1. Introdução
No âmbito deste artigo, pretende-se estudar o pequeno estado da União Europeia (UE) com o objectivo de compreender o que é um pequeno estado da UE; como este conduz a sua política externa; e servir de ponto de partida para posteriormente outras investigações futuras, nomeadamente como se posiciona Portugal perante as questões políticas da União, especialmente as questões de política externa e de segurança, para mais tarde estudar e analisar a europeização da política externa portuguesa. Este trabalho pretende ser, assim, um ponto inicial de uma linha de continuidade analítica de investigação, com o desiderato de compreender o fenómeno do pequeno estado, quer no tocante à sua definição, quer em relação à sua política externa. Este ensaio é importante na medida em que nos faculta um quadro geral para, no futuro, estudar a política externa nacional na UE nas matérias de índole política.
Embora a política externa seja necessária e indispensável, como referiu Robert Merle, ainda existem áreas dentro desta que se encontram por estudar e aprofundar, nomeadamente a política externa dos pequenos estados, aqui limitamos o estudo ao plano da UE, com enfoque na análise do conceito e a política externa dos pequenos estados no âmbito da UE.
Estando os conceitos de «política externa», «estados de pequena dimensão» e de «política externa da UE» ainda não delimitados conceptualmente e até certo ponto pouco estudados e analisados, apesar de existirem alguns artigos focados nas estratégias usados pelos pequenos estados na UE como forma de ganhar uma posição externa nos assuntos internacionais
[1].
No que concerne aos estados de pequena dimensão existem duas grandes dúvidas de partido para a academia científica: uma é saber o que é um pequeno estado; outra, é se um pequeno estado tem uma política externa. Posteriormente, conciliando estes dois pressupostos, questionamo-nos se estes estados podem contribuir para que a UE tenha uma política externa.
Tentando conciliar estas problemáticas, do pequeno estado e da sua política externa, por um lado, e da política externa da União, por outro, é o exercício que nos propomos fazer nestes estudos.
O presente ensaio está organizado da seguinte forma: apresentamos uma breve introdução, onde expomos o «problema inicial» e o que pretendemos analisar; fazemos uma breve revisão da literatura, pelo estado da arte relativa aos pequenos estados, referindo algumas obras clássicas de referência nesta matéria, e por fim dentro desta, enunciamos os estudos mais pertinentes a nível nacional; para posteriormente fazer um comentário critico sobre a matéria em apreço e traçar algumas linhas de investigação futuras.
2. O Poder do Pequeno Estado da UE
De acordo com Isabel Ferreira Nunes (2007), os estudos clássicos sobre os pequenos estados centram-se na natureza contingente das políticas que estes desenvolvem, com base em referenciais de oportunidade e lugar ocupado na hierarquia internacional. A literatura mais recente recentra o interesse analítico sobre os pequenos estados no tocante à sua capacidade de adaptação, de cooperação e de afirmação externa.
O estudo dos pequenos estados e a sua importância aumentou quando começaram a surgir estudos e a falar-se recorrentemente de
soft power [2] nas relações internacionais. Pois dessa forma foram destacadas outras formas de poder dos estados, para além do poder tradicional, sobretudo o militar, criando-se assim um espaço de afirmação e participação dos pequenos estados no sistema internacional.
Com o surgimento do conceito de
soft power na agenda política internacional os pequenos estados ganharam uma maior relevância, pois o conceito tem vindo a ser associado e interligado na fórmula «small state, soft power». Este surge muitas vezes interligado a conceitos conexos de «new public diplomacy», «foreign policy in global information space», «political economy potential» e «models of good governance; and diplomatic mediation», fórmulas que vieram dar uma dinâmica aos pequenos poderes (Chong, 2007a)
[3].
Os pequenos estados podem ter uma maioria numérica nas relações internacionais, mas a vantagem dos números é um conforto frio quando não se traduz em poder. Embora sejam a maioria, esta não corresponde a um poder efectivo e equivalente. Pois o poder tangível do hard power acaba por ser aquele que mais conta nas relações internacionais.
A maioria dos estudiosos das relações internacionais em geral categoriza os estados de acordo com a dimensão do poder (Mosser, 2001). O conceito de «estados pequenos» surge muitas vezes associado aos «pequenos poderes», pese embora estes conceitos não sejam sinónimos, estão interligados, dado que um pequeno estado é em geral um pequeno poder. Porém, um pequeno poder não é exclusivo dos pequenos estados, existem estados grandes, em termos de tamanho geográfico e populacional, que são pequenos poderes (ex. Sudão e República Democrática do Congo).
Como sublinhou Políbio Valente de Almeida (1990, p. 9), «a nossa época veio tornar muito clara esta situação pelo aparecimento de uma grande quantidade de estados de reduzido poder mas nem por isso deixam de ter influência no comportamento do sistema internacional, alterando regras do jogo que eram dadas como imutáveis».
Sendo a política externa um sector das relações internacionais, que trata das relações (externas) entre actores das relações internacionais, e como referiu Frédéric Charillon (2002, p. 13) «l’instrument par lequel un État tente de façonner son environment politique international». Nos primeiros tempos da guerra fria os pequenos estados não faziam praticamente parte dos estudos de relações internacionais, na época sobretudo dominados pela teoria realista
[4]. Para esta teoria, que dominou durante largos anos os estudos e análises das relações internacionais, o sistema internacional era dominado e determinado pelos grandes estados, sendo o poder dos pequenos estados periférico, restrito e marginal.
Os neo-realistas como Kenneth Waltz, consideram a política externa como uma adaptação à estrutura da política internacional. Nesse âmbito, uma política externa inteligente por parte dos pequenos poderes é a adaptação extraindo o máximo das vantagens dessa política (Bessa, 2001). Foi o que os pequenos estados, de uma forma geral, fizeram ao aderir à UE e ao europeizar a sua política externa
[5].
O pequeno estado sofre de um problema de definição em termos teóricos e de prática política por causa das suas capacidades anómalas de poder. A generalidade dos estudos classifica os estados tendo em conta, sobretudo, critérios quantitativos. A literatura, desde cedo, aborda as perspectivas de sobrevivência em termos de pequenos poderes e da desigualdade de poderes.
O fenómeno do pequeno estado é focado nos seguintes três «pontos problema»: da definição, do específico do comportamento dos pequenos estados e da sobrevivência (Christmas-Møller, 1983). Com efeito, urge analisar o problema da dificuldade conceptual do que é um pequeno estado. Como os estados se comportam na cena internacional e se possuem um comportamento comum e semelhante em termos de política externa. Por último, importa estudar como o estado consegue manter a sua sobrevivência na política internacional.
No tocante à definição, a literatura científica apresenta duas imagens recorrentes. A primeira de que os pequenos estados, encontram-se na dependência de estruturas e relações hegemónicas representadas e definidas pelas grandes potências, dado que essa é a única forma de conseguirem proteger os seus interesses e sobreviver num ambiente de anarquia internacional. A segunda, os pequenos estados não produzem independentemente quadros de referência normativa ou valorativa, com impacto à escala internacional, não influenciam dessa forma o curso da política internacional (Nunes, 2007).
Os primeiros estudos sobre a política externa dos estados de pequena dimensão situavam-se em torno de duas preocupações: da definição e das deficiências de poder. Desde o início que o debate político e cientifico em torno dos pequenos estados tem andado em torno destas duas preocupações (Chong, 2007a). Associada a estas duas preocupações, está intimamente ligada política externa destes países e a forma como, através desta, eles conseguem ultrapassar o défice de poder.
3. Revisão da Literatura e Estado da Arte: O Pequeno Estado
Após o início da guerra fria, sobretudo em finais da década de 50, começam a surgir estudos sobre o pequeno estado. O estudo pioneiro de Annette Fox (1959), na sua obra clássica, The Power of Small States: Diplomacy in World War Two, defende que o poder dos pequenos estados é apenas «local», cujos poderes são limitados a áreas específicas e adjacentes, enquanto os grandes estados exercem poder sobre vastas áreas.
A teoria realista está assim presente nos estudos que começaram a emergir. Com efeito, a literatura clássica não reconhece aos pequenos estados atributos autónomos em relação às grandes potências, sobretudo porque possuem uma menor relevância dado o seu protagonismo externo menos activo e mais dependente. Sendo o seu comportamento externo reactivo à ordem previamente estabelecida pelas grandes potências, pois este é determinado por factores sistémicos (Nunes, 2007).
Quase uma década depois, Vital (1967), no seu livro, The Inequality of States - a Study of the Small Power in International Relations, no sentido de enunciar algumas das implicações políticas da desigualdade dos estados. Posteriormente, Robert Keohane’s (1969), Lilliputians’ Dilemmas: Small States in International Politics, juntamente com Rothstein (1968), numa tentativa de rever a obra de Vital, publica o livro Alliances and Small Powers. Contudo, estes autores negligenciaram nos seus estudos os poderes intangíveis, os factores de influência disponíveis e as implicações discursivas dos pequenos estados.
No mesmo período, outros autores se seguiram, como Hilding Eek’s (1970), The Conception of Small States, considerando que os pequenos estados eram úteis para o sistema internacional. Radovan Vukadinović (1971), Small States and the Policy of Non-Alignment, explorou a ligação entre os estados com estatuto de pequenos, a nível militar e económico, a sua fraqueza e a aspiração de democratizar o sistema internacional. Também o então Primeiro-ministro irlandês Sean Lemass (1971), Small States in International Organizations, contribuiu com a ideia de que os pequenos estados ou pequenos poderes têm um papel crucial nas organizações internacionais, por constituírem blocos de votos de mediadores necessários para suavizar posições mais extremas e promover um modus vivendi nas várias resoluções.
Ion Nicolae (1971), The Role and Responsibility of the Small and Medium-Sized Countries in Maintaining International Peace, referiu que os pequenos e médios estados frequentemente defendem normas morais, a Carta das Nações Unidas, o direito consuetudinário internacional, incluindo os princípios da soberania, independência e não-ingerência.
Ainda durante o ano de 1971, são publicados dois trabalhos de referência nesta matéria: um de Vital (1971), The Survival of Small States. Studies in Small/Great Power in International Relations e um estudo colectivo da autoria de Rapaport, Muteba e Therattil (1971), Small States & Territories. Status and Problems, editado pelo Institute for Training and Research Study das Nações Unidas.
Cerca de uma década depois, Michael Handel (1981), Weak States in the International System, estuda os estados fracos no sistema internacional, embora saibamos que um pequeno estado não tem de ser um estado fraco. Contudo, o facto de ser pequeno já é revelador só por si de fragilidades. Otmar Höll (1983) coordena o estudo, Small States in Europe and Dependence, no qual é feita uma análise histórica do pequeno estado, a forma como este traça e conduz a política externa nas suas várias dimensões, apresentando depois estudos de caso, de pequenos países europeus. Em 1985, a Commonwealth, através de um relatório do seu grupo consultivo, Vulnerability: Small States in the Global Society, analisa as vulnerabilidades do pequeno estado no contexto global, dando posteriormente continuidade a esta temática cerca de 10 anos depois.
No fim da década de 90, após a adesão dos países nórdicos à UE, o fenómeno do pequeno estado regressa para o centro do debate, D. E. Charles, et. al., (1997), aborda o futuro dos pequenos estados e as suas vulnerabilidades, num estudo editado pela secretaria da Commonwealth, A Future for Small States, Overcoming Vulnerability. Um ano depois, Laurent Goetschel (1998) coordena a obra, Small States Inside and Outside the European Union, entre outros subtemas, é feita uma análise sobre a noção de pequeno estado e se esta ainda é relevante, as características destes, a política externa dos pequenos estados da União, a forma como estes se integraram na UE, apresentando vários estudos de caso de países pequenos dentro e fora da UE. Destacamos sobretudo o ponto desenvolvido por Franz von Däniken (1998), Is the notion of small state still relevant?, segundo o qual conclui que o pequeno estado tem uma relevância especifica e positiva. Na qual essa importância é de natureza mais sociológica e sentimental e não deve ser usada - ou abusada - como um pretexto para o absenteísmo político.
Fugindo em parte ao tema central da noção do pequeno estado, mas de utilidade para a compreensão do mesmo, especialmente para entender o papel e relevância externa do pequeno estado surge, B. Thorhallson (2000), com o livro, The Role of Small States in the EU, onde aborda o papel do pequeno estado na UE.
Abordando o fenómeno do pequeno estado na sua vertente e acção externa, Hey (2003), analisa os pequenos estados na política internacional, com enfoque no comportamento destes na política externa, Small States in Word Politics. Explaining Foreign Policy Behavior; estudo que pode ser completado com o de Kassimeris (2009), no seu artigo denominado, The foreign policy of small powers.
Matthias Maass (2003), na sua tese de doutoramento, Small but Plentiful: The Proliferation of Small States in the International System of States, 1648-2002, desenvolve um longo estudo, quer em termos de análise substantiva quer temporal, sobre a proliferação do pequeno estado. Recentemente, Maass (2009) publicou um artigo intitulado, The elusive definition of the small state, onde aborda a (in)definição e a complexidade do conceito de pequeno estado.
Depois de referirmos algumas obras clássicas acerca dos pequenos estados, vamos agora fazer uma brevíssima passagem pelas obras de carácter nacional. Dado que o objecto deste ensaio e a sua dimensão não permitem nem elencar estudos mais vastos, dessa forma, apenas citamos estes a título de referência. Porém, existem já em maior número estudos sobre a política externa dos pequenos estados
[6]. Alguns deles sem antes examinarem o fenómeno concreto do pequeno estado.
A nível nacional, o estudo de maior referência sobre este fenómeno do pequeno estado é de Políbio Valente Almeida (1990), Do Poder do Pequeno Estado. Enquadramento Geopolítico da Hierarquia das potências, onde aborda de forma rigorosa o poder do pequeno estado no sistema internacional, especialmente centrado numa perspectiva geopolítica.
Em 2007, a revista Nação e Defesa dedica um número (118) ao estudo das políticas de segurança e defesa dos pequenos e médios estados europeus. Embora o estudo seja focalizado sobre questões de segurança e defesa, a maior parte dos autores aborda nos seus intróitos e enquadramento das suas análises, uma abordagem ao conceito e às características do pequeno estado. Dentro destes destaco sobretudo os artigos de Walder Carlsnoes, How should we study the foreign policies of small European states; Carlos Gaspar, Portugal, os Pequenos Estados e a União Europeia; e de Isabel Ferreira Nunes, Estratégias de Participação Externa dos Pequenos e Médios Estados Europeus.
4. Notas finais
Na literatura clássica, a política externa dos estados de pequena e média dimensão não tinha qualquer relevância, dado que estes eram negados, pois a sua acção era reactiva à acção dos grandes estados. Nas décadas mais recentes, especialmente pós guerra fria, o papel dos pequenos estados surge com maior ênfase na cena internacional.
A generalidade dos estudos, sobretudo os primeiros deste período surgem associados a inclinações realistas, sugerindo que os pequenos estados exercem poderes discursivos como parte do seu arsenal, e isso afecta e reforça significamente a sua indefinição em torno da definição (Chong, 2007a).
É praticamente consensual, na literatura acerca dos pequenos estados, que estes têm em comum determinadas características que revelam ser pequenos poderes. Por conseguinte, estes são estados fracos militarmente e com reduzida área geográfica, população e recursos económicos. No entanto, estas vulnerabilidades são relativas e não absolutas.
Os dilemas da definição variam de autor para autor, usualmente recorrem a factores quantitativos do tamanho, da população, da área geográfica, do PIB per capita, da sua posição geográfica em relação aos vizinhos.
Por outro lado, ser classificado como um pequeno ou grande estado é relativo, em primeiro devido aos factores que são tidos em conta para os classificar; depois na medida em que um estado pode ser pequeno ou grande conforme o «outro», com o qual é comparado. Além disso, um estado pode ser classificado como pequeno numa determinada conjuntura, e noutras ter um peso semelhante ou até superior ao de um estado grande. O poder do estado é assim também, além de relativo, conjuntural.
No entanto, como sublinhou Chong (2007a, p. 7) «“smallness” is a tactical concept that can be diplomatically exploited, and yet remains under-researched except by a handful of observers».
Segundo Matthias Maass (2003), o destino dos pequenos estados está directamente correlacionado com o aumento e diminuição do potencial pacífico do sistema internacional, em diferentes períodos da história moderna.
O estudo dos pequenos estados aumentou à medida que estes foram proliferando pelo sistema internacional e cumulativamente ganharam mais peso e relevância. Se durante o período do guerra fria o mundo estava dividido em dois blocos político-estratégicos, com um estado director que controlava cada um dos blocos, com o fim da bipolaridade, o aumento do número de estados disparou, surgiram novas ameaças na escala de prioridade dos estados, aumentaram o número de organizações internacionais e a presença dos pequenos estados nas mesmas, surgiram novos assuntos com relevância maior nas agendas externas dos estados, abrindo espaço para uma maior participação dos pequenos estados. No plano europeu, aumentou o número de pequenos estados que solicitaram a adesão à União e que, mais tarde, aderiram e passaram a participar activamente no seio da mesma. Com efeito, podemos verificar que estes aumentaram em número e em importância. Os grandes estados e as organizações internacionais na tomada de decisão cada vez mais tomam em conta a posição dos pequenos estados. Embora não sejam eles que determinam o sistema internacional, cada vez possuem mais capacidade de o influenciar.
Segundo alguns autores, a política externa é uma estratégia preventiva contra a dependência (Elgström, 1983), a qual favorece segundo esta perspectiva os pequenos estados, sendo necessário para estes estender as suas relações externas, quer elas sejam de natureza política, económica ou cultural.
O uso de uma «estratégia preventiva» ou de «diplomacia preventiva» (Elgström, 1983) são práticas recorrentes destes estados, tal como a evocação e/ou objectivo de terem muitas vezes uma «política externa activa», conceito que pode ser interpretado de diferentes formas.
Estes estados podem desmpenhar muitas vezes um papel mediador e relevante na cena internacional, dado que «they may, for instance, be able to play the role of norm entrepreneurs influencing world politics; they may not only engage in bargaining with other (greater) powers, but also to argue with them, pursuing framing and discursive politics, and socially construct new, more favourable identities in their relationships». (Neumman and Gstöhl, 2006, pp. 14-15, cit., Carlsnoes, 2007, p. 11).
Este tipo de actores tem em geral uma política externa mais flexível em contraste muitas vezes com outros estados de maior dimensão. Dado que estes não têm capacidade para modificar e determinar o sentido do sistema internacional, têm de se adaptar às conjunturas internacionais para garantirem a sua relevância e sobrevivência política.
Segundo as palavras de Isabel Ferreira Nunes (2007, pp. 23-24) «perspectivas históricas produzem discursos de política externa e de segurança distintos e reflectem uma dada percepção ocupada no sistema internacional sendo explicativas, em maior ou menor grau do comportamento externo, pela via restritiva do poder e da influência ou através de oportunidades de cooperação, de adaptação e de acção normativa».
Com as transformações que se tem vindo a verificar no sistema internacional, hoje em dia, questiona-se o que é a política externa em termos conceptuais e concretos. Se antes estava em geral bem delimitada, sendo uma actividade quase exclusiva dos estados, nos dias hoje, essa actividade já não é uma exclusividade dos estados, (ou melhor) nem dos grandes estados, já que o surgimento de algumas instâncias internacionais, nomeadamente a UE viera contribuir para o debate sobre o que é política externa e quem a pratica.
Se em termos clássicos a política externa tinha um carácter estatocêntrico e as decisões eram tomadas pelo Príncipe para utilizar a terminologia de Maquiavel, especialmente com a institucionalização da UE a política externa em termos clássicos, teve de ser redefinida, já que estamos perante um novo fenómeno que nos obriga a olhar para a política externa sobre outra perspectiva. Porém, temos sempre outra hipótese que é continuarmos agarrados ao conceito tradicional de política externa e afirmar que a União não tem uma verdadeira política externa. Sendo assim, perante este dilema coloca-se uma questão: a UE tem uma política externa? Se não a tem porque os estados tem vindo em geral a europeizar a sua política externa?
Segundo a nossa perspectiva, a UE tem efectivamente uma política externa, em muitos casos superior à própria política externa dos estados. Contudo, não pode ser vista como uma política clássica, segundo o paradigma tradicional vestefaliano. O modelo político da União é sui generis, é algo novo, não encontrando na literatura da ciência política, do direito, das relações internacionais e dos estudos europeus um modelo semelhante e predefinido pela comunidade científica.
Com efeito, a política externa da UE tem de ser vista à luz do seu próprio modelo singular, e nessa medida é ela também singular, não encontrando paralelo nas políticas externas dos estados.
Em virtude da sua relevância, importância e mais-valia para os pequenos estados, estes tendem gradualmente a europeizar a sua política externa, de forma a dar continuidade e aumentar a influência da sua política externa, dado que passam a tomar posição sobre múltiplas temáticas, muitas delas não contempladas até então no seu quadro externo.
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* Capitão de Infantaria da GNR, Docente de Teoria das Relações Internacionais na Academia Militar e Doutorando em Relações Internacionais, pela FCSH-UNL. Investigador do projecto "O debate sobre State-building e State-failure nas relações internacionais: análise do caso de Timor-Leste" (PTDC/CPO/71659/2006)”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, sediado no Instituto do Oriente.