Recentes acontecimentos envolvendo as Forças Armadas trouxeram a debate público questões relacionadas com o seu posicionamento perante o Estado, tais como a condição militar e os direitos e deveres de quem a detém, a legislação vigente regulando «associações» de militares e as suas áreas de actuação, o problema do comando face a essas associações e o relacionamento da direcção política das Forças Armadas perante essas associações. Ainda que os diferendos sejam com o Estado e seus agentes temporários, como é usual em estados democráticos, houve na discussão, por ideologia, ignorância, complexos ou frustrações, argumentações que põem em causa princípios de uma Instituição que se regula por conceitos organizativos de comando, hierarquia e disciplina que, a par de um código ético materializado em juramento muito particular, tornam a Instituição Militar verdadeira instituição da Nação. Talvez a única que encontrando raízes no próprio despertar da nacionalidade a torna diferente da Igreja e da Universidade e muito diferente de outras organizações ou corporações que frequentemente são designadas por «instituições» na confusão de conceitos que se vai instalando na Nação. Cada vez é mais frequente ver qualificadas de instituições, entre outras, partidos políticos, polícias, bombeiros ou clubes desportivos.
Os debates de opinião a que se assistiu incidiram quase que exclusivamente sobre temas que se relacionam com a inserção das Forças Armadas na administração do Estado, que naturalmente tem de existir. Mas pouco foi ouvido sobre um tema que hoje domina alguns debates nas escolas de pensamento de sociologia militar, nos tempos de mudança que se vivem e onde sobressaem novas origens de conflitualidade que podem conduzir à violência e o papel que a Instituição Militar pode tomar no fortalecimento da coesão nacional, no desenvolvimento da cidadania e como garantia de segurança. Levando algumas escolas de pensamento a defender a ideia de que novas relações irão nascer entre as nações e as suas instituições militares, nesta era de pós-modernidade militar, impulsionadas pelo desejo cívico dos cidadãos de voltarem a acreditar em valores muito consubstanciados na Instituição, que se podem traduzir em Pátria, Honra e Dever.
Aquilo que observadores que seguem o assunto constatam em Portugal é que tem havido um crescente distanciamento da Nação face à sua Instituição Militar, com origens que remontam aos princípios do século XVIII e com ciclos alternados de rejeição ou adulação, reflectindo quase sempre as relações pouco saudáveis entre a vida política e a actividade das Forças Armadas, entendidas estas como a face visível da Instituição Militar. E o que os mesmos observadores têm constatado no passado mais recente é o tremendo progresso feito na educação democrática dos profissionais dessas Forças Armadas que não tem sido acompanhado pelo mesmo esforço de aprendizagem dos agentes do Estado, nomeadamente governantes, para lidarem com elas. Mal antigo, que já vem descrito no célebre Memorial de D. João da Costa (1642) a D. João IV onde se referia, quando a Nação estava em perigo, «…que os soldados, além de mal pagos, são muito desfavorecidos dos ministros, negando-lhes não só os despachos, mas as palavras corteses, que obrigam muito e custam pouco». Mal que tem de ser debelado, e com urgência, por forma a ultrapassarmos a crise de identidade nacional que se sente na Nação e a falta de motivações que apoiem a nossa consciência de Portugueses, pondo-nos ao lado de outras Nações que diariamente, e a pretexto de todas as ocasiões, procuram avivar a consciência nacional através dos perigos e sucessos vividos colectivamente, e onde a Instituição Militar é sempre enaltecida pelo seu papel através das histórias nacionais.
Embora seja saudável continuar a discutir aspectos organizativos, orçamentais e de equipamentos das Forças Armadas, seria importante que na Nação se abrisse um grande debate sobre a sua Instituição Militar. Para tentar definir o que permanece constante e o que foi esquecido; para procurar descobrir o que a Instituição Militar deve ser no futuro e qual o seu papel na Nação. Igreja e Universidade têm dado passos nesse sentido. A Instituição Militar não pode ficar a viver dos tempos de glória.