A corrida armamentista foi, entre muitos outros, um dos elementos que condicionaram o ambiente estratégico de confronto entre as duas superpotências que se viveu na guerra fria. Essa corrida, onde desempenhou papel de relevo o armamento nuclear, traduziu-se, quanto a este, na crescente procura de maiores potências destruidoras de maior número de ogivas e de melhores vectores de lançamento que assegurassem a capacidade de dissuasão na sua componente de punição.
A partir de 1975, com o início da détente e uma nova fase naquele confronto, a eliminação e a limitação de armamentos, mutuamente consentidas, equilibradas e verificadas, passaram a constituir agenda no diálogo e cooperação entre as superpotências, materializadas em tratados de limitação de armas nucleares (SALT) ou da sua redução (START) e que se estenderam a outras áreas, como a limitação de armas convencionais na Europa (Tratados CFE), a maior cooperação no seu espaço aéreo (Tratado Open Skies) e a redução de mísseis de alcances estratégicos (Tratados MIRV). Estas iniciativas corriam paralelamente ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares que, assinado no início de 1970 pelas potências nucleares, viu os seus ratificantes crescerem até 189 Estados, sendo excepções o Paquistão, a Índia, a Coreia do Norte, Israel - que mantém uma política de opacidade quanto à questão - e o Irão que tendo ratificado o Tratado é acusado da sua violação.
Com a Iniciativa Estratégica de Defesa, lançada pelo Presidente Reagan, dos EUA, em meados da década de 1980, a dissuasão por punição (capacidade de destruir) ficou seriamente abalada pela dissuasão pela negação (capacidade de defesa). O denominado fim da guerra fria, como passou a ser entendido o período das relações internacionais onde predominou a solidão dos EUA, como superpotência, materializou-se por alguma acalmia na preocupação de redução mútua das armas nucleares, por parte dos EUA e Rússia. As preocupações voltaram-se para a capacidade da Rússia poder controlar o seu armamento nuclear, que notícias crescentes e confirmadas indiciavam que passara a ser possuído por organizações internacionais ligadas ao terrorismo internacional e ao crime organizado, a que se juntavam preocupações com a transferência de tecnologias, relacionadas com materiais utilizáveis para o fabrico de armas nucleares ou o seu lançamento.
O novo ambiente estratégico internacional, condicionado pelas novas formas do terrorismo e os seus prováveis centros de gravidade e actores envolvidos, criou nova oportunidade para um diálogo entre os detentores dos maiores arsenais nucleares, que a administração dos EUA e o seu Presidente, na sua política de engagement, retomou ao relançar a questão da limitação de armamentos nucleares. Agora, a nosso ver, com novas condicionantes, com preferência pela componente da negação (defesa, entre as quais a anti-míssil), na dissuasão, sem negar a componente punição na dissuasão e não abandonando, assim, a arma nuclear, mas deixando aberta a opção pela destruição com meios convencionais, que uma revolução tecnológica pode proporcionar, juntando, com novo impulso, a limitação nas armas nucleares com a não-proliferação, medidas em que o envolvimento da Rússia é importante e indispensável.
Claro que, como muitas vezes se tem afirmado, as armas nucleares não foram desinventadas nem banidas dos arsenais. Mas será um grande progresso, na segurança global, que se encontrem cada vez mais limitadas na sua utilização. Contrariando declarações da Rússia, que continua a manifestar a sua utilização como instrumento da sua segurança, não seria um progresso que a OTAN, na definição do seu Conceito Estratégico, as eliminasse dos textos mesmo que não abandonasse intenções? Talvez fosse importante, fiel ao conceito de credibilidade de uma Aliança defensiva, que se apostasse na não proliferação e na dissuasão pela negação, não insistindo no gasto princípio da punição, sujeito à crescente falta de consenso e de vontade entre os estados-membros.
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* Presidente da Direcção da Revista Militar.