1. Introdução
A UE, muito em especial após a ineficácia que demonstrou na resposta ao conflito dos Balcãs, iniciou uma política concreta de Segurança e Defesa a que foi dado o nome de Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD).
Vamos ao longo deste artigo analisar o que foi feito durante a última década, em termos de Segurança e Defesa na União Europeia para responder cabalmente aos desafios que se lhe põem no actual Contexto Internacional.
Pretendemos também com este artigo responder à questão formulada anos atrás por um alto responsável da diplomacia Norte Americana que dizia desconhecer a quem telefonar na Europa em caso de crise?
Vamos para esse efeito tentar identificar, após a assinatura e ratificação do Tratado de Lisboa, qual a entidade ou entidades, a quem na actualidade os EUA podem eventualmente telefonar para a UE, em caso de crise Mundial.
Este trabalho foi por nós apresentado no Fórum dos Cidadãos em Coimbra numa Conferência patrocinada pelo Parlamento Europeu e pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
O autor deste texto confessa-se um acérrimo defensor da União Europeia, como forma de defender a nossa própria idiossincrasia, cultura e independência num mundo cada vez mais global, mas onde as Regiões começam afirmar-se e a desempenhar um novo papel como novos actores do Sistema Internacional, parecendo querer substituir-se aos poucos ao papel que até ora pertencia aos Estados.
2. O Novo Contexto Internacional/esboço de uma nova ordem mundial
O Mundo passou no final do século XX de Bipolar para Unipolar, onde os EUA eram única superpotência. Neste novo milénio e novo século, os EUA parecem estar a começar a ficar “desgastados”, como afirmou o Professor Adriano Moreira no Fórum dos cidadãos em Coimbra, em 10 de Dezembro de 2009, “parecem estar a sofrer da fadiga dos materiais”, consequência das dificuldades que estão a sentir no Iraque e no Afeganistão.
O Professor Adriano Moreira, afirmou na mesma Conferência, que as regiões do Globo estavam tendencialmente a ter maior protagonismo e, que antevia que estes espaços regionais, iriam a breve trecho desempenhar um papel importante no Contexto Internacional, prospectando mesmo que a reforma do Conselho de Segurança da ONU venha a ser feita tendo em conta esta tendência regional.
Os Objectivos primários dos Estados são o de garantir o progresso, a segurança e o bem-estar. Quando uma entidade como o Estado não consegue atingir os seus objectivos no todo ou em parte, outro tipo de Entidade ou de Organização terá de surgir para o garantir.
Os Estados, até à data actores únicos do Sistema Internacional, para continuar a atingir os seus objectivos primários num mundo cada vez mais globalizado, estão tendencialmente a integrar-se em Espaços Regionais. Estas integrações, a exemplo da UE, normalmente começam pela parte económica. Estarão neste caso a título de exemplos a MERCOSUL, a ASEAN, entre outras.
“Alvin Toffler”, no seu livro Guerra e Anti-Guerra, defende a tese que o fim do feudalismo e das fronteiras feudais se deu, devido à necessidade de se efectuarem trocas comerciais num espaço maior, o Estado, sem que as mercadorias fossem sujeitas às taxas aduaneiras cobradas entre feudos. No livro citado, o autor ainda refere que a tendência no futuro é, pelo mesmo motivo, a de abolir as taxas aduaneiras entre Regiões e, quiçá, serem de todo abolidas à escala global.
A tendência para a regionalização implica que os Estados se moldem a esta nova realidade, sendo na integração regional que os Estados se irão conseguir afirmar. As idiossincrasias, as distintas realidades culturais dos Estados e respectivas identidades, serão defendidas em espaços maiores, onde cada Estado deve lutar pelo direito à diferença, no enriquecimento duma realidade comum que só se enriquece na diversidade.
No caso do continente Europeu, a União Europeia tem sido considerada até agora como um caso de sucesso do ponto de vista económico, estando em construção a União Política. Para o efeito tem havido uma transferência voluntária de soberania dos estados para a UE.
A construção europeia tem sido edificada paulatinamente, por pequenos passos, que mais não têm em vista, que uma integração numa nova entidade, em que em nosso entender, é fundamental que se continue, como até aqui a basear na intergovernamentalidade.
A intergovernamentalidade é uma “nova” e simultaneamente original forma de integração política. O Conselho da UE é o órgão, intergovernamental por excelência, onde os Governos dos Estados democraticamente eleitos, ou seus representantes se fazem ouvir e tomam decisões.
No Conselho existem dezenas de grupos de trabalho, chefiados pela Presidência em exercício da União, que se reúnem diariamente, com representantes dos Governos, que preparam a documentação para ser assinada nas Cimeiras, depois de passarem por toda a estrutura que os vai aprovando. O COREPER é o último crivo, nele os embaixadores representantes dos estados Membros na UE, aprovam as versões dos documentos e colocam-nos na Agenda para que estes venham a ser aprovados pelos Chefes de Estado e de Governo nas Cimeiras do Conselho.
Os outros dois órgãos Europeus respectivamente o Parlamento Europeu e a Comissão embora agora com a ratificação do Tratado de Lisboa tenham adquirido maior protagonismo, não devem no futuro, em nossa opinião, vir a sobrepor-se ao Conselho, porque é no Conselho que os Estados mantém a sua individualidade, estando nele representados como vimos os Governos ou seus representantes de todos os estados Membros.
O ora, recém-empossado, Presidente do Conselho é eleito indirectamente pela Assembleia máxima onde estão os Chefes de Estado e de Governo denominada por Cimeira.
A construção Europeia, que não sabemos como terminará, “porque o caminho faz-se caminhando”, deverá continuar, em nossa opinião, a basear-se na Intergovernamentalidade, ao contrário dum estado Federal ou mesmo Confederal em que os governos dos Estados não têm representatividade.
No caso dos EUA, na segunda Câmara, o Senado, os senadores são eleitos pelos diferentes Estados, no entanto não há nenhum órgão ou Assembleia onde estejam representados os governos dos diversos Estados.
3. Posição dos EUA em relação às evoluções da UE/PESD
Os EUA, ainda única potência têm, desde o início, manifestado alguma desconfiança com a evolução da UE/PESD. A sua posição em relação a este assunto pode ser resumida numa brilhante declaração política que ouvimos a um Embaixador Americano num Curso de Relações Internacionais que frequentámos na Universidade de Zaragoça, de que “Os EUA fazem parte integrante da Europa”.
Tomando por base essa declaração política que não deixa de ser verdadeira após a sua entrada na “segunda Guerra Civil Europeia”, como brilhantemente o Sr. Professor Adriano Moreira apelidou a Segunda Guerra Mundial em Conferência proferida em Coimbra no Fórum de Cidadãos realizada em 10 de Dezembro de 2009, os EUA gostariam que a UE/ PESD fosse o pilar Europeu de Defesa da NATO e, que não evoluísse no sentido de se tornar numa política autónoma de defesa. Os Europeus deveriam investir mais nas suas Capacidades Militares no sentido de as pôr ao serviço da NATO reforçando-a.
Esta posição é de certa forma corroborada pelos Estados Europeus mais “Atlantistas” de que se destaca o Reino Unido. A França e outro Estados-Membros mais “integracionistas” por seu turno defendem que a UE/PESD se deve vir a afirmar autónoma senão independente da NATO.
Em nossa opinião a NATO e a UE estão condenadas a viver em regime de comunhão geral de bens, uma vez que as Capacidades que os Estados Membros da UE possuem são as mesmas em ambas as Organizações.
4. Antecedentes
Quando ocorreu o Conflito dos Balcãs a União Europeia, enquanto entidade política e militar, viu-se impossibilitada de efectuar uma resposta concertada à guerra civil jugoslava, que estava a eclodir nas imediações das suas fronteiras, muito por causa de não possuir as ferramentas próprias, do ponto de vista da Segurança e Defesa, estando dependente da vontade dos Estados Membros e das suas Capacidades Militares consideradas individualmente.
A NATO foi a Organização que entrou no conflito dos Balcãs com grande sucesso, tendo sido a primeira operação real em que a Organização entrou desde a sua fundação acerca de sessenta anos.
Na altura a Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) inserida na Política Externa de Segurança Comum (PESC) não existia e, a União da Europa Ocidental (UEO) era a única Organização “mais ou menos” estruturada do ponto de vista da Segurança e Defesa que existia no espaço europeu, para além da NATO, e que englobava todos os países Europeus da Comunidade Económica Europeia.
A UEO no entanto para além dos países Europeus, incluía também a Turquia no seu seio, razão pela qual os EUA sempre apoiaram esta Organização, como “braço armado” da Europa, para ser posto ao serviço da NATO, em detrimento dum eventual desenvolvimento autónomo no âmbito da UE. A UEO e a UE eram pois duas organizações distintas muito embora tenha havido uma aproximação entre ambas que prospectava a sua “junção”.
A Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD), estava em desenvolvimento na UEO assim como estavam a ser desenvolvidos os cenários genéricos de actuação da Organização de acordo com as Missões designadas por “Petersberg”.
Aquando da invasão da Jugoslávia na Europa havia cerca de duzentas Forças Multinacionais, desenvolvidas através de acordos Bilaterais e Multilaterais entre os diversos Estados Membros. O EUROCORPO e a EUROFOR são exemplos dessas forças, tendo sido como iremos verificar, disponibilizadas posteriormente para o catálogo de Forças da UE ou servido de “Force Headquarters” dos Agrupamentos de Batalha, “Battle Groups”, disponibilizados para a UE.
5. UE/PESD
a. Generalidades
Tudo o que foi realizado na UE, desde a cimeira de Colónia até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, na sequência do falhanço na resposta ao conflito dos Balcãs, é o objectivo deste capítulo que vai tentar dissecar todas as acções concretas efectuadas em termos de PESC e PESD.
Quando iniciámos a elaboração do “Helsinki Headline Goal 2003”, primeiro “ciclo de desenvolvimento de Capacidades Militares da União Europeia”, ainda o fizemos nas instalações da UEO em Bruxelas, sendo o Embaixador Cutileiro na altura o Secretário-geral da Organização. Os cenários de “Petersberg” que a UEO estava a desenvolver transitaram “ipsis verbis” para o HHG 2003.
Até à ratificação do Tratado de Lisboa, que ocorreu nos finais do ano de 2009, o 2º Pilar da UE era a PESC, e parte do segundo pilar relacionado com a Segurança e Defesa era designado pela PESD. A PESD estava e está pois subordinada à PESC. O Tratado de Lisboa acabou oficialmente com a designação de “pilares.
Desde a Cimeira de Colónia vários desenvolvimentos foram efectuados em termos de PESD, de que destacamos pela sua importância o surgimento da figura do Secretário-geral do Conselho e Alto Representante para a Política Externa, que engloba a PESD, entidade que tinha assento no CAGRE (Conselho de Assuntos Gerais e Relações Exteriores), e o levantamento do Comité Militar que transitou da UEO para a UE.
O Secretário-Geral do Conselho e Alto Representante para a PESC, articulava todo o trabalho de todas as Direcções Gerais do Conselho, incluindo o Estado-Maior Militar da União Europeia (EUMS), e ao mesmo tempo representava externamente a UE, funcionando como uma espécie de “Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da UE”.
A passagem de Comité Militar da UEO para a UE e o levantamento do EUMS (que entre outras funções exerce as de Secretariado do Conselho para o Comité Militar, sendo demasiadamente grande só para cumprir esse objectivo e muito pequeno para realizar outras missões), foram marcos decisivos para que a UE começasse a desenvolver conceitos e doutrina ao nível político/estratégico que lhe permite, que actualmente possa estar preparada para responder a crises e conflitos e, para efectuar missões militares no âmbito das Missões designadas por “Petersberg”.
O Comité de Política e Segurança (COPS), órgão político onde estão representados os embaixadores dos Estados Membros para a área da Segurança e Defesa, estabelece directivas políticas, manda elaborar estudos e planos, bem como aprecia e aprova os documentos provenientes do Comité Militar, que posteriormente irão para o COREPER II, órgão onde estão sentados os embaixadores representantes dos Estados Membros junto da UE, que os levarão para aprovação final ao Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas e/ou para as Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo.
Em todos os assuntos relacionados com a PESD, as decisões são estabelecidas por consenso, o que é uma garantia para todos os Estados Membros de que as decisões, nesta área ainda tão sensível, não vão contra os interesses nacionais de cada Estado Membro.
O facto de ter que haver consenso faz com que algumas decisões demorem muito tempo a serem tomadas, podendo provocar atrasos em respostas que deveriam ser céleres, como é o caso duma eventual reacção atempada a uma crise ou a um conflito.
Os interesses dos Estados Membros continuam a ser os mesmos que sempre foram, pois estes, em nossa opinião, são perenes no tempo, pelo que os interesses da UE só podem ser o somatório dos interesses dos Estados Membros, quando estes não sejam conflituais.
A título de exemplo, do que supra referimos, a Alemanha tem interesses muito fortes nos países do Leste que lhe são vizinhos, os Estados Membros do Sul têm muito interesse na região Mediterrânica e no Magrebe, em particular com todos os problemas de Segurança inerentes à “bomba demográfica” que está prestes a explodir nesta região, a Finlândia a Polónia e os outros estados Bálticos dada a sua vizinhança com a Rússia têm outros interesses relacionados com a Defesa Colectiva.
O estabelecimento de uma comunidade económica com os países a Sul e a Leste, entre a UE e os países terceiros na vizinhança da Europa, pode ser importante para garantir a segurança, estabilizando as populações nos locais de origem, evitando que elas emigrem para o “Eldorado“ Europeu.
b. Domínio político/estratégico
Após a invasão do Iraque pelos EUA em 2003, o Senhor Solana, Secretário-geral e Alto Responsável para a Política Externa, negociou um documento com todos os Estados Membros, que ficou conhecido pelo “documento Solana”, que não sendo formalmente um Conceito Estratégico, define as grandes linhas de orientação estratégicas da União.
O supracitado documento, refere em linhas gerais que a UE é uma Organização Global, que necessita da legitimação prévia da ONU para efectuar qualquer intervenção e, que África é o continente com o qual deve haver uma relação privilegiada. Como sabemos da Geoestratégia, Hausoffer já havia referido esta relação privilegiada com África como base do desenvolvimento da sua teoria.
c. Domínio das Capacidades Militares
Na sequência da Cimeira de Helsínquia foi lançado o Helsinki Headline Goal 2003 (HHG 2003), referia explicitamente que a UE, deveria dispor de uma força de escalão Corpo de Exército, com aproximadamente 60.000 homens capazes de intervirem num prazo de sessenta dias, para realizar Operações de “Petersberg”, quando a NATO “as a Wole is not engaged”.
Na própria definição do HHG 2003, encontra-se a primeira declaração política, imposta pelos países “Atlantistas”, ao afirmar na sua parte final, que esta força só deveria ser empregue quando a NATO não estivesse empenhada.
Na sequência da definição do HHG, foi desenvolvido um primeiro processo de Desenvolvimento de Capacidade, em que foram definidas quais as Capacidades necessárias para se atingir o objectivo político, listadas no “Helsinki Headline Catalogue”, foram pedidos aos diversos Estados Membros contribuições com Forças, listadas no “Helsinki Forces Catalogue” e, foram no final listadas as lacunas existentes na UE no “Helsinki Progress Catalogue”.
No final da Presidência Belga, na sequência do estabelecimento do Estado-Maior da União Europeia, foi efectuada a primeira “Declaração parcial de Operacionalidade da UE” (política). Os Franceses, liderando os Europeístas, apoiavam incondicionalmente esta declaração sem reservas e os Britânicos, liderando os Atlantistas, opunham-se a que fosse efectuada qualquer tipo de declaração, razão pela qual na altura a UE só foi declarada “parcialmente” operacional.
Acabado o primeiro processo de Desenvolvimento de Capacidades, com algumas lacunas, foi lançado novo objectivo o “Headline Goal 2010”, e iniciado novo processo que foi finalizado na Presidência Portuguesa, no segundo semestre de 2007, com a finalização do “Progress Catalogue”.
Actualmente existe um Catálogo de Requisitos (Requirements Catalogue), que lista as Capacidades necessárias para efectuar as Missões de “Petersberg”, um Catálogo de Comandos e Forças (Forces Catalogue), voluntariamente oferecidas pelos Estados Membros da UE, que não corresponde à inventariação das capacidades totais dos Estados Membros, onde estão escrutinadas todas as forças ou seja comparadas com um padrão, conhecendo-se por isso o valor real de cada força oferecida, e um Catálogo de Progresso (Progress Catalogue), que descreve o que se pode fazer com as Forças que constam do Catálogo de Forças e os consequentes riscos que se correm.
As conclusões do “Progress Catalogue” (PC), correspondem resumidamente à avaliação dos eventuais riscos que a UE corre com o emprego das Forças que lhe foram disponibilizadas pelos Estados Membros nos cenários desenvolvidos de acordo com as Missões de Petersberg, estão imbuídas de declarações fundamentalmente políticas, onde à semelhança da declaração de Operacionalidade da UE, alguns Estados Membros, de acordo com as suas percepções e alinhamentos, quiseram introduzir as suas posições que, depois de negociadas, acabaram por conseguir a aprovação consensual de todas as partes.
Para se elaborarem alguns parágrafos do PC, foram necessárias semanas para que se conseguir o consenso, pois cada palavra foi pensada, negociada e escrutinada pelos representantes nacionais e respectivos governos centrais dos Estados Membros, para que as suas posições fossem contempladas.
As guerras ganham-se e perdem-se devido essencialmente às diferenças tecnológicas existentes entre os contendores. Em relação à maioria dos TO existentes no Globo a UE tem Capacidades Militares mais que suficientes e tecnologicamente mais evoluídas para poder intervir autonomamente, sem correr grandes riscos.
Em suma, em termos de Capacidades Militares foram finalizados dois mecanismos de desenvolvimento de capacidades, o primeiro para atingir o HHG 2003 e o segundo para atingir o HG 2010.
O que actualmente existe não é um exército EUROPEU, nem um inventário de todas as Forças europeias, mas sim um Catálogos de Forças e de Comandos voluntariamente disponibilizadas para a UE, em tudo semelhante à NATO.
O exercício feito nestes dois “mecanismos de Desenvolvimento de Capacidades” parece-nos um pouco redutor, pois só são contabilizadas as forças voluntariamente oferecidas e não os “inventários de todas as forças da UE, o que faz com que grande parte das forças e capacidades não sejam contabilizadas, embora existam no espaço Europeu.
d. Domínio das Capacidades Civis
No domínio das Capacidades Civis existe já efectivamente uma Capacidade Civil de Planeamento e de Condução de Operações (CPCO) tendo sido, à semelhança das Capacidades Militares, efectuados mecanismos de desenvolvimento de Capacidades muito semelhantes.
e. Domínio Estrutural/Organizacional
No domínio estrutural foi criado o Estado-Maior da UE (EUMS) e a Agência de Defesa Europeia (EDA).
O EUMS fundamentalmente, secretaria o Comité Militar e garante a continuidade do trabalho entre as Presidências rotativas da União, sendo até à corrente data muito pequeno, para poder desempenhar outras missões e simultaneamente muito grande para apoiar unicamente o Comité Militar.
A EDA (Agência de Defesa Europeia) é uma agência de defesa que possui uma estrutura de decisão Intergovernamental, onde no caso Português na estrutura de topo da Organização o Estado está representado pelo Ministro da Defesa Português e nos diversos grupos de trabalho, representantes nacionais, provenientes na sua maioria da Direcção-Geral de Armamentos e Equipamentos de Defesa.
A EDA, para além da estrutura intergovernamental possui ainda diversos grupos de trabalho, a níveis diferentes, que congregam para além das estruturas estatais, Universidades e Indústrias de Defesa.
f. Domínio conceptual
No domínio conceptual foram desenvolvidos os mecanismos designados por “Berlim Plus” que permitem que a UE possa utilizar algumas Capacidades comuns da NATO, foram ainda desenvolvidos os conceitos e mecanismos de resposta a crises na UE, tendo para esse efeito sido desenvolvido todo o edifício conceptual, que permite que a organização reaja eficazmente a uma crise e consiga colocar tropas no terreno em tempo oportuno.
Para treinar procedimentos de resposta a crises, têm sido efectuados vários “Crises Management Exercises”, com a colaboração de toda a estrutura política e político militar de todos os estados Membros.
Foram ainda desenvolvidos e posteriormente operacionalizados os Agrupamentos de Batalha (Battle Groups), após a operação Artémis efectuada pelos Franceses na Republica Democrática do Congo.
Os BG são Forças constituídas com base num Batalhão (até 1.500 homens), em prontidão até 10 dias prontas para se projectarem para um TO até 3.000 Km de Bruxelas, capazes de se auto sustentarem por noventa dias e se reabastecidas poderem chegar até aos cento e oitenta dias.
Semestralmente são efectuadas Conferências em Bruxelas para que os estados Membros ofereçam voluntariamente BG para a UE.
g. Participação em Operações Militares
Para cada operação militar são efectuadas conferências específicas, onde todos os Estados Membros voluntariamente disponibilizam forças para a Operação em causa. As Forças não saem directamente do Catálogo de Forças, o Catálogo de Forças (FC) é um mero instrumento de Desenvolvimento de capacidades militares.
A UE defende que ao entrar em determinado país pode desenvolvê-lo como um todo, ou seja pode fazê-lo militarmente e em todas as outras dimensões, que permitirão reconstruir o país e simultaneamente auxiliar a que este inicie o seu desenvolvimento sustentado.
1) Tipos de Operações:
Há três tipos de Operações que a UE pode efectuar nomeadamente, operações autónomas, comandadas por um dos comandos nacionais oferecidos para o Catálogo de Forças da UE; operações no âmbito dos acordos de “Berlim Plus”, utilizando a estrutura de comandos da NATO e forças da UE e; operações lideradas pelo EUMS, operações em que prevemos muita dificuldade em serem efectuadas, uma vez que o EUMS não dispõe da Capacidade de Comando e Controlo necessária para conduzir Operações.
A Bélgica disponibilizou uma infra-estrutura militar situada em “Tervuren”, a cerca de dez quilómetros de Bruxelas, para que aí nascesse o Comando Operacional da UE, com Capacidade efectiva de exercer o comando Operacional das Forças da União em operações militares. Este oferecimento suscitou reacções muito adversas do Reino Unido, da NATO e dos EUA, que viram no surgimento deste comando uma ameaça e uma eventual futura cisão do elo transatlântico.
A ideia da criação dum comando operacional para a UE parece ainda não ter morrido e pensamos que de futuro esta ideia virá novamente a ser retomada.
Actualmente assiste-se no “Palco Internacional” a uma competição pela realização de missões. As diversas Organizações Internacionais querem ter protagonismo, sendo para isso necessário que demonstrem Capacidade e Vontade. As Operações militares em que a UE se tem envolvido ultimamente são a prova de que começa a haver vontade política de afirmar a UE no Contexto Internacional
2) Operações e missões actualmente em curso:
De acordo com as definições em vigor na UE, as Operações exigem sempre a presença de meios militares no terreno e as Missões são exclusivamente do âmbito civil.
a) Operações em curso
As Operações da UE actualmente em curso, são as seguintes:
• Operação na Bósnia
• Operação no Chade
• Operação no Golfo de Aden
Está actualmente a ser planeada uma Operação militar para o Afeganistão.
b) Missões Militares em curso
Actualmente existem diversas missões espalhadas por todo o globo, desde o Iraque passando pela Guiné-Bissau e Republica Democrática do Congo (operação militar que deu lugar a uma missão).
6. Tratado de Lisboa
a. Domínio formal
Com a assinatura e ratificação do Tratado de Lisboa a UE passou a ser uma entidade jurídica, com todos os direitos e deveres inerentes a esta nova condição, tendo também acabado oficialmente as comunidades. A União Política passou a ser um facto.
Durão Barroso afirmou, na revista Única do Expresso, de 30 de Dezembro de 2009, que só com uma maior União Política a UE deixaria de ser um anão político no Mundo, o Tratado de Lisboa é mais um passo no caminho da União Política, muito embora ainda não seja o passo final desse “caminho que se faz caminhando”.
Um dos grandes objectivos do Tratado de Lisboa, para além de ser mais um pequeno passo na integração europeia, era o de conseguir gerir a UE após os seus alargamentos sucessivos.
Após o Tratado de Nice, e fruto dos subsequentes alargamentos, era necessário que na UE fossem “redistribuídos os poderes” e que consequentemente fossem definidos os pesos políticos relativos e ponderados dos diferentes Estados Membros, de forma a conseguirem-se estabelecer as maiorias simples e qualificadas, conforme os casos, necessárias para que fossem tomadas decisões.
Os pesos ponderados de cada Estado foram atribuídos fundamentalmente em função da dimensão territorial e da sua população. No caso da PESD todas as decisões continuam a ter de ser tomadas por Consenso.
b. Domínio Institucional
O Tratado de Lisboa institui a figura do Presidente do Conselho da UE em termos permanentes. Este cargo era assumido pelo Chefe de Governo de cada Estado Membro por rotação semestral.
O Presidente do Conselho é o presidente do Órgão Intergovernamental, a entidade a quem telefonar na UE em caso de crise, pois pode convocar os Conselhos em caso de emergência.
Embora o Tratado institua a figura dum Presidente do Conselho, as Presidências da Organização continuam a ser rotativas entre todos os estados Membros por um período de seis meses. As Presidências continuam a ter que apresentar o seu programa e a presidir aos diversos grupos de trabalho existentes no Conselho.
O Tratado de Lisboa institui também a figura de Alto Representante para a Política Externa da UE, “Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da UE”, figura que passa a presidir ao Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros e é simultaneamente Vice-Presidente da Comissão Europeia.
c. Domínio Estrutural/A PESD e as estruturas de gestão de crises no SEAE
O Tratado de Lisboa cria o Serviço de Acção Exterior da UE (SEAE), com o objectivo de Coordenar e dar coerência à acção externa da UE e de assistir o Presidente do Conselho e o Presidente e os Membros da Comissão no domínio das Relações Externas.
O SEAE permite ainda ao Alto Representante conduzir a Política Europeia de Segurança e Defesa, ficando com a autoridade sobre os seguintes serviços:
• A Capacidade Civil de Planeamento e de Condução de Operações (CPCC)
• O EUMS.
• O Centro de Situação do conselho (SITCEN).
O SEAE deve estar operacional em 2014 devendo efectuar o seu primeiro relatório ao Conselho em 2012.
Com a criação do SEAE e o desenvolvimento da PESD, estão criadas as duas ferramentas essenciais da UE, a primeira personifica a figura do diplomata e a segunda a figura do militar, que desde sempre têm andado de mãos dadas e que são essenciais para a afirmação da entidade regional que é a UE no Mundo.
d. Tratado de Lisboa em termos de PESD
Em termos de PESD propriamente dita, o Tratado de Lisboa plasma tudo o que foi feito desde o Tratado de Nice até à actualidade e, que já explanámos no capítulo anterior, dando-lhe no fim ao cabo consistência legal e muda o nome de PESD para Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), abre caminho a que se desenvolvam novas missões que não as de “Petersberg”, refere-se ainda que de uma forma tímida à possibilidade de se efectuarem missões de defesa colectiva e por último, refere-se ao estabelecimento de Cooperações Estruturadas Permanentes.
A mudança do nome de PESD para PESC, parece-nos ser uma mudança semântica exclusivamente, muito embora o significante “comum” tenha um significado de comunhão ou partilha, o significante “Europeia” não era menos forte, uma vez que a palavra Europeia já era um sinónimo de coesão.
A possibilidade da UE efectuar missões que não de “Petersberg”, abre caminho para que se possam desenvolver outro tipo de missões que não as missões de paz, ou seja abrem caminho a que se desenvolvam missões de combate ao terrorismo entre outras.
Chamamos-lhe Esboço de artº V, ao descrito no Tratado de Lisboa referente a este assunto, porque ao mesmo tempo que refere essa possibilidade, refere que a NATO ainda é a Organização por excelência que desenvolve esse papel na Europa, quase que matando à partida a possibilidade que abriu.
As Cooperações Estruturadas Permanentes, referidas no Tratado de Lisboa, são ao mesmo tempo um desafio e uma ameaça à coesão da UE, uma vez que por um lado são um passo no desenvolvimento e na assumpção de maiores responsabilidades por parte dos Estados Membros na PESD, por outro lado podem significar o início da construção duma Europa a duas velocidades, uma vez que impõem requisitos mínimos aos Estados Membros para que as possam integrar.
Os requisitos mínimos podem passar pela participação obrigatória dos Estados Membros em Missões do âmbito da UE, por maiores investimentos em Capacidades militares nacionais, entre outros.
O Tratado de Lisboa é um ponto de partida para uma maior integração, todo o trabalho que se desenvolverá para o pôr em execução determinará a evolução da União. Como qualquer lei nacional a sua regulamentação é essencial para que esta possa ser posta em execução. Veremos na próxima década qual foi a evolução que este Tratado permitiu.
7. Conclusões
O Professor Adriano Moreira, afirmou na Conferência proferida no Fórum de Cidadãos em Coimbra, no dia 10 de Dezembro de 2009, que as diversas Regiões do Globo estavam tendencialmente a ter maior protagonismo e, que antevia que estes espaços regionais, iriam a breve trecho desempenhar um papel importante no Contexto Internacional, prospectando mesmo que a reforma do Conselho de Segurança da ONU venha a ser feita tendo em conta esta tendência Regional.
A tendência para a Regionalização implica que os Estados se moldem a esta nova realidade, sendo na integração regional que os Estados se irão conseguir afirmar. As idiossincrasias, as distintas realidades culturais dos Estados e respectivas identidades serão defendidas em espaços maiores, onde cada Estado deverá lutar pelo direito à diferença, no enriquecimento duma realidade comum que só se enriquece na diversidade.
A UE tem de se afirmar como Região com influência Global no mundo, num mundo com tendências para que as Regiões venham a substituir o lugar das anteriores potências.
A construção Europeia, que não sabemos como terminará, “porque o caminho faz-se caminhando”, deverá continuar, em nossa opinião, a basear-se na Intergovernamentalidade.
Muito em especial na última década, a UE/PESD dotou-se das ferramentas necessárias para poder actuar em operações “out of area”, ferramentas essas, que não possuía aquando da invasão da Jugoslávia.
Essas ferramentas, de que falamos, foram criadas nos domínios Político/Estratégico, das Capacidades Militares, das Capacidades Civis, organizacional/estrutural, conceptual, que permitiram que se realizassem as primeiras Operações Militares da UE. Em nossa opinião falta ainda “levantar” uma ferramenta importante nomeadamente o estabelecimento de um Comando Operacional para a UE.
Em todos os assuntos relacionados com a PESD as decisões são estabelecidas por Consenso, o que é uma garantia para todos os Estados Membros de que as decisões, nesta área ainda tão sensível, não vão contra os interesses nacionais de cada Estado Membro.
Os Interesses dos Estados Membros continuam a ser os mesmos que sempre foram, pois estes, em nossa opinião são perenes no tempo, pelo que os Interesses da UE só podem ser o somatório dos interesses dos Estados Membros, quando estes não sejam conflituais.
Com a assinatura e ratificação do Tratado de Lisboa a UE passou a ser uma entidade jurídica, com todos os direitos e deveres inerentes a esta nova condição, tendo também acabado oficialmente as comunidades. A União Política passou a ser um facto.
O Tratado de Lisboa institui a figura do Presidente do Conselho da UE permanente, o "Presidente" do órgão intergovernamental por excelência, e a de um Alto Representante para a Política Externa e de Segurança.
O Presidente do Conselho é o homem eleito pelos governos dos Estados Membros para presidir o Conselho da UE e, desta forma conseguir nas Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo, arranjar as maiorias para fazer aprovar as decisões mais importantes.
O Presidente do Conselho é o homem a quem os EUA devem telefonar pois é ele que imediatamente poderá convocar uma Cimeira ao mais alto nível dos Chefes de Governo e ou de Estado de todos os Estados Membros da UE.
Embora o Tratado institua a figura dum Presidente do Conselho, as Presidências da Organização continuam a ser rotativas entre todos os Estados Membros por um período de seis meses. As Presidências continuam a ter que apresentar o seu programa e a presidir aos diversos grupos de trabalho existentes no Conselho.
O Alto Representante para a PESC, "Ministro dos Negócios Estrangeiros da UE e da Defesa”, preside ao Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros do Conselho e é simultaneamente Vice-presidente da Comissão Europeia e comissário para as relações exteriores, no âmbito das suas funções coordena ainda o novo Serviço de Acção Externa da UE, novo Serviço responsável pela consistência e coordenação da Acção Externa da União.
Com a criação do SEAE e o desenvolvimento da PESD, estão criadas as duas ferramentas essenciais da UE, a primeira personifica a figura do diplomata e a segunda a figura do militar, que desde sempre têm andado de mãos dadas e, que são essenciais para a afirmação da entidade regional que é a UE no Mundo.
Em termos de PESD o Tratado de Lisboa, plasma tudo o que foi feito desde Colónia até aos nosso dias e introduz em termos de novidades as figuras de um esboço de artigo V. e a das Cooperações Estruturadas Permanentes, assim como abre a porta a que se desenvolvam novas missões para além das de “Petersberg”.
As mais de duzentas forças dispersas existentes na UE, antes do desenvolvimento da PESD, consequência de acordos bilaterais e multilaterais desarticulados entre Estados Membros, estão agora em transformação, tendo algumas sido entregues para o Catálogo de Forças da UE e outras transformado-se em Agrupamentos de Batalha. A título de exemplo o Quartel-General da EUROFOR, força à qual pertencemos desde a sua génese, foi recentemente oferecido como FHQ dum BG, maioritariamente constituído por Forças Portuguesas para o ano de 2010.
A UE é um sucesso e um gigante em termos económicos e está-se aprofundando e dotando das ferramentas em termos de Segurança e Defesa e de Relações Diplomáticas, que lhe permitirá que venha a desempenhar um papel fundamental num Mundo Globalizado em que as Regiões, ao invés dos Estados e dos Impérios, estão e irão cada vez mais desempenhar um papel fundamental na nova Ordem Mundial.
Ao contrário dos “velhos do Restelo”que estão sempre reafirmando a não existência política da UE, vemos nesta nova construção da UE e no consequente aprofundamento da PESD, uma vontade clara de afirmação política de que as Operações em que a UE se tem envolvido e, que está a envolver, como a sua previsível entrada no Afeganistão no corrente ano, constituem uma prova cabal e inegável.
A construção Europeia constitui um desafio e simultaneamente uma oportunidade para que Portugal como nação se possa afirmar no mundo ora num contexto regional.
Durão Barroso afirmou, na revista Única do Expresso, de 30 de Dezembro de 2009, que só com o aprofundamento da União Política a UE deixaria de ser considerada um anão político. O Tratado de Lisboa é um ponto de partida para uma maior integração, todo o trabalho que se desenvolverá para o pôr em execução determinará a evolução futura da União.
_______________
* Coronel de Infantaria. Actualmente desempenha as funções de Comandante do Regimento de Infantaria Nº 1. Sócio Efectivo da Revista Militar