O número de Primavera de 2008, da revista Parameters, inclui um trabalho de Martin L. Cook, intitulado “A revolta dos Generais: um Estudo de Caso acerca de Ética Profissional”. O artigo aborda a legalidade e a oportunidade das críticas que alguns oficiais generais americanos na situação de retired[1] dirigiram ao então Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, e à sua política no Iraque.
A polémica alastrou para sectores diversificados da sociedade americana e recebeu mesmo um importante contributo da Academia Militar de West Point, onde, sob a direcção de Don Snider, se levou a cabo um trabalho de reflexão destinado a averiguar “se os oficiais do Exército estariam a perder o sentido da profissão e respectivas obrigações, para se transformarem numa ‘mera burocracia obediente’”.
[2] A pergunta não é meramente retórica, assim como o assunto não era um mero
fait divers. A Guerra do Iraque, com o seu acervo de peculiaridades morais, políticas e militares, tornou-se rapidamente num assunto de extrema importância para a Instituição Militar e para o interesse nacional americano. E as críticas, produzidas publicamente entre dois e três anos depois de iniciadas as actividades operacionais, tinham implícito o entendimento, por parte dos referidos generais, de que a situação chegara a um ponto em que as suas obrigações para com a profissão e para com o povo americano não lhes deixavam outra saída.
[3]
A primeira pergunta que ocorre ao cidadão comum é instintiva: se o Secretário da Defesa queria impor uma forma de conduzir a guerra que os responsáveis militares consideravam inadequada à obtenção dos objectivos operacionais e estratégicos, o que competia a estes fazer? A resposta é fácil, universal e definitiva: a moral e o dever de lealdade obrigam-nos a manifestar discordância quando ela exista. Mas uma vez tomada a decisão, a sua obrigação é obedecer. Se o não quiser fazer, tem de se demitir das funções.
Nenhum deles se demitiu. Como se sabe, continuaram em funções de grande responsabilidade, até passarem à situação de retired. E o que fazem então? Criticam em público as opções de Rumsfeld. É certo que, na altura, tendo passado algum tempo sobre o lançamento das operações militares, o conhecimento do que se tinha entretanto passado no Iraque conferia pertinência substancial às críticas dos chefes militares. A esta luz, como devem, então, ser encaradas as críticas públicas feitas ao Secretário Rumsfeld?
Não há unanimidade. Uns consideram que, quando os militares passam à situação de
retired, o First Amendment lhes “devolve” todos os direitos que estiveram sujeitos a restrições durante o serviço activo. Há mesmo, na sociedade americana, uma forma benevolente de julgar este tipo de críticas por parte dos oficiais em situação de
retired.
[4] Outros, pelo contrário, entendem que o chefe militar pode, e deve, declarar a sua discordância nas matérias de que é especialista exclusivo, mas uma vez tomada a decisão, a sua obrigação é obedecer. E portanto, aquilo que se exigia a um oficial general, convicto de que os objectivos designados para a Guerra do Iraque não eram alcançáveis através da utilização dos meios militares disponibilizados pela chefia política, era que explicasse ao Secretário Rumsfeld, tantas vezes quantas fosse preciso, qual era a dimensão e a composição da força capaz de alcançar os referidos objectivos, lutando com pertinácia contra modalidades de emprego que, em seu entender, estavam votadas ao malogro. Se os seus argumentos não fossem atendidos, então, sim, deveria demitir-se. Richard Swain chama em auxílio desta posição a lei americana, que considera os
retirees como ‘tecnicamente parte da Instituição Militar, uma vez que recebem vencimento militar e que se regulam exactamente pelas mesmas leis que os oficiais do activo’.
[5] Sem surpresa, no meio militar, a posição maioritária era a de que aos militares compete ‘lutar e vencer as batalhas da América’. Nas palavras do então Chief of Staff, General Eric Shinseki, trata-se de ‘um contrato não-negociável com o povo americano’.
Em vez de resignarem de funções, os generais colocados nos mais altos escalões da hierarquia deram o seu apoio às actividades militares em curso. Só eles sabem a exacta medida da relutância com que o fizeram, sendo certo que esse procedimento é bastante comum nas fileiras. Depois de apresentar uma e outra vez ao superior as razões por que discorda de determinada opção, o militar orgulha-se de cumprir as ordens, e numa boa parte das ocasiões em que tal acontece, não estando em jogo uma questão da maior relevância nacional ou institucional, será provavelmente a atitude mais correcta. Mas não era o caso. Na verdade, a matéria era de “extrema importância e ameaçava custos significativos para as Forças Armadas e para o interesse nacional”.
[6]
É provável que houvesse, entre os autores das críticas, quem pensasse que o Governo podia conhecer aspectos do problema que não eram conhecidos das chefias militares, e, sendo esse o caso, parecia sensato que se concedesse ao escalão político uma margem de confiança razoável. Tratando-se de oficiais generais, esta “tolerância” afigura-se duplamente adequada, pois é nesse sentido que os impele a cultura profissional. O problema é que, passados dois anos, se percebeu que afinal o Governo sabia tanto como os seus generais. E a tarefa de marcar caminhos e rumos torna-se muito mais difícil.
É quando se reflecte sobre a natureza dilemática do problema que se percebe o alcance da inquietação sentida em West Point, e que levou ali à busca de uma resposta para uma questão a um tempo primitiva e essencial: será que os chefes militares têm a obrigação moral de se opor à chefia política sempre que haja, para tal, fundamento técnico-profissional, ou eles não passam de uma ‘mera burocracia obediente’? Os chefes militares são impelidos, pela cultura institucional, a comportar-se como personalidades com carácter, ou não passam de títeres instrumentalizados pelos representantes do poder político?
Em Portugal
Não é tradicional a discussão pública de temas militares em Portugal. Deixaram recentemente de ser tabu, mas continua por criar uma cultura de debate sobre assuntos desta natureza. Até há muito pouco tempo, o quadro legal nem sequer permitia o lançamento de uma questão tão actual como a de saber se os militares têm o direito de expressar publicamente discordância com as chefias ou com o poder político, e o que se avançou nesse domínio deve-se à acção das Associações de Militares. Só na viragem do século, na altura em que a maioria das sociedades demoliberais já tinha formalizado o corporativismo militar através da criação das referidas Associações, é que ficou claro que, cumpridas algumas regras de convivência cívica, seria tolerada a dissidência pública numa Instituição onde, até aí, a obediência era considerada uma virtude nuclear indiscutida.
Nem sempre foi pacífico o caminho que conduziu à legalização destas Associações. Os Chefes dos Ramos, cientes das situações embaraçosas para onde os levaria a contestação pública, legal e organizada, apesar de nunca terem feito oposição aberta, sempre manifestaram discordância ou, no mínimo, renitência. E por isso, em Portugal, a criação das Associações de Militares pode considerar-se da exclusiva responsabilidade do poder político.
De uma forma que muitos especialistas consideravam inevitável, a actividade destas Associações como que destapou a panela de pressão que até aí contivera a expressão pública de críticas por parte dos militares. Não demorou que um bom número deles, na situação de reforma, homens que haviam desempenhado no serviço activo cargos de responsabilidade, começassem a explicitar nos Órgãos de Comunicação Social a sua posição crítica sobre aspectos diversos da Instituição Militar e sobre a actuação dos responsáveis políticos e militares. Curiosamente, as primeiras críticas públicas não mereceram uma adesão entusiástica no meio militar, mormente entre os oficiais - uma classe de homens, recorde-se, treinados para obedecer. No íntimo de cada um, a dissidência pública com a hierarquia era algo que violava a natureza profunda do seu relacionamento com a Instituição Militar.
Se houvesse, e fosse clara, uma linha separadora entre o julgamento político e a aptidão militar específica, não seria difícil encontrar um critério orientador para a nossa reflexão. Mas não há, e por isso temos de procurar iluminar melhor um conjunto de questões relevantes no contexto apropriado. E a primeira é a da legalidade, a que está na base de tudo: os militares têm, ou não, o direito de manifestar a sua discordância às hierarquias civil e militar? Só depois de estabelecido o quadro legal é que poderão abordar-se outros problemas, como sejam o da legitimidade, o da oportunidade e o da adequabilidade.
Diz o Regulamento de Disciplina Militar (RDM), no art.º 12.º, que “o dever de obediência consiste em cumprir, completa e prontamente, as ordens e instruções dimanadas de superior hierárquico, dadas em matéria de serviço, desde que o seu cumprimento não implique a prática de um crime” e que, “em cumprimento do dever de obediência incumbe ao militar, designadamente, cumprir completa e prontamente as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos em matéria de serviço.”
O dever de obediência, assim enunciado, não deixa muito espaço para interpretações criativas. É sucinto, claro e imperativo, podendo afirmar-se que sustenta na forma mais ampla possível a posição dos que desaprovam a manifestação pública das discordâncias. Ao obrigar o militar ao cumprimento das ordens legítimas, como não pensar que essa vinculação é duplamente imperativa para aqueles que, na altura dos acontecimentos criticados, tiveram algum nível de responsabilidade pelo planeamento, pela execução ou pela conduta?
O dever de lealdade, por seu turno, é enunciado da forma seguinte no Art.º 16: “1 - O dever de lealdade consiste em guardar e fazer guardar a Constituição e demais leis e no desempenho de funções em subordinação aos objectivos de serviço na perspectiva da prossecução das missões das Forças Armadas.
2 –Em cumprimento do dever de lealdade incumbe ao militar, designadamente:
a) Não manifestar de viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio, ideias contrárias à Constituição ou ofensivas dos órgãos de soberania e respectivos titulares, das instituições militares e dos militares em geral ou, por qualquer modo, prejudiciais à boa execução do serviço ou à disciplina das Forças Armadas;
b) Respeitar e agir com franqueza e sinceridade para com os militares de posto superior, subordinados ou de hierarquia igual ou inferior, tanto no serviço como fora dele;
c) Informar com verdade o superior hierárquico acerca de qualquer assunto de serviço;
d) Não tomar parte em manifestações colectivas atentatórias da disciplina, entendendo-se como tais as que ponham em risco a coesão e disciplina das Forças Armadas, nem promover ou autorizar iguais manifestações;
e) Não se servir, sem para isso estar autorizado, dos meios de comunicação social ou de outros meios de difusão para tratar assunto de serviço ou para responder a apreciações feitas a serviço de que esteja incumbido, caso em que deve participar o sucedido às autoridades competentes; (...).”
Contrariando a concisão utilizada para o tratamento do dever de obediência, o legislador revela-se aqui bastante prolixo, com a preocupação de não facultar ao militar uma forma mais ou menos subtil, mais ou menos insidiosa, de marcar a sua discordância com o superior hierárquico. Lendo os dois deveres um a seguir ao outro, é-se levado a concluir que não existe cobertura legal para a publicitação das divergências. E se a este quadro juntarmos o conhecimento do dever de sigilo (art.º 21.º),
[7] a opacidade é total. Pelo menos para os militares no activo, esse caminho afigura-se completamente vedado.
Traçado o quadro legal geral, podemos penetrar mais a fundo na problemática da legitimidade, da oportunidade e da adequabilidade. Para tanto, vamos relacionar estas referências com as diferentes categorias que nos interessa apreciar, tentando averiguar qual é a margem de manobra dos militares nas situações de reserva e de reforma, bem como a dos dirigentes das Associações de Militares.
Dirigentes das Associações de Militares
A Lei do direito de associação profissional dos militares (Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto) estabelece, no art.º 1.º, o Direito de associação: “1 - Os militares dos quadros permanentes em qualquer situação e os militares contratados em efectividade de serviço têm o direito de constituir associações profissionais de representação institucional dos seus associados, com carácter assistencial, deontológico ou sócio-profissional”.
O Art. 2.º enuncia os direitos
[8] das associações de militares legalmente constituídas: “
a) Integrar conselhos consultivos, comissões de estudo e grupos de trabalho constituídos para proceder à análise de assuntos de relevante interesse para a instituição, na área da sua competência específica;
b) Ser ouvidas sobre as questões do estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados;
c) Promover iniciativas de carácter cívico que contribuam para a unidade e coesão dos militares em serviço efectivo nas Forças Armadas e a dignificação dos militares no País e na sociedade;
d) Promover actividades e editar publicações sobre matérias associativas, deontológicas e sócio-profissionais ou, mediante prévia autorização hierárquica, sobre assuntos de natureza exclusivamente técnica;
e) Realizar reuniões no âmbito das suas finalidades estatutárias;
f) Divulgar as suas iniciativas, actividades e edições nas unidades e estabelecimentos militares, desde que em local próprio disponibilizado para o efeito;
g) Exprimir opinião em matérias expressamente incluídas nas suas finalidades estatutárias; (...).”
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 295/2007 de 22 de Agosto,
[9] no preâmbulo, recorda que “ainda que no exercício dos seus direitos, os militares em qualquer situação estão sujeitos às obrigações decorrentes do estatuto da condição militar e devem observar uma conduta conforme a ética militar e respeitar a coesão e disciplina das Forças Armadas”.
[10] O desrespeito de tais obrigações configurará infracção disciplinar, independentemente da situação em que os militares dos quadros permanentes se encontrem, atento o disposto nas alíneas
a) e
b) do n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento de Disciplina Militar, que inclui, entre outros, os militares na reserva e na reforma, salvo quanto aos deveres que pressupõem a efectividade de serviço nos casos em que não estejam ao serviço.
[11]
No Artigo 5.º do Decreto-Lei enunciam-se os deveres dos dirigentes das associações profissionais de militares: “a) Cumprir, no exercício da actividade associativa, os deveres prescritos na lei para todos os militares, nos termos nela previstos; b) Não prejudicar a coesão, a disciplina e o prestígio da instituição militar; ... d) Guardar sigilo sobre os factos de que tenham tido conhecimento no desempenho dos seus cargos ou funções, e por causa destes, não os utilizando para fins estranhos ao serviço, ainda que no âmbito das associações, salvo se tiverem autorização para o efeito; (...)”
O quadro legal está agora completo. Por um lado, fica esclarecido que as Associações só podem desenvolver actividades no âmbito assistencial, deontológico ou sócio-profissional, não podendo imiscuir-se em questões como o planeamento e a conduta de operações militares. E quanto a direitos, sempre “na área da sua competência específica”, devem “Ser ouvidas sobre as questões do estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados”, e podem “Integrar conselhos consultivos, comissões de estudo e grupos de trabalho ...” e “Promover actividades e editar publicações ...”, bem como “Exprimir opinião em matérias expressamente incluídas nas suas finalidades estatutárias”. Embora haja países com um quadro legal mais generoso, a lei portuguesa consagra os direitos clássicos das associações de militares europeias.
Entretanto, no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 295/2007, explicita-se que as actividades associativas não podem “prejudicar a coesão, a disciplina e o prestígio da instituição militar”. À primeira vista, trata-se de uma precaução perfeitamente legítima; mas a utilização que a hierarquia militar e civil tem dado a esta regra nem sempre tem sido a mais sábia, podendo mesmo ser parcialmente responsabilizada por alguns momentos menos desejáveis do relacionamento institucional.
No final do Verão de 2007, quando se atingiu o auge do desentendimento público entre as associações e as chefias política e militar, os critérios dos Chefes dos Ramos para avaliarem os eventuais riscos de uma determinada actividade associativa para a coesão e a disciplina internas, conduziram à proibição sistemática das manifestações públicas previstas, e esta atitude, por sua vez, provocou reacções pouco recomendáveis de alguns membros das direcções das ditas Associações. Ao optarem por soluções também elas criticáveis, malbarataram parte do capital de confiança que haviam conquistado no meio militar e desgastaram no mesmo lance o reconhecimento de parceiro social “acima de qualquer suspeita” que haviam construído na opinião pública à custa de um trabalho coerente, ponderado e moralmente inatacável. É certo que a avaliação pelos Chefes dos Ramos está prevista na lei, e não se contesta; mas pode pôr-se em causa a forma como, em determinada altura, a invocação de perigo para a coesão das Forças Armadas se tornou sistemática. A gravidade de algumas posições então assumidas por ambos os lados tornam imperativa uma resposta clara para a seguinte questão: sempre que a direcção de uma Associação discordar duma decisão do poder político ou da hierarquia militar e o diga em voz alta, há riscos para a coesão e a disciplina? Se as Associações têm direito a representar os seus associados em matérias de natureza assistencial, deontológica e sócio-profissional, e ao mesmo tempo se sujeita esse exercício ao julgamento discricionário do Chefe do Ramo, algo tem de mudar urgentemente: ou a lei, ou a interpretação a que ela foi sujeita no Verão de 2007.
Temos todos de compreender que não há associativismo sem discussão livre e aberta dos problemas relativos ao estatuto profissional, remuneratório e social dos associados. Por outro lado, um dirigente associativo não tem cobertura legal para se pronunciar sobre assuntos estranhos ao seu domínio de actuação, nem existe na sociedade ambiente para acolher semelhante intervenção. Com estes pressupostos, estamos em condições de dar uma resposta cabal à pergunta de base, afirmando de modo inequívoco que a crítica pública a doutrinas, estratégias ou modalidades de emprego operacional, por parte de dirigentes associativos, é ilegal, inoportuna e ilegítima, porque as referidas matérias escapam em absoluto à sua capacidade de apreciação; mas a discordância pública sobre matérias do âmbito assistencial, deontológico ou sócio-profissional, é legal, legítima e quase sempre se tem revelado oportuna.
Um único documento (a carta aberta da AOFA aos portugueses, datada de 11 de Setembro de 2009), permite ilustrar as duas vertentes referidas. Como actividade controversa, a roçar mesmo a ilegitimidade, temos as críticas constantes dos n.ºs 2. “Contrariando compromissos eleitorais e políticos, assumidos claramente pelo ‘bloco central’ que nos tem governado, a reorganização das Forças Armadas, acordada por seus representantes no silêncio dos gabinetes, fracassou, desde logo, por não conseguir a economia de meios indispensáveis ao investimento àquelas necessário e à dignificação da condição militar” e 3. “O falso consenso, os silêncios, as omissões e as cumplicidades/conivências da má governação das últimas décadas na área da Defesa Nacional, agravados pelo injustificado secretismo do Governo e da respectiva Comissão na Assembleia da República ...” Como actividade legítima, podem apontar-se as referências feitas nos n.ºs 5. “Mas se o tratamento dos militares no que respeita à degradação das condições assistenciais foi precursor, ao contrário, no que se refere a compensações, o Governo, entre muitas outras questões, afastou ainda mais o seu estatuto remuneratório do das profissões de referência, não assegurando neste capítulo a prometida e exigida equidade, promovendo antes maior injustiça e rebaixando a dignidade da sua função e o seu reconhecimento na sociedade que se honram de servir” e 7. “Tal como foi sua prática social ao longo da legislatura, veio agora o Governo junto dos militares, com esta proposta de regime remuneratório, ferir a coesão e agravar, internamente, desigualdades e injustiças ...”
Em todo o caso, e para finalizar, também é preciso perceber quão difícil é manter nas Forças Armadas um formato orientado social e culturamente para o cumprimento de missões onde a obediência é com frequência imperativa, que seja simultaneamente compatível com as tendências e os valores da sociedade. Mas é esse o desafio colocado ao Governo, aos Chefes militares, às Associações e aos militares em geral.
Militares na situação de reserva
Segundo o n.º 1 do Artigo 142.º do Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho (Estatuto dos Militares das Forças Armadas - EMFAR), “Reserva é a situação para que transita o militar do activo quando verificadas as condições estabelecidas neste Estatuto, mantendo-se, no entanto, disponível para o serviço”. As condições a que se refere o n.º 1 são especificadas no Artigo 152.º, n.º 1: “Transita para a situação de reserva o militar que: a) Atinja o limite de idade estabelecido para o respectivo posto; b) Tenha 20 ou mais anos de serviço militar, a requeira e lhe seja deferida; c) Declare, por escrito, desejar passar à reserva depois de completar 36 anos de tempo de serviço militar e 55 anos de idade; d) Seja abrangido por outras condições legalmente previstas”. À semelhança do que acontece na maioria dos países do espaço euroatlântico, o militar na situação de reserva “tem direito a perceber remuneração de montante igual à do militar com o mesmo posto e escalão no activo, acrescida dos suplementos que a lei preveja como extensivos a esta situação”.[12]
O quadro legal não deixa margem para interpretações maliciosas ou subjectivas. Se o oficial na reserva pode, em qualquer momento, ser chamado ao serviço activo, e se ele recebe, em função deste especificidade, o mesmo vencimento do militar na situação de activo, teremos de concluir que os direitos e deveres de ambos devem ser idênticos. Enquanto assim for, os oficiais na situação de reserva ficam sujeitos ao mesmo conjunto de regras que vigoram para os camaradas em serviço activo, incluindo naturalmente aquelas que tutelam as actividades dos dirigentes associativos, não se justificando comentários à margem desta interpretação.
Militares na situação de reforma
Segundo o Artigo 143.º do EMFAR, “1 - Reforma é a situação para que transita o militar, no activo ou na reserva, que seja abrangido pelo disposto no Artigo 159.º. 2 - O militar na reforma não pode exercer funções militares, salvo nas circunstâncias excepcionais previstas neste Estatuto”.[13]
No que respeita às condições financeiras, dispõe o Artigo 122.º que: “1 - O militar na situação de reforma beneficia do regime de pensões em função do posto, do escalão, do tempo de serviço, dos descontos efectuados para o efeito e dos suplementos que a lei define como extensivos a esta situação, de acordo com o regime estabelecido na legislação especificamente aplicável. 2 - Sem prejuízo do disposto no presente diploma, ao cálculo da pensão de reforma dos militares das Forças Armadas é aplicável o regime geral da aposentação”.
Existem portanto distinções, e bem significativas, entre as situações de reforma e activo, que não existem entre as situações de reserva e activo. Em primeiro lugar, ao contrário do que acontece com a situação de reserva, o militar reformado não pode ser chamado a desempenhar serviço activo, a não ser em caso de guerra e sempre em condições especiais. Segundo, o militar na reserva continua a receber vencimento idêntico ao do militar em serviço activo, enquanto o militar reformado recebe uma pensão calculada de acordo com o regime geral de aposentação.
Também no capítulo disciplinar ocorrem discrepâncias. Veja-se a nova formulação do Artigo 30.º (Penas disciplinares), que prevê a possibilidade de aplicar aos militares na situação de reserva as mesmas penas que aos militares na situação de activo, enquanto aos militares na reforma se pode aplicar uma única pena: a de repreensão. Surpreendentemente, porém, o n.º 4 do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, revista em 2001, dispõe que os militares,
em qualquer situação, estão «sujeitos às obrigações decorrentes do estatuto da condição militar e devem observar uma conduta conforme a ética militar e respeitar a coesão e disciplina das Forças Armadas». Em complemento, no n.º 1 do artigo 5.º do muito recente Regulamento de Disciplina Militar,
[14] estabelece-se que “O presente Regulamento aplica-se aos militares das Forças Armadas independentemente da sua situação e da forma de prestação de serviço, ainda que se encontrem no exercício de funções fora da estrutura orgânica daquelas”. Alarga-se assim o âmbito de aplicação do RDM aos militares na reserva e na reforma, os quais ficam sujeitos ao cumprimento dos deveres militares, com excepção daqueles que pressupõem a efectividade de serviço, nos casos em que não estejam ao serviço.
Foi este articulado que serviu de fundamento à instauração de um processo disciplinar ao Coronel da Força Aérea, reformado, Luís Alves de Fraga, pelo CEMFA, General Luís Esteves de Araújo. O Major-general da Força Aérea, reformado, Fernando Paula Vicente, comenta assim a ocorrência num documento posto a circular pela AOFA:
“Não li a peça que terá motivado a atitude do CEM da Força Aérea, Senhor General Luís Esteves de Araújo - pessoa que conheço bem e por quem tenho a maior consideração pessoal - de levantar um processo disciplinar ao Senhor Cor. Luís Alves de Fraga, pessoa que, sob o meu comando, serviu na Base Aérea da Ota. Pelo que li, parece ter sido a frase seguinte a razão última do processo: ‘mostras de uma subserviência ao poder político que envergonha a tropa que comandam.’
Deduzo que o escrito, nesta e em outras possíveis afirmações semelhantes, não traduz um ataque pessoal ou institucional à figura do CEMFA ou à Força Aérea, constituindo apenas o cru exercício do direito à indignação de um militar da FAP que se terá confrontado com a realidade de um sistema de Assistência na Doença aos Militares da Força Aérea (ADMFA), que funcionava de forma exemplar, completa e, eventualmente até, intencionalmente destruído e substituído por uma aberração típica de quem age primeiro e pensa depois, se é que pensa...”
Este documento é duplamente curioso. Por um lado, considera desajustada a interpretação que o CEMFA fez duma afirmação do Coronel Fraga; e por outro, o autor coloca-se ele próprio em situação semelhante à do Coronel Fraga, quando fala de ‘uma aberração típica de quem age primeiro e pensa depois, se é que pensa...’ De facto, quando comparamos as duas frases, ficamos indecisos quanto àquela que mais justifica - se é que alguma justifica - a instauração de um processo de averiguações a um oficial reformado.
Num artigo publicado no Jornal Semanário de 10 de Abril de 2008, o General Loureiro dos Santos também comentava o assunto, ligando-o a factos que haviam entretanto ocorrido: “Existem dois motivos que poderão explicar que só agora se tenha levantado este problema. Por um lado, teve lugar um acontecimento, que não me lembro de ter ocorrido antes: um militar fora do serviço efectivo foi objecto de um processo disciplinar, o que despertou a atenção para este assunto, especialmente das associações militares e dos jornalistas, conforme, aliás, lhes compete. Por outro lado, porque, na imediata sequência cronológica, e presumo não causal, daquele insólito e inadequado processo, o Ministério da Defesa Nacional enviou um anteprojecto de actualização do RDM em vigor, que data de 1977 com posteriores actualizações pontuais, às chefias e às associações militares, para obtenção dos respectivos pareceres”.
Em 18 de Abril de 2008, no jornal Público, Loureiro dos Santos considerava inconstitucional a alteração prevista no anteprojecto, explicando que a Constituição só permite restrições ao exercício de direitos em relação a militares no activo. Efectivamente, o artigo 270º da Constituição, revisto aquando da revisão constitucional de 2001, dispõe expressamente que “A lei pode estabelecer na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções, restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo...” Na opinião de Loureiro dos Santos “os militares reformados são cidadãos iguais aos outros, com os mesmos direitos e os mesmos deveres”. E exemplifica: “Se os militares reformados, por exemplo, insultarem a bandeira, há os tribunais civis para se pronunciarem”, não fazendo sentido aplicar-lhes o mesmo regime dos militares no activo. Loureiro dos Santos confessava a sua estranheza pela proposta do Governo, até porque não conhecia nenhum país onde vigorasse uma disposição semelhante. Entretanto, convidado pelo Semanário a comentar a situação, o General Garcia Leandro foi peremptório: “Não vou deixar de me pronunciar mesmo que a alteração seja aprovada porque antes de ser um oficial militar sou um cidadão”.
Entre os deveres a que os militares reformados passaram a estar sujeitos depois de aprovada a alteração ao RDM, está o de lealdade, o qual os impede de “manifestar de viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio, ideias contrárias à Constituição ou ofensivas dos órgãos de soberania e respectivos titulares, das instituições militares e dos militares em geral ou, por qualquer modo, prejudiciais à boa execução do serviço ou à disciplina das Forças Armadas”. Com esta formulação, a nova lei coloca nas mãos da hierarquia uma ferramenta de vigilância que, quando empunhada por chefes mais ortodoxos, pode restringir severamente a possibilidade de os militares reformados se pronunciarem em público sobre questões relevantes das Forças Armadas, e mesmo as opiniões políticas de carácter geral poderão ficar ameaçadas.
Comentários provisórios com toque a rebate incluído
O quadro legal para a intervenção cívica dos militares é de interpretação razoavelmente pacífica, o que não equivale a dizer de aceitação pacífica. Mas é o que temos, e é nos seus precisos termos que os militares, em qualquer situação, sejam ou não membros das direcções das Associações Sócio-profisssionais, têm de conceber e conduzir as suas críticas e as suas actividades reivindicativas. O único ponto que necessita de esclarecimento é o da eventual incompatibilidade entre o artigo 270.º da CRP e o n.º 1 do artigo 5.º do RDM. Não é uma questão menor, porque do julgamento que vier a ser feito na sede apropriada depende muito mais do que a simples possibilidade de o militar na reforma ser punido disciplinarmente com pena de repreensão: se se mantiver o articulado, o militar na situação de reforma vê coarctada, de forma irremediável, a capacidade para intervir civicamente em assuntos da maior relevância para as Forças Armadas, para o país e para cada um dos cidadãos.
Parece oportuno apreciar agora se o estudo de caso americano tem aplicabilidade no contexto português. Lá, como cá, a generalidade dos militares tem uma posição clara: em democracia, o primado do poder político sobre as Forças Armadas é indiscutível, e, como tal, o chefe militar tem a obrigação de cumprir as missões militares marcadas pela autoridade competente. O pomo da discórdia - e por isso a eventual inconstitucionalidade do art.º 5.º do RDM é tão importante - reside no leque de opções ao dispor do chefe militar na situação de reforma. Tomando em consideração a legislação recentemente aprovada, é patente que o poder político actual defende a linha restritiva. No mesmo sentido pode ser lida a decisão do CEMFA de instaurar processo disciplinar a um Coronel na situação de reforma por delito de opinião. Mas não é essa a interpretação que as Associações de Militares fazem da lei; nem a dos oficiais generais reformados que entretanto tomaram posição pública sobre o assunto.
Estamos portanto confrontados com duas posições antagónicas. Que só deixarão de o ser no dia em que o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre a constitucionalidade da norma. Mas a querela pode não terminar aí. Com efeito, ainda que seja declarada a inconstitucionalidade do art.º 5º, a hierarquia militar pode continuar a usar a enorme margem de discricionaridade de que dispõe para avaliar o prejuízo que uma determinada actividade de natureza reivindicativa pode causar à “coesão, à disciplina e ao prestígio da instituição militar”, e proibir a realização de declarações ou manifestações públicas.
Chega-se assim ao âmago da questão: em matéria do maior interesse nacional (como seria, por exemplo, a participação de forças nacionais em missão com excepcional grau de risco físico, estando previstos elevados níveis de baixas em combate), revela-se discordância relevante entre o Governo e alguns dos oficiais exercendo funções de Chefe de Estado-Maior e de Comandante Operacional, os quais estão manietados pelos deveres de obediência e de lealdade ao Governo. Por imperativo de consciência, demitem-se e passam à situação de reforma. Pergunta-se: estes grandes especialistas de assuntos militares, na situação de reforma, estariam igualmente impedidos de dar opinião pública sobre o assunto? Fica assim mais bem resguardado o interesse nacional? A sociedade civil não tem direito a toda a informação especializada disponível? E os militares estão condenados ao silêncio, ainda quando a vida dos seus concidadãos está a ser totalmente desprezada por um poder político que eles consideram inepto?
Encontrar a atitude correcta não é evidente, nem fácil. Aceitar como possível a crítica pública dos chefes militares à chefia política, sem restrições de tempo e lugar, é um caminho muito perigoso e inapropriado em democracia, que pode no limite abrir caminho à insubordinação. Mas impor obediência numa matéria que pode pôr em risco a segurança do país, também não parece a opção certa, pelo menos em determinadas circunstâncias. Como diz Cook, “mesmo numa Instituição tão marcada pela cultura da obediência, onde a palavra do Comandante frequentemente faz lei, não pode aceitar-se que os seus líderes aceitem, por cortesia, planos de operações e efectivos de tropas em discordância insanável com o seu entendimento profissional.”
[15]
O que não parece adequado em circunstância alguma é que o militar permaneça calado quando devia falar e fale quando devia permanecer calado. Uma tal atitude revela falta de carácter, seja qual for o tempo e a profissão - motivo pelo qual o dedo acusador de hoje nunca limpará a complacência de ontem, antes exporá as limitações de carácter de quem assim procede.
Uma linha interpretativa baseada em documentação europeia recente, ainda não assimilada pelos Estados membros, poderá num futuro breve vir a desemenhar um papel importante na resolução do problema. Atente-se, em especial, na Recomendação n.º 1742/2006, de 11 de Abril, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre Os Direitos Humanos dos Membros das Forças Armadas:
“(...) 2. A Assembleia Parlamentar (...) considera que os membros das forças armadas são cidadãos em uniforme que devem usufruir das mesmas liberdades fundamentais, incluindo as estabelecidas na Convenção Europeia de Direitos Humanos e na Carta Social Europeia e terem a mesma protecção dos seus direitos e dignidade que têm quaisquer outros cidadãos, dentro dos limites impostos pelas exigências específicas dos deveres militares. (...)
4. A Assembleia (...) lamenta que muitas restrições ao exercício dos direitos dos membros das forças armadas por parte de alguns países membros, excedem o que seria aceitável face ao que determina a Convenção. (...)
9. A Assembleia pede aos estados membros para que assegurem uma genuína e efectiva protecção dos direitos humanos dos membros das suas forças armadas, e em particular:
(...) 9.5. Adoptar ou modificar a legislação e regulamentos por forma a assegurar a sua conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, incluindo códigos militares e regulamentos internos militares que estabeleçam os direitos e as obrigações do pessoal das forças armadas.
10. (...) As linhas orientadoras dos direitos dos militares, qualquer que seja o seu estatuto - conscritos, voluntários e profissionais - deveriam incluir, pelo menos, os direitos que a seguir se referem:
(...) 10.1.1. O direito à vida (tendo em conta, no entanto, os perigos inerentes à profissão militar). 10.1.6. Direito à liberdade de pensamento, de crença e de expressão (...).”
Portugal é um dos países aos quais se aplicam as admoestações da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Se, num futuro mais ou menos breve, o país acatar as orientações da Recomendação n.º 1742/2006, terminarão as divergências interpretativas. Se, pelo contrário, o legislador português preferir manter a lei no articulado actual, continuarão as divergências. Mas num caso como no outro não ficarão sanadas as actuais desinteligências sobre o papel do militar reformado numa sociedade democrática. E esse era o ponto em que a homogeneidade de pontos de vista - no plano legal como no dos princípios - faria toda a diferença.
* Sócio Efectivo da Revista Militar.
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[1] Mantém-se a designação em inglês por não haver uma correspondência plena à situação de
retiree nas Forças Armadas portuguesas.
Efectivamente, em Portugal, os militares fora da efectividade de serviço podem encontrar-se em duas situações bem diferentes entre si (reserva e reforma) e igualmente diferentes da de retiree. No que respeita aos militares das Forças Armadas dos EUA, podem passar à situação de retiree quando completarem 20 anos de serviço activo. O seu vencimento (não é uma pensão, visto que podem ser chamados ao serviço activo em qualquer altura) é calculado em função do número total de anos de serviço activo, do vencimento que recebiam no momento da passagem à situação de retiree e ainda do sistema de retirement em vigor quando foram admitidos ao serviço. O vencimento de retiree não inclui subsídio de alojamento, de subsistência ou outros normalmente atribuídos aos militares em serviço activo. (site do USA Army)
[2] COOK, Martin L., “Revolt of the Generals: A Case Study in Professional Ethics”, Carlisle, Pa, US Army College, Parameters, Vol. XXXVIII, n.º 1, Spring 2008, p. 5
[3] COOK, Martin L., “Revolt of the Generals: A Case Study in Professional Ethics”, Carlisle, Pa, US Army College,
Parameters, Vol. XXXVIII, n.º 1, Spring 2008, p. 4
[4] COOK, Martin L., “Revolt of the Generals: A Case Study in Professional Ethics”, Carlisle, Pa, US Army College,
Parameters, Vol. XXXVIII, n.º 1, Spring 2008, p. 7
[5] COOK, Martin L., “Revolt of the Generals: A Case Study in Professional Ethics”, Carlisle, Pa, US Army College,
Parameters, Vol. XXXVIII, n.º 1, Spring 2008, p. 4
[6] COOK, Martin L., “Revolt of the Generals: A Case Study in Professional Ethics”, Carlisle, Pa, US Army College,
Parameters, Vol. XXXVIII, n.º 1, Spring 2008, p. 9
[7] Artigo 21.º Dever de sigilo
O dever de sigilo consiste em guardar segredo relativamente a factos e matérias de que o militar tenha ou tenha tido conhecimento, em virtude do exercício das suas funções, e que não devam ser revelados, nomeadamente os referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à actividade operacional das Forças Armadas, bem como, os elementos constantes de centros de dados e demais registos sobre o pessoal que não devam ser do conhecimento público.
[8] Os direitos têm de ser confrontados com o disposto no Artigo 3.º (Restrições ao exercício de direitos):
“1 - O exercício dos direitos consagrados no artigo anterior para as associações militares constituídas nos termos da presente lei está sujeito às restrições e condicionalismos previstos nos artigos 31.º a 31.º-F da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
2 - Sem prejuízo do disposto na presente lei e demais legislação aplicável, o exercício de actividades associativas a que se refere a presente lei não pode, em caso algum e por qualquer forma, colidir com os deveres e funções legalmente definidos nem com o cumprimento das missões de serviço.”
[9] Realce-se que o Estatuto prometido aquando da publicação da Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, “Lei do direito de associação profissional dos militares”, foi substituído por um “Regime Jurídico” que remete com frequência para alterações avulsas ao Regulamento de Disciplina Militar (RDM), a que se pretende ligá-lo.
Na opinião do General Silvestre dos Santos, transmitida por e-mail em Maio de 2007, “importa assinalar objectivamente os seguintes aspectos do documento que ferem a legalidade e são, muito provavelmente, inconstitucionais:
- desrespeita as Leis de enquadramento (Leis Orgânicas 3 e 4/2001), quer no que respeita à sua regulamentação, quer por as Associações de Militares não terem sido ouvidas previamente;
- desrespeita o Art.º 270º da Constituição;
- contradiz a Lei n.º 29/82, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA);
- configura uma tentativa de tratamento desigual e discriminatório para com os dirigentes associativos militares, em relação a outros corpos especiais do Estado.”
[10] N.º 4 do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas
[11] 1 - O presente Regulamento aplica-se aos militares das Forças Armadas independentemente da sua situação e da forma de prestação de serviço, ainda que se encontrem no exercício de funções fora da estrutura orgânica daquelas.
2 - Os militares que se encontrem fora da efectividade de serviço, não estão obrigados ao cumprimento dos deveres militares, salvo quanto ao disposto nos números seguintes.
[12] N.º 2 do Art. 121.º do EMFAR.
[13] Conforme dispõe o Artigo 161.º do EMFAR, “Para além do previsto no Estatuto da Aposentação, sendo declarado o estado de sítio ou a guerra, o militar na situação de reforma pode ser chamado a prestar serviço efectivo compatível com o seu posto, aptidões e estado físico e psíquico”.
[14] Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho.
[15] COOK, Martin L., “Revolt of the Generals: A Case Study in Professional Ethics”, Carlisle, Pa, US Army College, Parameters, Vol. XXXVIII, n.º 1, Spring 2008, p. 6