Nº 2507 - Dezembro de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
2008 - Lições militares das últimas campanhas do Império (1961-1975)
General PilAv
José Lemos Ferreira

A Força Aérea em África - Missões Conjuntas e Próprias

 
Por tradição e doutrina, a Força Aérea deu sempre especial relevância às missões conjuntas, designadas genericamente por “cooperação aeronaval” e “cooperação aeroterrestre” compreendendo actividades várias, tais como, interdição do campo de batalha, apoio próximo, transporte, evacuação sanitária, vigilância marítima, luta anti-submarina, busca e salvamento, etc., etc.…
 
Treinado em tempo de paz para a execução destas missões, o pessoal navegante da Força Aérea não sentiu dificuldades especiais em executá-las com êxito nos teatros de operações africanos e mesmo a “novidade” do emprego operacional de helicópteros em número apreciável não fugiu à regra.
 
A única alteração significativa verificou-se com o aparecimento de mísseis terra-ar, os chamados “STRELLA”, primeiro na Guiné e depois em Moçambique, dificuldades resultantes do desconhecimento das características técnicas desta arma que, ema vez conhecidas, vieram possibilitar a entrada em vigor de novas normas de execução das missões reduzindo significativamente os riscos de podermos ser atingidos.
 
Quanto às missões próprias, nomeadamente, a defesa aérea, a superioridade aérea e outras, a ausência de inimigo aéreo reduziu-as a meras hipóteses académicas sem qualquer significado real.
 
Neste contexto de ordem global, as grandes preocupações situaram-se no enquadramento do crescimento em larga escala das várias especialidades que constituem o todo da Força Aérea, o que obrigou a um esforço enorme na área da instrução de forma a garantir a qualidade técnica necessária e a manutenção da homogeneidade indispensável ao bom funcionamento da Força Aérea, o que foi conseguido.
 
Em paralelo com a instrução, a construção de infra-estruturas foi verdadeiramente extraordinária e em poucos anos a Guiné e sobretudo Angola e Moçambique, foram dotados com os indispensáveis meios de apoio terrestre que permitiram à Força Aérea actuar operacionalmente e de forma adequada em todos os locais onde a sua acção era necessária.
 
As maiores dificuldades que sentimos resultaram do embargo que os nossos dois principais aliados teóricos, o Reino Unido e os E.U.A., nos moveram durante o decurso da nossa acção militar em África, quer quanto à aquisição de materiais de voo mais adaptados à natureza das missões, quer quanto à obtenção de armamento de todas as naturezas.
Deste facto devemos retirar a ilação de que é conveniente ter aliados e pertencer a alianças, desde que detenhamos capacidades próprias com um mínimo de dependências de terceiros.
 
Outra questão que justifica referência importante tem a ver com a segurança nas suas diversas componentes, desde a protecção e defesa das instalações, nas comunicações e ajudas à navegação, etc., à qualificação de segurança do nosso pessoal e respectiva classificação, à segurança documental e das transmissões, etc; enfim, relativamente a tudo que pudesse favorecer a actuação inimiga, inclusive através de acções de sabotagem e também de subversão junto das populações, sobretudo se a situação política favorecesse estas actividades.
 
No lado positivo das coisas, justifica-se mencionar o seguinte:
- as capacidades reveladas na execução das missões conjuntas, salvo uma ou outra excepção, que possibilitaram uma actuação partilhada por todos, uniformemente conseguida sem atropelos ou quezílias em torno da realização de objectivos comuns;
- a grande dedicação e sentido de servir da esmagadora maioria dos militares e até dos civis presentes nos teatros africanos de operações; neste aspecto, dever-se-ão citar os extraordinários bons serviços prestados pelas enfermeiras pára-quedistas sobretudo na Guiné;
- o grande apoio logístico e de manutenção a cargo das O.G.M.A., Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, que apesar das muitas carências de todos os tipos foram capazes de manter em serviço aeronaves que, de outro modo, estariam inoperativas; o estranho de tudo isto, é que após muito trabalho desenvolvido pela Força Aérea na modernização das O.G.M.A. e na criação de um estatuto internacional de elevado gabarito, aquelas foram retiradas da Força Aérea deixando de haver o chamado “3º escalão” de manutenção; enfim, tratou-se de uma elevação negativa para esquecer;
- o espírito “inventivo” que surgiu em muitas e diferentes circunstâncias, conseguindo-se por esta via superar dificuldades sem solução pelos canais correntes (o caso da Guiné, por exemplo);
- sintetizando, poder-se-á afirmar que poucos fizeram muito, sendo de lastimar os enormes malefícios e destruições subsequentes à nossa saída.
 
Como é óbvio, poder-se-ia dizer muito mais sobre as várias matérias que foram apenas afloradas ou até não citadas, mas o tempo disponível e o adiantado da hora impõe o termo da minha intervenção nesta fase.
 
Deixamos então para o período das “perguntas e respostas” a hipótese dos possíveis esclarecimentos adicionais.
 
 
I - Infra-estruturas
 
Guiné - Construídos vários aeródromos utilizáveis pelo NordAtlas e pelo DC-3;
Angola - construção de pequenas ou médias bases aéreas que, começando no Norte (Negage), rodaram no sentido dos ponteiros do relógio acompanhando as operações no Leste e Sudeste de Angola;
 
Moçambique - a geografia do território, uma espécie de “bacalhau” grande cortado por rios de grande caudal, incentivou a construção de diversas infra-estruturas aeronáuticas no Norte e a Oeste, de forma a conseguir-se a cobertura total do território pelos meios aéreos da Força Aérea, em parte facilitada pela existência de infra-estruturas de uso civil existentes do anterior.
 
 
II - Aliados e alianças
 
No relacionamento dos pequenos países, como é o nosso caso, com as potências médias e grandes sermos ajudados se for do interesse deles e “incomodados” se os interesses forem contrários, como se verificou em Moçambique, por exemplo com o bloqueio inglês ao porto da Beira dada a situação na então Rodésia.
 
Por outro lado, o embargo que nos foi feito pelos E.U.A. e Reino Unido forçou-nos a que o emprego operacional de várias das nossas aeronaves, tipos e modelos mais do que obsoletos em quaisquer conflitos de maior exigência combativa, se tornasse “multirole” muito em voga nos conceitos actuais. Alguns exemplos:
- DC-3 - transporte logístico e de pessoal; fotografia aérea; bombardeamento nocturno essencialmente na Guiné, com lançamentos à mão pelos buracos das máquinas fotográficas de munições explosivas - bombas de 15Kgs e granadas de morteiro com o prazo de segurança ultrapassado;
- D0-27 - uma das aeronaves mais versáteis que utilizámos; sendo um “STOL” com grande capacidade de manobra, foi empregue nas ligações e apoio aos pequenos destacamentos terrestres, levando e trazendo correio, efectuando evacuações sanitárias e rendições em pequena escala, além da sua utilização no reconhecimento visual e como P.C.A. (Posto de Comando Aéreo) nas opções conjuntas.
- PV-2 - Originalmente tinha como missão a luta anti-submarina mas em Angola apesar do seu caduco tecnicismo, foi uma “aeronave de ataque”, pau para toda a obra, tendo prestado relevantes serviços.
- T-6 - avião de instrução de duplo comando, foi dotado com metralhadoras de calibre 7.62mm e suportes sob as asas para foguetes de 37mm e bombas de 15Kgs, tendo sido empregue em diversos tipos de missões, compreendendo apoio próximo, acompanhamento e protecção de colunas terrestres e meios navais fluviais, reconhecimento armado, etc.
 
 
III - Segurança
 
O princípio então aceite de um Portugal do Minho a Timor, inegavelmente tornava difícil, para não dizer impossível, conseguir segurança em todos os seus diversos elementos, não só pela possibilidade do exercício de pressões internas sobre quem servia connosco, como também pela influência negativa proveniente de ideologias políticas que nos eram claramente adversas.
 
Apesar de tudo, poder-se-á afirmar que imperou mais a lealdade do que a traição, bem como a proximidade em vez do afastamento.
 
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*      Ex-CEMFA e ex-CEMGFA.
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by COM Armando Dias Correia