Nº 2496 - Janeiro de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Breve caracterização do Iraque
Coronel
Nuno Miguel Pascoal Dias Pereira da Silva
1.  Introdução
 
Pretendemos com este artigo caracterizar, muito brevemente, o Iraque para podermos compreender a realidade actual que se vive no território. A caracterização e o enquadramento geográfico da civilização árabe são factores relevantes e imprescindíveis para os estudiosos da Geopolítica. O trabalho começa por uma tentativa de definição teórica do que constitui uma civilização e prossegue com a “escalpelização” dos factores mais importantes que a constituem, nomeadamente a cultura, a educação, a família e tribos, e a religião.
 
O Iraque, como pretendemos demonstrar no final deste trabalho, é um país artificial, constituído por cerca de setenta tribos diferentes, com características, exércitos, facções e alinhamentos religiosos diferentes, todas elas lutando pelo poder ou pela divisão do território, de forma a terem acesso directo às riquezas do petróleo.
 
Para além das tribos árabes existentes no território, os cristãos e turcomanos, no Iraque, funcionam de certa forma como tribos, pretendendo nalguns casos determinadas parcelas de território para governar, de forma autónoma ou mesmo independente, que dizem ser suas, tendo por base o direito consuetudinário. A maioria dos territórios que pretendem administrar estão assentes em enormes jazidas de petróleo, facto o que ainda vem a complicar mais a actual situação.
 
Antes de terminar o trabalho vou-me referir aos principais factores geográficos e geopolíticos, do Iraque.
 
Espero, no final deste artigo, poder dar aos leitores bases para poderem perceber o complexo puzzle em que se tornou o Iraque actual, bem como dar algumas bases para a compreensão do próximo artigo que por uma questão de coerência apresentamos a seguir a este.
 
 
2. A civilização árabe
 
a.  Generalidades
 
Definir uma civilização, em poucas palavras, não é uma tarefa fácil, no entanto, em nossa opinião, civilização é uma forma de interpretar, estar, lidar com o Mundo e a sua realidade, à luz de princípios, valores éticos, culturais (usos, costumes e tradições) e religiosos que lhe são intrínsecos.
 
Os factores integrantes, mais importantes para uma possível definição de civilização, são os factores que iremos dissecar neste trabalho, tentando perceber as semelhanças e as diferenças mais marcantes entre a nossa, a civilização ocidental e a civilização árabe.
 
Samuel Huntington, um dos enformadores da política externa norte-americana, escreveu um livro denominado “O Choque das Civilizações”, que pensamos ter sido, em boa parte, responsável pelo desastroso período, em que George Bush foi presidente dos EUA.
 
O “Encontro das Civilizações” em vez do “Choque das Civilizações” parece-nos ser o caminho a seguir pelo Ocidente, neste século XXI.
 
Deus é o mesmo para as três religiões monoteístas. É necessário, por ele, que se efectuem concomitantemente, com os encontros políticos, os encontros entre os responsáveis religiosos, para que, em função desses encontros, se possa dar o tão desejado “Encontro de Civilizações” e que se estabeleça a tão almejada paz entre os povos que habitam a região do Médio Oriente e entre estes e o Ocidente.
 
Os fundamentalistas e os fanáticos religiosos, que interpretam os textos sagrados à letra, são os principais responsáveis das religiões serem usadas para justificar as guerras, quer no passado quer na actualidade.
 
A justificação das guerras evocando o nome de Deus, tem sido usada de uma forma abusiva, desde as Cruzadas, efectuadas pelos Ocidentais na “Terra Santa”, até aos actuais constantes apelos ao povo Islâmico à “Jihad” (Guerra Santa) contra o Ocidente.
 
Os factos supra referidos têm provocado grave instabilidade na região do Médio Oriente, berço das três religiões monoteístas, instabilidade que actualmente se tem espalhado para a Região do Cáucaso.
 
b.  Cultura
 
A cultura é um dos factores mais importantes, se não o mais importante, na definição de civilização.
 
O território a que hoje pertence o Iraque já foi berço das actuais civilizações, sendo nele que se desenvolveu a civilização mesopotâmica. Séculos mais tarde, Bagdad foi capital do império dos Almorávidas, que chegaram a invadir parte da Península Ibérica.
 
Os vestígios deixados no território, por estas civilizações, de que fazem parte achados arqueológicos, preservados, até à invasão norte-americana, em museus nacionais iraquianos, fazem parte do património da humanidade que é necessário e urgente preservar, a todo o custo.
 
Os museus nacionais iraquianos, após a invasão foram pilhados e saqueados, quer pelas tropas ocupantes quer pela população em geral, devido à total ausência de autoridade, nos meses que se seguiram à queda do regime ditatorial do Saddam Hussein.
 
O direito ao saque foi um dos “direitos da guerra”, no tempo em que o saque e a pilhagem faziam parte do “salário” auferido pelas tropas. O exercício desse direito “bárbaro” não era expectável que ocorresse num dos exércitos mais evoluídos e fortes do Mundo. No século XXI, o direito ao saque não pode existir, sendo eticamente reprovável e juridicamente condenável, uma vez que todas as obras de arte provenientes de civilizações anteriores são insubstituíveis e são pertença da humanidade, fazendo parte de seu legado.
 
O ano de 2003, ano da invasão do Iraque pelos EUA foi, pelos factos supracitados, um ano de grande perca para o património mundial. Algumas peças arqueológicas de grande valor foram, no entanto, salvas pelo, então, director do Museu Nacional de Arqueologia do Iraque, que as conseguiu enterrar evitando a total pilhagem e delapidação de tão importante património. Esta colecção heroicamente salva pode actualmente ser visitada em Bagdad.
 
c.  Arquitectura e artes plásticas
 
Os árabes em geral apreciam as artes sendo, como tão bem podemos apreciar na Península Ibérica, mestres na arte de azulejaria. Os palácios existentes no Alhambra em Granada (Espanha), são disso exemplo.
 
Os palácios mandados construir por Saddam Hussein, em Bagdad e em Camp Victory, são, em nossa opinião, obras-mestras de arquitectura, todos eles construídos, num estilo clássico, em pedra, alguma magnificamente trabalhada com baixos-relevos invocando motivos árabes, a maioria deles, relacionados com as guerras travadas contra o Irão e contra os EUA.
 
Todos os palácios apresentam tectos ricamente decorados e iluminados por lustres magníficos, quer pela sua dimensão quer pela quantidade de lâmpadas e cristais, em forma de pêra ou de lanterna árabe. Alguns tectos são pintados à mão com alegorias guerreiras e míticas mandadas pintar por Saddam Hussein. A maioria das portas é em madeira maciça chapeada a latão, exibindo o trabalhado tradicional das portas árabes.
 
O Monumento ao Soldado Desconhecido, mandado erigir no final da guerra contra o Irão, na zona dos palácios presidenciais, é um magnífico exemplar de arquitectura moderna, sendo construído numa forma elíptica. A zona principal do mesmo, a área onde se encontra sepultado o Soldado Desconhecido, é construída na forma de uma concha de ostra parcialmente aberta.
 
Nos tempos da ditadura liderada por Saddam Hussein, os artistas plásticos eram protegidos chegando a constituir-se em Associações e Uniões. A arte era vendida nos mercados e nas ruas.
Actualmente, no Iraque, ainda existe e está a funcionar uma faculdade de Belas Artes, existindo muitos pintores e escultores que executam os seus trabalhos em estúdios e que os vendem à população. O trabalho dos artistas plásticos é apreciado.
 
A maioria das pinturas e esculturas são realistas, versando os temas relacionados com o cavalo árabe, a vida nas cidades e a flora tropical dos rios do sul. No entanto já podemos encontrar alguns artistas que se inserem nas novas correntes artísticas mundiais com excelentes pinturas expressionistas e abstractas. Em termos de escultura, podemos apreciar a forma magnífica com que o bronze é trabalhado.
 
Os fundamentalistas religiosos liderados por Al-Sadr, durante a guerra fratricida a que me referirei posteriormente, fizeram explodir todos os teatros e cinemas existentes em Bagdad. Primeiro, notificavam os donos dos estabelecimentos para que voluntariamente os encerrassem; caso estes não cumprissem a ordem e não fechassem os locais de diversão, faziam explodir esses locais em nome de Alá.
 
Com os locais culturais foram também destruídos os “night clubs” e as casas de prostituição, assim como todas as casas que vendiam álcool, e que existiam nos tempos do Saddam Hussein. O fecho dos “cabarets” não acabou com a prostituição em Bagdad, que continua a existir de forma encoberta, sendo frequentada por pessoas abastadas.
 
Em termos musicais também não existe, actualmente, nenhuma forma de expressão musical no País, só sendo permitida a execução pública de música religiosa.
 
No Iraque, actualmente, não existem escolas para ensinar música, pois a música é considerada pelos fundamentalistas religiosos como uma perda de tempo não admissível. Sabemos, no entanto, que a música tradicional do Médio Oriente é uma música muito alegre, tendo muitos traços em comum com a música flamenca do Sul de Espanha.
 
A maioria do pessoal que se dedicava à criação artística, nos tempos de Saddam Hussein, emigrou para a Síria, Emiratos Árabes Unidos ou para a Jordânia. A população jovem com quem lidámos, pelos motivos supra referidos, considera a vida no Iraque, muito aborrecida.
 
Existem bastantes restaurantes em Bagdad, pois os árabes gostam de comer bem, sendo no entanto proibida a ingestão de carne de porco e de marisco. Como sabemos, a ingestão destes alimentos se não forem devidamente cozinhados e se não forem frescos podem provocar doenças.
 
Os pratos principais são elaborados à base de carne de borrego, caso dos “kebabs”, e vegetais cozinhados com picantes, comida semelhante à comida mediterrânica. Um dos pratos famosos é a “dolma”, arroz com vegetais que se come à mão.
 
d.  Educação
 
Em termos de educação, existem no Iraque os mesmos graus de ensino que existem nos outros países, nomeadamente o ensino básico, intermédio, “high school” e universidade.
 
Não existe, no entanto, uma escolaridade obrigatória e caso a família assim o entenda os miúdos podem não ir à escola, facto que é bastante grave, sendo mais grave ainda para o sexo feminino, cuja tradição é a de as preparar o mais cedo possível para efectuarem um bom casamento. Não havendo acesso a dados estatísticos fidedignos, pelo que verificámos in loco os níveis de iliteracia são bastante elevados.
 
O ensino básico tem a duração de seis anos, o ensino intermédio de três anos, o ensino liceal de três anos e o “bachelor” tem a duração de seis anos para medicina, cinco anos para farmácia, cinco anos para os médicos dentistas e para todos os outros cursos de quatro anos.
 
Os cursos na área da saúde e de engenharia são todos leccionados em língua inglesa, razão pela qual a maioria dos tradutores nativos são licenciados nessas áreas. Todos os outros cursos são dados em arábico. Esta tradição mantém-se desde os tempos de Saddam Hussein.
 
Os professores mais velhos e experientes fugiram do Iraque, para os Emiratos Árabes Unidos e, muito em especial, para o Dubai, onde prosseguem as suas investigações e estudos. Estes países só abriram as portas à emigração de iraquianos que trabalhassem na área da saúde (médicos, farmacêuticos e enfermeiros) e aos engenheiros.
 
A emigração da maioria do pessoal docente das áreas técnicas é um dos motivos principais pelo qual, actualmente, no Iraque o nível de exigência no ensino seja muito baixo, havendo muita dificuldade em elevar os níveis de exigência, por falta de professores especializados.
 
Nas universidades, como em todo o lado, a corrupção é grande chegando-se actualmente a comprar os exames e os “canudos” de licenciatura.
 
A emigração dos principais quadros, para os países vizinhos e para os EUA, esvaziou o país de quadros, o que faz com que seja quase impossível reconstruir o país nas próximas décadas, mesmo que se consiga alcançar a paz.
 
É preciso incentivar que estes quadros regressem ao país; para isso, é necessário garantir a sua protecção e segurança e um pagamento condigno.
 
Em Angola, a maioria dos quadros, que eram quase todos brancos, assim como alguns mestiços, fugiram para Portugal e para a África do Sul, antes da independência do país, facto que em muito perturbou o normal funcionamento dos serviços, o que aliado ao facto do país ter mergulhado quase imediatamente numa guerra civil, levou a que só passado cerca de trinta anos se tenha iniciado a reconstrução do Estado Angolano.
 
e.  Família e tribos - a base do Iraque
 
Todos os cidadãos do Iraque têm escrito no bilhete de identidade a tribo à qual pertencem, bem como o respectivo nome da família, que está directamente relacionado com a tribo de origem. É pois fácil só pelo nome identificar a tribo de proveniência de qualquer cidadão iraquiano.
 
Por uma questão de segurança pessoal, nenhum funcionário do Estado quer ser portador de um cartão com o nome de forma visível, pois preferem que este não seja conhecido. O facto do nome poder facilmente identificar determinada família e tribo pode torná-lo, eventualmente, vítima de um atentado.
 
A família em primeiro lugar, seguida da tribo de origem, são os factores mais importantes na aquisição de lugares na administração pública.
 
O nepotismo é um fenómeno normal. A título de exemplo, podemos afirmar que a família do actual Primeiro-ministro tem membros na Agência Nacional de Segurança (NSA), no Centro de Operações Nacional (NOC), organizações em que nós trabalhámos, controlando assim toda a informação.
 
A tribo e a região de origem têm de tal modo influência que nos tempos de Saddam Hussein, diz-se que quem fosse de Tikrit, região da tribo de origem do ex-presidente, tinha um poder e uma influência nas Forças Armadas, muitas vezes, superior à de um general.
 
O desenho das organizações é feito de acordo com as necessidades de meter pessoal conhecido e ou da família e não de acordo com as necessidades reais em termos de pessoal. Quem não for da família dos dirigentes ou não tiver relações fortes com ela corre o risco de, inclusive, ser despedido do lugar que actualmente ainda ocupa da função pública, a quase única forma de emprego existente no país.
 
A título de exemplo, constatámos que os salários auferidos, pelos membros da família no poder, são diferenciados dos outros membros, chegando a ser-lhes atribuídos subsídios mensais que podem duplicar o salário de outros na mesma função. Esta atribuição de subsídios mensais também se aplica aos militares e membros das forças de segurança, que não são pagos pelo posto que detêm.
 
Algumas pessoas são, no entanto, difíceis de substituir, quer na função pública quer nas Forças Armadas, por serem extremamente competentes e possuírem informação adequada. Informação é poder, em qualquer lugar do mundo.
 
Os casamentos, base da constituição de novas famílias são, na maioria das vezes, efectuados por conveniências familiares ou tribais. Os casamentos por amor, praticamente, não existem.
 
No casamento, os pais do noivo são os primeiros a saber das intenções do seu filho em casar com determinada rapariga; se concordarem com o casamento, a mãe ou a irmã do noivo vai falar com a mãe da noiva, que servirá ou não de facilitadora do casamento, proporcionando encontros e preparando a rapariga para aceitar o contrato nupcial. Caso as famílias se conheçam, o noivo pode falar directamente com a mãe da noiva.
 
Todo este jogo pode fazer-se sem que a rapariga conheça, sequer, o rapaz com quem vai casar, pois, na maioria dos casos, os noivos só se conhecem realmente após a família da noiva concordar com o casamento. Este fenómeno não tem a ver com a formação da noiva, pois algumas delas até são licenciadas e permitem este tipo de contrato.
 
O casamento é um acontecimento que envolve as famílias para sempre, pois estas, obrigatoriamente, visitam-se durante o período das festas religiosas.
 
Os pais das raparigas querem sempre casar a sua filha mais velha, para que não exista uma filha por casar em casa, o que seria uma vergonha para a família.
 
Conhecemos o caso de um rapaz que namora a segunda filha de um casal muçulmano e que não se pode casar, porque a primeira filha ainda não se casou nem tem namorado. O rapaz tenta há cinco anos desesperadamente encontrar um namorado para a irmã mais velha.
 
Todos estes procedimentos não estão muito longe da nossa Idade Média, onde os casamentos eram meros contratos feitos entre as famílias, sendo no caso dos casamentos reais “casos de Estado”.
 
O sexo antes do matrimónio é proibido e é um assunto tabu, razão pela qual se pode observar, no Iraque, a existência de rapazes e raparigas castos até cerca dos quarenta anos. É possível, não é raro e é normal, tendo nós tido conhecimento de vários casos, que inclusive se orgulhavam dessa condição. Estamos realmente noutra civilização.
As famílias tentam casar as filhas com doze ou treze anos de idade, idade em que não é difícil mantê-las castas e puras, condição sine qua non para o casamento muçulmano.
 
Se o marido, recém-casado, desconhecer que a sua mulher não era virgem na altura do casamento, poderá em última instância e de acordo com a “Sharia” (lei muçulmana), ordenar que esta seja decapitada.
 
Após o casamento, a mulher perde o nome de família, ganhando o do marido e passa a ser “sua propriedade”.
 
De acordo com a religião muçulmana, os homens podem ter até quatro mulheres. Nos tempos que correm ter duas mulheres ainda é considerado um comportamento normal.
 
As classes mais abastadas podem, mais facilmente, ter mais que duas mulheres, uma vez que de acordo com a lei é necessário providenciar alojamento em casas separadas para cada uma das mulheres.
 
Os “Sheiks” são a autoridade máxima tribal, e elegem entre si o “Sheik” da região. Os “Sheiks” devem ser apartidários, defendendo sempre os interesses da tribo, acima dos interesses partidários.
 
A título de exemplo, no ano transacto, os “Sheiks” da região de “Al-Falujal” destituíram o “Sheik” por eles eleito para a região, por este estar a tomar descaradamente partido a favor do partido governamental, contra o interesse das tribos que o elegeram.
 
As tribos são muitas e, nalgumas delas, chegam a ter cerca de dez milhões de membros espalhados por vários países da região. Existem as duas correntes religiosas representadas: os sunis e os xiitas. Embora com religiões diferentes, parece não haver problemas internos.
 
Mesmo na cidade de Bagdad, longe dos locais de origem das tribos, os bairros são habitados por tribos, sob a liderança dos respectivos “Sheiks”.
 
Os “Sheiks” administram a justiça de acordo com a “Sharia” e têm, na sua maioria, exércitos privados para a sua defesa dos seus interesses e dos seus membros.
 
Não nos podemos esquecer que a “Sharia”, interpretação das escrituras sagradas para estes povos, é a lei a que tem de se obedecer, e que a lei denominada por “lei de Talião”, que abreviadamente podemos enunciar como a lei do “olho por olho e dente por dente”, é uma lei desajustada que legitima a vingança como forma de sanar problemas. Esta lei é um obstáculo à construção da paz.
 
Cortar a mão aos ladrões é uma prática que já entrou um pouco em desuso no Iraque, substituindo-a pelo cortar dos dedos, facto que ainda permite ao “ladrão” poder trabalhar sem ter que voltar a roubar, também lhe permitindo rezar, pois ainda se pode apoiar nas mãos.
 
Os iraquianos são fiéis à família, à tribo, à religião e, por último, são nacionalistas (iraquianos). Como na maior parte dos locais onde passámos, quando a selecção de futebol do Iraque joga, vê-se algum orgulho no país.
 
f.  Algumas características dos árabes Iraquianos
 
A negociação é uma das características mais importantes dos árabes, que não podemos nunca descurar quando estamos a trabalhar com eles. Está sempre subjacente uma relação contabilística entre o deve e o haver.
 
No nosso caso específico, em que estávamos a trabalhar com a NATO, a pergunta subjacente a qualquer proposta que fizéssemos era invariavelmente relacionada com o eventual ganho pessoal caso a aceitassem. A eventual nomeação para um curso no estrangeiro, pago pela NATO, era a contrapartida que mais lhes agradava.
 
A imposição de ideias externas às suas organizações é considerada uma afronta. Qualquer nova ideia, para passar pelo crivo iraquiano, tem de ser cuidadosamente introduzida, devendo deixar-se margem para que a iniciativa da mesma pareça ter sido deles.
 
Todas as transacções de índole comercial ou outras são precedidas de negociações, onde o factor tempo aparentemente não é tido em consideração. Qualquer transacção implica no mínimo a bebida de um chá, e tempo. Em linguagem militar, parecem estar sempre a efectuar “operações retrógradas”, trocando o espaço pelo tempo.
 
O sentimento da partilha é importante: partilhar a comida é um sinal de grande respeito e amizade uma vez que consideram que essa partilha, no sentido de comunhão, aproxima muito as pessoas. É imprescindível, se lhes quiseres ganhar a confiança, partilhar as refeições com eles e com a sua família, facto que muito os orgulha.
 
A partilha é entendida de tal forma, que se porventura lhes gabares uma camisa ou um casaco que tenham vestido, corremos o risco de que imediatamente estes o dispam para te oferecer.
 
Não gostam de utilizar o garfo para comer por este se parecer com a cauda do demónio, e porque sendo as mãos parte do corpo mais puro que Deus lhes deu, é com elas que se reza sendo com elas que se deve levar o comer à boca.
 
Os iraquianos sentam-se no chão para comer o prato tradicional “dolma”, arroz com pimentos e pão. O conteúdo da panela é deitado numa bandeja que é posta no chão ou em cima duma mesa baixa, de onde toda a gente se serve.
 
Não pegam em sobras de comida para levar para casa, mesmo sabendo nós que eventualmente podem passar dificuldades, a não ser que desde o inicio da refeição lhes tenha referido que estávamos a contar que ele levasse parte para a sua família e que essa parte tenha sido propositadamente retirada da mesa.
 
As virtudes de honra, vergonha (quando são pobres nunca o demonstram) e orgulho são por eles exacerbadas. Salvo melhor opinião, neste aspecto específico, a cultura árabe ainda hoje influencia a nossa sociedade e a nossa cultura muito dela recebeu. As elites e os governos caem e regressam às terras de origem, mas as pessoas ficam e algumas das suas idiossincrasias permanece durante gerações.
 
É uma afronta muito grande para um árabe ofender um convidado em sua casa. Não tendo por esse facto, festejado efusivamente o acontecimento ocorrido no ano passado, em que um jornalista atirou um sapato ao presidente dos EUA George W. Bush. No caso em apreço, o presidente Bush foi convidado pelo Chefe do Governo iraquiano para se deslocar ao território iraquiano. O Iraque para o efeito é considerado como sendo a sua casa, pelo que o jornalista ofendeu um convidado, facto que é considerado como vimos uma ofensa grave.
 
Os sapatos são considerados impuros pelos árabes por andarem no chão, sendo por esse facto uma ofensa muito grande atirar sapatos a alguém. A grande maioria das pessoas com que falámos sobre o acontecimento, expressaram ter vergonha do que o que pessoas em todo o mundo irão pensar deles.
 
Notícias sobre atentados à bomba, sobre sequestros, no Iraque podem aparecer todos os dias nos telejornais de todo o mundo, sem que considerem esses factos anormais. No entanto, estão preocupados com o incidente dos sapatos, e com o que o mundo pode eventualmente possa pensar deles.
 
A dificuldade em trabalhar com os árabes esbate-se quando lhes ganhamos a confiança. A partir daí, consideram-te um dos deles, mas caso se lhes minta, dificilmente se ganha a confiança, novamente.
 
O beijo é o cumprimento natural entre os homens, sendo que o beijo nos ombros é um sinal de consideração muito especial. As mulheres não devem ser tocadas pelos homens, devendo o cumprimento ser efectuado de longe com um aceno de cabeça.
 
De acordo com a religião muçulmana, a mulher não pode nem deve falar com um estranho, devendo vestir-se e esconder-se dos olhares masculinos. O seu corpo, cara e cabeça devem estar escondidos para não provocar o desejo nos homens.
 
Embora sendo um país muçulmano, de maioria xiita, as mulheres no Iraque embora aconselhadas, não são obrigadas a tapar a cabeça e a cara com os trajos típicos muçulmanos. A decisão de a tapar ou não é da família a que pertencem e algumas mulheres, inclusivamente, vestem-se à ocidental.
 
O facto das mulheres se poderem vestir à ocidental, ou terem a opção de não tapar a cabeça, em nossa opinião, deriva do facto de Saddam Hussein ter sido um nacionalista, acima de tudo, que inclusive perseguia e mandava matar os líderes religiosos que se lhe opusessem ideologicamente. É exemplo do que acabámos de afirmar a morte encomendada do pai de Mocata Al-Sadr, actual líder da facção fundamentalista xiita do Iraque.
 
A aparência cuidada, o uso dum fato de bom corte e da gravata a condizer, o uso de perfumes muito concentrados, são apanágio da população dirigente, cuja maioria estudou no Ocidente. Mesmo vestindo as vestes tradicionais árabes as vestes dos dirigentes e dos “Sheiks” são ricamente bordadas chegando, as mais elaboradas, a atingir centenas, se não, milhares de euros.
 
As mulheres têm que possuir jóias e adornos para o corpo, fazendo estes, parte dos presentes de casamento que os maridos têm que ofertar, por muito pobres que sejam.
 
A maioria da população não tem emprego certo, no entanto não se preocupa muito com o assunto, uma vez que estão nas mãos de Deus. Como qualquer povo em guerra só parecem preocupar-se com o momento presente por não saberem se amanhã estão vivos.
 
A maioria dos árabes tem tanta confiança e fé em Deus que o invocam sempre para resolver todos os seus problemas, inclusive invocam-no sempre no início de qualquer reunião.
 
Deus e as parábolas constantes no Corão são, de tal forma, importantes e marcantes na vida das pessoas que, inclusive, no Centro de Operações Nacional (NOC), dependente do Gabinete do Primeiro-ministro, onde trabalhámos, encontrámos um grupo de pessoas a discutir acaloradamente, em pleno século XXI, a razão pela qual Deus sendo todo-poderoso e misericordioso, não tinha perdoado o pecado original a Adão.
 
Para a maioria dos árabes, o Mundo Ocidental perdeu os valores éticos morais e religiosos. Na sua acepção qualquer sociedade tem que ter regras de conduta moral e ética, sob risco de ser destruída. O facto de haver liberdade, como nos EUA, é bom, mas poderá ser a causa da sua destruição.
 
Geralmente, os exemplos que dão, sobre a ausência de regras de conduta nos EUA, estão relacionados com o sexo, nomeadamente sobre a permissividade com que a infidelidade conjugal, a castidade e a virgindade das mulheres, antes do casamento, são tratadas. Segundo eles, as mulheres que não forem fiéis aos homens e não forem puras para o casamento, desfarão as vidas e as sociedades: “a liberdade está a destruir os americanos.”
 
g.  Religião
 
1) Generalidades
Maomé foi criado por um tio, irmão da mãe, que era chefe de uma tribo nómada. Após a morte do tio e depois da revelação que lhe foi feita por Deus, a tribo de Maomé iniciou a expansão da fé islâmica pela força, ou seja a sua tribo começou por impor às outras a verdade revelada.
Segundo conta a história da religião islâmica, o Arcanjo Gabriel transmitiu o Corão a Maomé, e quem o terá, posteriormente, escrito foi o seu primo e genro Ali.
Meca era a grande cidade árabe, à época, local onde se efectuavam as maiores trocas comerciais do mundo árabe, e onde as diversas tribos guardavam os seus diferentes deuses, num determinado local de culto.
Foi para Meca que a tribo de Maomé se deslocou, a determinada altura, tendo em vista destruir o local de culto das outras tribos e, provavelmente, demonstrar também a supremacia da sua tribo de origem sobre as outras, objectivos que conseguiu atingir.
Desde a sua génese, o islamismo propagou-se pela força das armas, facto que em nossa opinião explica um pouco as razões subjacentes ao ainda actual uso das armas para fazerem valer as suas razões entre si e contra os outros.
O islamismo está dividido em sunitas e xiitas, tendo-se estas autonomizado, logo após a morte do profeta Maomé, o qual, pouco antes de morrer, já no seu leito de morte, quando questionado sobre a sua sucessão, terá respondido que aquele que o deveria suceder deveria ser o que se encontrava mais perto dele.
Os quatro “discípulos” do profeta, que geralmente se encontravam junto dele, eram Abou Baker, Omaar, Otaman e Ali. Em princípio, era deste núcleo restrito que deveria sair o seu sucessor.
Logo após a morte de Maomé, devido à dubiedade da afirmação acerca do seu sucessor, deu-se a primeira grande cisão no islamismo, entre os que consideraram que o discípulo que estava mais perto do profeta era, fundamentalmente por razões sanguíneas o seu sobrinho Ali, casado com uma das suas filhas de nome Fátima, e os que consideravam que deveria ser o mais perto por questões de amizade, companheirismo e o seu fiel depositário de segredos, que era Abou Baker, o primeiro califa, guerreiro muito experiente.
O segundo califa sucessor de Abou Baker, que foi líder durante um breve período de tempo, dada a sua idade, foi o também discípulo de Maomé, Omaar que, como o primeiro, foi também “escolhido” para o cargo. Os sunitas afirmam que o facto de o califa ser eleito por escolha lhes dá legitimidade democrática. Os apoiantes e seguidores de Ali são os xiitas e os de Abou Baker e Omaar são hoje os sunitas.
Nas sociedades ocidentais, temos a ideia de que os xiitas são mais fundamentalistas do que os sunitas, uma vez que a revolução fundamentalista iraniana que depôs o Xá da Pérsia, no século passado, ainda está bem gravada nas nossas mentes.
Como pudemos constatar, in loco, há no Iraque duas correntes xiitas mais importantes: uma, moderada, liderada por Ali Al-Sustami, e outra, fundamentalista, liderada por Mocata Al-Sadr. A corrente mais moderada é maioritária sendo que os actuais líderes políticos do Iraque são xiitas moderados.
Os muçulmanos rezam cinco vezes ao dia. Segundo a história, o espírito do profeta Maomé subiu ao céu tendo-lhe sido transmitido por Deus que os crentes deveriam rezar 500 vezes por dia. Quando o espírito do profeta Maomé vinha a regressar à terra, encontrou um outro profeta, que lhe terá dito para regressar ao céu tendo em vista solicitar que reduzisse o número de orações de 500 para 50 vezes por dia, facto que lhe foi concedido. Ao voltar novamente a descer à terra, o espírito, encontra novamente outro profeta que lhe volta a dizer para voltar ao céu tendo em vista reduzir as orações de 50 vezes por dia para 5 vezes por dia, facto que lhe foi novamente concedido.
Para a religião islâmica, a ingestão de bebidas alcoólicas e de carne de porco estão interditas. Relativamente à ingestão de bebidas alcoólicas, a sua proibição foi efectuada de forma gradual. No tempo de Maomé muitos árabes bebiam e Maomé começou por os impedir de rezar se tivessem bebido, daí até à proibição total de ingestão de bebidas alcoólicas foi um pequeno passo. O porco e o macaco, dada a sua semelhança com os humanos, são interpretados pelos “xiitas” como tendo sido humanos castigados por Deus tendo, por isso, tomado a forma de animais.
A ingestão de álcool em excesso é uma droga, que para além dos efeitos alucinogéneos, da dependência que cria e dos efeitos perversos que pode vir a gerar no seio das famílias, base de toda a organização muçulmana, também pode provocar doenças hepáticas. A ingestão de carne de porco indevidamente cozinhada também pode provocar doenças. Podemos afirmar que Maomé, com estas medidas, foi um dos precursores do conceito de medicina preventiva.
A guerra que eclodiu entre os “crentes” e os “não crentes”, nos tempos de Maomé, fez com que o profeta determinasse que todos os presos que sabiam ler e escrever deveriam ensinar a escrever a dez muçulmanos, após o qual seriam libertados.
Esta medida tinha por objectivo que todos os crentes soubessem ler, para poderem posteriormente ser capazes de ler e recitar o Corão. Maomé desenvolveu assim a instrução pública.
As festividades mais importantes dos muçulmanos são comuns às duas correntes do islamismo, embora desfasadas de dias, sendo o Ramadão uma das festividades mais importantes para os muçulmanos.
Chegados ao Iraque no período do Ramadão, constatámos que os muçulmanos são chamados a rezar durante toda a noite, facto que nos levava muitas vezes ao desespero, pois os altifalantes colocados nos minaretes para chamar os crentes à oração, não se calavam nunca.
O Ramadão dura cerca de um mês, nele os crentes não podem comer nem beber antes das dez horas da noite, facto que implica um sacrifício enorme, uma vez que no Médio Oriente durante o mês de Setembro ainda se fazem sentir durante o dia temperaturas à volta dos 50 graus célsius.
A seguir ao Ramadão, seguem-se três dias de festa, dedicados a comer e beber e ao convívio familiar, nesta festa trocam-se presentes, como no Natal cristão. Os dias desta festa não coincidem na religião sunita nem xiita, havendo um dia de desfasamento entre eles.
Sessenta a setenta dias depois do Ramadão, vem a data da peregrinação a Meca, que todos os crentes devem efectuar, pelo menos, uma vez na sua vida, quando tiverem condições económicas para a fazer, ou seja devem ter o dinheiro suficiente para que a família viva desafogadamente pelo menos durante um ano. Sem o cumprimento destas condições nenhum peregrino deve iniciar a marcha.
Na data da peregrinação a Meca, deve-se matar um cordeiro do qual se deve comer um terço, dar um terço aos amigos e distribuir o restante pelos pobres. A religião islâmica, como outras proclama que é necessário dividir a riqueza pelos pobres. Na data da peregrinação dão-se também prendas aos amigos e à família.
O sacrifício do cordeiro serve para recordar o profeta Abraão que, quando estava para sacrificar o seu único filho, imolando-o sob um altar a pedido de Deus como prova inabalável da sua fé, foi por ele impedido de o fazer sendo-lhe ordenado que substituísse o sacrifício do seu filho, pelo de um cordeiro. Os cristãos, no novo testamento, aboliram estes sacrifícios tendo sido Cristo o último cordeiro pascal a ser imolado.
À semelhança das festas cristãs, as festas islâmicas não têm datas fixas, dependem das luas. No entanto, a data da peregrinação a Meca coincide mais ou menos com o Natal cristão, é uma data perto do solstício de Dezembro. À semelhança dos cristãos, foi escolhida uma data que os antigos povos pagãos também comemoravam e que tem a ver com a adoração do sol no início do Inverno.
No Iraque, por estranho que pareça, também se celebra o Natal. Jesus Cristo para os muçulmanos é um profeta, que nasceu fora do casamento, tendo logo no primeiro dia da sua vida começado a falar, revelando quem era.
Os muçulmanos embora acreditem em Cristo, como um profeta mais, não acreditam que tenha sido crucificado e em seguida ressuscitado, acreditam sim que ele está vivo de corpo e alma no céu.
Quando um muçulmano morre, a família deve distribuir pelos pobres alguns dos seus bens. Existem muitas pessoas que, às quintas-feiras (dia de folga para os muçulmanos), distribuem o seu dinheiro pelos pobres no sentido de “evitar” que as eventuais almas dos parentes falecidos os visitem em casa.
Na religião muçulmana, afirma-se que dormir é um estado próximo da morte, as pessoas ficam “meio mortas”, sendo que, nesse estado, a nossa alma pode sair do corpo e encontrar-se com as outras almas do outro mundo. O sonho é assim, por eles interpretado, como um encontro entre as almas das pessoas que estão a dormir e as almas do outro mundo.
As pessoas quando dão bens materiais do morto, fazem-no por medo de terem que se haver com as almas do outro mundo.
Sempre que há guerra as pessoas refugiam-se mais na religião, como tábua de salvação. Parece-nos ser o que se está a passar no Iraque, que em nossa opinião, encontra-se num estado de guerra civil.
 
2) Os xiitas
Como referimos anteriormente, Maomé o grande profeta da religião muçulmana, teve um sobrinho chamado Ali que se casou com uma das suas filhas chamada Fátima. Ali, que escreveu o Corão, prosseguiu o trabalho de Maomé tendo tido doze descendentes, em linha directa e indirecta, tendo cada um deles elaborado uma interpretação diferente do Corão.
O xiismo do Iraque descende dos Imans Hussein e Abbas, que eram cunhados tendo vivido em Kerbala, cidade santa para os Iraquianos.
Doze gerações após Ali, apareceu o Iman Al-Madi que é um dos imans mais importantes da história do xiismo, O Íman Al-Madi é recordado pela sua bondade, contando a história que ele regressará à terra à frente de um exército, no dia do juízo final, trazendo consigo o profeta Jesus Cristo.
Esta lenda é importante pois os xiitas fundamentalistas do Iraque, uma vez que acreditam que se conseguirem alcançar o inferno na terra, através de ataques bombistas em grande escala e outras acções militares, estarão mais perto o dia do juízo final, facto que fará reaparecer o profeta Al-Madi. Esta é a razão principal, pela qual o “exército” que foi liderado pelo Mocata Al-Sadr inicialmente se designava Al-Madi Army.
Ultimamente, Al-Sadr encontra-se exilado no Irão, tendo mudado a designação do seu exército para Brigada do Dia Prometido, após a pesada derrota do seu exército “inicial” infligida pela Coligação, em Bagdad.
Os lugares santos dos xiitas encontram-se localizados no Sul do Iraque nas cidades de Najaf e Karbala. Em Najaf, está enterrado o sobrinho do profeta Maomé, que fundou esta corrente muçulmana designada por xiismo; em Karbala estão enterrados os profetas Hussein e Abbas, razão pela qual existem amiúdes peregrinações de iraquianos e de pessoas provenientes do Irão.
Muitos muçulmanos xiitas querem ser enterrados nas cidades sagradas, para poderem ficar mais perto dos profetas e, consequentemente, mais perto de chegarem ao paraíso.
A linha de sucessão, na mesma árvore genealógica que descende do profeta Ali, traz-nos até ao actual iman xiita do Iraque Ali Al-Sustani, considerado o líder da maioria dos iraquianos xiitas, excepto para os seguidores do líder fundamentalista, (apoiado pelo Irão), Mocata Al-Sadr, que acreditam que o seu pai, mandado assassinar por Saddam Hussein, é que deveria ter sido o iman dos xiitas. Passadas tantas gerações, após Maomé, existem vários descendentes directos do profeta.
Durante a guerra civil que grassou no sul do Iraque, pelo controlo do território, das reservas petrolíferas e pela liderança religiosa dos xiitas iraquianos, guerra que ocorreu durante o ano de 2005, Al-Sadr esteve sempre por trás do seu exército, apoiando-o e incentivando-o na luta fratricida que este estava a travar contra os seus irmãos xiitas, e o Iman Al-Sustani, aparentemente, manteve-se equidistante dessa guerra, proclamando sempre a conciliação entre as facções rivais, tendo sido os seus apoiantes, por sua própria iniciativa, a pegar em armas alegando o direito de legítima defesa.
As duas facções religiosas mantiveram as suas milícias durante algum tempo, sendo que, actualmente, após a derrota dos seguidores de Al-Sadr e a sua consequente fuga para o Irão, o clima de guerra-fria entre ambas as facções parece ter abrandado, esperando-se que tenha desaparecido.
De entre os professos da religião xiita, os seguidores de Al-Sadr são cerca de 10 milhões e os de Al-Sustani cerca 13 milhões o que, em termos numéricos, é praticamente um empate técnico entre fundamentalistas e moderados.
Enquanto os xiitas lutavam, uns contra os outros, pelo poder, os sunitas observavam e, com certeza, ficavam satisfeitos, pois assim podiam usufruir política e militarmente dos ganhos dessa guerra.
Ali Al-Sustani é partidário da separação entre o Estado e a Igreja, advogando também que os iraquianos não se devem opor à ocupação americana, posições que muito nos apraz registar, pois poderá ser com o apoio dele que se pode desenhar um Iraque moderno.
Uma vez que estamos a falar da religião xiita e meramente a título de curiosidade, vamos elencar três particularidades, que nos pareceram interessantes no xiismo professado no Irão:
- O xiismo do Irão, descendente em linha directa de um dos sobrinhos de Ali designado por Ruda;
- O Corão por que se guiam é composto por mais uma parte denominada por Fátima;
- As autoridades religiosas xiitas no Irão celebram casamentos a prazo, por tempo determinado, facto que nos parece um paradoxo uma vez que aparentemente são muito rígidos na interpretação do Corão.
 
3) Sunitas
Como já referimos na parte comum da religião islâmica, na sequência da morte de Maomé houve um cisma entre os apartidários de Ali e os de Abou Baker, que dada a sua provecta idade terá sobrevivido pouco tempo após o falecimento do profeta. O segundo Califa dos sunitas foi Omaar, também discípulo do profeta, que muitos confundem como tendo sido o primeiro Califa, dada a curta liderança do primeiro.
Ao contrário de Ali, Baker e Omaar não eram familiares de Maomé e foram escolhidos para assumir a liderança na sua linha directa do povo islâmico.
Na linha de sucessão da liderança sunita destacou-se um califa de seu nome Arum Al-Rashid por ter sido o fundador do Califado dos Abássidas, que liderou o Mundo Árabe, tendo inclusive chegado à Península Ibérica e a Portugal, donde os árabes foram expulsos na sequência da Reconquista Cristã.
Um dos sucessores de Arum Al-Rashid terá mandado matar Hussein e Abbas, numa emboscada, facto que, até hoje, é recordado e que constitui ainda um dos grandes motivos de desavenças entre as duas correntes muçulmanas.
Os sunitas são a corrente islâmica maioritária, estão espalhados por todo o mundo islâmico, com excepção do Irão, Sul do Iraque e parte da Síria. Os sunis apelidam os xiitas de descrentes.
 
4) Cristãos
Os cristãos no Iraque estão divididos entre católicos e ortodoxos e dentro da confissão católica existem vários ritos, alguns deles muito antigos, subjugados, no entanto à autoridade papal.
Os cristãos, de uma forma geral, têm sido respeitados pelas outras religiões no Iraque, sendo permitido o seu culto. Quer os sunis quer os xiitas moderados apoiam o direito às minorias religiosas.
Em Outubro de 2008, mais por motivos políticos que religiosos, uma vez que os cristãos de rito Ashurian reivindicam que lhes seja reconhecida como sua uma região denominada por triângulo Ashuran, no Norte do Iraque, os cristãos de Mossul têm sido perseguidos, tendo muitos deles sido obrigados a abandonar as suas casas, facto que alertou toda a Comunidade Internacional e a ONU, pelo elevado número de deslocados que estava a ocorrer diariamente nesta zona, já de si quente, do globo.
O designado triângulo de Ashurian, compreende Mossul e todas as vilas e aldeias com nomes cristãos que se encontram localizadas perto de Zakhu e a Norte de Kirkuk, sem entrar em território curdo. Esta zona como sabemos é riquíssima em petróleo e os curdos também a disputam.
Qualquer pretensão territorial, muito em especial nesta região, é mal vista e ferozmente perseguida pelo próprio Estado Iraquiano, sendo por esse facto utópico o sonho destes cristãos em formar um Estado independente ou possuírem uma autonomia alargada, unicamente baseado na crença religiosa.
Na sequência desta pretensão territorial os cristãos estão a ser despedidos dos organismos do Estado, inclusive os que estão a chegar perto da reforma, são despedidos para que o Estado lhes possa pagar pensões miseráveis, uma vez que não cumpriram o tempo exigível para passarem à situação de reforma.
O regime do Saddam protegia os cristãos, pois os fundadores do partido Baath na Síria também eram cristãos. Saddam Hussein chegava a mandar flores e representantes oficiais às igrejas nas alturas festivas, e os grandes acontecimentos festivos eram veiculados na TV oficial. O ministro dos Negócios Estrangeiros na altura da invasão do Iraque o cristão Tarek Aziz.
Para uma minoria de dois por cento da população os cristãos encontram-se muito divididos. Assim, podemos dizer que existem cinco grandes divisões os kildonian-Ashorian, os Surian, os Arminian os Roon e os Coptees, por esta ordem de representação:
- Os Ashorian celebram o Natal no dia 7 de Janeiro, sendo por isso ortodoxos. Têm um partido político, um clube, diversas igrejas, um quartel-general em Mossul e outro em Bagdad e têm a pretensão de formar um estado independente ou uma autonomia alargada, num triângulo que estes designam por triângulo Ashorian, com um “Deputy” no Conselho da cidade de Mossul apelando para isso aos direitos das minorias que está consagrado no artigo 50º da Constituição do Iraque;
- Os Surian têm igrejas e dividem-se em católicos e ortodoxos;
- Os Kildonian têm clubes e igrejas e são católicos e os Arménios têm igrejas e clubes, e dividem-se em católicos e ortodoxos;
- Os Roon têm igrejas e dividem-se em católicos e ortodoxos;
- Os Koptees têm igrejas e obedecem a um líder egípcio.
 
 
3.  Factores geográficos condicionantes
 
a.  Breve caracterização geográfica do Iraque
 
O Iraque é um país árabe situado no Médio Oriente. A norte faz fronteira com a Turquia, sendo a maioria do território constituído por montanhas, como a região do Curdistão. A Sul faz uma espécie de istmo tendo saída para o golfo Pérsico. A oeste e noroeste a região do país é desértica sem praticamente população, fazendo fronteira com a Síria. A Este e nordeste o Curdistão Iraquiano faz fronteira com o Irão.
 
A Sudoeste faz fronteira com a Jordânia, a Arábia Saudita e o Kuwait.
 
O Sul é a região do Iraque mais rica em termos agrícolas, pois é banhado pelos rios Tigre e Eufrates que se juntam na região de Al-Bassra e desaguam no mar a sul.
 
Todos os países vizinhos do Iraque são países islâmicos, muçulmanos, muito embora só no Irão se professe a corrente xiita do islamismo, maioritária também no Iraque.
 
A Turquia (civilização Otomana) e o Irão (civilização Persa) não fazem parte da Civilização Árabe, muito embora já tenham controlado a região no todo ou em parte, continuando, ainda hoje, com alguma apetência pelo todo ou parte do território Iraquiano.
 
É difícil definir em termos religiosos, quais são claramente as fronteiras entre os sunitas e os xiitas, num país que é eminentemente tribal e onde há tribos em que os habitantes professam as duas correntes da mesma religião.
 
De uma forma geral podemos afirmar que a Nordeste, a Este e no Centro do país a população é maioritariamente sunita, ao Sul maioritariamente xiita e a Norte e a Noroeste é a região curda. Em Bagdad a população está dividida pelo rio Tigre, estando a Este do rio os sunitas e a Oeste os xiitas.
 
b.  Caracterização da região da capital
 
Se a eventual divisão do Iraque em três grandes zonas, sunis, xiitas e curdos, já era complicada em termos da determinação exacta das fronteiras entre elas, esse factor ainda é mais complicado se entrarmos em linha de conta com a cidade de Bagdad.
 
Bagdad tem cerca de 5 milhões de habitantes sendo que cerca de três milhões vivem em Al-Sadr City e pertencem à facção religiosa mais radical. Bagdad é predominantemente xiita, da facção do Mocata Al-Sadr, seguidores do pai de Al-Sadr.
 
O rio Tigre divide a cidade ao meio em duas partes sendo a parte Leste suni e a parte Oeste xiita, o que faz com que a polícia dependente do MAI actua na parte xiita, pois o ministro do interior é de origem xiita e o Exército actua na parte suni pois o ministro da defesa nacional é suni.
 
A parte suni de Bagdad é designada por Kharkh e a parte xiita é designada por Rusafa. A actual Zona Internacional fica situada na parte xiita.
 
O pessoal das duas zonas da cidade, actualmente, não se mistura.
 
O pessoal que habita a cidade tem medo dos atentados e esconde-se em casa, não saindo praticamente. Vão de casa para o trabalho e vice-versa. Os bairros mais perigosos são os de Al-Sadr City e Nova Bagdad, onde habitam os xiitas fundamentalistas. Nenhum taxista se quer deslocar para essa zona.
 
O medo é o objectivo dos terroristas que assim estão a conseguir os seus intentos.
 
A maioria dos dirigentes políticos e quadros superiores da administração está na mira dos grupos de insurgentes.
 
Nas forças de segurança do Iraque estão infiltrados a todos os níveis insurgentes ou membros das diferentes milícias do país. Muitas das vezes são as próprias forças de segurança que entram nas casas das pessoas para as roubarem.
 
As milícias, se apanham pessoas com cartões de acesso ao NOC ou a qualquer organismo superior da Administração pública mata-as.
 
Os generais não podem dizer às forças de segurança que protejam a sua família dos insurgentes, pois como há elementos infiltrados nas Forças de Segurança a todos os níveis tal facto poderia provocar o efeito contrário.
 
Nas ruas o ódio entre facções rivais é enorme, não tendo no entanto as proporções de uma guerra civil.
 
c.  A geopolítica do petróleo
 
O Iraque tem as segundas maiores reservas de petróleo do mundo, estando na maioria das regiões petrolíferas o petróleo quase à superfície, o que faz com que as despesas de extracção sejam muito reduzidas.
 
Internamente as tribos e facções “lutam” entre si, entre outros factores, pelos territórios que lhes dão acesso ao petróleo. Malgrado as garantias renovadamente expressas pelo governo central iraquiano, que estão inclusive escritas na actual Constituição Iraquiana, de que as riquezas provenientes do petróleo serão equitativamente distribuídas pela população do Iraque.
 
Externamente o território do Iraque é também alvo de cobiça dos países vizinhos e das potências e grandes potências mundiais.
 
A guerra fratricida entre os xiitas moderados e os fundamentalistas no sul do território, ganha pelos primeiros com a ajuda dos EUA, em nossa opinião, também teve como “leitmotiv” o acesso ao petróleo e as suas riquezas.
 
Os curdos do Iraque também estiveram em guerra civil na região autónoma do Curdistão Iraquiano, entre duas facções antagonistas, uma liderada pelo actual primeiro-ministro da região autónoma e outra liderada pelo actual Presidente da Republica do Iraque, que terminou após a solução salomónica de nomear um deles como Presidente do Iraque.
 
Actualmente e de uma forma muito simplificada os curdos do Iraque querem estender as suas “fronteiras” regionais às regiões de Kirkuk e Mossul, ricas em petróleo, gerando assim um conflito com os sunis. A Sul os xiitas moderados querem ficar com as regiões petrolíferas de Al-Bassra e Nazaria e Al-Marah, restando para os sunis as regiões petrolíferas ao redor de Bagdad.
 
O General responsável pela “Intelligence” no Prime Minister National Operational Centre (PMNOC), referiu-nos com mágoa e tristeza que se o país não tivesse petróleo não teria sido palco das guerras, que nele têm ocorrido ao longo destes últimos cerca de quarenta anos, e que as maiorias das guerras internas, actualmente existentes, são por esse motivo acicatadas por países vizinhos.
 
No novo conceito estratégico que a NATO está a desenvolver, o fornecimento energético ao Ocidente passará a ser formalmente um dos grandes objectivos da Organização, pelo que o acesso às fontes petrolíferas e o transporte das matérias-primas para o Ocidente, passarão a ser um dos factores de planeamento e emprego eventual de forças.
 
d.  Os países vizinhos do Iraque
 
Como haveremos de verificar, no próximo artigo referente ao Iraque, a paz só será conseguida, com o apoio dos países vizinhos, uma vez que as facções que lutam entre si utilizam os territórios dos países vizinhos como bases logísticas para a guerra.
 
Há uma teoria da “conspiração” de que a guerra/terrorismo que lavra no território iraquiano é fomentada e financiada pelo Irão e pela Síria, para evitar uma eventual invasão americana nos seus territórios.
 
Se os iranianos patrocinarem o terrorismo no Iraque, impedirão os EUA de os invadirem e poderão conseguir cumprir os objectivos de estabelecer o seu programa nuclear com fins alegadamente pacíficos mas que em nossa opinião são única e exclusivamente para fins militares. O Irão é um país rico em petróleo sem grandes problemas energéticos, pelo que à partida não necessita de energia nuclear, para fornecimento de energia eléctrica.
 
O Irão, para muitos iraquianos, continua a ser visto como o inimigo do Iraque, pois ainda não estão saradas as feridas da recente guerra entre os dois países, nos tempos do Saddam Hussein.
 
Os iranianos, desde sempre, tiveram a pretensão de vir a reconquistar parte do território do Iraque que dizem ter pertencido em tempos ao seu império. A parte do território que lhes interessa é a parte sul a mais rica em petróleo e em mercúrio vermelho.
 
No final da 1ª invasão americana algumas milícias provenientes do Irão, aproveitaram o facto do exército iraquiano ter recuado para Norte, para espalharem o terror na região sul do território iraquiano.
 
A Turquia tem a Norte do seu território uma percentagem significativa de curdos. O facto de a Turquia ser um grande aliado dos EUA, desde o tempo da Guerra-Fria, tem impedido os curdos do Iraque de se constituírem como um Estado-nação, uma vez que não têm tido o essencial apoio americano.
 
Qualquer pretensão de independência do Curdistão Iraquiano provoca uma grande oposição do Governo Turco, com receio que os curdos venham a querer formar a grande nação curda, juntando os curdos ora divididos pela Turquia, Irão e Síria.
 
A Turquia invadiu parte do território iraquiano no Curdistão durante o ano de 2007, alegadamente perseguindo os terroristas do PKK que se escondem na Região do Curdistão Iraquiano.
 
Actualmente, os Turcos bombardeiam o território do Curdistão Iraquiano com o beneplácito da coligação e do actual governo iraquiano, alegando que só estão a atacar o PKK, grupo considerado terrorista quer pelos EUA quer pela Turquia.
 
A França encetou negociações com a Síria tendo em vista conter as alegadas invasões de terroristas que atravessam a sua fronteira para vir fazer as suas intervenções no Iraque.
 
 
4.  Conclusões
 
A Civilização Árabe é uma civilização diferente da Ocidental. Samuel Huntington um dos grandes enformadores da política dos EUA nos tempos do presidente George Bush, desenvolveu uma teoria que designou por “Clash of Civilizations” que é, em nossa opinião, um dos factores que mais influenciou a “invasão do Iraque” em 2003 pelos EUA.
 
O “Encontro das Civilizações” em vez do “Choque das Civilizações” parece-nos ser o caminho a seguir pelo Ocidente neste século XXI.
 
Deus é o mesmo para as três religiões monoteístas, é necessário por ele, que se efectuem concomitantemente com os encontros políticos, os encontros entre os responsáveis religiosos, para que, em função desses encontros se possa dar o tão desejado “Encontro de Civilizações”, e que se estabeleça a tão almejada paz entre os povos que habitam a região do Médio Oriente e entre estes e o Ocidente.
 
Em termos culturais, os árabes em geral apreciam as artes sendo, como tão bem podemos apreciar na península ibérica, mestres na arte de azulejaria. Os palácios existentes no Alhambra em Granada (Espanha), são disso exemplo.
 
A maioria do pessoal que se dedicava à criação artística, nos tempos do Saddam Hussein, emigrou para a Síria, Emiratos Árabes Unidos ou para a Jordânia.
 
Além dos artistas os principais quadros do país também emigraram para os países vizinhos e para os EUA, esvaziando o país de quadros, o que faz com que seja muito difícil reconstruir o país nas próximas décadas, mesmo que se consiga alcançar a paz.
 
A família, a tribo, a religião e o Estado, são por esta ordem os factores mais importantes em que se estrutura a sociedade iraquiana.
 
Os casamentos, base da constituição de novas famílias são, na maioria das vezes, efectuados por conveniências familiares ou tribais. Os casamentos por amor praticamente não existem.
 
O sexo antes do matrimónio é proibido, e é um assunto tabu, razão pela qual se pode observar no Iraque a existência de rapazes e raparigas castos até cerca dos quarenta anos.
 
Os “Sheiks”, chefes tribais, administram a justiça de acordo com a “Sharia” e têm na sua maioria exércitos privados para a sua defesa dos seus interesses e dos seus membros. Na ausência do Estado as tribos assumem alguns papéis que no Ocidente são exclusividade do Estado.
 
Uma das características mais importantes dos árabes é a negociação, facto que não podemos nunca descurar quando estamos a trabalhar com eles. Está sempre subjacente uma relação contabilística entre o deve e o haver.
 
O sentimento da partilha é também importante na cultura árabe, partilhar a comida é um sinal de grande respeito e amizade uma vez que consideram que essa partilha, no sentido de comunhão, aproxima muito as pessoas. É imprescindível, se lhes quiseres ganhar a confiança, partilhar as refeições com eles e com a sua família, facto que muito os orgulha.
 
A aparência cuidada, o uso dum fato de bom corte e da gravata a condizer, o uso de perfumes muito concentrados, são apanágio da população dirigente, cuja maioria estudou no Ocidente. Mesmo vestindo as vestes tradicionais árabes as vestes dos dirigentes e dos “Sheiks” são ricamente bordadas chegando, as mais elaboradas, a atingir centenas senão milhares de euros.
 
As mulheres têm que possuir jóias e adornos para o corpo, fazendo estes, parte dos presentes de casamento que os maridos têm que ofertar, por muito pobre que seja o marido.
 
Para a maioria dos Árabes, o Mundo Ocidental perdeu os valores éticos morais e religiosos. Na sua acepção qualquer sociedade tem que ter regras de conduta moral e ética, sob risco de ser destruída. O facto de haver liberdade, como nos EUA é bom, mas poderá ser a causa da sua destruição.
 
A religião assume no Iraque um papel tão importante, a seguir à família e à tribo, pelo que vamos em seguida realçar as principais divergências existentes entre as duas correntes muçulmanas existentes no Iraque, bem como as principais características e festividades da mesma religião.
 
Logo após a morte de Maomé, devido à dubiedade da afirmação acerca do seu sucessor, deu-se a primeira grande cisão no islamismo, entre os que consideraram que o discípulo que estava mais perto do profeta era, fundamentalmente por razões sanguíneas o seu sobrinho Ali, casado com uma das suas filhas de nome Fátima, e os que consideravam que deveria ser o mais perto por questões de amizade, companheirismo e o seu fiel depositário de segredos, que era Abou Baker, o primeiro Califa, guerreiro muito experiente.
 
Os apoiantes e seguidores de Ali são os xiitas e os de “Abou Baker” e “Omaar” são hoje os sunitas.
 
À semelhança das festas cristãs as festas islâmicas não têm datas fixas, dependem das luas, no entanto a data da peregrinação a Meca coincide mais ou menos com o Natal cristão, é uma data perto do solstício de Dezembro. À semelhança dos cristãos, foi escolhida uma data que os antigos povos pagãos também comemoravam e que tem a ver com a adoração do sol no início do Inverno.
 
O xiismo do Iraque descende dos “Imans Hussein e Abbas” que eram cunhados tendo vivido em Kerbala, cidade santa para os iraquianos.
 
Os lugares santos dos xiitas encontram-se localizados no Sul do Iraque nas cidades de “Najaf” e “Karbala”. Em “Najaf” está enterrado o sobrinho do profeta Maomé e que fundou esta corrente muçulmana designado por xiismo, o profeta Ali. Em “Karbala” estão enterrados os profetas “Hussein e Abbas”, razão pela qual existem amiúdes peregrinações de pessoal iraquiano e de pessoal proveniente do Irão.
 
Os cristãos, muito embora separados por diversos ritos, existem no Iraque constituindo uma minoria muito activa em termos políticos. Os árabes tratam os cristãos como mais uma tribo, sendo os seus representantes religiosos considerados como equivalentes a Chefes Tribais.
 
Em Outubro de 2008, mais por motivos políticos que religiosos, uma vez que os cristãos de rito Ashurian reivindicam que lhes seja reconhecida como sua uma região denominada por triângulo Ashuran no Norte do Iraque, os cristãos de Mossul têm sido perseguidos, tendo muitos deles sido obrigados a abandonar as suas casas, facto que alertou toda a Comunidade Internacional e a ONU, pelo elevado número de deslocados que estava a ocorrer diariamente nesta zona, já de si, quente do globo.
 
Em termos geográficos, é difícil definir quais são claramente as fronteiras entre os sunitas e os xiitas, num país que é eminentemente tribal, e onde há tribos em que os habitantes professam as duas correntes da mesma religião.
 
Se a eventual divisão do Iraque em três grandes zonas, sunis, xiitas e curdas, já era complicada em termos da determinação exacta das fronteiras entre elas, esse factor ainda é mais complicado se entrarmos em linha de conta com a cidade de Bagdad.
 
O rio Tigre divide a cidade ao meio em duas partes sendo a parte leste suni e a parte Oeste xiita, o que faz com que a polícia dependente do MAI actua na parte xiita, pois o ministro do interior é de origem xiita e o Exército actua na parte suni pois o ministro da defesa nacional é suni.
 
A parte suni de Bagdad é designada por Kharkh, e a parte xiita é designada por Rusafa. A actual Zona Internacional fica situada na parte xiita.
 
Em termos de petróleo, o Iraque possui no seu subsolo as segundas maiores reservas do mundo, estando na maioria das regiões petrolíferas o petróleo quase à superfície, o que faz com que as despesas de extracção sejam muito reduzidas.
 
Actualmente o Iraque vive em guerra civil. As tribos e as diversas facções “lutam” entre si, entre outros factores pelos territórios que lhes dão acesso ao petróleo. Malgrado as garantias renovadamente expressas pelo governo central iraquiano, que estão inclusive escritas na actual Constituição Iraquiana, de que as riquezas provenientes do petróleo serão equitativamente distribuídas pela população do Iraque.
 
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*      Coronel de Infantaria. Sócio Efectivo da Revista Militar.
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