores cotas, mas em relação com o rio Rovuma parece-me que esta serra tem maior incidência para o seu estudo.
Voltando ao texto de Valdez dos Santos:
Nessa barreira, referida na página 9, existem aberturas para passarem os rios que são afluentes do Rovuma e que são: o Lusanhando, o Lucheringo, o Lucebanga, o Ludimilé, o Mazeze, o Chiulézi e o Licombe.
Para o lago Niassa seguem os rios: o Lipoche, o Coboé, o Lunho, o Luaíce, o Lipuche e o Luangua.
Para as zonas lacustres Chirua e Chiuta e Amaramba, correm pequenas linhas de água. Do Chiuta e do Amaramba nasce o Lugenda.
O Lugenda ou Rieta drena as águas da lagoa Mtorandenga, entra nos lagos Chiuta e Amaramba, a 620 m de altitude, e forma no seu curso muitas ilhas de dimensões consideráveis, corre sobre solo acidentado, por florestas indo confluir no Rovuma junto de Negomano, ainda a 220m de altitude. Não é navegável devido aos muitos rápidos.[10]
Do relatório do patrulhamento do Rovuma, extrairam-se alguns apontamentos de interesse e que seguem em itálico:
A partir de Milepa, o rio Rovuma pouco ultrapassa os sessenta metros de largura. As margens por vezes espraiavam-se diminuindo a profundidade do rio, sendo mais fácil seguir na parte do rio que ia junto à margem que tinha comandamento, onde normalmente tinha mais água e mais corrente.
Alternadamente o rio ia engrossando e afunilando dando origem aos rápidos.[11]
No entanto entre 1960 e 1975 a zona indicada na figura 24, foi teatro de muitas operações militares, tendo o autor estado em Mueda, e duas companhias do seu Batalhão estado, uma em Diaca e outra em Nangade. Também foi nesta zona que se desenrolou a Operação Fronteira tão falada antes e depois da independência de Moçambique.
4. Menções do rio Rovuma em textos antigos
Em 1797/98, Lacerda e Almeida, ao tempo capitão-mor de Sena, iniciou uma travessia da África, com conhecimento da corte, desde Sena até Cazembe em direcção ao norte, mas julga-se que não chegou ao Rovuma. Pretendia chegar a Angola.
Digamos que esta travessia (ou tentativa) para chegar a Angola, foi a primeira que teve melhor base científica, pois Lacerda e Almeida era licenciado em Matemática e equipou-se com teodolitos e outros instrumentos para a sua expedição. Tentou a travessia, em 1797/98, partindo de Quelimane até à capital da Lunda, a grande povoação de Muata-Cazembe, tendo percorrido cerca de 500 léguas.
Em 1835 Sebastião Xavier Botelho, Par do Reino, na sua descrição minuciosa sobre a África Oriental Portuguesa, no
Cap.XVIII - Continuação Topográfica,
[12] descrevia:
“…continuamos de Quelimane até Moçambique (ilha) e de lá às ilhas do Cabo Delgado, a que outros chamam de Querimba, que fazem as extremas dos nossos domínios africanos ao sul do Equador.”
E mais adiante “…sertão dentro estendesse o reino Macua com o de Maurusa e de Mongada até ao focinho do Cabo Delgado.”
“As ilhas de Cabo Delgado, só cinco são habitadas e são: Arimba, Carimba, Ibo, Malemne, Anize.”
Nada consta nesta memória, sobre o rio Rovuma.
Parece que além da sua travessia, pouco interesse tinha o rio Rovuma para os portugueses ou mesmo para os árabes.
Em 1859, consta que um alemão, referido como Dr. Roscher, fez um levantamento dos cursos superiores do Rovuma. Nada chegou aos dias de hoje, mas Ernesto de Vilhena a ele se refere.
[13]
Como é sabido, o senhor Livingstone, inicialmente missionário, depressa tomou gosto pela exploração dos terrenos africanos e digamos em abono da verdade, que o fez com toda a valentia tendo acabado por morrer neste continente.
Depois do senhor Livingstone ter tentado entrar na barra do Rovuma, com o navio “Pioneer”, em 1863, e só ter conseguido andar 30 milhas (48 km) no leito do rio, pouco acima da sua foz, com outro navio o “Lady Niassa” voltou ao Rovuma e aí sim, percorreu durante 156 milhas (cerca de 250 km), não chegando no entanto a meio caminho da foz para Negomano.
Mas, em Agosto de 1865 partindo de Quionga em direcção a Negomano, atravessou o Rovuma e depois de tentar percorrer umas milhas do Rovuma, para nascente, resolveu seguir o seu afluente Lugenda cujo curso o levou aos lagos Chirua e Chiuta e ao lago Niassa.
Entre 1858 e 1864, Livingstone durante a sua expedição ao Zambeze admite que o lago Chirua seja a nascente do rio Lugenda.
Em 1875, Bishop Edward Steere atravessou o Rovuma em Negomano, desceu o Lugenda até Muembe e voltou para norte, atravessando de novo o rio. Foi dos primeiros missionários cristãos a chegarem a Masasi
[14], em 1876.
As dificuldades que as autoridades portuguesas punham para se obter livre circulação nos rios Chire e Zambeze, levaram as autoridades inglesas a pensar estabelecer rotas alternativas para o mar (mapa fig. 26, do Tenente O’Neill). As rotas existentes coincidiam com as rotas dos escravos, pelo que os ingleses que tentavam por todos os meios combater a escravatura, não estavam pelos ajustes de aprenderem essas rotas com os comerciantes de escravos. Ainda com a agravante de desconhecerem as rotas que até essa data não tinham sido percorridas por europeus. Boatos diziam que os itinerários eram demasiado perigosos, e povoados por antropófagos.
Entre 1876 e 1883 o reverendo William Percival Johnson, percorreu toda a região entre o Lugenda e o lago Niassa. Em 1884 publicou “Seven years travels in the region East of the lake Nyassa”.
W. P. Johnson chegou a Zanzibar em 1876. No ano seguinte estava em Moçambique em Lindi. Em 1880 discute com O’Neill a nascente do Lugenda, como sendo o lago Chirua ou o Chiuta com o Amaramba.
O tenente Henry Edward O’Neill, cônsul britânico em Moçambique entre 1879 e 1899, não acreditava em antropófagos e começou a explorar o interland da Ilha de Moçambique, levando os colonos portugueses até 30 km da costa.
O’Neill falando swailli e percorrendo diversos itinerários e fazendo observações astronómicas determinou a longitude de Blantyre (capital do Malawi). É de sua autoria o mapa da figura 26, onde a bacia hidrográfica Rovuma-Lugenda já tem uma certa verosimilhança com a realidade.
Nesta região foram implantadas umas missões escocesas que deram origem ao actual Malawi.
Em conclusão, o rio Lugenda parte efectivamente da zona norte do lago Chiuta e não do Chirua, e aproveita as águas do lago Amaramba, como O’Neill afirmava.
O pormenor do mapa de O’Neill apresentado na figura 28 é convincente desse facto.
Em 1875, James Elton foi cônsul em Moçambique, depois de ter estado na China, no México, ter percorrido o Transwal e o Natal. Como lhe competia, lutou contra a escravatura, então ainda existente em Moçambique, por parte dos árabes e dos colonos portugueses.
Em 1881, Joseph Thomson percorreu o trilho de Livingstone, subiu o Rovuma e atravessou-o no ponto de coordenadas: latitude 11o 10’ S e longitude 38o 40’ E Gr (praticamente em Negomano). Percorreu a margem direita até ao rio Lugenda e subiu este rio até Itule ou Kivanahanga.
Em 1908, o Major James Stevenson Hamilton sobe o rio Rovuma desde a foz à nascente. Publicou em 1919 a obra “Notes on a journey through Portuguese East África, from Ibo to lake Nyassa”. Este senhor foi o responsável pelo Kruger National Park na África do Sul, desde 1902 a 1945 e o grande sucesso deste parque, a ele se deve.
Entre 1903 e 1911, existiram postos militares ao longo do rio Rovuma com a seguinte distribuição:
- Mitomóni na foz do rio Messinge;
- Macaloge na foz do rio Lucheringo;
- Maziúa na foz do rio do mesmo nome;
- Unde na confluência com o Lugenda.
Ernesto Vilhena escreveu “Relatórios e Memórias sobre os Territórios da Companhia do Niassa”. Esta companhia majestática funcionou, sempre mal, entre 1890 e 1929, nas regiões do Niassa e Cabo Delgado, cobrindo portanto todo o rio Rovuma moçambicano.
Em 1959, a Missão Hidrográfica da Marinha Portuguesa publicou o “Roteiro do Lago Niassa”, com planos dos portos de Coboé, Metangula e Meponda incluindo 120 vértices geodésicos observados e calculados, sendo a maioria construídos nos picos mais inacessíveis.
Neste Roteiro do Lago Niassa, consta que, em Março de 1616, Gaspar Bocarro, nobre da casa do Marquês de Fronteira, teria partido de Tete com destino a Quiloa, por via terrestre, atravessado o Zambeze, … teria visitado a lagoa Maganja (lago Niassa?) …teria atravessado o rio Rovuma e…53 dias depois chegado a Quiloa. Pensa-se que teria atravessado o Rovuma perto da foz do rio Messinge, seu afluente.
5. O Rovuma e a 1ª Grande Guerra (1914/1918)
A 1ª Grande Guerra, felizmente a única em que Portugal entrou, teve actuações arrojadas mas de poucos resultados práticos, nomeadamente em Moçambique.
Pouco antes do início das hostilidades, em 9 de Março de 1916, a ocupação militar da zona norte da África Oriental Portuguesa pode ser vista no esboço da figura nº 30, indicada pelo símbolo ● com uma pequena bandeira por cima.
Junto ao rio Rovuma podemos distinguir no mapa:
– Mitomone
– Macalage
– Maziúa (fig. 29)
– Unde
– Negomano
– Mocimboa do Rovuma
– Nangadi
– Pundanhar
– Chunde (perto de Quionga ocupada pouco depois).
Portugal enviou para o norte de Moçambique, quatro expedições, mas nenhuma delas satisfez as necessidades em homens e material, para a defesa de uma fronteira tão grande e tão porosa, sendo 700 km como uma porta aberta em todos os sentidos. Além disso, como tinha sido implantada a república, quatro anos antes, os oficiais monárquicos não podiam ser nomeados ou não convinha que o fossem, sendo efectivamente nomeados militares com poucos conhecimentos de África e da maneira de desenvolver a guerra neste continente. Ainda antes da declaração de guerra, em Setembro de 1914, foi enviada a primeira expedição, mas o desembarque em Palma foi desastroso ficando os transportes de tropas a grandes distâncias de terra, só após ter sido sacrificado o sargento Eduardo Rodrigues Costa, comandante do posto fronteiriço de Maziúa.
Diz o General Ferreira Martins:
“Deficientemente ocupado, quer em quantidade de postos quer em qualidade das guarnições, o Rovuma não foi para nós a barreira favorável que poderia ser, e antes se prestou a repetidas investidas dos alemães àqueles postos…”.
Pior foi quando as tropas alemãs comandadas por “von Lettow Vorbeck” resolveram invadir efectivamente Moçambique. Andaram à vontade por todo o norte da colónia tendo chegado às portas de Quelimane e tornaram a sair pelo Rovuma e continuaram para a Rodésia de então.
Soube-se posteriormente que esta invasão tinha mais pressões logísticas do que operacionais. Assim o próprio comandante o declarou, que tinha muita necessidade de botas para os seus
ascaris bem como de medicamentos, e assim ia conseguindo reabastecer-se. Laconicamente em 28 de Setembro de 1918, von Lettow-Vorbeck escreveu no seu diário”
As tropas estão atravessando o Rovuma. A água do rio tem um metro de altura.” [15]
6. Descida do Rovuma em 1960, pelo Capitão Valdez dos Santos e Alferes Medina Ramos (Reconhecimento)
6.1 Patrulhamento propriamente dito
Em 1964 o então Capitão N. Valdez dos Santos publicou uma obra intitulada “O Desconhecido Niassa” na qual o rio Rovuma é muito referido bem como toda a zona sua vizinha.
O patrulhamento do rio Rovuma feito por estes dois militares, então em serviço em Vila Cabral, actual Lichinga, foi objecto de um relatório que chegou à minha mão anos depois, tendo sido considerado reservado para efeitos de publicação. Actualmente, após quase 50 anos sobre a sua realização, penso ter liberdade para o publicar.
O meio de transporte utilizado foi um barco de lona, o da figura 33.
Também tomaram parte do reconhecimento dois Cabos, o 1º Cabo Miliciano Calvário e o 1º Cabo João Jonas, além de um guia autóctone não identificado.
O início do reconhecimento teve lugar em 3 de Agosto, na foz do rio Messinge, quando desagua no rio Rovuma. Este pessoal percorreu 467 km, no rio Rovuma em 155 horas, fazendo etapas médias diárias de 17 km. Seguiram o curso médio do rio entre Mitomóni e Negomano, dado o curso superior do mesmo se situar na Tanzânia, desde a nascente à confluência do Rovuma com o rio Messinge, e o curso inferior ser já muito conhecido desde a 1ª Grande Guerra, também por caçadores europeus, e ter pouco interesse ser objecto de um reconhecimento militar. Este último troço é o que se estende de Negomano à foz do rio (fig.24).
Do relatório final do reconhecimento militar
[16], pudemos tirar as seguintes conclusões:
A fronteira desenvolve-se entre o Lago Niassa, localizado no Vale do Grande Rift e a foz do Rovuma no Oceano Índico.
No interland a curta distância do Lago Niassa, atravessa uma superfície montanhosa com altitudes médias de 1.800 metros.
No restante itinerário a fronteira passa por áreas alternadamente de colinas e planícies.
Nos seus cursos, médio e baixo, o rio Rovuma corre através de um vale de 6 a 12 quilómetros de largura, pobremente drenado em muitos lugares.
Excepto variações devidas principalmente a diferenças de cotas, ao longo de toda a fronteira há poucas variações de condições climatéricas e de tipo de vegetação.
As precipitações variam entre 100 e 154 cm e as chuvas têm lugar principalmente durante os meses de verão. Em geral o mês de Julho é o mais frio com temperaturas nas várias localidades entre 16o e 22o C. O mês de Janeiro é o mais quente com temperaturas médias entre os 22o e 28o C. A amplitude térmica diária pode ir de 6o a 17o C.
6.2 Algumas dificuldades encontradas no reconhecimento
No documento que serve de base a este texto, obtivemos:
Rovuma, o grandioso rio dos Angonis, é um curso de água cheio de contrastes. A profundos pegões alternam-se baixios, margens pejadas de frondosa vegetação continuam-se com raquíticas árvores, a pedregosas margens sucedem-se espraiadas terras lodosas, alargamentos do leito do rio da ordem da centena de metros apertam-se bruscamente em gargantas de escassas dezenas de metros.
As diferenças de nível encontradas espalharam-se por todo o percurso, sendo a mais notável a da figura 38 na Queda de Água Sunda-Lema. Como é lógico, este obstáculo obrigou a uma travessia com o pequeno barco, por terra.
No mesmo documento transcreve-se:
Ao percorrermos o curso médio do Rovuma, na parte compreendida de Mitomoni à foz do Luchuringo, verificámos que o caudal do rio na época das chuvas, é imenso, espraiando-se muitos milhões de metros cúbicos das suas águas, por algumas centenas de metros das actuais margens, atingindo por vezes pontos a uma altura superior a dez metros do nível que estávamos percorrendo. Mas no estio…partes haverá do seu leito que estarão a seco ou onde só muito dificilmente correrá água em algum canalete, ligando entre si os profundos Pegões, a que chamam “lagoas”.
E ainda:
Em qualquer dos rápidos, o desnível do leito do rio pouco deve ultrapassar os dois metros e mesmo assim atenuados por patamares, pelo que a queda das águas faz-se em pequenas gargantas entre pedras, em saltos de cerca de um metro. Mas a força da corrente nesses rápidos, a pequenez das gargantas em que a água corre e a existência de inúmeros escolhos tornam os rápidos (muito) perigosos.
6.3 Localidades encontradas nas margens
A população tem (1960) uma densidade muito baixa em ambas as margens do Rovuma, sendo que na foz pode haver entre 20 a 50 pessoas por quilómetro quadrado, mas essa densidade diminui para cerca de 2 pessoas por quilómetro quadrado, no curso médio do Rovuma. Muitas ilhas são povoadas tratando-se de uma defesa dos habitantes contra a destruição regular das suas lavras pelos elefantes que raramente atravessam o rio.
O patrulhamento teve início em Mitomoni na margem direita do rio Messinge, a cerca de dois quilómetros do rio Rovuma. Esta localidade que em 1917 dispunha de um pequeno forte com guarnição de comando de sargento, foi atacada pelas tropas alemãs. Mais tarde em 1918 (28 de Setembro) volta a ser atravessada por tropa ascari, no seu regresso à actual Tanzânia.
Comenta o comandante do patrulhamento:
Somente quarenta e poucos anos depois de ter saído o último soldado (português) de Mitomoni é que esta povoação recebeu a visita de militares, e de civis europeus também não há memória, entre os indígenas, que tivesse sido visitada ou simplesmente atravessada…. Para os naturais o português europeu era completamente desconhecido, sendo considerado como um ser estranho, parecido com os monhés (indianos), mas com grandes barbas.
Em quase todas as povoações as equipas de reconhecimento encontraram bom acolhimento mas desde o início até Negomano raramente encontraram habitantes que falassem o português. Em muitas das povoações nunca tinha sido visto um branco, e faziam a sua vida com ligação às povoações da Tanzânia.
Algumas das povoações apenas tinham uma palhota e exceptuando a zona de caça grossa, não tinham contactos com qualquer autoridade portuguesa.
Como se pode ver na fig.43, a povoação de Gomba, considerada de alguma importância, consta de duas ou três palhotas na margem do Rovuma.
Ainda do mesmo relatório do patrulhamento militar:
Verificou-se que em regra, a margem direita do rio Rovuma (moçambicana) tinha não só mais comandamento sobre a outra como também era mais rica em vegetação. No entanto viu-se que a margem esquerda apresentava por vezes extensas e bem cuidadas machambas (hortas), trabalhadas por homens e mulheres e onde cresciam em boas culturas, vários produtos dos quais predominava o milho.
Foram registadas no reconhecimento as seguintes localidades:
Assim na área do reconhecimento foram registadas 29 (vinte e nove) povoações a norte do Rovuma e 23 a sul.
Na área não reconhecida em 1960, isto é entre Negomano e a foz do rio Rovuma, apenas se conhecem por mais importantes as seguintes povoações:
São todas na margem sul do rio Rovuma.
6.4 As datas do reconhecimento
6.5 Imagens pormenorizadas do reconhecimento
No Anexo I podem ver-se cópias das adaptações do reconhecimento, escritos e desenhados pelos autores.
No anexo II podem ver-se imagens do Google Earth do restante Rovuma, este agora sem reconhecimento.
7. Actividades de desenvolvimento na zona do Rovuma
7.1 Reserva de caça
Dada a grande quantidade de caça existente, junto ao curso médio do Rovuma, e à fraca densidade populacional, foi criada em 1964 a reserva de caça do Niassa. a norte de povoação de Metaca. Era intenção proteger o ecosistema florestal de Maiombe, de 42.000,00 km ², o qual após ser acrescido de 20.000,00 km² de coutadas, se tornou a maior reserva de caça de África. Comparando com o Kruger Park na RAS, tem só dobro da sua área. Vivem no seu interior cerca de 25.000 almas, a maior parte na cidade de Mecula, na serra do mesmo nome e o restante distribuídos por Gomba, Matondavela e Erevuca, sendo principalmente das raças Yao e Macua.
A área desta Reserva de Caça é delimitada a norte pelo rio Rovuma desde Milepa a Negomano, a leste pelo rio Lugenda, a sul pelo Lugenda até à confluência com o seu afluente Luatize, ligando-se depois ao rio Lucheringo que é o seu limite Oeste, voltando a fechar a área no rio Rovuma.
Nesta zona da Reserva de Caça, o rio Rovuma já é muito encorpado. É comum trabalhadores contratados como carregadores e outros trabalhos, fugirem quando uma manada de elefantes lhes corta o caminho. É perigoso enfrentar animais já feridos ou acompanhando crias. Os hipopótamos são normalmente calmos mas não se devem deixar aproximar demasiado. Já o leão e o crocodilo, são sempre de evitar se não se tiver uma guia profissional bem armado, por perto.
Elefante fêmea com cria. Perigosa
Para além dos animais de caça grossa, há que ter em conta a existência da mosca Tzé-Tzé, e o fraco apoio sanitário existente numa área tão grande.
Junto ao Rovuma, na margem sul, mas fora da reserva de caça, existem o lago Lidede e o lago Nangade. Na margem norte existe um lago desconhecendo-se o nome.
7.2 Ponte Nova ou da Unidade
Durante séculos a travessia fazia-se por batelão ou por jangadas improvisadas, mas num futuro próximo viaturas podem cruzar o Rovuma com rodas secas.
Está a ser construída uma passagem entre Moçambique e a Tanzânia através do rio Rovuma, o qual em vez de separar, vai passar a unir os dois países. A sua construção está a ser levada a cabo entre Negomano e Mtansbaswala, a primeira povoação em Moçambique e a segunda na Tanzânia.
Além da ponte vão ser construídos mais 5 quilómetros de estradas para cada margem. Vão ser necessárias 140 toneladas de aço, 300 toneladas de cimento, 75 mil litros de diesel entre outros materiais.
A ponte vai ter 720 metros de comprimento, e 13,4 metros de largura, com duas faixas de rodagem. Pretende-se agora que o indómito Rovuma, seja finalmente dominado.
A cidade de Mueda, que foi centro vital militar antes de 1975, vai obter vantagens com esta construção pois dispõe desde o tempo colonial de estrada alcatroada até Mocímboa da Praia, dispõe de relés de telemóveis, Caixa Automática de bancos, supermercados, hospital e estação de serviço, para apoio de viajantes. Estando a uma cota de 690 metros, tem um clima normalmente abaixo 5
o centígrados em relação às temperaturas dos arredores, fora do planalto dos Macondes.
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Anexo I - Esquemas do reconhecimento e zonas reconhecidas.
Anexo 2 - Imagens do restante rio Rovuma, não reconhecidas.
Tenente-Coronel de Artilharia. Professor de Topografia e Geodesia da Academia Militar, Orientador e Professor do Curso de Engenharia Topográfica da ESTIG de Beja, Professor Convidado da Universidade dos Açores; Professor da Escola de Formação e Aperfeiçoamento (do Instituto Geográfico e Cadastral), e Professor da Universidade Lusófona.
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[1] O Desconhecido Niassa, Valdez dos Santos, 1964.
[2] As Colónias Portuguesas, Ernesto de Vasconcelos, 1921.
[3] Carta de João Teixeira I em 1630.
[4] Companhias comerciais com obrigações de fomento das regiões, normalmente com investimentos estrangeiros.
[6] O Desconhecido Niassa - Idem, Idem.
[7] http://nmg.nationalgeographic.com/ngm/megaflyover.
[10] O Desconhecido Niassa, Valdez dos Santos, 1964.
[11] Relatório sobre “Reconhecimento do Rio Rovuma desde Mitomoni a Negomano” - 1960 - Capitão Valdez dos Santos e Alferes Medina Ramos.
[12] Obra “Memória Estatística sobre os domínios portugueses na África Oriental”.
[13] Relatório e Memórias sobre os territórios da Companhia do Niassa.
[15] O Desconhecido Niassa, N. Valdez dos Santos, 1964.
[16] Reconhecimento do rio Rovuma desde Mitomoni a Negomano, 1960, Cap.Valdez dos Santos e Alferes Medina Ramos.