O Tratado de Lisboa, depois de alguns acidentes de percurso ultrapassados (mas sem garantias de que outros não poderão surgir…), entra em execução e marca uma vontade política de afirmar a Europa no ambiente estratégico global e de concertar acções para ultrapassar uma crise actual e crises futuras. Não se consubstancia uma federação de estados, como alguns pretenderiam, mas atinge-se um acordo de governos.
A afirmação de uma Europa a vinte e sete no contexto estratégico global impõe-se por realidades. Representa 30,3% do PIB mundial (EUA: 23,5; Japão: 8,1; BRIC´s: 9,77; Resto do mundo: 34,6). Tem uma população de cerca de 500 M habitantes, com problemas estruturais de envelhecimento, mas continua a ser o espaço privilegiado de atracção para populações de outros continentes. Continua a ser um espaço que alberga uma sociedade que, através dos séculos, contribuiu para o debate de ideias, desenvolvimento da ciência e interrogações sobre o futuro que fizeram o percurso da humanidade. O desenvolvimento de tecnologias pode ter saído da Europa, mas o humanismo é e continuará a ser um legado cultural europeu. Por tudo isso a União Europeia que agora se materializa, e sem aberturas para futuros Tratados, representa um compromisso de gerações que exige mais meditação do que aquela que a aceleração de acontecimentos muitas vezes lhe dedica.
O Tratado de Lisboa materializa uma ideia de Europa, que tem de funcionar. E para funcionar terá de resolver, a curto prazo e a começar em 2010, alguns problemas, entre os quais destacaremos os seguintes:
• A economia e o seu crescimento. Os indicadores de 2010 apontam para um crescimento do PIB de 0,6% (EUA: 2,4; China: 8,6), onde o consumo privado representará 0,4% (EUA: 1,2; China. 8,8) e o investimento -0,2% (EUA: 1,9; China.11,1). Só o crescimento económico poderá dar resposta a um desemprego crescente na Europa, com as consequentes e previsíveis convulsões sociais. Desemprego que de 7,2% em 2008 pode atingir os 11,0% em 2010, com variações tão significativas no espaço da “Europa igual”, que irão dos 20,5 % em Espanha aos 6,2% na Holanda. Estas realidades vão criar tensões na União e entre os seus órgãos representativos, com relevo para o papel que o Parlamento Europeu vai querer na sua discussão.
• Enfrentar a ruptura do sistema monetário fundado sobre o dólar e evitar deparar-se sem recursos perante a perspectiva de 1 Eur=2 USD. Se os europeus se acomodarem a ver o dólar afundar-se, as suas exportações para os EUA e outros numerosos países com moedas ligadas ao US dólar vão cair, agravando a crise económica e social da Europa:
• Evitar a explosão dos deficits orçamentais. Se os europeus, com relevância para os dirigentes da zona euro, não contiverem os deficits públicos, a União Europeia vai assistir a tremendos conflitos de interesses entre europeus do Norte e europeus do Sul.
• Responder ao agravamento da crise Irão/Israel/EUA e da guerra no Afeganistão, definindo uma posição especificamente europeia. Se os dirigentes europeus se contentarem em seguir o eixo Israel/Washington na questão do nuclear iraniano e de ajustar o passo à administração Obama para o Afeganistão, entrarão num processo de confrontação com as suas opiniões públicas para a qual não estão preparados nem em posição de força, o que é prenuncio de instabilidade política no seio de cada um dos Estados membros.
• Definição de uma clara política de defesa comum, diferente da segurança, baseada num instrumento militar que permita dissuadir, dialogar ou coagir em situações de conflito de interesses. O caminho que está a ser seguido é música sem instrumentos. E não é o anúncio de dez “battle groups” de consistência e futuro duvidosos que garantem os instrumentos necessários à partitura.
• Aprender a trabalhar de modo independente e construtivo com os novos actores do panorama estratégico global num mundo em crise: China, Índia, Brasil, Rússia e Indonésia. A identidade europeia precisa de ter visão própria sobre o mundo e as questões que o preocupam: economia, segurança, ambiente, fome ou doença. Se o problema da segurança e de valores comuns tem, e deve, manter-se ligado ao espaço euro-atlântico e aos EUA, através de organizações como a OTAN e a OSCE, a Europa não deverá esquecer a História das suas relações seculares com outros continentes.
Para a resolução de alguns destes problemas reclamava-se um texto vinculativo que levasse os Estados membros da União a adoptarem princípios de objectivo e de conjugação de esforços, que facilitasse o diálogo transatlântico e que permitisse harmonizar as posições, algumas vezes divergentes, dos órgãos representativos da voz da Europa. O Tratado de Lisboa está aí. É natural que os europeus aguardem com expectativa para o que serve.