Nº 2508 - Janeiro 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Publicações Alemãs Sobre o Conde de Lippe - Uma Orientação Bibliográfica
Mestre
António Pedro da Costa Mesquita Brito
Introdução
 
 
O Exército permanente Português foi submetido, no curto prazo de meio século, a duas ponderosas influências estrangeiras que o marcaram para sempre - na sua estrutura visível, mas também nos seus costumes, e no seu inconsciente colectivo. Sobre a segunda, do general William Beresford e dos cerca de 400 oficiais britânicos que o acompanharam de 1809 a 1820 no enquadramento e actividade operacional desde a II Invasão Francesa até ao fim da Guerra Peninsular, já tive ocasião de apresentar um trabalho ao 35º Congresso Internacional de História Militar[1]. Parece-me no entanto que a intervenção, menos de cinquenta anos antes, do Conde reinante de Schaumburg-Lippe e do reduzido número de oficiais que o acompanhavam, foi muito mais condicionante da futura evolução do nosso Exército, atendendo sobretudo à vincada e inovadora personalidade deste general alemão[2].
 
 
A bibliografia disponível em português[3] sobre este oficial e soberano “iluminado” dum pequeno principado da Baixa Saxónia não corresponde nem de perto nem de longe à importância que ele assumiu para a nossa história, sobretudo para a nossa história militar. As parcas obras citadas não se comparam em número nem em qualidade com as publicações que logo cinco anos depois da sua morte começaram a aparecer no espaço cultural alemão, e que se têm mantido com regularidade até aos nossos dias. O Conde de Lippe, quer como teórico da ciência militar, quer como personalidade da Aufklärung, continua a ser tema de grande interesse para militares e académicos, mas também para os comuns leitores alemães.
 
Como referirei em pormenor mais adiante ainda há muito trabalho a realizar também pelos investigadores portugueses, seja no estudo da influência lippiana no ensino militar e científico no nosso país, seja na análise das origens e implementação das suas doutrinas militares em Portugal, e na relação com a mesma implementação na Alemanha. Um facto que torna o Conde de Lippe precursor na definição de políticas militares, facto esse que é praticamente referido por todos os seus recentes tratadistas nos próprios títulos dos seus estudos, é o de se ter confirmado que ele foi o principal mentor e influência do seu aluno, o grande reformador do exército prussiano e criador do seu Estado-Maior, General de Artilharia Scharnhorst, bem como do não menos importante colaborador deste, Neidhardt von Gneisenau. Numa missiva a um dos primitivos biógrafos de Lippe - Varnhagen von Ense - afirmava Gneisenau: “V. tornou o Conde de Lippe famoso, mas esteve longe de corresponder aos seus merecimentos; ele era ainda muito maior do que a imagem que V. dele nos dá. Eu passei há uns tempos um período em Bückeburg[4] e li no Arquivo os manuscritos dele. Todo o nosso chamamento às armas do ano de 1813, a Landwehr e o Landsturm, toda a nova estrutura militar, tinham sido por ele exaustivamente arquitectados; dos traços mais largos aos mais pequenos pormenores ele sabia tudo, tinha tudo ensinado e experimentado. A sua proposta sobre a defesa de Portugal, que foi enviada a Lisboa e lá cuidadosamente guardada, contem passo a passo no maior pormenor, todas as medidas que mais tarde Lord Wellington lá tomou, cujas posições e movimentos não são mais que a execução dos dados e indicações de Lippe[5].
 
Pense só de que homem se trata, cujo engenho tanto tempo antes duplamente desenvolvera as ideias da guerra, em cuja posterior realização finalmente todo o poder de Napoleão se veio de facto a quebrar”[6]. Se para o Chefe de Estado-Maior de Blücher e futuro marechal de campo, a ideia original destes três níveis de força armada - (Landsturm, Landwehr, stehendes Heer)[7] - parte de Lippe, foi quiçá o Conde reinante influenciado nesta sua concepção pelo sucesso das ordenanças portuguesas na sua resistência às tropas espanholas[8]. As ordenanças tinham a sua remota origem no Regimento sebástico dos Capitães Mores, e um pouco à sua imagem implementará Scharnhorst o “Landsturm” no exército prussiano de 1806 a 1813, renascido das derrotas de Jena e Auerstedt.
 
 
Quando em 1984, numa das frequentes viagens que então fazia à Alemanha, me deparei no escaparate de uma livraria em Munique com uma publicação recente da correspondência de Wilhelm zu Schaumburg-Lippe[9], tratei logo de a adquirir, pois possuía já na minha biblioteca, desse mesmo autor, exemplares do Regulamento … dos Regimentos de Infantaria (edição de 1794)[10] e … dos Regimentos de Cavalaria (edição de 1798)[11] que trazem ambos anexas as Instrucções Geraes [12], bem como a Memoria sobre os exercícios de meditação militar [13]. Estes Regulamentos entroncavam de certa forma no primeiro que o Marechal-General publicara para o batalhão da sua guarda pessoal em Schaumburg-Lippe[14]. Até aqui, porém, o exército português do período pombalino e o seu grande reformador tem sido preteridos na minha investigação a favor de outros temas de história militar: a incapacidade dos fidalgos portugueses durante a “revolução militar quinhentista” de evoluir para quadros do exército renascentista, em que a infantaria substituíra a cavalaria medieval[15], e a continuada má qualidade desses quadros durante a Guerra Peninsular, que forçara à substituição daqueles mesmos fidalgos que ainda ocupavam posições de chefia por oficiais de nacionalidade britânica[16].
 
 
Mas foi exactamente essa investigação que me confirmou que a incapacidade da nobreza portuguesa para assumir as funções castrenses que na sociedade tripartida do Antigo Regime lhe competiam, fora uma constante desse período, a que o século XVIII e o consulado pombalino não fizeram qualquer excepção. O reforço de quadros militares preparados, de que a Prússia é talvez o melhor exemplo europeu mas que, de uma forma ou outra, foram comuns às monarquias iluminadas, onde pululavam as academias militares por então sobretudo ainda de carácter privado, não se verificou em Portugal. Enquanto que o insucesso do Real Colégio dos Nobres é conhecido, a frequência de academias militares em França ou na Alemanha, que por exemplo funcionaram como escolas para os oficiais ingleses[17] antes da fundação em 1799 do Royal Military College, é desconhecida quanto aos fidalgos portugueses.
 
 
Uma dificuldade básica que Lippe vai ter de enfrentar em Portugal é exactamente a indisciplina e falta de instrução militar, e mesmo básica, do corpo de oficiais[18] - os seus esforços serão assim no sentido não só de reorganizar e equipar o exército português para o tornar eficiente, mas sobretudo de formar e instruir os seus quadros. A experiência que nessa tarefa adquirirá, ir-se-á reflectir na academia militar que de regresso à pátria irá fundar na fortaleza de Willhelmstein, na ilha do mesmo nome do Steinhude Meer, e de que Scharnhorst será o mais brilhante aluno. A preparação dos quadros será exactamente um dos temas a abordar na II parte deste trabalho; a I destina-se entretanto a identificar e caracterizar os seus.
 
 
 
 
I. Biógrafos
 
 
Imediatamente a seguir à morte do Marechal-General (1777) começaram as tentativas para publicar uma biografia sua, que esbarraram perante os obstáculos levantados pelo seu sucessor, o Conde Phillip Ernst, nos dez anos que decorreram até á morte deste (1787); os termos e razões desta resistência foram analisados em pormenor por Otto Müller em 1912[19]: O primeiro que tentou em vão aceder às fontes sobre o Generalíssimo português, foi o Príncipe Friedrich Karl von Waldeck-Pyrmont[20], que logo em 1777, na mesma carta de condolências pela morte de Wilhelm, e de felicitações pelo acesso de Phillip Ernst, comunicava a este o seu plano de publicar uma biografia do falecido[21], que não foi encorajado.
 
 
Se um soberano “colega” não tinha conseguido obter as informações necessárias para escrever sobre o Conde de Lippe, muito menos possibilidades tinha o ex-capelão do palácio condal de Bückeburg, Johann Gottfried Herder[22]; exercera este essas funções entre 1771 e 1776, e fora então confidente e amigo do casal reinante, mas sobretudo da Condessa Marie Barbara Eleonore (de solteira, zur Lippe-Biesterfeld), a quem acompanhara no desgosto que também para Wilhelm fora brutal - a morte da filha de ambos, Emilie Eleonore, de somente três anos. Depois da morte da Condessa (1776), que ocorreu dois anos depois da da filha, decidiu-se a abandonar Bückeburg, respondendo a um convite que lhe tinha sido feito por intermédio de Goethe para desempenhar importantes funções na igreja do ducado de Weimar; mas ainda visitara o Conde semanas antes da sua morte, e a esse último encontro se referia na carta que escreve a Phillip Ernst em 1780, com o pedido de acesso aos escritos de Wilhelm, pedido esse que foi ignorado[23].
 
 
Quem finalmente escreverá a primeira nota biográfica sobre o Conde de Lippe, será o seu dedicado discípulo, e depois grande reformador do exército prussiano, Scharnhorst. Tendo nascido em Bordenau, a quinze quilómetros de Wilhelmstein, foi em 1773 lá frequentar a academia militar do Conde reinante, e aí se manteve, primeiro como cadete, depois como Conducteur (aspirante de artilharia), até 1778; mas, depois da morte de Lippe, a academia tinha o fim anunciado - Scharnhorst saiu no ano em que ela foi transferida para Bückeburg e, com a morte de Phillip Ernst em 1787, foi pura e simplesmente extinta. A academia fora a última criação pessoal do Marechal-General, e com ele de facto morreu, só que deixou a muitos - entre os quais a Scharnhorst - a memória da esplêndida instituição de ensino militar que fora. Em 1778 o futuro General de Artilharia foi servir como Fähnrich (aspirante) no Regimento hanoveriano de Dragões de Estorff, que estava sediado em Nordheim, não longe de Göttingen; era nessa altura estudante de direito nessa universidade aquele que depois se tornou no primeiro reitor da Universidade de Berlim, Theodor Schmalz. Ligaram-se de amizade (Scharnhorst viria a casar com a irmã de Schmalz, conforme árvore genealógica que segue), e participaram na mesma loja maçónica, “Ao círculo de ouro”, em Göttingen. Com a eficiente rede de informações que, então como agora, a maçonaria disponibilizava, Scharnhorst deve ter tido conhecimento dos obstáculos colocados aos dois “irmãos”, Waldeck e Herder, afim de evitar a publicação duma biografia de Lippe. Decide-se assim a publicar na série Briefwechsel, editada por outro pensador da Aufklärung, o Professor August Ludwig Schlözer, um trabalho que se resume à parte das realizações do Marechal-General da qual podia falar por experiência própria - a academia militar de Wilhelmstein[24]. Percebe-se como o jovem aspirante a oficial se deixaria intimidar pela hierarquia da instituição militar, à qual o Conde Phillip Ernst pertencera como general comandante das forças do Príncipe-Arcebispo de Colónia e Münster[25] - mas não quer que a memória de tão notável figura militar como a de Wilhelm zu Schaumburg-Lippe seja esquecida, e convence assim o seu amigo e “irmão” Schmalz a assumir a responsabilidade de tal obra[26]. Foi a primeira de uma série de biografias e estudos sobre o Marechal-General que se têm repetido até aos nossos dias; curiosamente o interesse despertado só se tem concretizado em obras de língua alemã - desconheço estudos quer em francês[27], quer em inglês, que lhe sejam exclusivamente dedicados. Dividiria assim esses biógrafos e estudiosos alemães em quatro grupos: os parentes, os militares, os eruditos e os candidatos a títulos académicos.
 
 
Os parentes
 
A segunda biografia que cronologicamente foi publicada depois da sua morte foi-o em Viena em 1789[28], por um autor de pseudónimo “Germanicus”, que se verificou depois tratar-se do Conde Karl Christian de Lippe-Weissenfeld (1740-1808), um parente afastado de Schaumburg-Lippe. Trata-se do autor de outras biografias - entre as quais uma breve do Imperador José II - mas a do seu parente parece ser mais extensa[29]. Também ele pediu apoio ao Conde Phillip Ernst[30], mas só recebeu um resumido currículo da vida do Marechal-General, que tinha sido preparado em Bückeburg[31]. Insatisfeito com a pouca e formal informação que recebera do primo, “Germanicus” acabará por utilizar como fonte principal a narrativa publicada por Schmalz em 1783[32].
 
 
Um sobrinho neto do Conde Karl Christian, o Conde Ernst de Lippe-Weissenfeld (1825-1909), fixou-se na Prússia, onde terá sido oficial do 6º Regimento de Hussardos, cuja história regimental publicou em 1860. Foi um produtivo autor, na área da biografia e história militares, e a sua biografia do Conde de Lippe, embora menos extensa, é muito mais comum em bibliotecas públicas e no mercado de livros antigos que a de seu tio-avô[33].
 
 
Apesar de uma primeira unificação económica alemã com o Zollverein (união aduaneira de 1834), e apesar da unificação política do Império proclamada em 1871, os múltiplos pequenos soberanos da Alemanha, retiveram alguma da sua soberania - embora mais simbólica, do que em termos práticos - até à extinção do II Reich com a Revolução de 1918. O último soberano de Schaumburg-Lippe que nesse ano abdicou foi o Príncipe reinante Adolf II Bernhard; o seu irmão mais novo, Príncipe Friedrich Christian Wilhelm Alexander zu Schaumburg-Lippe (1906-1983), foi até à sua morte um nazi irredutível, e prolífico autor da chamada literatura “revisionista”. A ele se deve entre outras uma “pérola” desta literatura, que corre agora na Internet no original alemão e em tradução inglesa: Was Hitler really a dictator?. Também ele publicou uma biografia do seu antepassado - Zur Ehre des revolutionären Menschen; Wilhelm regierender Graf zu Schaumburg-Lippe. Eine Studie. (Em honra do Homem revolucionário; WSL … Um estudo.)[34], que só no título contem já todo um programa político-cultural.
 
 
Os militares
 
 
Para além das referências de Scharnhorst e Gneisenau à sua obra, e das das primeiras monografias da Guerra dos Sete Anos à sua intervenção como Comandante Geral da Artilharia do Exército Aliado, o primeiro estudo do Conde de Lippe por um militar data de 1884[35]; o mesmo autor publicava cinco anos depois outra biografia de Schaumburg-Lippe[36], que preenche com uma descrição bastante exaustiva da Guerra dos Sete Anos e outra bastante mais curta da actividade do Conde em Portugal e no nosso exército. Curiosamente trata-se de um Coronel de Artilharia do Württemberg, Wilhelm Strack von Weissenbach; de facto tanto ele como o autor militar que se lhe segue, o Maj. Gen. Bernard Schwertfeger, são ambos originários da arma de Artilharia - não obstante o reconhecimento do princípio do século por parte de Gneisenau e Scharnhorst (como já disse também originário da Artilharia) do enorme contributo de Lippe como estratega e pensador militar, para Strack e Schwertfeger o que mais conta são ainda as qualidades de técnico, e sobretudo de táctico artilheiro do Conde reinante. Daí estas biografias dedicadas a um dos mais destacados “Generalfeldzeugmeister”[37].
 
 
Wilhelm Strack von Weissenbach era de uma família oriunda de Schaumburg-Lippe; seu pai, de nome idêntico, era filho do pintor de retratos (a quem se deve um, por sinal quási patibular, do Conde reinante) e paisagista Anton Strack (1758-1829)[38], residente em Bückeburg. O Wilhelm Strack sénior (1798-….)[39] foi servir na artilharia do Württemberg, onde atingiu o posto de coronel, tendo sido nobilitado em 1860; casou com Luise von Weissenbach, essa sim com um apelido da pequena nobreza, que vai transmitir a seu filho Wilhelm, cuja nobilitação data de 1874. Em 1914 (morreu em 1917), este Wilhelm júnior era também Oberst z.D. (der Artillerie) [Cor. de Artª. na res.] tendo sido condecorado com a Cruz de Ferro de II classe (provavelmente na Guerra Franco-Prussiana) e com a Ritterkreuz mit Schwerten (cruz de cavaleiro com espadas - “à portuguesa”, com palma) da Ordem da Coroa do Württemberg. São ainda da autoria do Cor. Strack outras obras como a história da artilharia do Württemberg, e da Königlicher Württembergische Militärverdienstorden (Ordem de Mérito Militar do Württemberg), da qual foi chanceler[40].
 
 
Bernhard Heinrich Schwertfeger (1868-1953) foi um oficial de estado-maior na I Grande Guerra, que esteve ligado às negociações do Armistício em Novembro de 1918. Dera ingresso no Grosser Generalstab (Grande Estado-Maior - o estado maior central, por contraste com os estados-maiores das grandes unidades) em 1908; no fim da guerra tinha o posto de coronel e, depois de ter estado oficialmente envolvido na investigação da violação da neutralidade da Bélgica, passou à reserva nesse posto, dedicando-se então ao ensino, primeiro no Instituto Superior Técnico de Hannover, depois na Universidade de Göttingen, que lhe concedeu o título de Dr.h.c. Fez parte de um conjunto de 119 oficiais prestigiados que estavam na situação de reserva, e que Hitler promoveu ao posto imediato de general em 27 de Agosto de 1939, para comemorar os 25 anos do início da I Guerra Mundial[41]. Schwertfeger foi um produtivo escritor com algumas dezenas de obras publicadas, inclusive no período pós Segunda Guerra. Além de trabalhos sobre história e política recentes, escreveu um notável relato da King’s German Legion no período napoleónico[42], e várias biografias das quais uma - curta (67 pp.) - sobre o Conde de Lippe[43]. Publicada em plena II Guerra, quando já se percebera que o conflito ia ser longo e duro, encaixa-se também no propósito geral de incentivar a moral do público alemão através da evocação humana de destacados militares. Sobre Lippe cita as seguintes palavras de Scharnhorst (outro exemplar soldado sobre o qual escreveu outra curta monografia): “Raramente se vê como nele tão incondicional bondade do coração ligada a tais qualidades do espírito. O seu esforço constante era no sentido de se esclarecer a si e ao mundo. A sua afabilidade, amor do próximo e disponibilidade tornavam-no o grande pai e protector da sua terra. Nunca deixou um miserável sem ajuda, nem viúva ou órfão algum sem sustento. Acabou por fim com todo o luxo da sua pequena corte, e a única coisa que o tornava feliz era poder fazer os outros felizes - mostrou-se sempre benevolente e caritativo com o seu próximo. Na sua Academia Militar (onde Scharnhorst, fora aluno) era ele o organizador, conselheiro e benfeitor dos professores, e o amigo dos seus oficiais. Não consigo deixar de me lembrar com emoção da obra deste Senhor.” (pp.8/9 da obra citada em [43]).
 
 
Hans Heinrich Klein (1918-1992) foi um oficial de estado-maior da Wehrmacht. Em 1956, foi dos primeiros a apresentar-se ao serviço na Bundeswehr: serviu no E.M., comandou a Panzerbrigade 15 em 1968, em 1970 a 11ª Panzergrenadierdivison, em 1974 o I Corpo de Exército. Reformou-se em 1978 como tenente-general[44]. Quando deixou as fileiras não quis remeter-se à ociosidade e começou logo a preparar a biografia de Lippe já citada em [39] - trata-se daquele livro cuja tradução considero prioritária, para permitir ao investigador português uma boa base de trabalho para o estudo da obra do Conde reinante em Portugal e no nosso Exército; sobre ela falarei ainda no capítulo seguinte[45].
 
 
O último estudo de um autor militar alemão sobre o Conde de Lippe de que tenho notícia, foi o trabalho anual apresentado na Akademie für Innere Führung (a Academia de Estado-Maior) da Bundeswehr em Hamburgo pelo então formando, hoje Oberstleutnant i.G. (Ten.Cor. E.M.) Henning Klement (n.1969). Este oficial é originário da Arma Blindada, e teve pelo menos uma comissão de serviço como capitão na KFOR (Kosovo Force) em 1999[46]. O trabalho intitula-se Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe und der Einfluss seiner Aufklärungsphilosophie und militärischen Reformen auf seinen Schüler Gerhard von Scharnhorst, (título inédito cuja tradução é - WSL... e a influência da sua filosofia iluminista e das suas reformas militares sobre o seu discípulo Gerhard von Scharnhorst), Hamburg, 2004[47].
 
 
Os eruditos
 
 
O impacto causado pela personalidade de Wilhelm de Schaumburg-Lippe explica que tão só passados seis anos sobre a sua morte apareça no mercado alemão a sua primeira biografia[48]. O seu autor, Dr.jur. (pela Universidade de Rinteln) Theodor Anton Heinrich von Schmalz foi súbdito do Principado de Hannover, e cunhado de Gerhard von Scharnhorst. Como por sua vez o filho deste, Wilhelm, se casou com uma filha de Gneisenau, temos aqui um interessante “entrelaçamento” que eu gostaria de realçar[49] através de árvore genealógica demonstrativa.
 
 
 
 
 
 
 
Schmalz é o primeiro biógrafo do Conde de Lippe, mas os dois grandes reformadores do exército prussiano - no fundo os criadores da grande tradição militar alemã - são os maiores seguidores do Generalíssimo de Portugal. Mais adiante tornarei a falar deles, quando tratar das reformas castrenses preconizadas por Lippe, e implantadas pelos dois generais prussianos depois de 1806. Quanto à biografia de Schmalz, trata-se de um pequeno livro (8º, de 160 pp.)[50], que traz dois apêndices sobre o biografado, o primeiro de Scharnhorst, o segundo de Moses Mendelsohn, o grande filósofo judeu-alemão da Aufklärung e avô do compositor Felix Mendelssohn-Bartholdy, que manteve relação espiritual estreita com Lippe e com a mulher, a Condessa Marie. Adiante referirei como esta estreita relação foi ocultada pelos biógrafos do período nazi, inclusive pelo próprio Schwertfeger.
 
 
O “candidato” (a doutor) - tal parece ser a designação oficial de Schmalz, que por então ainda não tinha defendido a sua tese - foi fortemente intimidado, e até ameaçado, para não publicar as “memórias”[51]. Tendo contudo prosseguido na sua publicação, foi depois enxovalhado em recensões de vários periódicos[52] que, todas, tinham origem em Bückeburg. Para se defender dessas acusações, publicou em 1784 um artigo intitulado “Pressfreiheit”[53]; dá a entender nas entrelinhas que só a inveja da fama do “seu herói” motiva a perseguição a que tem sido sujeito: ora não há provas de que isso fosse assim - mais sentido fazem de facto as alegações do Conde Phillip Ernst de que pouco tempo era passado sobre a Guerra dos Sete Anos, e que havia susceptibilidades a não ferir (sendo responsável como era por um pequeno estado, não queria que fossem recordadas colisões do seu predecessor com o Comandante Chefe Duque Fernando de Brunsvique e outros generais do exército aliado; também não queria que soberano e governo portugueses fossem ofendidos pelo desvendar das comunicações confidenciais com o Marechal-General).
 
 
De facto Lippe, como todas as personalidades fortes, entrara em conflito com outros chefes militares de menores capacidades, e havia que fazer esquecê-lo. Schmalz no fundo acata essa sensata intenção, e só menciona en passant, em três páginas, os seis anos de intervenção de Lippe nas operações alemãs da Guerra dos Sete Anos. Já quanto a Portugal não tem esses escrúpulos: ocupa vinte e cinco páginas com os poucos mais de dois anos que o Marechal-General dedicou a Portugal. Na sua narrativa tiveram origem as conhecidas anedotas do capitão português que servia à mesa como criado do general, e do tenente de infantaria que, atendendo a que só recebia metade do soldo, e mesmo isso com atraso, tinha de exercer a profissão de alfaiate, para que a sua família não passasse fome[54]. Mas os restantes dois terços do livro são dedicados à actividade do Conde como administrador do seu território, e como criador e organizador da sua academia militar de Wilhelmstein. Scharnhorst, que fora aluno e monitor na dita academia, prossegue com a mesma descrição mais pormenorizada da actividade didáctica dela que já tinha publicado anteriormente[55]. Finalmente Mendelsohn descreve-nos a figura física e mental do Conde - referindo que ele se exprimia melhor em francês do que em alemão - e fala-nos da relação do casal condal entre si; a relação de Lippe com Mendelsohn merece um estudo mais profundo, utilizando eventualmente correspondência e referências de terceiros, estudo que curiosamente ainda não foi feito, mesmo por eruditos especialmente vocacionados para isso, como Curd Ochwadt.
 
 
Cronologicamente, a biografia que se seguiu à de Lippe-Weissenfeld foi escrita por Karl August Varnhagen von Ense (1785-1858) - trata-se de um parente do conhecido autor brasileiro com o mesmo apelido[56], mas a coincidência acaba aí. Varnhagen foi um personagem menor do romantismo alemão, que deve parte da sua fama a ter-se casado com a catorze anos mais velha Rahel Levin (Varnhagen von Ense); Rahel, de origem judaica, liderou o famoso salão em que se encontravam em Berlim nomes notáveis do romantismo alemão, a partir de 1790. Entre 1824 e 1830 Karl August publicou uma colectânea de biografias[57] em primeira edição cujo sucesso editorial justificou uma segunda (1845/6), e depois uma terceira (1872-4) edições, esta última já depois da morte do autor. Eram visadas mais de quinze personalidades, na sua maioria cabos de guerra de Frederico II (os Marechais Leopoldo de Anhalt-Dessau e Schwerin, os Generais Seydlitz e Winterfeldt), ou do período napoleónico (Blücher e Bülow von Dennewitz), mas a primeira é logo Wilhelm de Schaumburg-Lippe[58], e suscitou a Gneisenau o comentário citado em [6].
 
Varnhagen faz jus à sua escola literária na descrição do Wilhelm adolescente em que todas as “qualidades” românticas de arrebatamento e afirmação individual são empolgadas[59], quando no fundo o jovem Conde fora educado na racionalidade e protestantismo liberal do Aufklärung. É por exemplo curioso que nenhum autor antes de Varnhagen, nem este escritor ou os que se lhe seguiram, faça quaisquer comentários, para além da notícia seca, a um acontecimento que forçosamente teria afectado os dezoito anos do jovem Wilhelm, até pelas consequências que para ele teve: a morte brutal de seu irmão mais velho, e herdeiro presuntivo do condado, num duelo, em 1742. E formalmente até nem teria afectado, pois nesta sociedade setecentista aceitava-se como trivial a morte no “campo de honra”; só que essa não seria a reacção concebida por um romântico. Mas Varnhagen dá-nos como nenhum outro autor informações sobre a juventude do Conde reinante, e sobre os seus primeiros anos de governação, embora se possam por em dúvida as fontes utilizadas.
 
 
Numa série de outras curtas obras, quási panfletárias, focam focados determinados aspectos da vida do Conde reinante; um desses aspectos, ao qual adiante me tornarei a referir, é a sua participação na Maçonaria. O autor, Ludwig Keller (1849-1915), falhou em 1874 a sua agregação à Universidade de Marburg, e teve de optar pela carreira arquivista, primeiro em Marburg, a seguir em Münster, e finalmente no Geheime Staatsarchiv (Arquivo Secreto de Estado) de Berlim. Em 1897 entrou para uma Loja Maçónica em Kassel, em 1902 tornou-se Mestre Supremo do Oriente Interno da Grande Loja da Prússia, em Berlim - desde 1891 que se dedicava à história dos antecedentes da Maçonaria, tendo publicado inúmeras obras sobre esse tema, inclusive Graf Albrecht Wolfgang von Schaumburg-Lippe und die Anfänge des Maurerbundes in England, Holland und Deutschland (O Conde Albrecht de Schaumburg-Lippe e o início da Liga Maçónica na Inglaterra, Holanda e Alemanha)[60]. Atendendo à importância que atribui à actividade maçónica do pai, é normal que se tenha interessado pela iniciação do filho, e pela ligação deste ao seu “irmão” maçónico, Frederico II da Prússia[61] - assim o seu livrinho (28 pp.) Graf Wilhelm von Schaumburg-Lippe. Ein Zeitgenosse und Freund Friedrichs des Grossen (WSL … um contemporâneo e amigo de Frederico o Grande)[62]. Dois outros artigos pelo menos abordam a participação maçónica de Wilhelm zu Schaumburg-Lippe: o primeiro do genealogista alemão Stephan Kekule von Stradonitz “War Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe Freimaurer?” (Era WSL … maçon?)[63]. O segundo, mais recente, do historiador português A. H. de Oliveira Marques: “Graf zu Schaumburg-Lippe und sein Einfluß auf die portugiesische Freimaurerei” (WSL … e a sua influência na Maçonaria portuguesa)[64], certamente um complemento à sua História da Maçonaria em Portugal[65].
 
A carreira de publicista de Curd Ochwadt (1923-?) tem sido especialmente intensa: iniciou-se em 1961 com uma publicação sobre o poeta francês Arthur Rimbaud, a que logo outra se seguiu em 1964. Mas o que tornou Ochwadt realmente conhecido foi a edição de obras do filósofo Martin Heidegger (1889-1976) ainda antes da morte deste - de facto, de 1973 a 2005 Ochwadt editou um grande número de trabalhos de Heidegger, que incluíram boa parte da edição completa da sua obra. Em 1967 publicou uma extensa colectânea de notícias[66] sobre o Steinhuder Meer, lago que ficava dentro do território original de Schaumburg-Lippe, e onde o Conde Wilhelm tinha construído a sua fortaleza de Wilhelmstein - foi também eventualmente isso que lhe despertou o interesse pela personalidade de Lippe: em 1970 saiu o seu opúsculo sobre a fortaleza[67] e outro sobre as primeiras experiências na Alemanha com um submersível, no lago da fortaleza[68].
 
 
Em 1977 celebraram-se em Bückeburg os 200 da morte do Conde reinante[69], o que deu lugar a comemorações e a edições comemorativas. A mais importante foi a publicação dos dois primeiros volumes das obras de Wilhelm zu Schaumburg-Lippe: deles se encarregou Ochwadt[70]; as suas outras publicações nas comemorações oficiais foram um opúsculo para o Schaumburg-Lippischer Heimatverein e.V. (Associação de Schaumburg-Lippe)[71], mas sobretudo o relato das relações do Conde Alberto Adolfo e de ambos os filhos com Voltaire[72]. Em 1983 Ochwadt publicou o III Vol. das obras do Conde reinante[73], que foi praticamente a última publicação que deu à estampa sobre este tema, mas em 2004 ainda o preocupava a interpretação da personalidade de Wilhelm zu Schaumburg-Lippe, como prova a iniciativa de custear um panfleto de 8 páginas assim intitulado: Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe - falsch und richtig (WSL … - certo e errado). Em 1988 o Parlamento da Baixa-Saxónia promoveu uma exposição sobre o Conde reinante, mas o relator da mesma já não foi Ochwadt, mas sim o hoje em dia Prof. Dr. Gerd Steinwascher, historiador da Universidade de Oldenburg, e ao tempo chefe da secção de Bückeburg do Niedersächsisches Staatsarchiv (Arquivo do Estado da Baixa Saxónia), que também redigiu o catálogo intitulado Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe |1724-1777; ein philosophierender Regent und Feldherr im Zeitalter der Aufklärung (WSL um governante filósofo e cabo de guerra do tempo da Aufklärung) [74].
 
 
Dissertações Académicas
 
 
Quando a história militar na Alemanha deixa de ser exclusiva das instituições de ensino militares e passa para as de ensino superior civis, o que por coincidência ocorre durante o período nazi (… a militarização da sociedade civil?...), imediatamente notáveis teses de doutoramento nesta área são propostas aos departamentos de história[75]. As apresentadas sobre o Conde de Lippe, nem todas dizem no entanto respeito à sua actividade militar.
 
 
Em 1938 Erich Hübinger apresenta à Universidade de Heidelberg uma tese intitulada Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe und seine Wehr: die Wurzeln der allgemeinen Wehrpflicht in Deutschland [76] (WSL … e a sua defesa: as raízes do serviço militar obrigatório na Alemanha). Hübinger fora provavelmente quando estudante nesta Universidade membro activo do NSDStB (a liga de estudantes nazi)[77] e, passados cinco anos, estava assim a apresentar na mesma Universidade uma tese de doutoramento que pretendia confirmar as primitivas tradições do serviço militar obrigatório, que os nazis tinham reintroduzido na Alemanha em 1935. Provou-se praticamente impossível encontrar esta obra no mercado alfarrabista, e na impossibilidade de a consultar de momento numa biblioteca pública alemã vou recorrer às críticas do Ten. Gen. Klein, que identificam bem o tipo de personalidade que Hübinger atribui ao Conde reinante, e os objectivos que erradamente atribui ao seu pensamento militar, para confirmar uma política de recrutamento agressiva.
 
Ao contraste que por exemplo Hübinger pretende estabelecer entre a dura e saudável educação que o “guerreiro do norte” Wilhelm tivera nas casernas e nos campos de batalha, com o amolecimento que nele produzira a vida de prazer na cidade de charme - Viena - objecta Klein negando a veracidade da primeira, e a exactidão do segundo[78]. Mais adiante Klein desmonta a tentativa de Hübinger de fazer de Lippe um “pequeno” Frederico II, e de Bückeburg uma cópia em dimensão menor de Potsdam: “Que tentativa mais grosseira de vestir de roupagens prussianas as iniciativas militares de Wilhelm! A crença inconsciente nunca fora característica deste, e o espírito defensivo do pequeno Bückeburg nunca quis imitar o ofensivo da famosa Potsdam”[79]. Por fim ridiculariza a visão do Dr.phil. de Heidelberg ao integrar o Conde reinante na “coluna de marcha dos grandes soldados que marcharam através de todos os séculos da história alemã”[80] - dito isto Klein utiliza bastante o livro de Hübinger como fonte, não lhe negando riqueza de informação, pondo tão só em causa as interpretações deformadas por uma certa concepção de patriotismo.
 
 
Já quanto à personalidade de Friedrich Wahl - que em 1939 apresenta à Universidade de Berlim para obtenção do Dr.phil. uma tese cujo resumo publicou[81] - surgem dúvidas que uma pesquisa primária não resolveram. Um facto que chama logo a atenção quando se lê os dizeres da capa deste opúsculo, é o de Wahl publicar em Stadthagen (segunda localidade em importância de Schaumburg-Lippe), mas numa editora com o nome de Heinrich Heine[82]; embora se esteja no ano de 1938, certamente ainda antes da Reichskristallnacht[83], parece isto por si só uma uma corajosa falta de sintonia com regime. Por outro lado, embora Wahl inclua também temas caros aos ideólogos nazis, da história conflitual dos judeus com a sociedade alemã, até à educação para um patriotismo alemão, ele fá-lo com uma moderação e objectividade científicas que não se coadunam com o habitual discurso nacional-socialista. Ainda outro aspecto significativo é ele citar texto em francês do Conde de Lippe[84] sem o traduzir, o que pressupõe da parte do Dr.phil. reconhecimento automático de cultura do francês no seu leitor alemão, em período não só de afirmação agressiva da língua alemã, mas sobretudo de conflito oficial latente - também cultural - com o país vizinho. Para além deste texto, disponível no mercado, e existente em vária bibliotecas públicas, não encontramos mais qualquer referência ao Dr. Friedrich Wahl - também não encontramos outras referências ao Dr. Erich Hübinger. Provavelmente encontram-se ambos entre os cerca de nove milhões de militares e civis alemães mortos ou desaparecidos na II Guerra Mundial.
 
 
Caso especial, fora dos trâmites que entre nós estamos habituados a relacionar com teses de doutoramento, é o da dissertação de Christa Banaschik-Ehl[85]. Mesmo assim a obra desta autora é digna de consulta, e de eventual tradução para português (embora a do Ten. Gen. Klein me pareça dever ter precedência no que respeita à tradução). Organizada como deve ser uma tese, com pormenorizada bibliografia, quer de fontes manuscritas, quer de fontes impressas, a obra da Dra. Christa Banaschick trata sobretudo, como o título indica, da actividade do Conde reinante em Portugal. A autora explorou fontes manuscritas no Arquivo do Principado de Schaumburg-Lippe, em Bückeburg, no Arquivo do Estado da Baixa Saxónia, no Arquivo Histórico Militar de Lisboa, nos Reservados da Biblioteca Nacional, no Museu Britânico, nos National Archives (então designados por Public Record Office), nos do Ministère des Affaires Etrangères de França e na Bibliothèque Nationale de Paris; tem também uma lista de 155 obras impressas que incluem mais de um terço em língua portuguesa - o menor interesse desta obra, para o leitor culto português, é exactamente o facto de conhecer a maior parte dessa bibliografia. Ou seja, Banaschick-Ehl concentrou-se numa área da vida e actividade do Conde já explorada pelos autores portugueses, utilizando uma boa parte dessas mesmas fontes. É óbvio que a autora queria também divulgar para o leitor/investigador alemão desconhecedor da língua portuguesa o que por cá se tinha publicado, com ênfase para a bastante completa biografia do Pe. Ernesto Sales[86]. Mesmo assim, o leitor português que domine a língua alemã, beneficiará duma leitura desta biografia, embora se deva precaver contra mais de um erro cometido por esta historiadora[87].
 
Finalmente a Diplomarbeit (tese de mestrado)[88] em 2003, na Fachhochschule (Instituto Politécnico) de Hannover, de Heike Matzke, M.A. (magistra artium) em biblioteconomia. Como é hoje em dia prática relativamente comum da história sócio-cultural, trata-se de reconstruir a personalidade do Conde de Lippe, proprietário e/ou utilizador, através do catálogo da sua biblioteca. Seria interessante se além do exemplar depositado na Gottfried-Wilhelm-Leibniz-Bibliothek de Hannover, ele pudesse pelo menos ser consultado em mais bibliotecas públicas, mas isso parece ser impossível, por se tratar do exemplar dactilografado único de depósito obrigatório.
 
 
 
 
II. Temas
 
 
Variados temas são tratados nas biografias já citadas de forma diferente, por vezes até antitética. Assim é, para começar, com a
 
Genealogia
 
 
Segue-se a árvore genealógica de Wilhelm, Conde reinante de Schaumburg-Lippe (incluindo a tracejado ligações não legítimas dos protagonistas - amantes e filhos/as naturais ou bastardos/as), de acordo com a mais recente versão das genealogias
 
 
 
 
 
 
 
Remeto de novo o leitor para o meu artigo sobre “Verflechtung”[89] - os laços de parentesco têm sempre influência poderosa (por vezes também negativa), e o nepotismo, por muito que reprimido, é uma constante das relações sociais. De qualquer forma Lippe deve as posições de comando que lhe foram atribuídas - para além da sua efectiva competência - mais a esses laços de parentesco, do que ao facto de ser mais um entre as várias dezenas de pequenos soberanos locais alemães. Pela árvore aqui representada se pode ver que ele, embora “pela mão esquerda”, era sobrinho de Jorge II de Inglaterra, primo direito de Frederico II da Prússia, e do seu primeiro comandante na Guerra dos Sete Anos, o Duque de Cumberland, e primo em segundo grau de Jorge III, que teve grande influência na sua nomeação para Portugal.
 
 
Obviamente que o que conta no caso de Lippe é o facto de sua mãe ser filha bastarda do rei de Inglaterra, bastardia essa que tem um valor diferente para os vários biógrafos: uns escondem-na, outros ostentam-na. Assim Schmalz designa a mãe de Wilhelm por Condessa von Schulenburg Oyenhausen[90], sem qualquer referência a George I. Já Varnhagen, escrevendo mais de quarenta anos depois, em pleno romantismo de afirmação do indivíduo e das suas liberdades, não esconde a paternidade de Margaret Gertrud[91]. Strack em contrapartida, que escreve para a respeitável sociedade “wilhelmiana” (a versão alemã da “victoriana” inglesa), nem pensa sequer em aflorar uma bastardia, ainda por cima de sangue real[92] - no mundo da “família ariana” de Hitler, o decoro mantém-se e Schwertfeger[93] também ignora a bastardia. Mas o que é mais espantoso é que Christa Banaschick, em 1969, ainda considera formalmente Margaret Gertrud como filha do Conde Raben von Oeynhausen, quando já estava disponível suficiente informação em contrário[94].
 
 
Já o Ten. Gen. Klein usa mais uma vez todo o conhecimento genealógico disponível, desmontando o boato que correra de ser o próprio Wilhelm filho bastardo de Jorge I[95]. Ao descrever a estadia deste em Portugal, refere as “relações” do Conde com duas senhoras portuguesas, uma, D. Maria do Monte Freire de Andrade, parenta dos generais do mesmo nome, outra, D. Ana Josefa Felicia Antonia Pimentel que lhe deu uma filha nascida em Campo Maior, Olimpia, tendo a mãe morrido no parto[96]. Ora o Pe. Sales, em artigo de 1945 também se refere a Olímpia, mas alega que o nome da mãe se manteve incógnito[97]; no mesmo artigo, o biógrafo português do Conde de Lippe refere-nos a descendência desta filha natural[98] do Marechal-General.
 
 
Juventude
 
 
A relação entre o avô de Wilhelm, o Conde reinante Friedrich Christian e sua mulher, Johanna Sofie Condessa de Hohenlohe-Langenburg, deteriorara-se ao ponto de esta se acolher à protecção do Eleitor de Hannover, anos antes deste se tornar rei de Inglaterra (1714). Levara consigo os seus dois filhos Albrecht Wolfgang (que será o pai de Wilhelm), e Friedrich Ludwig Karl (1702-1776)[99] e os três acompanharam a Londres o novo soberano e passaram a viver na corte inglesa. Nela foram educados os dois rapazes, e foi “arranjado” o casamento de Albrecht Wolfgang com a bastarda mais nova do rei, Margarete Gertrud. Esta passou a acompanhar o seu marido em frequentes viagens que ele fazia à Alemanha e a França como enviado da coroa inglesa, e os seus dois filhos de tenra idade, Georg August e Wilhelm, ficaram em Londres ao cuidado da avó paterna, estadia que se tornou permanente com a morte prematura de Margaret Gertrud em 1726. A infância do futuro Conde reinante decorreu assim em Inglaterra sob os cuidados da avó - a primeira língua que falou foi o inglês, a educação que teve foi de cunho inglês, e a sua primeira actividade militar (com 18 anos) foi como alferes dos 1st Guards [100].
 
 
Varnhagen e Strack descrevem com bastante pormenor a juventude do Conde de Lippe, mas mais uma vez a obra que se aconselha como resumindo e esclarecendo esse período é a do Ten. Gen. Klein[101]. Sobretudo porque está livre de preconceitos, como por exemplo no esclarecimento da relação de Wilhelm com a amante de seu pai, Charlotte de Aldenburg, Condessa de Bentinck, que foi mãe de dois seus irmãos bastardos. De forma um pouco primária Varnhagen afirmava que a Condessa mandava no Palácio de Bückeburg por meio do seu “…espírito, cultura e astúcia; e que sobretudo dela partia o esbanjamento dos recursos do condado…”[102], e que mal Wilhelm sucedeu a seu pai “Toda a pompa, mais do que suspensa, foi extirpada com fúria…”[103]. Ora conforme Ochwadt demonstra, esta relação de Lippe com Charlotte, e por arrastamento com Albrecht, era exactamente o oposto da animosidade relatada por Varnhagen. O grande entendimento e amizade que existia entre os três, a quem Wilhelm designava por “triunvirato”, manteve-se entre “enteado” e “madrasta”, que poucos anos de diferença separavam - 9 - praticamente até à morte deste em 1777. Bentinck era uma mulher de espírito fino e culto, daquelas que havia então um pouco pelas cortes da Europa, tendo como paradigma Madame de Pompadour, amante de Luís XV; apesar das suas posições nas cortes serem irregulares - ou talvez por isso - exerceram enorme poder. A influência de Charlotte sobre Wilhelm parece ter sido muito benéfica, além de o recomendar a amigos e correspondentes, que iam de Frederico II até à Princesa Johanna Elisabeth de Schleswig-Holstein-Gottorf, a mãe de Catarina II da Rússia[104].
 
Uma amizade cultivada por Wilhelm e por Charlotte foi a de Voltaire: foi provavelmente esta amizade que fez interessar o erudito Ochwadt pela figura de Wilhelm zu Schaumburg-Lippe[105]. Os jovens irmãos Lippe tinham encontrado o grande escritor setecentista francês em Leyden em 1740 quando ele estava a tratar da publicação do “Anti-Maquiavel” de Frederico II. Pode-se encontrar em Klein[106] a referência a esses primeiros contactos de Wilhelm com o filósofo de Ferney, mas o Tenente-general cita exaustivamente Ochwadt, assim que para o leitor interessado deverá ser a obra deste a consultada. Só que esta obra foca mais Voltaire como personagem central, do que o futuro Conde reinante - as duas curtas visitas (Dezembro de 1740, Outubro de 1743) que realizou ao palácio de Bückeburg decorreram na ausência de Wilhelm que, quando Voltaire o encontrara em Leyden, ainda era tão só um jovem de dezasseis anos. Os contactos pessoais mais prolongados entre os dois ocorreram já com Wilhelm Conde reinante, numa longa estadia deste em Berlim em 1750. Tiveram lugar em casa da Condessa de Bentinck, que era íntima e confidente de Voltaire[107] mas, como diz Klein, embora as suas conversas filosóficas levassem a uma durável admiração mútua, Wilhelm nunca deixou de manter uma certa distância relativamente ao escritor francês, reservando-se totalmente a liberdade de o criticar[108].
 
 
Outras fases da juventude de Wilhelm - as suas estadias de aprendizagem em Genève (1735-40) e em Leyden (1740-2), são mais desleixadas pelos seus biógrafos, embora haja escritos e correspondência que as documentam. Em 1742, assentou praça em Londres nos 1st Guards, mas a morte de seu irmão Georg num duelo na Holanda, fez com que Albrecht convocasse para Bückeburg o seu filho mais novo, agora único herdeiro do condado. Ambos participaram na batalha de Dettingen[109], pois Albrecht era tenente-general ao serviço da Holanda e quis dar a conhecer a seu filho um campo de batalha, mas sob a sua supervisão, de forma a não correr grandes riscos. Os anos seguintes foram gastos em viagens e estadias de prazer em Londres e Viena, que não o prestigiaram muito, mas em que tratava de dissipar a irrequietude juvenil. Em 1745 participou como voluntário na campanha de Itália, à revelia de seu pai (que não queria que este seu único herdeiro morresse também de morte violenta) - sobre essa campanha escreveu o seu próprio relato[110]. Enquanto em Itália visitou frequentemente o seu tio-avô (irmão de sua avó materna a Duquesa de Kendal), o Marechal ao serviço de Veneza Johann Matthias, Conde de Schulenburg, que lhe falou das suas campanhas do norte da Europa de princípio do séc. XVIII, bem como contra os turcos em defesa desta República. Ter-lhe-á referido a organização das milícias de Veneza, que também viriam a inspirar Wilhelm nas suas concepções de defesa[111].
 
 
Finalmente um tema já atrás abordado a propósito da curta biografia da autoria de Ludwig Keller: o da participação do jovem Lippe na maçonaria. Este tema foi naturalmente ignorado pelos biógrafos do período nazi, dado que Hitler e os seus sequazes consideravam os maçons, tanto como os judeus, inimigos da raça alemã[112]. Curiosamente nem Schmalz, nem Varnhagen, que provavelmente também era maçon, se referem à filiação de Wilhelm, eventualmente para não desvendar a secreta participação deste outro “irmão”. Quem refere a ligação dos Schaumburg-Lippe à maçonaria é, pasme-se, o nazi da família, o Príncipe Friedrich Christian[113]: claro que só vai divulgá-la em 1960, quando a censura nazi desaparecera[114]. A referência é a um jantar em 1738 ao qual Wilhelm acompanhara seu pai, o Conde Albrecht Wolfgang, que nele fizera tal apologia da maçonaria perante o jovem Frederico II, então ainda só Príncipe Herdeiro da Prússia, que este pedira para “entrar para uma associação que contava entre os seus membros tais homens amantes da verdade”, o que de facto teve lugar muito pouco tempo depois[115].
 
 
Governo de Schaumburg-Lippe
 
 
Se Schmalz oculta a participação de Lippe na maçonaria, ocupa uma boa parte da sua narrativa, que foi a primeira publicada sobre o Conde reinante, com a gestão de cariz humano - política e económica - que Wilhelm imprimira ao seu Condado, logo a seguir à morte de seu pai em 1748, gestão que não envergonharia qualquer maçon que prezasse a fidelidade aos princípios da irmandade. Schmalz valoriza de facto muito mais os aspectos não militares de Lippe quando afirma: “É só conhecido como cabo de guerra. Achei assim que não assumia tarefa supérflua ao falar dele como Regente e homem, e ao expor alguns dos traços mais distintos do seu carácter, que tenderiam a não ser reconhecidos; os de Regente, dada a reduzida dimensão do território que dominava, e os humanos, (habitualmente) menos destacados nos destinos dos grandes”[116].
 
 
Assim, como Regente, escolhia ele próprio os seus colaboradores de acordo com as suas capacidades, sendo avesso a quaisquer nepotismos ou favoritismos[117], que nos sistemas despóticos, mesmo nos iluminados, eram bastante comuns. Segundo Schmalz apesar dos investimentos que fez - sobretudo em edifícios, e na ilha e forte de Wilhelmstein - nem sobrecarregou os seus súbditos com novos impostos, nem deixou o Condado sobrecarregado com dívidas[118]. Numa tradição mercantilista que ainda não se apagara na Europa, promoveu o fomento industrial do Condado - o objectivo não era criar um espaço económica e fiduciariamente independente, mas antes contribuir para a fixação de uma população que, sem meios de subsistência, emigraria facilmente para estados vizinhos que estivessem em melhores condições económicas.
 
 
Financiou pois em Bückeburg a implantação de uma fábrica de seda, que não teve o sucesso que se esperava por razões extrínsecas; para além da seda havia lá também uma fábrica de linho, e uma fiação que dava trabalho a mendigos que o quisessem[119]. Promoveu a instalação de um pilão para ferro, bem como de fornos para o fabrico de tijolos, para que o Condado não tivesse de importá-los[120]. Instalou também em Bückeburg uma fundição de artilharia com grande número de operários, onde os canhões resultavam da perfuração por uma máquina dos tubos previamente fundidos; essa máquina seria uma invenção do próprio Marechal-General. Em Schaumburg-Lippe foram produzidos um considerável número de bocas de fogo, inclusive para as armadas e exércitos britânico e português[121].
 
 
Quanto à agricultura, para além das iniciativas de drenagem de zonas pantanosas comuns a muitos destes pequenos territórios independentes alemães, de modo a aumentar a área cultivável, tomou Lippe a iniciativa de colonizar as áreas florestadas com veteranos da sua força de defesa, a quem ofereceu casa, gado e pasto - diante da casa era colocada uma tabuleta que explicava porque é que aquele ex-soldado tinha sido premiado. Também para fomento pessoal dos agricultores, acabou com os vestígios de trabalho não remunerado que ainda restavam da antiga servidão[122]. Por outro lado arrendou a lavradores terras do estado previamente arrendadas a funcionários que não as trabalhavam directamente; a estes lavradores premiou depois com verbas em dinheiro ou medalhas, conforme o maior ou menor sucesso na exploração dessas terras[123]. Tudo medidas como se vê bastante revolucionárias, mas que por outro lado terão desafectado os privilegiados[124].
 
Claro que por trás de todas estas medidas de fomento económico e social do Conde de Lippe, estava uma obsessiva intenção de assegurar a sobrevivência do seu pequeno estado através da compensação daqueles que se comprometessem com a sua defesa. Daí os benefícios dados aos veteranos do pequeno exército do condado, e a divulgação pública desses mesmos benefícios; a colonização era importante, mas a prioridade dada a colonos que já tivessem sido soldados era igualmente importante, por um lado porque os premiava com terras, por outro porque se a integridade dessas terras fosse posta em causa por inimigos externos, os ex-soldados lavradores estariam em melhores condições que ninguém para se defenderem[125].
 
 
Guerra dos Sete Anos[126]
 
 
Na véspera do desencadear da guerra, em 28 de Agosto de 1756, o Conde reinante de Schaumburg-Lippe fechou um tratado com o estado de Hannover para o fornecimento de tropas[127]. Comprometia-se a fornecer um batalhão de infantaria de linha de 800 homens; em Abril de 1757 esse número foi aumentado para 1.200, que incluíam um corpo de artilharia e engenharia, um esquadrão de Karabinier (tratava-se de uma força híbrida de cavalaria ligeira e pesada - armada com couraça), e uma companhia de caçadores. Este grupo de cavaleiros e infantes ligeiros fora treinado para combater em conjunto, sobretudo em missões de exploração, e representava só por si um conceito táctico avançado para o seu tempo[128]. O corpo de 1.200 homens era comandado pelo Cor. Böhm, que depois acompanhará Lippe a Portugal[129]; Lippe não comanda as suas tropas - que de resto actuam parceladas - mas acompanhará o alto comando do exército aliado, sem exercer ele próprio quaisquer comandos.
 
 
É assim que em 1757 proporá ao Duque de Cumberland um plano de oposição às forças francesas que avançavam para ocupar a Baixa Saxónia[130]. Esse plano, prevendo uma defesa em profundidade[131], nem sequer é considerado por Cumberland, que dá sem delongas batalha em Hastenbeck, sobre o rio Weser, e é derrotado. A Baixa Saxónia é ocupada, incluindo Schaumburg-Lippe - o exército recua para uma linha defensiva sobre Hamburgo, e Cumberland é afastado e substituído pelo Duque Fernando de Brunsvique, que servira Frederico II como tenente-general, e por ele vinha recomendado. Achando que dado o pouco território disponível para quartéis de inverno, este não assegurava abastecimentos suficientes para o exército aliado, decidiu por isso tudo arriscar numa imediata ofensiva de inverno. Esta ofensiva, contra os costumes da época, surpreendeu os franceses: em Março de 1758 o território perdido tinha sido recuperado, embora o Condado de Schaumburg-Lippe ainda continuasse por mais anos a ser sacrificado por saques de inimigos, e requisições de amigos.
 
 
Lippe continuava sem que lhe fosse atribuído um comando. Em 10 de Outubro de 1758, na 1ª Batalha de Lutterberg, colaborou com risco de vida na retirada da artilharia que ainda não estava sequer sob o seu comando. Mas também apresentou queixa contra o Tenente-general von Oberg, pois tendo-lhe sugerido que não desse batalha diante da ponte sobre o Werra, em Münden, por se tratar de um espaço demasiado estreito para permitir uma retirada, se se tornasse necessária, e que em vez disso utilizasse o rio como defesa natural, Oberg se recusara a dar-lhe ouvidos, o que teve efeitos perniciosos - como resultado disso o comando foi retirado a este general. Era certamente a factos como estes que seu primo Phillip Ernst se referia quando evocava as susceptibilidades feridas na Guerra dos Sete Anos.
 
 
Em 18 de Maio de 1759 o Conde reinante de Schaumburg-Lippe e o Duque Fernando de Brunsvique, comandante do exército aliado, confirmaram o tratado de cedência de tropas pelo condado. Não se sabe a data exacta em que o Conde reinante foi nomeado comandante da artilharia - General feldzeugmeister - do exército aliado, mas como ocorreu pouco depois, é possível que os dois factos estejam relacionados. O certo é que logo em 1 de Agosto desse mesmo ano, na batalha de Minden, Lippe pôde confirmar a sua grande habilidade e sabedoria de artilheiro. Dispondo de um número de bocas-de-fogo relativamente superior ao inimigo (177 contra 162), ele soube dispô-las e utilizá-las de forma a ter sido um dos factores decisivos da vitória. Só que, mais uma vez, entrou em conflito com um dos comandantes de corpo de exército, o General de Infantaria de Hannover Georg von Wangenheim (1706-1780): o conflito era sobre a disposição e objectivos da artilharia atribuída ao corpo de exército deste General de Infantaria, artilharia que recebeu dele e de Lippe ordens contraditórias. No dia anterior à batalha, Fernando recebeu quatro queixas por escrito de Wangenheim e pôs a hipótese de intervir para congraçar os dois - tratava-se na opinião do Duque de pequenas divergências de pormenor; finalmente resolveu deixar correr as coisas. Para Hans Heinrich Klein a actuação de Lippe é criticável, na medida em que desleixou o comando geral da artilharia, para intervir directamente no comando da artilharia do Corpo de Wangenheim, mas com o vitorioso sucesso final, esse aspecto foi esquecido[132]; no entretanto as susceptibilidades contra o Conde reinante iam-se acumulando.
 
 
Entende-se que os oficiais engenheiros saíssem frequentemente dos quadros da artilharia. Quando se tratava da guerra de posição, as tarefas de artilheiros e engenheiros, embora antagónicas, eram da mesma área - aos artilheiros competia posicionar e proteger a artilharia de assédio, aos engenheiros criar as fortificações contra essa artilharia. Ambas as funções exigiam profundos conhecimentos de balística e a correspondente preparação físico-matemática. Ora é exactamente esse tipo de cultura científica que Lippe dominava, o que o tornava ideal para comandar o assalto a praças-fortes, ou para organizar campos fortificados. O Tenente-general do Brunsvique Barão de Imhof (1702-1768) era um oficial de infantaria que não tinha esse tipo de cultura - assim, ou por ignorância, ou por falta de iniciativa, o cerco a Münster de que fora encarregado em meados de Agosto de 1759, não andava para trás nem para a frente. Lippe, que entre 4 e 11 de Setembro cercara, bombardeara e obtivera a rendição do castelo abaluartado de Marburg (castelo medieval reforçado com cinturas abaluartadas), foi mandado pelo Duque Fernando para Münster em 5 de Novembro, para conseguir a rendição da cidade. Tinha um comando independente, mas em coordenação com Imhof, a quem não se quisera fazer perder a face, e que ficava agora no comando das forças de protecção às tropas de assédio, para evitar que o comandante-chefe francês tentasse fazer levantar o cerco. Mais uma vez houve colisões entre Imhoff e Lippe; mais uma vez temos um general de cinquenta e sete anos a ser desautorizado por um jovem de trinta e cinco; mais uma vez resultam susceptibilidades feridas. Mas a 20 de Novembro a cidade capitulava, e os burgueses libertados e agradecidos faziam pintar por Ziesenis um quadro do Conde reinante que ainda hoje se conserva na Câmara Municipal de Münster.
 
 
Ora o sucesso ou insucesso de um cerco não era exclusiva responsabilidade do comandante das tropas sitiantes. Se a evolução estratégica envolvente não fosse favorável, o sítio poderia chegar ao ponto de ter de ser levantado. Foi isso que aconteceu nos dois últimos comandados pelo Feldzeugmeister: o de Wesel em Setembro/Outubro de 1760, e o de Kassel em Fevereiro/Março de 1761; para ambos escreveu Lippe memórias justificativas dos insucessos: “Mémoire relatif au siège de Wesel en automne 1760”[133] e “Mémoire abrégé de ce qui s’est passe au siège de Kassel en 1761, depuis l’ouverture de la tranchée jusqu’au 28 Mars de Mars, jour de la levée du siège”[134]. Em Wesel, a derrota do Príncipe herdeiro do Brunsvique pelo Tenente-general de Castries[135], em Kloster Kamp, vinte quilómetros a sudoeste da praça, forçara este exército aliado a retirar-se e o Conde de Lippe a levantar o cerco. Em Kassel, a deficiência de efectivos, e as baixas temperaturas com que o Duque Fernando contara para gelar e consolidar trincheiras e posições de tiro, não foram suficientemente baixas, e resultaram em chuvas e lama, que impediram qualquer fortificação apressada do campo sitiante - o cerco acabou por ter de ser levantado. Nas “Mémoire …” para além de uma preocupação justificativa, há também claramente uma didáctica: para se entender Lippe, o comandante operacional ou o pensador militar, não se pode ignorar o mestre. A maior herança que deixou foi provavelmente a didáctica - foi também a que angariou maior respeito pela sua memória.
 
 
Porque achava que os erros, sobretudo os estratégicos, se pagavam caro, era intransigente com a mediocridade - daí o ferir de susceptibilidades que, acumuladas, lhe vão tornar a vida difícil entre os generais do exército aliado; assim, não se sabe exactamente quando, ou porque razão específica, vai abandonar o comando da artilharia aliada ainda no ano de 1761. Exercerá ainda essas funções na batalha de Vellinghausen com bons resultados mas, segundo Klein, sem o sucesso espectacular de Minden[136]; colaborou ainda no mesmo ano como engenheiro das fortificações das cidades de Minden e de Hameln, mas aí acaba a sua participação no teatro alemão da Guerra dos Sete Anos. O passo seguinte será investigar como é que, apesar de não ter saído em glória do exército aliado, ele vai ser mesmo assim recomendado para generalíssimo do exército português.
 
 
Defesa de Portugal
 
 
De facto, que tinha Wilhelm de Schaumburg-Lippe a seu favor? Recapitulemos: Em 1762 o Conde reinante embora tivesse atingido os trinta e oito anos, não tivera uma correspondente carreira militar regular, e a sua experiência em posições de comando independente era reduzida[137]: comandara com sucesso os cercos de Marburg e Münster, com insucesso os de Wesel e Kassel; embora subordinado ao comandante-chefe Duque Fernando de Brunsvique, tivera também actuação decisiva como comandante da artilharia campal na batalha de Minden, e menos decisiva na batalha de Vellinghausen. Quando Lippe foi nomeado marechal-general, já se encontrava em Portugal, no comando do corpo expedicionário inglês, o veterano General Lord Tyrawley (1682-1774), mas a extensão do seu comando ao exército português não foi aceite pelo governo de D. José. Todo este processo da rejeição de Tyrawley, e da selecção de Lippe, exige uma investigação mais profunda, através da correspondência triangular Lisboa - Londres - Bückeburg, e de comentários coetâneos, que explique esta escolha, providencial nos resultados, mas pouco lógica nas causas.
 
 
Quando Lippe chega a Portugal em 3 de Julho de 1762, já uma coluna inimiga tentara penetrar da fronteira trasmontana até ao Porto, tendo sido travada pela acção das ordenanças[138]. Christa Banaschick teve o cuidado de consultar no jornal oficial espanhol - a Gaceta de Madrid - as notícias sobre esta primeira incursão e descreve-a assim[139]:
 
 
“O Marquês de Sarria viu-se antagonizado por um fenómeno que até aí lhe era desconhecido. As suas tropas eram aqui submetidas a uma nova forma de combate à qual não sabiam reagir, habituadas como estavam às rígidas formas da táctica linear. Camponeses armados subiam em grande número às colinas ou a posições estratégicas, ao sinal das suas trompas, e faziam emboscadas aos espanhóis que avançavam. Construíam obstáculos artificiais com árvores derrubadas e disparavam de todos os lados contra os inimigos assim imobilizados (1762 VI 15). Não só com espingardas, mas também com piques, machados, paus, estacas e pedras e todos os objectos disponíveis e próprios para a defesa, carregavam os camponeses sobre os espanhóis (1762 VII 27). Capturavam os transportes de alimentos e a bagagem, e escondiam os seus na montanha, de maneira que o abastecimento local, mesmo que generosamente pago, se tornou insuficiente para os espanhóis (1762VII 13).
 
Os soldados espanhóis nunca sabiam quando contar com esta actividade de guerrilha[140] dos súbditos portugueses. Mesmo quando aldeias inteiras tinham prestado juramento de fidelidade ao rei espanhol, depois da entrada dos espanhóis, rebelavam-se mal eles saíam. O Coronel O’Reilly[141] procurou vezes seguidas dominar com expedições punitivas contra os lugares portugueses este perigo imprevisível que corriam as suas tropas. Mas os camponeses que aprisionava eram os inofensivos. O’Reilly prometia aos prisioneiros libertá-los desde que contribuíssem para que as armas nas suas aldeias fossem entregues (1762 X 5). Mas as suas promessas não serviam de nada. A maioria dos camponeses tinha-se escapulido para a montanha, de tal forma que as expedições punitivas falhavam o seu efeito intimidante (1762 VII 13).
 
Se um soldado espanhol caísse nas mãos destes camponeses corria o risco de o mutilarem de nariz e orelhas (1762 VI 22). Böhm[142] dá notícias de desertores que se escondiam durante o dia com medo dos portugueses, e só à noite prosseguiam o seu caminho para o quartel-general, para não cair nas mãos dos camponeses. Meios mortos de fome e desfalecidos só atingiam o acampamento ao fim de muitos dias.
 
Há registo desta guerrilha dos camponeses portugueses em todos os meses de guerra até à retirada dos espanhóis”.
 
Mas Lippe não terá então reconhecido o potencial desta guerra popular, nem a capacidade das ordenanças de combaterem sob chefias próprias. A formação do Conde reinante só lhe permitia por então entender esta guerra popular desde que fosse sob o comando de profissionais vindos de fora - no caso o Coronel O’Hara, filho ilegítimo de Lord Tyrawley[143]. Só assim entendia Lippe que uma grande concentração de ordenanças em Vila Nova de Foz Coa tivesse impedido o Marquês de Sarria de atravessar o rio e penetrar na Beira Alta. Para Klein, que sobre Christa Banaschik tem a vantagem da sua experiência militar, a indiferença de Lippe não faz dúvida[144]. Perante a impossibilidade, que consciencializara imediatamente após a sua chegada, de ser impossível em tempo útil pôr o exército português capaz de dar batalha ao inimigo em campo aberto, a estratégia de Lippe será aproveitar a irregularidade do terreno ao norte do Tejo e utilizá-la como defesa natural, recorrendo não a acções de grande envergadura, mas utilizando poucos efectivos - sobretudo as unidades do corpo expedicionário inglês - em golpes de mão, entre os quais o realizado pelo Brigadeiro Burgoyne já dentro de território espanhol, sobre Valência de Alcântara[145], que será o paradigma deste tipo de acções. Esta guerra, que será designada por “guerre de chicane”[146], permitirá ao Marechal-General impedir que qualquer força inimiga atingisse Lisboa, objectivo estratégico final da aliança franco-espanhola.
 
 
A bibliografia alemã sobre as operações de 1762 em Portugal não nos traz muito de novo, mas, para além das novidades da Gaceta referidas por Christa Banaschik, foi esta historiadora alemã a primeira a utilizar em obra de grande fôlego o Arquivo do Conde de Lippe depois da sua devolução a Portugal em 1948[147] - desconhece-se que depois dela este arquivo tenha sido muito utilizado. No que diz respeito ao trabalho do Ten.Gen. Klein, é sempre benéfica uma análise concisa dum teatro de operações por um oficial de E.M. que, para além do mais, teve larga experiência operacional e, inclusive, conhecimento directo da guerrilha contra as tropas alemãs, na rectaguarda da frente russa e nos Balcãs.
 
 
A reforma do Exército Português
 
 
Mas a grande obra de Lippe, aquela pela qual será de facto recordado entre nós, foi a reforma do Exército Português. Em 1708, a reboque das deficiências detectadas na Guerra da Sucessão de Espanha, o Exército Português sofrera durante esta guerra uma profunda remodelação, a que correspondeu a publicação do correspondente manual. Trata-se de uma obra hoje em dia relativamente rara[148], que por isso descreverei a partir do exemplar que possuo: um volume in-8º pequeno, de 188 pp., intitulado Regimento em que se da nova forma à Cavallaria, Infantaria, com augmento de soldos para todos os Cabos, Officiaes, & Soldados, & disposiçaõ para o governo dos Exercitos assim na Campanha, como nas Praças, Lisboa: Na Officina de Antonio Pedrozo Galram, Anno M. DCCVIII (traz em anexo mais 14 pp. contendo o Alvará com os 42 artigos de guerra). Fora este regulamento de 1708, nenhum outro oficial[149] fora publicado até à chegada do Conde de Lippe.
 
 
De facto deparou-se este com uma total desorganização - nem sequer o pouco que estava regulamentado se cumpria. Assim a sua primeira preocupação foi determinar um número mínimo de regras para o serviço diário do exército. Para isso foi inspirar-se no regulamento que tinha publicado para a sua guarda ainda antes da guerra[150] e fez publicar as Instrucções Geraes do serviço diário para o exercito[151]. Na impossibilidade de comparar pessoalmente as Instruções com os Verhaltungs-Befehle, vou utilizar as comparações de Christa Banaschik. Segundo esta autora para os artigos I a IV sobre os deveres e funções diárias dos vários oficiais, desde generais, a coronéis, sargentos-mores (majores), capitães e subalternos, seguiu Lippe as suas instruções originais[152]. Os artigos V a IX referiam-se de forma geral à logística, deslocação e acantonamento das formações militares, e tinham uma preocupação subjacente de obstar à deserção de efectivos, mal demasiado comum aos exércitos desta época[153]. As regras ditadas pelas Instrucções Geraes foram criticadas não muitos anos passados sobre a sua promulgação por serem demasiado gerais - mas será também essa característica que as manteve como substracto do Regulamento Geral do Serviço do Exército quase até aos nossos dias[154].
 
Claro que estas determinações emitidas com urgência em 1762, ainda antes da paz ter sido acordada, não eram suficientes para a profunda reforma que o Marechal General se propunha realizar no exército português, cujo comando lhe tinha sido atribuído com total latitude e poderes para essa reforma. Apesar da oposição da alta nobreza, que até aí ocupara posições de comando não supervisionado[155], e que se via agora afectada nos seus longos hábitos de abuso e desmazelo, Lippe meteu mãos à obra, e para isso instalou-se longe do bulício e intrigas da corte em Vila Viçosa. Aí começou por elaborar um complemento pormenorizado às Instrucções Geraes [12], um regulamento destinado à Arma de Infantaria - mas a alteração de estrutura que promoveu não corresponde segundo Christa Banaschik ao modelo prussiano. De facto Lippe não servira no exército prussiano e, embora tivesse grande admiração pelo exército do seu primo, considerava as condições e objectivos deste completamente diferentes das do exército português[156]. Uma coisa é certa: desde Frederico Guilherme I que o exército prussiano dispunha de um regulamento para a infantaria (1718)[157]; ainda no reinado deste soberano, pai de Frederico o Grande, saiu nova edição deste regulamento (1726), que é acessível através da edição facsim[158]. Mas o regulamento que influenciou de forma maior ou menor todos os exércitos europeus foi o primeiro de Frederico II (1743)[159] reeditado em 1750[160]. Segundo Klein[161], os artigos XVII a XXIII do Regulamentode Infantaria [10] são retirados do regulamento prussiano de 1743; o Príncipe de Ligne foi mais longe ao considerar que o Regulamento [10] não era mais que “une espèce de traduction de tous les réglements”[162]. Se dispusermos dum exemplar do Regulamento [10], poderemos dedicar-nos à tarefa minuciosa de comparar o seu texto com o do Reglement Vor die K. P. Infanterie [159], e avaliar estas opiniões, bem como as referências de Banaschik, no que respeita à maior importância dada à superior cadência de tiro do regulamento prussiano, sobre a maior precisão do tiro do regulamento lippiano[163] e ao retorno do pique[164] - de qualquer forma começa também aqui o feed back do Conde reinante. A nova matéria que introduziu no Regulamento [10], vai transcrevê-la na íntegra para nova versão dos Verhaltungs-Befehle vor die Officiere … [14]. Muito do que vai escrever e ensinar no seu regresso a Bückeburg, e depois na Academia de Wilhelmstein, serão os resultados da experiência adquirida em Portugal, ao confrontar os problemas do exército português, e ao reorganizá-lo, como ele diria, de fond en comble.
 
 
O Regulamentode Infantaria [10] continha no capítulo XXVI uma nova listagem de 29 “artigos de guerra” que substituíam assim os 42 listados no Alvará de 1710 que fora publicado anexo ao Regimento… de 1708, como já atrás se referiu. Segundo Christa Banaschik estes 29 artigos contêm a tradução praticamente integral dos 27 que constavam dos Verhaltungs-Befehle … [14] de 1754[165]. Ainda segundo esta historiadora havia algo de absolutamente novo nestes artigos: enquanto antes o decorrer dos processos disciplinares era deixado ao arbítrio dos juízes-auditores, passava agora a haver regras perfeitamente definidas para estes mesmos processos. Por outro lado um decreto de 21 de Outubro de 1763 determinou que os juízes-auditores das comarcas fossem substituídos nestes processos por um juiz-auditor adido a cada regimento. Estava assim criada a magistratura judicial militar que subsistiu até há poucos anos a esta parte[166].
 
 
Mas ambos, quer as Instrucções [12], quer o Regulamento [10], foram criticados, as primeiras pela brevidade, o segundo, por alegadamente se tratar só da tradução duns regulamentos do (2º)Duque de Broglie, um dos generais comandantes do exército francês na Alemanha durante a Guerra dos Sete Anos[167].  Trata-se dos comentários do Tenente-general Simão Fraser, oficial escocês ao serviço de Portugal, no manuscrito publicado pelo General Palmeirim [3], que prossegue então, criticando as incongruências e erros do Regulamento [10]. Dado estarem disponíveis online as várias instruções para a infantaria francesa (1753, 1754)[168], e os acrescentos e comentários do Duque de Broglie[169], o leitor curioso poderá tentar cotejá-los com o do Conde de Lippe, para confirmar ou desmentir a crítica de Fraser. O próprio Conde de Lippe considerou que o Regulamento [10] necessitava de aperfeiçoamento, e enviou assim de Bückeburg um complemento para o mesmo[170].
 
 
Toda esta reforma do exército tinha sido de qualquer forma feita à imagem política da época, ou seja esclarecida por um “despotismo iluminado” que para mais tinha lugar numa instituição em que especificamente a disciplina era uma condição sine qua non de eficácia. O topo da pirâmide assim estruturada não era o rei, mas o Marechal-General no qual ele tinha delegado todos os poderes castrenses, e para cujo posto tinha nomeado o Conde reinante a título vitalício - para mais vincar este poder castrense absoluto concedera-lhe o título de Alteza que entre nós era só privilégio dos príncipes do sangue. Com este tipo de estrutura militar, a actuação de um Comandante-chefe era ainda mais exclusiva do que nos casos em que os soberanos assumiam o comando supremo dos exércitos - Lippe sabia-o, e sabia também que se o sistema seria o ideal na sua presença, na sua ausência ficaria fragilizado. Assim contribuiu para que a direcção política do exército acabasse por ser exercida por Pombal, e para a direcção técnica deixou uma estrutura em que haveria um General no qual delegaria os seus poderes, e abaixo destes três generais, um para cada uma das armas, que seriam os responsáveis pela superintendência dos respectivos regimentos - o da Infantaria, o da Cavalaria e o da Artilharia (cada um dos quatro regimentos de artilharia incluía uma companhia com as várias especialidades da Engenharia). Mas para além destes três generais superintendentes das armas, deixava ainda um quadro de inspectores encarregados de verificarem ao nível das unidades a implementação das reformas decretadas, tendo sugerido oficiais que ele considerava mais capazes para estas missões - Mac Lean e Böhm, os Brigadeiros Marquês de Lavradio e António Furtado, os coronéis Conde do Prado e Freire de Andrade, e o Sargento Mor D. Joaquim de Noronha. Para que não houvesse dúvidas sobre as suas funções, publicou o respectivo regulamento[171].
 
 
No entanto talvez o maior problema com que Lippe se deparou foi o da má qualidade dos oficiais portugueses; quando na “Mémoire de la campagne du Portugal en 1762” ele descreve estes oficiais como citado na nota [18] está a fazer o retrato irónico da sua indisciplina[172], desmazelo e ignorância. Assim, quando a necessidade urgente de quadros exigida pela situação de guerra teve de ser resolvida, considerou ele que talvez fosse melhor recrutar oficiais estrangeiros, especialmente ingleses. Estes só passaram a estar disponíveis quando depois do tratado de paz de 1763 o corpo expedicionário britânico regressou a Inglaterra para ser em parte desmobilizado, obrigando assim boa parte dos oficiais a passarem à situação de reserva e correspondente pagamento de meio soldo. Uma vez assegurada a sua senioridade, e o reingresso nas suas unidades na eventualidade destas serem de novo recrutadas[173], esses oficiais estavam dispostos a servir no exército português; só que a Pombal não agradava muito essa solução, que na opinião dele aumentaria a nossa dependência da Grã-Bretanha[174].
 
 
Só restava assim, dado o desinteresse dos fidalgos, ir buscar quadros fora da nobreza. Para isso era preciso assegurar uma progressão de carreira conforme determinado no par.4 do cap. XIII do Regulamento … de Infantaria: “O accrescentamento dos Officiaes será sempre de gráo em gráo, sem excepção: de maneira, que nenhum Official será proposto para o gráo de Capitão, sem haver sido Alferes, e Tenente, tendo elles toda a applicação, zelo, e capacidade, que se requer para satisfazer as obrigações do posto a que aspirarem”[175]. Só o facto de ter de se publicar este princípio em letra de lei, mostra até que ponto o nepotismo e a corrupção se tinham generalizado no exército português. Os sete porta bandeiras que fazem parte do quadro orgânico das companhias de infantaria (um por companhia)[176], e os quatro porta estandartes do quadro orgânico dos esquadrões de cavalaria (um por esquadrão)[177] serão, segundo Christa Banaschik, os pretendentes não nobres à classe de oficiais[178]. De facto este posto existirá no exército português durante algum tempo e indica uma função que era tradicionalmente dos alferes; este antigo primeiro posto de oficial, agora sem funções de responsável pela bandeira, e à razão de um por companhia (de infantaria ou cavalaria), permanecerá concomitante com o de porta-bandeira (ou estandarte)[179]. Mas paralelamente aos porta bandeiras, existiam também os cadetes que eram jovens fidalgos candidatos a oficiais - Pombal era mais a favor de manter nobres no corpo de oficiais[180]; mas para isso era preciso erradicar a sua indisciplina, desmazelo e ignorância, era preciso educá-los: não é assim irrelevante que o ano da fundação do Real Colégio dos Nobres seja 1765, no ano seguinte à partida de Lippe para Bückeburg.
 
 
O que se aplica aos oficiais de cavalaria e infantaria, não se aplica aos de artilharia. Desde que esta deixara de ser corporação de ofícios, para se tornar arma integrante do exército - o que entre nós foi formalizado pela primeira vez com o Regimento em que se da nova forma … de 1708 - que os oficiais de artilharia obedeciam a requisitos diferentes, e tinham diferentes origens sociais dos restantes oficiais do exército (e da armada). À experiência profissional dos “mestres artilheiros”, e aos seus “segredos corporativos”, sucedera-se com o progresso das ciências nos séculos XVII e XVIII, o estudo físico-matemático da balística, com objectivos duplamente ofensivos (no posicionamento e manuseamento das bocas de fogo, na composição de pólvoras e selecção de munições), e defensivos (na construção de protecções provisórias - trincheiras, faxinas e gabiões - ou definitivas - fortificações abaluartadas). Mas a instrução dos técnicos de artilharia era ad hoc, e só com o Conde de Lippe ela se planifica e organiza - tratava-se, recordemos, do primeiro comandante supremo do exército que era ao mesmo tempo oficial de artilharia; de facto tal era também a sua maior experiência militar.
 
 
A primeira medida do Conde reinante foi a publicação logo em 1763 de um plano de estudos para os quadros de artilharia[181], que seria aplicado em aulas de artilharia dos quatro regimentos: Côrte, Estremoz, Algarve e Porto. A actividade didáctica deve ter prosseguido de forma viva e interessada, dado que para ela Lippe irá fazer publicar mais tarde uma obra de esclarecimento[182], e enviará um manuscrito ao Brigadeiro oriundo de artilharia Weinholtz, que este traduzirá[183], e que incluía uma "Memoria que contem alguns conhecimentos emdispençavelmente necessarios para apontar as peças de artilharia" (f. 1-26), depois publicada[184] - uma coisa é certa, quando em 1809 alguns dos oficiais ingleses que acompanharam Beresford no enquadramento do exército português[185] criticavam irritadamente os oficiais portugueses, aqueles que menos ou nenhumas observações lhes mereceram eram os oficiais de artilharia[186].
 
 
Mesmo para uma época de “déspotas iluminados”, Wilhelm zu Schaumburg-Lippe era um homem culto e muitíssimo lido; mas - o que era mais raro - possuía também a preparação em ciências aplicadas necessária a um oficial de artilharia e engenheiro militar. Com este tipo de cultura ecléctica não admira ele exigir aos seus oficiais que se cultivassem, e isso na proporção do seu nível na hierarquia militar: a um general deviam ser exigidos mais conhecimentos que a um coronel, a um coronel mais do que a um capitão. Uma carreira militar era também segundo ele uma carreira de educação permanente, e uma das suas constantes preocupações foi a elaboração de bibliografias para esse fim; em 1773 envia de Bückeburg as suas instruções sobre este tema, que só serão publicadas em 1782[187]; além dessas instruções envia ao brigadeiro Weinholtz o mencionado Compendio das diversas obras …, que continha uma lista de cerca de sessenta livros, que deveriam ser traduzidos[188]. Segundo Schmalz, já quando da sua primeira estadia em Portugal, ele dera a uma sociedade de eruditos ordem para fazerem traduções para português dos melhores textos em inglês, francês e alemão, e dessa forma disseminado “a alvorada do iluminismo em Portugal”[189].
 
 
O pensador e pedagogo militar
 
 
Em Setembro de 1764 o Marechal-General deixa Portugal. Desde este ano até ao da sua morte em 1777, salvo uma curta viagem de alguns meses a Portugal, Wilhelm de Schaumburg-Lippe dedicar-se-á a pôr em prática todas as ideias pelas quais será recordado, mais como estratega e organizador militar, do que propriamente como táctico.
 
 
A sua grande preocupação era a defesa, e a táctica defensiva imemorial das tropas apeadas em campo aberto era a do quadrado - com origens que se perdiam nas brumas da antiguidade clássica, sendo o testudo romano uma provável variante. Com o aparecimento do pique suíço, o quadrado tornara-se inclusive numa formação ofensiva, mas o aperfeiçoamento logo em seguida da arma de fogo individual[190], tornará obsoleta a táctica do quadrado como formação ofensiva - de facto a crescente cadência de tiro das armas de fogo exigia para optimizar o seu aproveitamento a formação em linha. A táctica do quadrado reverterá assim à sua função primitiva de defesa contra a cavalaria, e assim será utilizada nas guerras napoleónicas - mas a sua utilização ainda foi válida nas campanhas britânicas e portuguesas em África nos fins do século XIX, contra as aguerridas formações de infantaria zulu, vátua e afins.
 
 
A táctica lippiana é basicamente a da implementação e melhor aproveitamento do quadrado. O Conde reinante, que está a pensar em número reduzido de tropas (que era aquelas de que dispunha em Schaumburg-Lippe), considera o batalhão de no mínimo quatro companhias, e a companhia de quatro pelotões, a 27 homens cada um - os quadrados serão de companhias, em que cada um destes pelotões constituirá um lado, em 3 linhas (com 9 homens de frente). A novidade está em que ele pressupõe os nove homens da primeira linha armados de pique (para além do mosquete individual), o que implicava que um terço da companhia estivesse armado adicionalmente desta arma; por outro lado considera que as duas primeiras linhas deviam estar ajoelhadas, sendo que a segunda faria o carregamento dos mosquetes nessa posição (isso obrigava a mosquetes mais curtos, com a correspondente piora da pontaria), finalmente a terceira linha faria fogo de pé. A vantagem do pequeno quadrado (de companhia) era o permitir uma formação das companhias em xadrez, e uma progressão em cruz, a que Lippe chamou a “Cruz de Bückeburg”, que tirava o máximo partido das concentrações do fogo das armas ligeiras. O Conde reinante previa ainda a existência por companhia de quatro pequenas bocas de fogo, falconetes de reduzido calibre, que aumentariam com metralha e munições convencionais a potência de fogo de cada lado do quadrado desta sub-unidade. A manobra campal não seria assim a tradicional, da coluna de marcha para a linha ofensiva (a que Frederico II acrescentara a linha oblíqua), mas antes da coluna de marcha para os quadrados de companhia (a que Lippe chamou “carrés à feu de profondeur”), que avançariam inter-apoiando-se com fogos cruzados, e aproveitando ao máximo as irregularidades do terreno. Para exércitos de grandes efectivos esta táctica não vingou, provavelmente pela impraticabilidade de manobrar com uma miríade de pequenos quadrados, e não destronou também o mais comum quadrado de batalhão; também o nostálgico pique não voltou, a não ser na falta de armas de fogo, como último recurso para armar forças de segunda linha - milícias e ordenanças[191].
 
 
Mas o que realmente influenciou os seus discípulos foi a organização das estruturas de defesa e a sua concepção estratégica. Como Maquiavel, Lippe reage à tradição que, um pouco à maneira das cidades italianas da baixa idade média que entregavam a sua defesa aos condottieri e à sua tropa de mercenários[192], levara também as cidades alemãs a entregarem a sua defesa aos grupos de mercenários lansquenetes, como acontecera durante a Guerra dos Trinta Anos, com o resultado de serem devastadas por amigos e inimigos. Para o Conde reinante era uma “dégradation des lois de l’humanité” que os habitantes na guerra fossem testemunhas passivas dos seus destinos brutalizados. Era fundamental para ele que se envolvessem na sua própria defesa, embora reconhecesse que esse direito de se defenderem resultaria numa difícil obrigação, que levaria algum tempo a ser assumida[193]. Claro que a população em auto-defesa implicava também um conceito de “nação em armas”, a que correspondiam princípios democráticos inconcebíveis para a época - essa é a modernidade do pensamento lippiano, que ao prever a mobilização da população, vai ser inspiração dos reformadores da defesa da Prússia pós 1806, que a querem tornar capaz de resistir a outra nação em armas - a França revolucionária manipulada por Napoleão. É esse ideal lippiano de assunção pelo povo de papel decisivo na sua própria defesa, que os historiadores do período nazi vão falsamente utilizar como apoio histórico para o serviço militar obrigatório de 1935, cujo objectivo último era de facto o da agressão[194].
 
 
Já na sua biografia de 1783 referira Schmalz a constituição por Lippe de aldeias fortificadas no Wilhelmsteiner Feld, a charneca a sudoeste do lago de Steinhude[195], e foi essa uma das “mentiras” alegadas pelo Conde Phillip Ernst para desacreditar a obra do “candidato” de Göttingen[196]. Schmalz não tinha grandes noções de engenharia militar, e terá ouvido Scharnhorst falar do ensaio de fortificações para os habitantes dessa zona - daí até “aldeias fortificadas” a distância para um leigo não era grande. De facto o que se tratava era da tal defesa em profundidade a assumir pelos habitantes locais, de preferência os veteranos que o Conde reinante provera de casa e talhão de cultivo. Seria isso feito através de uma rede de posições fortificadas constituindo o que Lippe passa a designar por “contrée fortifiée”. Segundo Klein, Lippe não teria uma confiança irredutível nas fortificações abaluartadas convencionais[197], porque só dominavam o espaço imediato, podiam ser facilmente contornadas, e não limitavam a liberdade de movimentos do invasor; por outro lado eram facilmente sitiáveis, ou então tratava-se de cidades fortificadas cujos habitantes ficavam sujeitos aos bombardeamentos. A sua solução seria assim para a zona de fronteira (em profundidade), para os possíveis corredores de penetração, para os grandes aglomerados populacionais e para áreas de elevada fertilidade, o estabelecimento de áreas fortificadas: estas seriam constituídas por um xadrez de fortins, cada um guarnecido por 8 artilheiros e 16 atiradores, e rodeado de 11 posições fortificadas, que seriam guarnecidas cada por 2 artilheiros e 2 atiradores[198]. No exemplo dado, com 8 fortins, ter-se-ia assim um total de 544 efectivos, cujos fogos se intercalavam, de modo a cobrir toda a área[199]. Lippe teria ensaiado este tipo de fortificações no Wilhelmsteiner Feld, mas elas nunca foram postas à prova - como sempre estava muito à frente do seu tempo: de facto, no séc. XX, na I Guerra Mundial, mas sobretudo em preparação da Segunda, as linhas de fortificações (Maginot e Siegfried), e depois a Muralha do Atlântico, obedeceram esquematicamente à estrutura de fogos cruzados visualizada pelo Conde reinante.
 
 
Mas se por um lado táctica e estratégia do Conde de Lippe parecem estar um pouco condicionadas pela sua preocupação permanente de assegurar a independência do seu pequeno condado, já no que respeita à preparação de quadros militares ela ultrapassa qualquer limitação desse tipo. De facto as forças do Condado de Schaumburg-Lippe nunca foram muito superiores a 1.200 efectivos, mesmo nos períodos mais agudos da Guerra dos Sete Anos, e no fim desta foram radicalmente reduzidas (Hannover deixara de pagar os seus soldos). Desta forma, a academia militar que o Conde reinante institui no seu regresso de Portugal, e que acaba por ir ocupar o Forte de Wilhelmstein[200], não tinha como objectivo preparar quadros para as forças do condado, tinha antes como fim transmitir a futuros militares profissionais todas as suas ideias sobre defesa - eles iriam depois, segundo o costume do antigo regime, oferecer os seus serviços como oficiais aos vários exércitos que necessitassem de técnicos, e seriam deste modo os divulgadores dessas ideias.
 
 
A formação de oficiais nos exércitos setecentistas era frequentemente feita nas próprias unidades; de facto a generalização de academias militares públicas é sobretudo um processo napoleónico ou pós-napoleónico. Especialmente a formação dos oficiais da arma técnica - a artilharia (dado que a engenharia estava englobada neste corpo) - ocorria ao nível de aulas regimentais. Foi isso o que o Marechal General deixou entre nós, ao mesmo tempo que terá sido provavelmente inspiração e incitamento para Pombal na fundação em 1765 do Real Colégio dos Nobres, de onde se esperava saíssem os futuros oficiais de infantaria e cavalaria. Mas o Conde reinante, que tivera na sua juventude formação físico-matemática, em Genebra e em Leyden, tendo nessa altura como acompanhante entre os seus tutores um oficial de artilharia[201], queria organizar uma academia militar própria, com ênfase na educação intelectual e científica, mas também na formação moral e ética que ele considerava necessárias a um chefe militar.
 
 
Em 1783, ainda a academia não tinha sido extinta - o que acontecerá em 1787 com a morte do Conde Phillip Ernst-Schmalz faz-nos uma primeira descrição tão pormenorizada do seu funcionamento, que só podia resultar do relato do seu futuro cunhado Scharnhorst, que nela dera ingresso como cadete em 1773, para sair como “Conducteur” (aspirante a oficial de artilharia) cinco anos depois, em 1778 (um ano após a morte de Lippe). A escola era comandada por um Major - o francês L’Estienne, que tinha estado com o Conde reinante em Portugal - e compunha-se de sete divisões, cada uma comandada por um tenente, secundado por um segundo tenente, ou por um “Conducteur”. Cada divisão era por sua vez composta por um “Stückjunker” (provavelmente correspondente ao actual “Fahnenjunker”), um “Feuerwerker” (especialista em pólvora e munições), e alguns cadetes, mais quarenta soldados rasos; os cadetes exerciam as funções de sargentos. Quanto à admissão destes, “cada candidato era entrevistado pelo próprio Conde reinante … Nascimento nobre ou humilde, riqueza ou pobreza, não tinham qualquer influência. Os próprios cadetes recebiam soldo, e a sua leccionação era gratuita”[202]. Na selecção dos cadetes o que interessava a Lippe era se eram ou não material para oficial - qualidades humanas de honra e inteligência, capacidade de liderança, espírito de equipa.
 
 
O currículo incluía “matemática pura e aplicada, arte civil da construção, física, história natural (biologia e geologia), economia, geografia, história - sobretudo história militar - e, para além disso, as ciências propriamente militares, táctica, artilharia e fortificação. Havia ainda ensino individual de línguas, matemática e desenho. O livro de texto básico era o Cours de Mathematique de Belidor[203]. Cada oficial estava encarregado da leccionação de uma ciência … “[204]. “O Conde reinante promovia ele próprio muitas vezes exames. Sem aviso prévio, pedia explicação e demonstração de algumas partes do Belidor. Nesses dias eram também exigidos aos alunos desenhos sobre problemas tácticos ou matemáticos, ou composições em alemão ou francês. Aqueles que se distinguissem, eram promovidos, e premiados com aumento de soldo, presentes ou medalhas cunhadas para esse fim”[205].
 
 
A escola militar de Schaumburg-Lippe iniciou-se em 1767, teve o seu período florescente durante a vida do Marechal-General († 1777), sobreviveu mais dez anos, em vida do seu sucessor Conde Phillip Ernst (que também fora militar, comandante das forças do Príncipe Eleitor Arcebispo de Colónia), e foi extinta depois da morte deste, em 1787. Durante estes 21 anos aceitou 44 cadetes, dos quais 6 desertaram, 3 não chegaram a oficiais, 11 chegaram a Leutnant (alferes), 22 atingiram postos desde Oberleutnant (tenente) até (Oberst) coronel em vários exércitos alemães e estrangeiros. Os dois mais bem sucedidos foram Scharnhorst, e o seu camarada e amigo, Tenente-general Heinrich Wilhelm von Zeschau, Chef der Geheimen Kriegskanzlei (Ministro da Guerra) da Saxónia[206]. Os resultados não parecem muito espectaculares, embora não tenhamos termos de comparação de outras academias; não nos devemos esquecer no entanto que desta escola saíam oficiais de artilharia e/ou engenheiros, e nem uns nem outros alcançavam até então posições destacadas nos exércitos do antigo regime - como se tem vindo a dizer, o sangue (azul) tinha larga precedência sobre o intelecto. A situação alterou-se no período napoleónico - de resto Napoleão era como é sabido oficial de artilharia.
 
 
O exército de Junker (oficiais nobres) moldado por Frederico II da Prússia que, sob o comando deste cabo-de-guerra genial, o ajudara a consolidar o seu Reino, fora depois completamente derrotado em 1806. A salvação desse exército, e da nação que ele encarnava, estava agora nas mãos de oficiais burgueses que Frederico desprezara: Scharnhorst (filho de um ex-sargento de cavalaria), Gneisenau (filho de um subalterno de artilharia saxão, de nobreza duvidosa), Clausewitz (filho de um funcionário das finanças). Dado que não conseguiriam promoções através do nepotismo de casta, trataram de as conseguir pelo aperfeiçoamento profissional - Scharnhorst nos últimos anos da frequência da escola de Lippe, chegara a Conducteur, e já leccionava - prosseguiu depois no ensino em Northeim, quando aspirante nos Dragões d’Estorff. Em 1782 foi transferido como segundo tenente para a artilharia de Hannover, em que serviu até 1793, e onde começou a publicar o periódico Militärbibliothek - de 1782 a 1793, tendo-se tornado num conhecido publicista de temas militares[207]; em 1793 partiu para a frente da Flandres no comando duma bateria a cavalo[208]. Gneisenau, oficial de infantaria, foi sobretudo um autodidacta nas ciências militares - não teve qualquer preparação académica, à parte um ano perdido na Universidade de Erfurt, ainda antes de assentar praça como soldado raso, e depois como oficial de infantaria, na América e na Alemanha. Enquanto estava de guarnição na Silésia, estudou intensivamente línguas e as ciências militares; mas foi sobretudo a reputação que ganhou em campanha, em Jena e Auerstedt, e depois no comando da defesa de Kolberg, que levaram Scharnhorst a chamá-lo para a Comissão de Reorganização Militar em 1807, de cujo trabalho, em perfeita cooperação dos dois, viria a resultar o novo exército prussiano. Quanto a Clausewitz[209], ele será o discípulo dilecto do Tenente-coronel Scharnhorst no primeiro ano (1801) em que este foi director da escola de oficiais de infantaria e cavalaria em Berlim; depois de ter combatido em Jena e Auerstedt, foi promovido a Major em 1810, e começou logo a leccionar na Escola de Guerra fundada em Berlim nesse ano por Scharnhorst; curiosamente era “a pequena guerra” a matéria por ele leccionada[210], ou seja a guerra das patrulhas e golpes de mão, das pequenas formações de infantaria e cavalaria regulares (mas também irregulares), por contraste com “a grande guerra” das grandes formações em batalhas campais ou de posição. Ora o Conde de Lippe tivera boa experiência da “pequena guerra” em Portugal, e certamente que a transmitira a Scharnhorst, e indirectamente a Clausewitz. De qualquer forma a estratégia do Conde reinante era sobretudo de “pequena guerra”, e teve, como já vimos, importante influência nos reformadores do exército prussiano.
 
 
Forte da Graça e Wilhelmstein
Independentemente da eventual falta de confiança de Lippe nas grandes fortificações abaluartadas aventada pelo Ten. Gen. Klein e já referida[211], o que é certo é que ele próprio planeava e dirigia essas construções. Assim a sua última actividade da Guerra dos Sete Anos foi o melhoramento das fortificações de Minden e Hameln.
 
 
Para além do conhecimento de Portugal nas áreas em que a guerra lho exigira, mas que no fundo foram tão só as da Beira Baixa, Ribatejo e Alto Alentejo, o Marechal-General antes de regressar à Alemanha em 1764 fizera uma visita ao território português, para se poder aperceber in loco das necessidades da defesa do país. Pôde assim saber das vias de penetração, desde os vaus do rio Minho, especialmente do de Tui-Valença, da veiga de Chaves, e do corredor da Beira Alta; embora as fortificações de Valença e Almeida se pudessem melhorar, o corredor do Alto Alentejo era aquele que ele considerava mais exposto, e era também o mais perigoso, porque permitia mais rápido acesso a Lisboa e, em princípio, quem dominasse Lisboa, dominava o país.
 
 
Ora o corredor do Alto Alentejo tinha uma esplêndida base de apoio para o invasor - as fortificações de Badajoz - a que do nosso lado só podíamos opor Elvas; só que esta se tratava de uma cidade fortificada, com todas as fragilidades dum reduto desse tipo, implicando o risco de bombardeamento de populações civis, e a existência de ligações familiares e outras, que comprometeriam por certo o moral dos soldados da guarnição quando sitiados. Por outro lado qualquer bom táctico, com avaliação intuitiva de terreno, detectava logo a norte uma elevação que seria não só posição ideal para tiro de artilharia sobre a cidade, mas também de observação directa da eficácia do mesmo, em caso de assédio[212]. Era assim absolutamente necessário impedir um inimigo de instalar as suas baterias no alto da colina - o que de resto já acontecera - não sendo a capela de Nª Sra. da Graça, até então aí existente, obstáculo “milagroso” suficiente contra a artilharia inimiga. Para o Marechal-General era imperativa a construção de um forte que obedecesse às seguintes condições:
 
 
1 - Poder albergar uma força de 2.000 homens, efectivos mínimos para fazerem perigar as colunas de comunicação, reforços e reabastecimento logístico a uma força inimiga dirigindo-se a Lisboa.
 
2 - Poder albergar artilharia capaz de proteger a cidade de Elvas, e impedir, ou no mínimo perturbar o seu assédio.
 
 
Planeia assim o forte a que será depois, numa primeira fase, dado o seu nome: trata-se de uma construção quadrangular com bastiões nos quatro vértices, alternando com outros tantos revelins; a sul, o forte é protegido por um terreno em declive relativo. A norte, dado o terreno formar um pequeno planalto, foram as fortificações reforçadas com um hornaveque[213]. A sua construção iniciou-se ainda com o Conde reinante em Portugal - para isso mandara vir o seu oficial engenheiro em quem tinha mais confiança, o Major L’Estienne. A primeira dificuldade que teve de enfrentar, da população e do exército, foi a do desmantelamento da Capela de Nª Sra. da Graça; o população local não o aceitava, e os soldados portugueses recusavam-se a fazê-lo - teve assim de utilizar os soldados alemães da escolta que trouxera de Bückeburg para demolir o edifício religioso, o que lhe foi levado muito a mal. Uma vez iniciada a construção, que implicava a dinamitação de áreas destinadas a casamatas, o trabalho prosseguiu sob a direcção do oficial francês de Valleré, que já servia no exército português quando Lippe cá chegou, e no qual o Marechal-General pôde confirmar uma sólida formação e uma eficiência superior à comum indígena.
 
 
O objectivo destes fortes de fronteira era tornar inseguras as rectaguardas de forças invasoras, e só por esse modo desencorajar as invasões - sabemos como Wellington quando preparava a sua campanha de 1812, não esteve disposto a iniciá-la sem eliminar primeiro os fortes ocupados pelos franceses (Ciudad Rodrigo e Badajoz), e teve de fazê-lo à custa de pesadas baixas, sobretudo em Badajoz. Por outro lado, os fortes de fronteira, mesmo quando devidamente guarnecidos, não travavam por si só uma invasão - em contrapartida, a táctica lippiana das “contrées fortifiées” tê-lo-ia talvez podido fazer. Um aspecto em que a concepção de defesa do Conde de Lippe era radicalmente oposta à de Frederico II, era na formação individual do soldado; enquanto o Rei da Prússia nunca considerara afastar-se da estrutura militar férrea que herdara de seu pai, Frederico Guilherme I “O Rei Soldado”, em que a coesão e disciplina se conseguiam por meio de punições brutais, o Conde reinante acreditava na motivação do soldado, apelando ao seu patriotismo, e recompensando-o quando merecedor; de facto as suas “contrées fortifiées”, na medida em que se apoiavam em pequenos grupos separados de militares, exigiam combatentes com iniciativa e auto-disciplina. Exigiam também um povo permanentemente em armas, e isso os poderes estabelecidos portugueses não queriam arriscar; por este motivo a defesa das fronteiras entre nós revertia em último recurso para os fortes guarnecidos pelo exército permanente, e este acabava sempre por perder qualidade em resultado da corrupção e desmazelo desses poderes estabelecidos.
 
 
Mas em Schaumburg-Lippe, o Conde reinante, para além de ensaiar uma “contrée fortifiée” numa margem baldia do lago Steinhude Meer, planeou lá construir um forte que seria o último reduto de defesa do condado. Para isso localizou no centro do lago uma posição que ficasse para além do alcance do tiro de artilharia das margens[214], e começou logo no ano de 1761 a criar um conjunto de 17 ilhotas artificiais sobre as quais a fortaleza e as suas defesas pudessem ser construídas[215]. Trata-se de um pequeno forte em forma de estrela de quatro pontas, que seria protegido de tiros da artilharia naval por um conjunto de quatro bastiões (B), quatro revelins (R) e oito cortinas (C) assentando em cada uma dessas pequenas ilhas; serviriam elas também para albergar uma guarnição, que sendo habitualmente de 150 homens, podia ser reforçada até 700 homens. Esta guarnição ia estar muito bem provida de artilharia, com a novidade que a artilharia mais pesada estava no patamar inferior da fortaleza, disparando por janelos aí abertos.
 
 
 
 
 
 
 
A defesa do conjunto fortificado não estava unicamente nas mãos da guarnição: entre as ilhotas flutuavam barcos armados de falconetes, que se deslocavam para o exterior para disparar, e eram recolhidos para poderem carregar sob a protecção das defesas rígidas - esse movimento era conseguido através de um sistema de cordas; além desses barcos era suposto haver também uma flotilha de embarcações que, armada também de artilharia de pequeno calibre, navegaria no lago em defesa da fortificação. Haveria assim uma ligação entre o campo de Wilhelmstein, o canal que o cruzava, vindo de Hagenburg, e o forte, sendo este o reduto final, que devia ser inexpugnável. E assim foi da única vez que o sistema foi posto à prova, onze anos depois da morte de Wilhelm quando o Conde de Hessen-Kassel tentou apodera-se pelas armas do pequeno Condado de Schaumburg-Lippe.
 
 
As bibliotecas do Conde de Schaumburg-Lippe[216]
 
 
Integrada na estrutura da cortina nº 6 (conforme indicado no plano) estava uma sala destinada a albergar a biblioteca e alguns instrumentos didácticos[217]. Os livros tinham sido cedidos pelo Marechal-General da sua biblioteca do Palácio de Bückeburg em Maio de 1766; tratava-se de 253 títulos segundo o catálogo ainda hoje disponível, dos quais 83 dedicados às ciências militares, 44 a engenharia, 28 a matemática, física e química - os temas dos restantes eram variados, mas incluíam história, agricultura e medicina[218], o que indica a intenção de dar aos futuros oficiais uma cultura relativamente ecléctica. As línguas eram sobretudo o alemão (126 títulos) e o francês (108)[219], mas havia também quatro obras impressas em português[220], e um manuscrito na mesma língua[221]: as traduções de Belidor eram inevitáveis, atendendo à importância que Lippe lhe atribuía - as suas obras, no francês original faziam parte desta biblioteca, e existiriam provavelmente em exemplares repetidos; a inclusão da tradução portuguesa confirma a frequência da escola por alunos portugueses. Mais curiosa é a existência da obra do Conde da Ericeira; seria eventualmente usada como livro de texto no ensino do português, que se sabe também ter tido lugar, como língua secundária.
 
A biblioteca podia ser frequentada às quartas e sábados, das 8 ao meio-dia, e das 2 às 6 da tarde, pelos “Oficiais, Condutores (Aspirantes), Sargentos instruendos e Cadetes”; só com licença especial podiam estranhos à escola consultar livros na biblioteca. Havia um oficial responsável, o Ten. Döring e, se tivesse de ausentar-se, era o comandante da escola que assumia essa responsabilidade[222]. No seu regulamento para o funcionamento da escola[223] o Marechal-General dá indicações precisas sobre a bibliografia a utilizar para cada matéria; o caso de Belidor é flagrante, mas outros autores são referidos por Lippe: Vauban, Surirey de Saint Rémy, Valière, Euler, s’Gravesand (do qual ele tinha sido discípulo em Leyden) - todos eles existem na biblioteca. Curiosamente inclui em 1776 o estudo da agronomia, que até aí era opcional, no currículo permanente da escola, e indica logo como leitura obrigatória as Grundsätze der deutschen Landwirtschaft (Bases da agricultura alemã) de Johann Beckmann (com quem manteve interessada correspondência sobre esse tema)[224].
 
 
A Memoria sobre os exercícios de meditação militar…[225] editada em anexo aos Regulamentos de Infantaria e Cavalaria, não indica ano, mas sabe-se que foi enviada pelo Marechal-General para publicação em Portugal em 1773; sabe-se também que havia um original manuscrito em francês ao qual Scharnhorst teve acesso e ao qual faz referência em mais de uma publicação sua (W II p.427). Trata-se de instruções gerais sobre a utilização de bibliografia, incluindo uma curta lista de obras de leitura recomendada, mas contendo também uma explicação sobre a formação intelectual e literária dos instruendos. Assim “§. VI…. Pois não he questão de formar Letrados, nem fazer ostentação de erudição: o fim desta Instituição, he somente exercitar o talento dos Leitores, e fornecellos, ou seja pela mesma Leitura, ou pela Meditação que ella occasiona, de idéas, das quaes possão, carecendo, fazer uso immediato na Prática; não sendo o parecer dos Authores authorizado de modo que obrigue á obediência, poder-se-há servir com escolha das suas máximas, reflectir sobre a diversidade das opiniões, e instruir-se ainda mesmo pelos seus erros.”[226] “§X… Assás geralmente se está hoje persuadido de que a Guerra não he para hos Officiaes hum Officio; mas sim huma Sciencia…”[227] “§XII. Tambem não se ignora, que muitas vezes, por falta de conhecimentos instructivos, se não sabe dar a verdadeira intelligencia ao espírito das Ordens dos Superiores, e que as luzes adquiridas pelo estudo, são tão necessárias para fazer obedecer, como para mandar com intelligencia”[228]. Mas “§XIV. Algumas vezes há espíritos que, por terem lido muito, se deixão levar tão fortemente da opinião do seu próprio saber, que por este meio se enfraquece, e diminue o respeito, e a attenção devidos aos seus Superiores”[229].
 
 
Ao candidato a oficial competia o bom conhecimento das leituras recomendadas, mas não extrapolar desse currículo; não se tratava realmente de formar eruditos, mas sim chefes militares. Só que quem estas doutrinas estruturava era ele sim um erudito: Wilhelm zu Schaumburg-Lippe fora praticamente sempre um estudioso e um leitor insaciável, e como era um poliglota, tinha acesso aos variados produtores culturais europeus sem necessitar de traduções. De facto crescera em Londres, utilizando o inglês como língua familiar; quando viera para a Alemanha com seu pai, tivera de melhorar o seu alemão, no qual, pelo menos na língua escrita, fora sempre inferior ao francês - foi certamente por isso que sempre utilizou de preferência esta língua nos seus escritos[230]. Aprendeu depois por cá português[231], e fazia-se acompanhar das obras completas de Camões, tendo depois promovido o estudo da nossa língua na escola de Wilhelmstein. Citar todas, ou a parte mais significativa das obras da sua biblioteca de Bückeburg, é impossível num artigo desta dimensão: basta no entanto dizer que tendo sido catalogada em 1777, logo a seguir à sua morte, foram listados 2.895 títulos, que Heike Matzke refere em dez rubricas diferentes, desde a mais numerosa - História - com 1.060 títulos, até à menos numerosa - História Literária - com 20 títulos[232]. Quanto a obras por língua contou a autora deste estudo 1.282 livros em francês (confirmando a preferência de Lippe), 520 em alemão, 335 em inglês - contou ainda 33 títulos em português que se conservavam todos numa sala nº 3 assim identificada, e separada da “Velha” e da “Nova” Bibliotecas[233]. Uma leitura mais pormenorizada dos catálogos citados em [210] darão um conhecimento detalhado dos interesses intelectuais do Conde reinante - esse conhecimento será ainda mais exaustivo quando se completar um estudo das anotações que ele fez em boa parte dos seus livros[234].
 
 
Vida privada - morte solitária
 
 
Para além da leitura era o Conde reinante grande apreciador de música - ele próprio aprendera cravo na sua juventude e tocava ocasionalmente o instrumento. Em 1756 um dos quatro filhos compositores de João Sebastião Bach, Johann Christoph Friedrich Bach tornara-se Hofkapellmeister (Maestro de Câmara) da corte de Bückeburg e, embora a sua relação com Wilhelm nunca tivesse atingido o nível da de Quantz com Frederico II, o interesse do Conde reinante pela música, e pela execução musical, bem como pela aquisição de partituras, resultou numa acumulação destas na biblioteca do palácio condal - 806 foram catalogadas e avaliadas por J.C.F.Bach[235]. A partir do regresso do Conde reinante a Bückeburg estabeleceu-se uma rotina diária que incluía um concerto às seis da tarde, nos aposentos de sua mulher[236].
 
 
Em Novembro de 1765, depois do seu regresso de Portugal, Wilhelm zu Schaumburg-Lippe casara-se com a sua parenta afastada Condessa Marie Barbara Eleonore zur Lippe-Biesterfeld, irmã gémea do Conde Ferdinand Johann Benjamin, que acompanhara como capitão o seu futuro cunhado a Portugal. Barbara tinha menos vinte anos que Wilhelm, mas a sua relação parece ter sido tão harmoniosa quanto os relatados concertos crepusculares. Depois do regresso do Conde reinante da sua segunda viagem a Portugal, em Abril de 1768, as suas vidas adquiriram toda a regularidade que o acompanhamento da escola de Wilhelmstein exigia.
 
Gostava de se retirar com
  ela para o pavilhão de caça de Baum, na floresta de Schaumburg, a cerca de dez quilómetros de Bückeburg[237], onde podiam ter uma vida mais íntima e menos protocolar. Não se quer com isto dizer que a sua vida no Palácio de Bückeburg fosse muito cerimoniosa - ao contrário de muitas das pequenas cortes alemãs da altura, Wilhelm tinha uma vida pouco faustuosa, e só se fazia rodear dos “beaux esprits” que no palácio residiam em permanência: os filósofos da Aufklärung Thomas Abbt[238] e Johann Gottfried Herder, o historiador que já referi, e dos contactos ocasionais de outros grandes nomes das letras: o historiador militar Cor. Henry Humphrey Evans Lloyd[239], o Major James Ferrier[240], Moses Mendelssohn, Johann Georg Zimmermann[241] Friedrich Nicolai[242]. Por junto só em dois dias por ano havia grandes festas no palácio: os dos aniversários dos Reis de Inglaterra e de Portugal - nesses dias Lippe envergava a sua casaca vermelha de Marechal inglês e o correspondente bastão (como está representado no famoso quadro da autoria de Ziesenis), e ostentava a Ordem da Águia Negra da Prússia e o Medalhão com a efígie do Rei D. José, contrastando com a discreta casaca azul que usava diariamente.
 
 
A partir de 1767, para além do palácio ducal de Bückeburg[243], o Conde reinante residia também no pequeno Palácio de Hardenburg[244], de onde fez escavar um canal de 1.200 m até ao Lago de Steinhude que, servindo eventualmente para drenar Wilhelmsteiner Feld, também lhe dava acesso directo por barco à fortaleza de Wilhelmstein, numa distância total de cerca de três quilómetros. De Hardenburg seguia as actividades escolares dos seus cadetes mas, para não perder tempo com deslocações, fez depois instalar na parte central da fortaleza uns aposentos para si e para sua mulher, onde passava frequentes temporadas a seguir de perto e a examinar o progresso dos vários instruendos.
 
 
Em 1771 a Condessa reinante deu à luz uma filha, baptizada Emilie Eleonore Wilhelmine; Wilhelm, que contava com um filho, ficou decepcionado - atendendo à lei sálica vigente na maioria dos estados alemães, uma mulher não podia suceder como soberana. Segundo Varnhagen, o Conde fechou-se primeiro horas seguidas no quarto - mas depois recompôs-se de tal forma que, quando três anos depois a criança morreu, ficou completamente abalado. Também a Condessa ficou destroçada, e parece ter perdido o gosto de viver - como era frequente, foi contaminada pela tuberculose, e morreu dois anos depois, no pavilhão de caça de Baum. Wilhelm pouco tempo lhe sobreviveu - sentindo-se cada vez mais doente, mandara construir em Wölpinghausen, num ponto alto a sudoeste do Wilhelmsteiner Feld, uma modesta casa, Bergleben, de onde podia ver Wilhelmstein e assistir às manobras no campo fortificado - assim o fez em 6 de Setembro de 1777. Embora nos últimos anos de vida tivesse um ajudante de campo, amigo e confidente - o Major Riepen - que sempre o acompanhava, na noite de 10 de Setembro não se achava presente; morreu o Marechal-General assim, no único quarto já completado da Haus Bergleben[245], acompanhado só por um anónimo criado. Conforme determinara no seu testamento, o seu funeral teve lugar em 2 de Outubro, “ao anoitecer, sem qualquer pompa, sem pregação ou oração fúnebre, e o luto tão breve quanto possível“. Foi levado pelos seus oficiais - à luz dos círios, com uma guarda de honra de duzentos homens, entre os quais se contava Scharnhorst[246] - e deposto no mausoléu que mandara fazer[247] na floresta de Schaumburg, onde jaziam sua mulher e filha; lá está sepultado até hoje.
 
 
 
 
Conclusão
 
 
Si vis pacem para bellum (se queres paz prepara a guerra): este lema de Flávio Vegécio, o romano que praticamente domina o pensamento militar medieval até à Arte della Guerra de Maquiavel, aplica-se bem ao Conde de Lippe. De facto, todas as tentativas para o identificar com Frederico II, que culminam na historiografia nazi, ignoram esse aspecto fundamental que os distinguia: o Rei da Prússia queria aumentar territorialmente o seu estado para lhe dar a dimensão mínima que tornasse viável a sua sobrevivência, e lhe assegurasse a independência perante o seu poderoso e mais antigo vizinho - o Império dos Habsburgos; foi a esse objectivo que Frederico II condicionou a sua estratégia ofensiva, aliando-lhe com sucesso o seu génio táctico no campo de batalha. Guillerme de Schaumburg-Lippe queria tão só conservar o seu minúsculo estado, e nesse processo desenvolveu as suas teorias militares, arquitectando uma força de defesa em três escalões, que, passados tão só quarenta anos, o seu discípulo Scharnhorst iria adoptar agora para a defesa da mesma Prússia, mas contra um poder ainda mais avassalador que o austríaco, o do Imperador Napoleão e da França saída da Revolução.
 
 
A nomeação do Conde reinante de um pequeno estado alemão para Comandante-Chefe noutro pequeno país ameaçado por dois muitíssimo maiores (Espanha e França), aliados naturalmente pelos seus soberanos da mesma família, foi feliz até porque este general alemão podia identificar o rei que servia consigo próprio, que também se tinha de defender de vizinhos poderosos. Assim, a experiência funcionou nos dois sentidos: Lippe pôde adoptar para o exército português organização e tácticas actualizadas que tivera ocasião de praticar com as suas reduzidas forças, e como Generalfeldzeugmeister no exército aliado da Guerra dos Sete Anos. Mas também teve ocasião de conhecer, e depois adaptar através dos seus escritos, tácticas de resistência não convencional, utilizadas secularmente por Portugal, um pequeno país constantemente obrigado a resistir a um maior.
 
 
Ora parece-me ser esta comparação entre a defesa do condado de Schaumburg-Lippe - e com ele a de todos os pequenos países em confronto com os seus vizinhos maiores - e a de Portugal, o objectivo mais interessante que se propõe ao investigador português de história militar. Os meios estão disponíveis se bem que exigindo um conhecimento capaz das línguas francesa e alemã[248]; mas desde que aquele investigador, como é provável, domine o francês, poderá começar imediatamente a trabalhar nos escritos autógrafos de Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe, e na sua correspondência, a maior parte redigida originalmente em francês e assim conscienciosamente publicada[249]. Dado que o maior interesse da história é o de poder aprender da experiência passada, e do conhecimento dos que nos precederam, para projectar na construção do futuro, há ainda hoje ensinamentos que se podem ir buscar ao Conde de Lippe. O Ten. Gen. Klein intitulou-o “clássico” da teoria de intimidação, e esta é sem dúvida uma componente importante da moderna estratégia. Para essa intimidação deveria contribuir todo um povo comprometido com a sua própria defesa, cujos três escalões Scharnhorst foi buscar ao Conde seu mestre, que por sua vez teria também sido inspirado pela capacidade de resistência das ordenanças portuguesas.
 
 
Mas um estudo cabal da influência do Conde de Lippe na reorganização pós 1806 da defesa prussiana, implicará um estudo de Scharnhorst, de Gneisenau, e eventualmente do próprio Clausewitz, e da Kriegsakademie de Berlim, e a inesgotável bibliografia sobre estes temas, embora exista noutras línguas - inglês e, eventualmente, português em originais ou traduções - encontra-se também predominantemente em alemão. E aqui volto ao abandono que já referi alhures[250]: o da rica bibliografia nesta língua pelos historiadores portugueses deste e do anterior século, em contraste com os do séc. XIX. Espera-se assim que o interesse por este assunto, contribua também para que isso deixe de ser assim.
 
 
O que me parece imprescindível é que a edição em três volumes da obra do Conde de Lippe[251] (predominantemente com texto em francês) esteja imediatamente disponível para os investigadores e para o público portugueses; ela é, por enquanto, ainda facilmente adquirível no mercado alfarrabista alemão e, pelo menos as Bibliotecas do Exército e da Academia Militar, deveriam tratar da sua imediata aquisição[252]. Por outro lado duas obras, ou pelo menos para já uma, exige imediata tradução em português: a citada biografia da autoria do Tenente- general Klein[253] que, só por si, disponibilizará um imediato instrumento de referência para quem queira saber da riquíssima personalidade de Lippe tudo aquilo que a limitada bibliografia portuguesa não foi capaz de divulgar. A outra obra de interesse para nós, é a tese de doutoramento de Christa Banascik[254], mas aqui a urgência não é tão grande, pois trata basicamente dos temas cobertos pela bibliografia portuguesa, embora lhe acrescente muita informação por esta ignorada. Espera-se que apareça em breve editor interessado na publicação destas traduções, para melhor conhecimento da história militar de Portugal[255].
 
 
Finalmente uma sugestão às instâncias responsáveis: dado a nossa participação nas comemorações do bicentenário da morte do Conde reinante de Schaumburg-Lippe em 1977, se é que houve alguma, ter passado despercebida, seria de aproveitar daqui a ano e meio o início da passagem dos duzentos e cinquenta anos da sua primeira estadia em Portugal, de meados de 1762 a princípios de 1764 (a segunda estadia foi só de poucos meses, em fins de 1767 e princípios de 1768) para a realização de um programa de comemorações que incluísse também um evidenciar do maior monumento que, por lhe ser devido, também o evoca - o Forte da Graça ou La Lippe, em Elvas. Para compensar um pouco a dificuldade de meios na difícil fase em que o país se encontra, poder-se-ia eventualmente interessar a Bundeswehr nessas comemorações - aqui fica a ideia.
 
 
 
 
Apêndice bibliográfico - Obras colectivas, periódicos, catálogos
 
 
Seguem-se, por ordem de ano de publicação, vários trabalhos sobre o Conde de Lippe que não foram citados anteriormente. Com esta curta lista não se esgota, naturalmente, o muito que sobre ele se tem escrito na Alemanha.
 
1788 - Theodor Schmalz “Beschreibung der Vestung Wilhelmstein im Steinhuder Meer” (Descrição do Forte de Wilhelmstein no Lago de Steinhude) in Journal von und für Deutschland, 5 (1788), 1.-6. St., pp. 90-92.
1788 - “Charakterzüge und Anecdoten von dem verstorbenen Grafen Wilhelm von Schaumburg-Bückeburg” (Traços e anedotas do falecido WSL.) in Neues militärisches Journal 1 (1788), pp. 123-127.
1789 - “Versuch einer kurzen u. zuverlässigen Lebensgeschichte d.Gr.Wilh. zu Sch.-L. zu Bückeb.”(Ensaio de história curta e credível da vida de WSL …) in Journal v.u.f. Deutschland, hrsg. V. Siegmund Frhr. von Bibra, Jg.6, (1789) 7ª. P.
1902 - Walther Arnsberger “Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe: Vortrag, gehalten im Historischen Verein für Niedersachsen am 17. Februar 1902” (WSL: Conferência realizada na Associação de História da Baixa Saxónia em 17 de Fevereiro de 1902) in Zeitschrift des Historischen Vereins für Niedersachsen (1902), 3, pp.331-347.
1910/11 - Stephan Kekule von Stradonitz “Eine merkwürdige literarische Fehde um die Schmalzsche Lebenbeschreibung des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe” (Uma curiosa polémica literária sobre a descrição da vida de WSL por Schmalz) in Niedersachsen XVI, pp.480-3.
1924 - Herman Löns “Der Kanonengraf” (O Conde dos canhões) in Gedanken und Gestalten, Hannover, pp.82-96.
1932 - Hans Kiewning “Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe” in Westfälischer Lebensbilder, III 1.
1935 - Rudolf Craemer “Graf Wilhelm von Schaumburg-Lippe, ein deutscher Fürst der Aufklärungszeit” (WSL, um príncipe alemão do iluminismo) in Niedersächisches Jahrbuch für Landesgeschichte (NsJbLG) 12, 1935, pp.111-143.
1940 - Albrecht Wehling “Der Wilhelmstein im Steinhuder Meer: das geistige Vermächtnis des Grafen Wilhelm an unsere Zeit” (O Forte de Wilhelmstein: o legado espiritual de WSL ao nosso tempo) in Die Schaumburg-Lippische Heimat: Heimatbeilage zum Stadthagener Kreisblatt 11 (1940).
1959 - Otto-Kurt Laag “Graf Wilhelm als Grossmeister der Artillerie” (WSL como Grão Mestre da Artilharia) in Die Schlacht bei Minden, Minden 1959, pp.85-96.
1963 - Rudolf Müller “Graf Wilhelm von Schaumburg-Lippe in Portugal” in Wehrwissenschaftliche Rundschau, Abril 1963, pp.230-8.
1974 - Fiedler, Siegfried “Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe - Zu seinem 250. Geburtstag” (WSL - Nos 250 anos do seu aniversário) in Deutsches Soldatenjahrbuch 1974, München, pp.227-35.
1975 - H.Heidemann “Scharnhorst und die Militärschule Wilhelmstein” (Scharnhorst e a Escola Militar de Wilhelmstein) in Bundesminister der Verteidugung (ed.) Information für die Truppe, Bonn, 2/75, pp.55-64.
1976 - Curd Ochwadt “Ein zeitgenössisches Urteil über die Festung Bückeburg” (Um juízo coetâneo sobre a Fortaleza de Bückeburg) in Schaumburg-Lippische Heimat –Blätter, Bückeburg, (27(45), 4.
1977 - Curd Ochwadt “Zur Biographie des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe” (Para a biografia de WSL…) in Schaumburg-Lippischer Heimatverein (ed.) Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe: 1724-1777, Bückeburg, pp. 1-26.
1980 - Carl-Hans Hauptmeyer « Souveränität, Partizipation und absolutistischer Kleinstaat. Die Grafschaft Schaumburg - (Lippe) als Beispiel.” (Soberania, participação e pequeno estado absoluto. O Condado de Schaumburg-[Lippe] como exemplo) in Quellen und Darstellungen zur Geschichte Niedersachsens; 91, Hildesheim.
1980 - Christoph Müller “Philosophie und Staatsdenken des Grafen Wilhelm von Schaumburg-Lippe (1724-1777)” (Filosofia e ideologia do estado de WSL..) Niedersächisches Jahrbuch für Landesgeschichte (NsJbLG) 52, pp.245-263.
1988 - Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe (1724-1777): ein philosophierender Regent und Feldherr im Zeitalter der Aufklärung (WSL..: um governante filósofo e um general no período do iluminismo) [15. April 1988] Staatsarchivs in Bückeburg; Niedersächsischer Landtag, 8. März - [Ausstellung in der Verantwortung des Niedersächsischen Landtags [Hannover].
2002 - Eva Rademacher “Graf Wilhelm in Schaumburg-Lippe und seine Zeit” (WSL.. e o seu tempo) in Schaumburg-Lippische Heimat-Blätter Vol. 53 (77), fasc. 4, pp. 6-17.
2008 - Gerd Steinwascher “Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe” in Schaumburger Profile: ein historisch-biographisches Handbuch, Bd. 1, [Hubert Höing (Hrsg.)], Bielefeld, pp. 276-280.
s/d - Rudolf Falkmann “Wilhelm, Graf von Schaumburg-Lippe” in Allgemeine Deutsche Biographie.

 

 
 
 

* Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Além de história social e económica dos sécs. XVI e XVII, tem-se dedicado à investigação da história militar em duas áreas bem definidas: os oficiais britânicos da Guerra Peninsular, a Revolução Militar e as Artes Militares quinhentistas.

 
 
[1] “British officers in the Portuguese service 1809-1820”.
[2] E não prussiano, como por vezes é erradamente referido.
[3] Palmeirim, Augusto Xavier Alguns factos militares portuguezes no século XVIII, Lisboa, 1873 BN (passaremos a acrescentar este signo a todas as obras que estejam online na Biblioteca Nacional Digital).
Coelho, José Maria Latino “As operações da campanha de 1762 e as reformas militares do Conde de Lippe in Revista das Sciencias Militares I, 1-4, 1885.
Sales, Pe. Ernesto Augusto Pereira O Conde de Lippe em Portugal, Vila Nova de Famalicão, 1937.
“Cartas dirigidas pelo Conde Lippe ao Conde de Oeiras” in Boletim do Arquivo Histórico Militar, IV, pp.234-284, 1934 / V, pp.109-129, 1935.
Raueber, Charles/Barrento, Coronel António O Conde de Lippe e Portugal, Lisboa, 1991.
Freire, Miguel “Um Olhar Actual sobre a ‘Transformação’ do Conde de Lippe” in Nação e Defesa, Nº 112, - 3.ª Série, pp.137-66, Outono-Inverno.
2005 Ol (passaremos a usar este signo para todas as obras que estejam online)
Barrento, António A Guerra Fantástica - 1762 - Portugal, o Conde de Lippe e a Guerra dos Sete Anos, Lisboa, 2006.
Barrento, General António Eduardo Queiroz de Martins “Os planos da Guerra Fantástica” in Revista Militar, Nº2452, Maio 2006, pp.471 ss. Ol
[4] Capital do condado de Schaumburg-Lippe, onde se encontra o palácio-residência dos seus soberanos, e o arquivo da sua casa.
[5] Esta controversa afirmação, sobretudo vinda de quem veio, exige cuidadosa análise por parte dos estudiosos da estratégia Peninsular. Se se confirmar, põe em causa muito do génio original atribuído ao “duque de ferro”.
[6] Wahl, Friedrich Verfassung und Verwaltung Schaumburg-Lippes unter dem Grafen Wilhelm - Von den Anfangen volkhaften Staatsdenken im Zeitalter des Absolutismus (Legislação constitucional e administração de Schaumburg-Lippe sob WSL - Dos inícios dos ideais de estado popular no período do absolutismo), Stadthagen: Verlag Heinrich Heine, 1938, p.10.
[7] Correspondentes à ordenança, milícia e exército permanente portugueses.
[8] Banaschik-Ehl, Christa Graf Wilhelm von Schaumburg-Lippe, in Portugal - Die Heeresreform 1761-1777 (WSL …., em Portugal - A Reforma do Exército 1761-1777), Osnabrück: Biblio Verlag, 1974, pp.66/8.
[9] Ochwadt, Curd (Editor) Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe - Schriften und Briefe - III Briefe (WSL - Escritos e Correspondência - III Correspondência), Frankfurt/Main: Klostermann, 1983, citado em notas seguintes como W III.
Este mesmo académico iniciou em 1977, segundo centenário da morte de Wilhelm, Conde de Schaumburg-Lippe, a publicação das suas obras completas:
Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe - Schriften und Briefe I Philosophische und politische Schriften (WSL - Escritos e Correspondência I - Escritos filosóficos e políticos), Frankfurt/Main: Klostermann, 1977, citado em notas seguintes como W I.
Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe - Schriften und Briefe II - Militärische Schriften (WSL - Escritos e Correspondência II - Escritos militares), Frankfurt/Main: Klostermann, 1977, citado em notas seguintes como W II (parcialmente Ol - online).
Tratando-se de um erudito que se especializou na divulgação da obra de Rimbaud na Alemanha, estava habilitado para editar uma aperfeiçoada colecta de obras no original francês em que foram escritas: pela mesma altura publicou uma obra sobre as relações dos Condes de Schaumbug-Lippe com Voltaire, que citaremos adiante. Ao investigador português interessará sobretudo saber que grande parte da obra de Lippe está publicada numa língua - embora na sua versão setecentista - mais acessível que o alemão.
[10] Regulamento para o exercicio e disciplina dos Regimentos de Infantaria dos Exercitos de sua Magestade Fidelissima feito por ordem do mesmo Senhor por Sua Alteza o Conde Reinante de Schaumbourg Lippe, Marechal General, Lisboa: na Regia Officina Typografica, Anno de 1763.
[11] Regulamento para o exercício, e disciplina dos Regimentos de Cavalaria dos Exercitos de sua Magestade Fidelissima feito por ordem do mesmo Senhor por Sua Alteza o Conde Reinante de Schaumbourg Lippe, Marechal General, Lisboa: na Regia Officina Typografica, Anno de M.DCC.XCVIII.
[12] Instrucções Geraes relativas a varias partes essenciaes do serviço diario para o exercito de Sua Magestade Fidelissima.
[13] Memoria sobre os exercícios de meditação militar para se remeter aos senhores Generaes, e Governadores de Provincias, a fim de se distribuir aos senhores Chefes dos Regimentos dos exércitos de Sua Magestade
[14] Verhaltungs-Befehle vor die Officiere des Hochgräflich Schaumburg-Lippischen Leib-Bataillons (Regras de procedimento para os oficiais do Batalhão de Guarda Pessoal do Excelentíssimo Conde de Schaumburg-Lippe), Bückeburg: Althans, 1754.
[15] Brito, Pedro de “A arte da guerra no Portugal do humanismo renascimental” in Museu, s/l, 2006, IV Série - Nº15, pp.159-88.
Ibidem, “Knights, squires and foot soldiers in Portugal during the sixteenth century Military Revolution” in Mediterranean Studies - The Journal of the Mediterranean Studies Association, Manchester: Manchester University Press, 2008, Vol.17, pp.118-47.
[16] Título da nota [1].
[17] Wellington frequentou exactamente uma destas academias militares, em Angers.
[18] A famosa anedota do “sargento ter de saber ler e escrever, pois o capitão pode ser fidalgo”, que se tem alegado não ser verdadeira (Gastão de Melo de Matos “Conde de Lippe” in Dicionário de História de Portugal, s/l, s/d, II vol., p.755), é-o pelo menos na segunda parte. Lippe comenta assim: “Les ordres ne se distribuoient presque jamais comme ils étoient donnés. Parmi les officiers tenus à les venir prendre au quartier général, quelques uns ne les comprenoient pas, d’autres les oublioient, d’autres les interprétoient et les augmentoient de commentaires, et quoique je fisse venir les majors des régiments pour les écrire, cet art si commun étoient ignoré de plusieurs. » WII p.60 (embora se trate de francês setecentista, calculo seja acessível à maioria dos leitores).
[19] Zur Geschichte des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe - Die im 18.Jahrhundert gemacheten Versuche die Geschichte dieses Grafen zu schreiben - Zugleich ein Beitrag zur Geschichte der Zensur in Deutschland (Para a história de WSL - As tentativas feitas no séc. 18 para escrever a história deste Conde - Também um contributo para a história da Censura na Alemanha), Hannover: Ernst Geidel, 1912.
[20] Friedrich Karl von Waldeck-Pyrmont tinha quatro batalhões recrutados no seu estado ao serviço do exército holandês. Deste mesmo exército fora seu pai - o Príncipe Karl August von Waldeck-Pyrmont - comandante chefe (1742-6), na mesma altura em que o Conde Albrecht Wolgang zu Schaumburg-Lippe, pai de Wilhelm, nele era tenente general; foi este depois o posto assumido (1772) por Friedrich Karl. Foi também este príncipe, soberano “iluminado” alemão, e activo membro da maçonaria, protector da loja “Frederico das três fontes”, sediada em Pyrmont. Deixou escrita em francês uma história da Guerra dos Sete Anos e alguns esboços biográficos. Era o irmão mais velho do Príncipe Cristiano Augusto de Waldeck-Pyrmont, a quem em 1799 foi confiado o comando do exército operacional português.
[21] Título da nota [19] p. 5.
[22] Herder (1744-1803) foi uma das maiores figuras da Aufklärung. Juntamente com Wieland, Goethe e Schiller, constituiu o grupo dos “quatro astros clássicos” de Weimar; foi poeta, teólogo e filósofo da história e da cultura. Entre muitas outras obras, é autor de Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menscheit (Ideias sobre a Filosofia da História da Humanidade).
[23] Título da nota [19] pp. 6-9. Herder era também um empenhado maçon, que fora iniciado em 1766 na loja “Da espada” em Riga.
[24] Gerhard von Scharnhorst (1755-1813) “Von den Militär-Anstalten des verstorbenen regierenden Grafen v.Schaumburg-Lippe” (Das Instituições Militares do falecido Conde reinante WSL) in August Ludwig Schlözer Briefwechsel, meist historischen und politischen Inhalts (Troca de correspondência, sobretudo de conteúdo histórico e político), Göttingen: Vandenhoeck, 1782, Fasc. 56, pp.93-101.
[25] Título da nota [19] p.23 n.1.
[26] Título da nota [8] p.214 n.14. O pequeno livro intitular-se-á Denkwürdigkeiten des Grafen Wilhelms zu Schaumburg-Lippe (Memórias do Conde WSL), Hannover: in kommission der Helwingischen Hofbuchhandlung, 1783 (do qual existe no mercado edição fac-simile actual, facilmente acessível).
[27] O pequeno artigo de Charles Raueber citado na nota [3] não é relevante.
[28] Leben des regierenden Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe und Sternberg (Vida do Conde reinante WSL).
[29] 135 pp. Esta obra é no entanto relativamente rara - não se encontra no mercado - e só está disponível em poucas bibliotecas públicas alemãs, não tendo sido possível a sua consulta.
[30] Título da nota [19] pp.68-70.
[31] Título da nota [19] pp.55-64.
[32] Título da nota [26].
[33] L[ippe-Weissenfeld, Ernst] Gr[af zur] Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe. (Geb. 1724, gest. 1777), Berlin: Mittler, 1869, 60 pp. Foi antes publicado em sucessivos artigos do Militärischen Wochenblatt, 54º ano, 1869. Este Conde Ernest era irmão de uma Condessa Sofia que se casou em 1852 em Berlim com Deodato de Sousa Chichorro, filho segundo legítimo do 7º Conde de Oriola, D. Joaquim José Lobo da Silveira. Este fidalgo português, sendo ministro de Portugal em Berlim quando da Convenção de Évora Monte, recusou-se depois a regressar ao país, por ser miguelista convicto. Foi-lhe permitido ingresso na nobreza prussiana com o mesmo título, tendo esta família feito depois carreira no exército alemão. Ora o Comandante Chefe do Exército Português que em 1762 passara este comando ao Conde de Lippe era nem mais nem menos que o 1º Marquês de Alvito e 3º Conde de Oriola ([8] p.53), bisavô de Deodato … estes “entrelaçamentos” (ver do autor “Verflechtung - um método para a pesquisa, exposição e análise de grupos dominantes” in Penélope, Lisboa, 1993, Nº9/10) familiares têm frequentemente efeitos sobre a matéria literária, especificamente sobre a matéria histórico-literária, facilitando o acesso a fontes - inclusive de história oral - que seriam de outra forma inacessíveis.
[34] Stadthagen, Niedersachsen: H. Welge Verlag, 1960. Não há que esquecer que os nazis se consideravam a si próprios como revolucionários, inclusive do ponto de vista social. O Príncipe Friedrich Christian entrou para o NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei) com 23 anos, em 1929, sendo dos primeiros representantes da alta aristocracia alemã - boa parte dela se recusou a fazê-lo, pelo menos de início (sobre o tema consultar a obra exaustiva de Stephan Malinowski Vom König zum Führer - Deutscher Adel und Nationalsozialismus (Do Rei ao Führer - A nobreza alemã e o Nacional Socialismo], Berlin: Akademie Verlag, 2003). Quando da fundação do Ministério da Propaganda em 1933, tornou-se Ajudante de Goebbels, de quem depois publicou uma biografia (Dr. G. Ein Porträt des Propagandaministers [ O Dr. G. Um retrato do Ministro da Propaganda], Wiesbaden: Limes Verl, 1964). A seguir à guerra, quando foi internado pelos Aliados, alegou que tentara intervir para proteger uma figura da alta aristocracia, o que o pusera em conflito com os altos dignitários nazis. Mas por essa altura (1943) atingira também elevada patente na S.A. (Standartenführer, equivalente a Coronel). Desde esse ano até ao fim da guerra serviu na Wehrmacht como Panzergrenadier. Dele dizia no entanto Goebbels “Estes Príncipes estão habituados a não fazer nada, e a pavonearem-se em parada”.
[35] Regierender Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe bezüglich seiner Leistungen als Artellerist, insbesondere im siebenjährigen Krieg: als Erinnerungsgabe in kurzen Umrissen (O Conde reinante WSL em relação ao seu sucesso como artilheiro, especialmente na Guerra dos Sete Anos: um leve esboço de memorial), Ludwigsburg: Greiner & Ungeheuer, 1884 O primeiro projecto do Major Engenheiro britânico Ferrier nunca se concretizou (Título da nota [19] pp.52-67).
[36] Der Regierende Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe. Ein Beitrag zu der Geschichte des Fürstentums Schaumburg-Lippe, sowie der des siebenjährigen Krieges (O Conde reinante WSL. Um contributo para a história do Principado de Schaumburg-Lippe, bem como para a da Guerra dos Sete Anos), Bückeburg: Druck und Verlag der Grimme’schen Hofbuchdruckerei, 1889. O livro é dedicado ao então Príncipe reinante Adolf I Georg, e terá sido impresso a custas do Principado, na imprensa oficial do mesmo - vários exemplares terão depois sido oferecidos pelo príncipe a parentes e amigos, como é habitual nestes casos. Assim o que tive ocasião de adquirir agora no mercado alfarrabista pertencera à Princesa Friederike Adelheid von Schaumburg-Lippe, uma das inumeráveis sobrinhas deste Príncipe reinante, e mulher do Duque Ernst II de Saxe-Altenburg, de cuja biblioteca traz o ex-libris.
[37] “Feldzeugmeister” traduzir-se-ia em português por General da Artilharia, mas a tradução mais precisa é realmente a inglesa “Master of the Ordnance”, ou seja de facto Mestre do Material de Artilharia. Esta designação traz implícita a função corporativa medieval e só o acrescento “General feldzeugmeister - em inglês Master-general of the Ordnance - acrescentam à pura função técnica da Artilharia, a função de comando estratégico e táctico desta arma. É assim reconhecida ao comandante da Artilharia independência nas decisões estratégicas e tácticas de escolha do material e do seu municiamento, da movimentação desse material e da selecção de objectivos, que fazem dele mais do que um “Mestre” corporativo, um comandante operacional. Ora o Conde de Lippe é dos primeiros entre estes Comandantes de Artilharia a quem pela sua elevada posição social, aliada ao sucesso na execução destas tarefas na Guerra dos Sete Anos, é reconhecido de pleno direito o epíteto de General. Não admira assim que até ao Schwertfeger da I Grande Guerra, Lippe se tenha tornado para os artilheiros alemães, complexados por pertencerem socialmente a uma arma “artesanal”, numa personalidade de referência que eles podem contrapor à sobranceria de “aristocráticos” cavaleiros e infantes.
[38] Anton Strack teve pelo menos outro filho, Johann Heinrich Strack (1805-1880), que foi discípulo em Berlim do famoso arquitecto Schinkel.
Foi professor da Artillerie-und Ingenieurschule de Berlim, e finalmente da famosa Bauakademie, na mesma cidade.
[39] Hans-Heinrich Klein no seu Wilhelm zu Schaumburg-Lippe - Klassiker der Abschreckungstheorie und Lehrer Scharnhorsts (WSL clássico da Teoria de Intimidação e Professor de Scharnhorst), Osnabrück: Biblio Verlag, 1982, inultrapassável obra à qual ainda me referirei muitas vezes, julga erradamente serem pai e filho a mesma pessoa (p.51), e de ter assim o autor publicado a obra sobre o “WSL Artillerist” com 86 anos; ora trata-se de facto do filho e homónimo, que por essa altura rondaria os 40 anos. O Ten. Gen. Klein não teria cometido esse erro se o Genealogisches Handbuch des Adels (Manual Genealógico da Nobreza), Limburg a.d.Lahn: C.A.Starke Verlag, 2003, Vol.131, p.180, tivesse sido publicado antes de 1982.
[40] Geschichte der königlich württembergischen Artillerie (História da Artilharia Real do Württemberg), Stuttgart: Kohlhammer, 1882.
Geschichte des königlich württembergischen Militärverdienstordens und der sonstigen königlich württembergischen Militärehrenzeichen (História da Real Ordem de Mérito Militar do Württemberg e das outras condecorações militares do Württemberg,), Stuttgart: Kohlhammer, 1907.
[41] No fundo para comemorar o início da II Guerra, que iria começar três dias depois - tratava-se de facto de um incentivo propagandístico para o exército. Schwertfeger foi promovido a Major-general - na Wehrmacht não havia brigadeiros. Outro oficial general desta lista nosso conhecido foi Paul von Lettow-Vorbeck, o invasor de Moçambique, que foi promovido de Tenente-general a General de Infantaria.
[42] Geschichte der Königlich Deutschen Legion 1803-1816 … (História da Real Legião de Hannover…), Hannover: Hahn, 1907, 2 vol.
[43] Graf Wilhelm zu Schaumburg-Lippe, Osnabrück: Verlag A.Fromm, 1941.
[44] Originário da Arma de Infantaria, tinha assentado praça em 1936. Com a aceleração que a guerra imprime às promoções, em 1938 comandava um pelotão, em 1940 uma companhia, em 1943 um batalhão, em 1944 ingressava no E.M., e em 1945 era feito prisioneiro pelos americanos. Foi duas vezes ferido em combate, a primeira logo no primeiro dia da II Guerra Mundial, na Polónia, a segunda no início da invasão da Rússia, em Setembro de 1941. Assim se resume sumariamente a vida de um militar de carreira na Alemanha do século XX, quási que esquecendo os seis anos de guerra, de desgaste físico e emocional, que certamente contribuíram para uma morte relativamente prematura. Bradley, Dermot/ Würzenthal, Heinz-Peter/Model, Hansgeorg Die Generale und Admirale der Bundeswehr 1955-1997, Osnabrück, 1998, pp.649/50. Devo à gentileza do Cor.E.M. Dr.phil. Winfried Heinemann do Militärgeschichtliches Forschungsamt da Bundeswehr, em Potsdam, o envio dos dados biográficos sobre o General Klein. Aqui ficam registados os meus agradecimentos.
[45] Hans-Heinrich Klein publicou ainda outra biografia: Karl Friedrich von Wolffersdorff: ein streitbarer Sachse im Dienste Friedrichs des Großen (Carlos Frederico de Wolffersdorf: um saxão conflituoso ao serviço de Frederico o Grande), Osnabrück: Biblio-Verlag, 1984. Trata-se de um estudo sobre este general (1716 - 1781) da Saxónia a prestar serviço no exército da Prússia.
[46] “KFOR Schwierige Balance” in FOCUS Magazin, Nr. 29 (1999), Montag 19.07.1999.
[47] Apesar de algumas tentativas nesse sentido, não se conseguiu obter este trabalho.
[48] Título da nota [26]. Para além desta edição, que é em caracteres góticos, existe outra mais recente: Landesherr, hannoverscher General, Militärreformer in Portugal: ein Zeitgenosse berichtet über Wilhelm von Schaumburg-Lippe (Soberano local, general de Hannover, reformador militar em Portugal: um contemporâneo fala-nos de WSL), Wedemark: Hummel, [2006]. A primeira obra portuguesa sobre o Conde de Lippe, do general Palmeirim, Alguns factos … [3], contem várias citações de Schmalz.
[49] Refiro de novo o leitor para o meu artigo “Verflechtung…”, um título da nota [33].
[50] Título da nota [26]. Como era habitual na época a edição deste livro deve ter sido financiada também por um conjunto de subscritores que vão listados no fim; um deles foi o Conde Karl Christian de Lippe-Weißenfeld que utilizou esta obra como fonte.
[51] Denkwürdigkeiten - “coisas dignas de reflexão”, talvez seja a tradução mais correcta. Uma das argumentações usadas por Schmalz em sua defesa, é que não se tratava duma biografia, mas tão só do relato de alguns factos memoráveis.
[52] Título da nota [19] pp.31-7.
[53] In August Ludwig Schlözer (ed.) Staatsanzeigen, 15º Fasc., Vol. 4, 12 de Março de 1784. Título da nota [19] pp.37-41.
[54] Título da nota [26] pp.34-6. O general era o (6º) Conde dos Arcos.
[55] Título da nota [24].
[56] Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), militar, político e historiador brasileiro, autor da Historia Geral do Brazil, Rio de Janeiro, 1854/7, 2 vols.
[57] Biographische Denkmale (Monumentos Biográficos), Viena, 1825.
[58] Embora como já se disse ele não tivesse sido propriamente um general de Frederico II; a mística fredericiana tenta no entanto adoptá-lo como tal, e é assim que ele vem nomeado no pedestal da estátuta equestre de Frederico II em Unter den Linden, que os turistas podem de novo contemplar (Denkmal König Friedrichs des Grossen - Enthüllt am 31. Mai 1851 [Monumento do Rei Frederico o Grande - inaugurado em 31 de Maio de 1851], Berlin: Verlag der Deckerschen Geheimen Ober-Hofbuchdruckerei, 1851, p.11).
[59] Os efeitos da publicação do Fausto I do Goethe (1808) já se faziam sentir no mundo cultural, quando Varnhagen começou a esboçar as suas biografias.
[60] Berlin: R. Gaertner, 1901.
[61] Título da nota [8] p.214, n.14.
[62] Berlin: Weidmann, 1907.
[63] In Am rauhen Stein VI, s/l, 1907, pp.225 ss.
[64] in Aufsätze zur Portugiesischen Kulturgeschichte, Münster: Aschendorff, nº20, 1992, pp. 177-9.
[65] Lisboa: Presença, 1990, 3 vols.
[66] Das Steinhuder Meer - Eine Sammlung von Nachrichten und Beschreibungen bis 1900 (O Lago de Steinhuder - Uma colecção de notícias e descrições até 1900), Hannover: Piepenbrink: Charis-Verl.,1967.
[67] Wilhelmstein und Wilhelmsteiner Feld - vom Werk des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe (1724-1777) (Wilhelmstein e o Campo de Wilhelmstein - sobre a obra de WSL), edição do autor, 1970.
[68] Die Erfindung ist kein flüchtiger Gedanke: erster deutscher Unterseebootversuch 1772 auf dem Wilhelmstein im Steinhuder Meer (A descoberta não é um pensamento fugidio: a primeira experiência com um submersível em 1772 junto a Wilhelmstein no Steinhude Meer), Bückeburg: edição do autor, 1970.
[69] Atendendo à minúcia - que normalmente não deixa nada ao acaso - que conheço dos alemães, também na preparação deste tipo de acontecimentos, não tenho dúvida que o governo e exército portugueses foram abordados para nele participar, mas não disponho de qualquer referência sobre tal participação. Atendendo a que além do mais só três anos se passavam sobre o 25 de Abril, admito perfeitamente o provável desinteresse pelo acontecimento.
[70] Citadas por extenso em [9].
[71] Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe: 1724 - 1777 - zur Wiederkehr des 200. Todestages von Wilhelm Graf zu Schaumburg-Lippe (WSL: 1724-1777 - para a comemoração dos 200 anos do dia da morte de WSL), Bückeburg: Driftmann, 1977.
[72] Voltaire und die Grafen zu Schaumburg-Lippe (Voltaire e os Condes de Schaumburg-Lippe), Bremen & Wolfenbüttel: Jacobi-Verlag, 1977.
É estranho que, atendendo às suas relações com a inteligentsia judaica de língua alemã (Werner Kraft, Paul Celan, Alfred Kittner), e a vivências traumáticas como a do pogrom de 9/10 de Novembro de 1938, que ele descreve em Die Kristallnacht in Hannover - Erinnerungen e. damals 15 jährigen (A noite dos cristais em Hannover - Memórias de um jovem com então 15 anos), Hannover: Charis, 1980 # 1988 (duas edições), Ochwadt não tenha estudado mais a profunda relação do Conde de Lippe com Moses Mendelsohn, um expoente da comunidade judaica alemã, e tenha dado mais importância a Voltaire, cuja influência sobre Wilhelm foi porventura menor.
[73] Citação completa em [9].
[74] Bückeburg: Niedersächsisches Staatsarchiv, 1988.
[75] É o caso da famosa tese apresentada por Werner Hahlweg à Universidade de Berlim em 1940 - Die Heeresreform der Oranier und die Antike
A reforma do exército dos [irmãos] Orange e a antiguidade), que antecipa de duas décadas a importante polémica da “revolução militar quinhentista”.
[76] Borna: R. Noske, 1937.
[77] Hübinger era no início do ano lectivo de 1932/3 presidente da liga de estudantes agregada ao Stahlhelm (a combativa Associação - de direita - dos Veteranos da Grande Guerra) que alinhara com a NSDStB (a liga de estudantes nazi), com a qual estes obtiveram a maioria na associação de estudantes (AStA) de Heidelberg. Foi assim vice-presidente da direcção desta até à sua extinção, depois da tomada de poder pelos nazis no governo nacional, em Março de 1933 - a partir daí as AStAs democráticas foram eliminadas das universidades. Não sabemos o que se passou então com Hübinger, mas é provável que se tivesse tornado membro activo do NSDStB (‘ »Wer sich nicht bewährt, wird fallen« Maßnahmen und Grenzen nationalsozialistischer Studentenpolitik ’ [»Quem não se puser a toques, espalha-se «Medidas e limites da política estudantil nacional socialista] UNIMUT - Zeitschrift an der Uni Heidelberg [Revista na Universidade de Heidelberg], Nº206, 05/2010, p.2 Ol).
[78] H.H.Klein no título da nota [39] p.13 e n.1, p.294. Não há que esquecer que o “alemão do norte” tende a considerar o austríaco, se por um lado cheio de charme, por outro lado fraco e decadente. Para o nazi alemão, um dos objectivos do Anschluss - que decorrera exactamente em Março de 1938 - era que o comando férreo dos “alemães do norte” tornasse a dar aos austríacos a têmpera que durante séculos lhes assegurara um império. Este aspecto escapa porventura a KIein, que vivera o Anschluss no que se imagina seria um certo ambiente de exaltação patriótica da Academia Militar de Hannover, onde então era jovem cadete.
[79] Título da nota [39] p.41 e n.24, p.297 Hitler e os nazis reclamavam “o espírito de Potsdam” como sua inspiração, e Hübinger dele faz obedientemente a apologia na sua tese.
[80] H.H.Klein citando Hübinger - título da nota [39] p.282 e n.3, p.325
[81] Título da nota [6] a p.3, Wahl refere tratar-se tão só de um resumo em cem páginas da tese que apresentou.
[82] No “auto da fé” de 10 de Maio de 1933, em que foram queimados os livros de autores judeus das bibliotecas de várias universidades alemãs, as obras de Heine, atendendo à sua importância para o romantismo alemão, foram das mais visadas.
[83] O grande pogrom de 9/10 de Novembro de 1938, que de certa forma marca o início oficial da perseguição dos judeus.
[84] Título da nota [6] pp.99/100 e 101.
[85] Título por extenso em [8]. Apresentada em 1969 à Faculdade de Letras da Universidade do Sarre, em Saarbrücken, não se tratava de um trabalho correspondente a uma carreira de investigação na história militar - não se conhecem da autora quaisquer trabalhos de investigação anteriores ou posteriores à tese. Pelo que se pode deduzir da carreira profissional da autora como professora de História e de Francês numa escola privada do ensino secundário dos arredores de Colónia, a Dra. Christa Banaschick escolheu este tema porque dominava o francês e possivelmente o português, e quis-se doutorar para melhorar eventualmente o seu nível científico e didáctico, e as perspectivas da sua carreira profissional, o que é frequente em professores do ensino secundário na Alemanha.
[86] Título por extenso em [3].
[87] Por falta de cuidado na consulta de fontes impressas. Além de um erro sobre a genealogia de Lippe, de que falarei adiante, refere que o Conde reinante foi nomeado Generalfeldzeugmeister logo no princípio das operações na Alemanha Ocidental, em 1756, o que não é verdade - nos três primeiros anos da guerra acompanhou o exército aliado sem funções, sem comando, e sem qualquer posto militar atribuído. Também designa o esquadrão de cavalaria recrutado por Lippe como> Reiter Karabinier <, pois queria que se entendesse tratar-se de um corpo para actuar como cavalaria ligeira, embora com algum armamento (couraça) da cavalaria pesada. Ora> Reiter < era exactamente a designação dada exclusivamente à cavalaria pesada (também utilizando pistolas), que, começando na Alemanha, substituíra os cavaleiros medievais a partir do século XVI (título da nota [8] p.44). Mais adiante traduz erradamente Scottish highlanders por schottische Gebirgstruppen [tropas de montanha escocesas] (título da nota [8] p.162) Os highlanders são infantaria dos Highlands (Terras Altas escocesas), mas não têm características de tropas de montanha que, de resto, só apareceram como tais no séc. XIX. Finalmente afirma ter sido Lippe bem sucedido no cerco de Wesel (que teve de levantar), quando o sucesso fora antes, no cerco de Münster (título da nota [8] p.46). Parecendo embora questões de pormenor, não seriam estes erros cometidos por um historiador militar.
[88] Die Bibliotheken des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe (1724–1777). Annäherung an die Persönlichkeit eines Landesherrn des 18. Jahrhunderts durch die Rekonstruktion seiner Bibliothek (As bibliotecas do WSL. Aproximação à personalidade de um soberano local do século XVIII através da reconstrução da sua biblioteca).
[89] Título da nota [33].
[90] Nota [26] p.10 von der Schulenburg era o apelido de solteira da Duquesa de Kendal; quando se tratou de George Príncipe Eleitor de Hannover ir assumir a coroa inglesa para assegurar o protestantismo contra os católicos Stuart, ele ia suceder numa corte à qual a Rainha Ana tinha dado um certo decoro; não era assim muito indicado que aparecesse um príncipe alemão (George I não falava sequer inglês), de mulher legítima, amante institucional e três filhas bastardas atrás. Um nobre da corte de Hannover, Raben Christoph von Oeynhausen, casado com Sophia Juliana von der Schulenburg, irmã de Ehrengard Melusine, Duquesa de Kendal, concordara em assumir a paternidade da filha mais nova desta como sua filha legítima, na vez do futuro George I. Foi por isso compensado com o título de Conde do Império, e Margaret Gertrude, a mãe de Wilhelm, passou assim a ser a Condessa de Oeynhausen. Um neto de Raben, Carl August Conde de Oeynhausen (1738-1793) veio para Portugal em 1776, recomendado por Lippe, de quem como se pode ver era primo, tendo-se casado em 1779 com a 4ª Marquesa de Alorna, irmã e depois herdeira do título do malfadado comandante da Legião Portuguesa; os seus descendentes por cá ficaram, tendo prestado serviço na metrópole e no ultramar, incluindo o Brasil (Strasen, E.A./Gândara, Alfredo Oito séculos de História Luso-Alemã, Berlim: Instituto Ibero-Americano, 1944 pp.274-8).
[91] Título na nota [57] p.3.
[92] Título na nota [36] p.3.
[93] Título na nota [43] p.10.
[94] Título na nota [8] p.39. Aqui temos um bom exemplo de como tudo o que inclua capítulos de história social personalizada não dispensa a consulta de genealogias correctas.
[95] Título na nota [39] p.5.
[96] Título na nota [39] p.204, e Ochwadt, Curd “Zur Biographie des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe” in W.I, p.476. Tratar-se ia provavelmente de uma freira, e o comentário de Varnhagen que Klein cita (título da nota [39] n. 63 a p.314) que “conventos inteiros de freiras não eram mais que serralhos para os privilegiados” baseia-se certamente na fama que D. João V lhes deu. A tradição indígena da freira e do militar estrangeiro vem no entanto de muito antes disso, com Soror Mariana Alcoforado.
[97] “A descendência bastarda do Conde Guilherme de Schaumbourg Lippe em Portugal” in Boletim do Arquivo Histórico Militar, Volume 15, pp. 1-26. Klein recolheu o nome de D. Ana da obra de Ochwadt [W I] p.476, que por sua vez cita a p.488 n.68 Varnhagen como fonte. Na edição de 1825 deste autor, a que tenho acesso online, não se encontra. Mas tanto Ochwadt, como Klein (e mesmo Banaschik-Ehl) citam a edição de 1872, que não tenho possibilidade de conferir.
[98] Que não bastarda, dado o Conde e D. Ana serem ambos solteiros.
[99] Que, como segundo filho sem posses, serviu o rei de França Luís XV como soldado de fortuna, e coronel do Regimento de Alsácia (em 1736).
Durante a Guerra dos Sete anos, não estando no serviço activo, foi uma espécie de responsável pela soberania (Statthalter) de Schaumburg-Lippe, durante a ocupação pelas tropas francesas em 1757. (título da nota [72] pp.74/5)
[100] Hoje em dia Grenadier Guards.
[101] Embora ele esteja a referir em boa parte, inclusive transcrevendo, a biografia de Lippe por Ochwadt em W I pp.467-70.
[102] Título de nota [57] p.6.
[103] Título de nota [57] p.10.
[104] W I p.469.
[105] Recordo que o título da nota [72] sobre Voltaire e os Condes de Schaumburg-Lippe foi publicado em 1977, ano do centenário da morte, juntamente com os dois primeiros volumes das obras de Wilhelm de que Ochwadt era também editor.
[106] Título de nota [39] p.10.
[107] W I pp.472/3.
[108] Título da nota [39] p.30.
[109] A Batalha de Dettingen (27 de Junho de 1743), na Baviera, que opôs aos franceses o exército aliado de ingleses, austríacos, alemães e holandeses, foi a última em que um rei inglês, George II (meio irmão da mãe de Wilhelm), comandou as suas tropas no campo de batalha.
[110] « Mémoires militaires de tout ce qui s’est passé à l’armée autrichienne en Italie, depuis le 9 Avril 1745 jusqu’à l’onze de Septembre de la même année » in W II pp.1-8.
[111] Ochwadt nas notas biográficas W I p.467.
[112] Foi de resto este um aspecto que granjeou nas direitas tradicionalistas ibéricas uma especial simpatia pelos nazis - ao contrário do anti-semitismo oficial, que de certa forma se esgotara historicamente na Península com a Inquisição. Dado que essas direitas consideravam a maçonaria como o principal suporte da II República espanhola, e responsável pelo caos político que levou à Guerra Civil, os inimigos dos pedreiros livres tornaram-se nos seus amigos. Quando no fim da II Guerra Mundial a actividade criminosa dos nazis foi divulgada, as direitas recusaram-se de início a acreditar, mas quando a irrefutabilidade das provas tornou isso impossível, caíram em profunda crise moral.
[113] P.15 do seu livro [34], conforme citado por Klein pp.9 e 294 nn.23-24 do título citado em [39].
[114] Independentemente de ele a ter certamente apoiado enquanto existia, e de não ser certamente capaz então de a infringir com tal notícia.
[115] Kugler, F./Menzel, A. Geschichte Friedrich des Grossen. Köln: Verlag E.A.Seemann, [1840], pp.119/20.
[116] Título da nota [26] p.17.
[117] Título da nota [26] pp.76-8.
[118] Título da nota [26] pp.78-80 Piedosa mentira! - Sabe-se que os seis modelos de canhões em ouro que lhe tinham sido oferecidos pelo rei D. José como recompensa dos seus serviços a Portugal, tiveram de ser vendidos, para pagar dívidas que deixara. Por outro lado Klein refere como um dos primeiros problemas que Wilhelm teve de enfrentar, o do endividamento do Condado, e uma das medidas a que recorreu para o resolver, a de um “imposto de assistência” extraordinário (Título de nota [39] p.27).
[119] Título da nota [26] pp.86/7 e 110/1.
[120] Título da nota [26] pp.87/8.
[121] Título da nota [26] pp.89/90 Seria interessante que os nossos qualificados estudiosos do material histórico de artilharia verificassem se ainda restam alguns desses canhões de Bückeburg entre nós.
[122] Título da nota [26] pp.94-9.
[123] Título da nota [26] pp.102-6.
[124] O que é presságio da forma como anos mais tarde terá tratado outros privilegiados do exército português - Marquês de Marialva, Visconde de Vila Nova de Cerveira - despertando os correspondentes antagonismos. Só que Lippe, como todas as personalidades superiores, era imune a intrigas e maledicências.
[125] Salvas as devidas proporções, vem à memória a colonização do limes romano pelos legionários veteranos, que assumiriam se necessário a sua própria defesa.
[126] A Guerra dos Sete Anos (1756-62) tem sido por vezes designada por primeira guerra mundial, pois foi combatida em vários teatros de operações, desde a América do Norte e Índias Ocidentais, passando episodicamente por Portugal, concentrando-se na Alemanha, Silésia, Prússia Oriental e Boémia, e estendendo-se até às Índias Orientais. Começou por ser um prolongamento do conflito pela liderança do mundo alemão, entre a Prússia e a Áustria, que começara na Guerra da Sucessão da Áustria (1740-48), mas quando as duas grandes potências coloniais europeias alinharam - a Grã-Bretanha pela Prússia, e a França pela Áustria - o conflito atingiu enormes proporções, englobando a Rússia, a Suécia, a Espanha, e vários dos menos importantes estados alemães, incluindo Schaumburg-Lippe. Na Europa continental pode-se sobretudo falar de dois grandes teatros de operações: o oriental, nos territórios da Silésia, da Prússia, da Saxónia e da Boémia, onde o exército de Frederico II, por ele comandado, ou pelos seus generais, se opôs ao austríaco, ao russo e ao saxão, e o ocidental, em território alemão - Baixa Saxónia, Westfália, Renânia - onde o exército britânico e de Hannover (cujo soberano era o rei de Inglaterra), juntamente com alguns aliados alemães (entre os quais Schaumburg-Lippe), se opôs ao exército francês. Comandantes do exército aliado foram o Duque de Cumberland (primo do Conde de Lippe), até ser derrotado em Hastenbeck (1759), e depois o Duque Fernando de Brunsvique (até ao fim da guerra).
[127] Sobre a participação do estado de Schaumburg-Lippe e do Conde reinante na Guerra dos Sete Anos utilizarei como base informativa a obra do Ten.Gen. Klein [39]. Embora outras obras - como a de Strack von Weissenbach [36] - se ocupem deste tema, a perspectiva de Klein é no entanto a mais informada e actualizada.
[128] Existe uma história regimental deste corpo por G.W. von Düring Geschichte des Schaumburg-Lippe-Bückeburgischen Karabinier- und Jäger-Korps, Berlin: Ernst Siegfried Mittler, 1828 Ol. Enquanto em Portugal instituiu o Marechal General um corpo semelhante no nosso exército, que foi designado por “Voluntários Reais” (era constituído por voluntários seleccionados nos diversos regimentos de infantaria e cavalaria) - teve uma vida efémera, sendo dissolvido em 1769. (Título da nota [8] p.145 n.745).
[129] Ficou cá conhecido como o Marechal de Campo João Henrique Böhm (1730-1783). Em 1767 foi para o Brasil, tendo sido promovido a Tenente-general, e avançado com as tropas em 1774 para proteger a Colónia do Sacramento contra as arremetidas espanholas (não era austríaco como por vezes erradamente se alega, mas natural de Bremen, no norte da Alemanha).
[130] “Réflexions sur la Campagne Prochaine » W II pp.66-71.
[131] Naquilo que se tornará num Leitmotiv da estratégia lippiana, com a defesa do território de Schaumburg-Lippe no subconsciente.
[132] Título da nota [39] pp.99/100. Não há que esquecer que Wangenheim era por então um experimentado general de 53 anos de idade, e que Lippe era tão só um recém-chegado artilheiro de 35, que ainda não tinha dado qualquer prova em campanha das suas capacidades de comando.
[133] W II pp.8-13.
[134] W II pp.17-33.
[135] Charles Eugène Gabriel de La Croix de Castries, Marquês de Castries, Marechal de França (1727-1801). Exilado durante a Revolução Francesa, acabou por ir morrer à corte de Brunsvique, acolhido por aquele que tinha derrotado em Klosterkamp - “les beaux esprits se rencontrent” ou “cavalheirismo d’outros tempos”! Charles Eugéne Gabriel era antepassado directo de Christian de La Croix de Castries (1902-1991) General de Divisão oriundo da Arma de Cavalaria, campeão hípico, foi como coronel o heróico comandante de Dien Bien Phu, na Guerra da Indochina, em 1954.
[136] Título da nota [39] p.143.
[137] Era esta também a opinião de Voltaire, tendo dado origem a polémica pública deste com o Conde reinante (em título da nota [72] pp.81-7). Como termo de comparação, embora quarenta anos depois, teremos a carreira de Wellington na Península. Em 1808, tinha 39 anos, 21 anos de serviço no exército, era tenente-general, e tinha já um comando operacional independente bem sucedido, embora na Índia (“general de cipaios”, como lhe chamava desdenhosamente Napoleão): mesmo assim tinha acima de si no comando da força expedicionária a Portugal dois generais de maior antiguidade.
[138] Já Varnhagen tivera notícia dessa actuação das ordenanças: título da nota [57] p.35.
[139] Não tendo tido possibilidade de consultar directamente o periódico, traduzo a versão alemã de Banaschik-Ehl (título da nota [8] pp.66/7), incluindo entre parêntesis as referências a ano, número e página da Gaceta.
[140] Título da nota [8] nota 322 p.236. Embora segundo a autora o vocábulo só tenha sido usado no castelhano a partir da Guerra Peninsular, parece-lhe que esse assim designado tipo de guerra já fora praticado pelos portugueses 46 anos antes.
[141] Alexander O’Reilly, irlandês que serviu na Guerra dos Sete anos, e depois ofereceu os seus préstimos ao exército espanhol, era só coronel por esta altura. A autora refere-se-lhe como tenente-general, mas ele só atingiu este posto a partir de 1769, altura em dominou um levantamento dos colonos franceses da Luisiana como governador espanhol daquela província, depois negociada com os E.U.A.
[142] Ver nota [129].
[143] Esta actividade guerrilheira das ordenanças está pouco estudada; também para a Guerra Peninsular só é referida aquela em que havia oficiais ingleses no comando das guerrilhas. Isto terá possivelmente a ver com os factos da ligação das ordenanças com a hierarquia militar ter sido incipiente, de aparentemente os oficiais superiores das ordenanças - capitães mores e sargentos mores - não se envolverem na maior parte dos casos directamente na guerrilha, e da maioria dos efectivos da ordenança ser analfabeta. Mas por outro lado as fontes colaterais têm sido pouco exploradas, mesmo quando facilmente disponíveis, como mostra esta leitura por parte de Christa Banaschik da Gaceta de Madrid, que até ao aparecimento da sua tese fora aparentemente ignorada.
[144] Título da nota [39] pp.177/8.
[145] Título da nota [8] p.71 e título da nota [39] p.176.
[146] Título da nota [39] p.166. Christa Banaschik designa-a por “guerra de destacamentos” (título da nota [8] p. 71), mas não é esse obviamente o nome que lhe dera Lippe.
[147] Título da nota [8] p.9 Dele cita os títulos de dois relatórios do Marechal-General que não encontro mencionados em W I ou W II: 1.”Journal d’un voyage dans le royaume d’Algarve, avec des Observations sur la Rivière de Guadiana et les places de la province d’Alentejo”. 2.“Indication des differentes routes du royaume avec des notes de la main du Comte Guillaume, sur la nature de ces routes, considérées sous des rapports militaires». Encontram-se ambos no Arquivo Histórico Militar - Arquivo Conde de Lippe Caixa 25.19 Título da nota [8] p.150.
[148] Não consegui localizá-lo na Porbase, nem no Diccionário Bibliográfico de Innocencio.
[149] Foram publicadas várias obras de carácter militar, inclusive manuais, mas nenhuma determinando modificações estruturais do Exército, ou alterações oficiais do serviço.
[150] Título da nota [14]. Esta obra é raríssima, mesmo em bibliotecas alemãs. Em W II Ochwadt publicou a pp.72-7 uma selecção muito limitada, que pouco mais inclui do que os títulos dos capítulos. Assim não vejo como se poderá comparar em pormenor este regulamento da Guarda de Bückeburg com as Instrucções Geraes … sem uma deslocação ao Arquivo do Palácio de Bückeburg, onde existe seguramente um exemplar.
[151] Título da nota [12].
[152] Título da nota [8] p.85.
[153] Título da nota [8] p.89.
[154] Quando nos idos de 1961 assentamos praça na Escola Prática de Artilharia, a irreverência de jovens universitários levava-nos por vezes a exprimir dúvidas sobre a lógica de determinados passos do serviço interno do quartel. A resposta que impreterivelmente ouvíamos era sempre a mesma: “Atenção que esta regra existe desde o Conde de Lippe!”.
[155] O Marquês de Marialva, melhor equitador que militar, e o Visconde de Vila Nova de Cerveira, que Pombal acabou por encarcerar no Forte de S. João da Foz do Douro, onde passou longos anos.
[156] Título da nota [8] p.90.
[157] Reglement, An die gantze Königl. Preußische Infanterie, Anlangend die Evolutiones Handgriffe Und die CHARGIrung: Imgleichen Wie der Dienst im Felde und Guarnison bey der gantzen Infanterie geschehen soll; Und Wornach sich die Feld-Marchals, Generals, Gouverneurs, Commandanten, Obristen, oder Commandeurs von denen Bataillons, und die sämtliche Officiers von der Infanterie zu verhalten haben (Regulamento para toda a Real Infantaria Prussiana, relativa às evoluções, manuseamento e carregamento: em como o serviço em campanha e na guarnição deve ser executado; e da forma como os marechais, generais, governadores, comandantes, coronéis ou comandantes de batalhão e todos os oficiais de infantaria se devem comportar) - Gegeben und gedruckt Potsdam, den 20. Februarii 1718. Trata-se de uma obra de 436 pp., in 8º, e é extraordinariamente rara: só sei da existência de um exemplar na Geheimes Staatsarchiv Preußischer Kulturbesitz Bibliothek (6 R 125).
[158] Reglement vor die Königliche Preußische Infanterie von 1726 (Regulamento da Real Infantaria prussiana de 1726) - Faksimiledruck der Ausg. 1726, Osnabrück: Biblio Verlag, 1968, 642 pp.
[159] Reglement Vor die Kgl. Preuszische Infanterie: worinn enthalten die Evolutions, das Manual und die Chargirung, und wie der Dienst im Felde und in der Garnison geschehen soll, auch wornach die sämtliche Officiers sich sonst zu verhalten haben, desgleichen wie viel Tractament bezahlet und darvon abgezogen wird, auch wie die Mundirung gemachet werden soll…(Regulamento para a Real Infantaria Prussiana: no qual se contêm as evoluções, o manuseamento e o carregamento, e como o serviço deve ser executado em campanha e na guarnição, bem como todos os oficiais se devem comportar, e quanto deve ser pago em soldos, e quanto descontado, e como deve ser correctamente expresso …), Berlin, 1743, 654 pp. É de fácil acesso online, na edição de 1750. Ol
[160] Max Jähns Geschichte der Kriegswissenschaften vornehmlich in Deutschland (História das Ciências Militares, especialmente na Alemanha) Hildesheim: Verlagsbuchhandlung Georg Holms, 1891, III Vol., p.2499. A edição que possuo é a facsimil de 1966.
[161] Título da nota [39] p.195.
[162] W II p.420.
[163] Título da nota [8] p.92.
[164] Título da nota [8] p.138/9 n.725. O pique, longa lança de 5 a 6 metros, fora introduzido pela infantaria suíça no fim do século XV, e fora a arma que lhe dera a dominância sobre a cavalaria medieval. Adoptada no século XVI por todas as infantarias europeias, esta arma, alternando com o arcabuz, fez da infantaria a “rainha da batalha” - manter-se-á em uso até ao dobrar do sec.XVII para o XVIII (ver o meu título da nota [15] pp.169/70). O aparecimento por essa altura da baioneta, que permitia usar concomitantemente a espingarda como arma de fogo e arma branca, fez aparentemente desaparecer o pique. O que é certo é que Lippe não considerava essa substituição eficaz, e determinou assim a reintrodução dos piques, conforme o seu Novo Methodo para dispor hum corpo de Infantaria, de sorte que possa combater com a Cavallaria em Campanha raza/estabelecidas por ordem de o conde reinante Schaumbourg Lippe; e traduzidas do original na lingua portugueza por D. Joaquim de Noronha, [Lisboa]: impresso na Secretaria de Estado, 1767.
[165] Título da nota [8] p.97 n.485.
[166] Título da nota [8] p.98.
[167] Palmeirim, Augusto Xavier (título da nota [3]).
[168] Instruction sur l’exercice de l’infanterie Du 29 Juin 1753, Paris: L’Imprimerie Royale, M DCC LIII. Ol
Instruction sur l’exercice de l’infanterie Du 14 Mai 1754, Paris: L’Imprimerie Royale, M DCC LIV. Ol
[169] Instruction pour l’armée du roi commandée par Mr. le Maréchal Duc de Broglie, Francfort: les Freres van Duren, M DCC LX. Ol
[170] Direcçoens, que ham de servir para os senhores coroneis, tenentes coroneis e majores dos Regimentos de Infantaria dos exercitos de Sua Magestade Fidelissima executarem com precizaõ os grandes movimentos das Tropas/estabelecidas por ordem do Conde Reinante de Schaumbourg Lippe; traduzidas do original na lingua portugueza por D. Joaquim de Noronha, [Lisboa]: imp. na Secretaria de Estado, 1767.
[171] Ordenança, que determina as obrigaçoens dos inspectores das tropas de sua Majestade Fidelissima, [Lisboa]: Impressa na Secretaria do Estado, 1767.
[172] Que ainda de certa forma persistia, três anos depois de implementada a reforma, e quando se realizaram os exercícios dos Olhos de Água, na visita que Lippe fez a Portugal em 1767 (Título da nota [8] p.154).
[173] Como aconteceu depois, entre 1809 e 1820.
[174] Título da nota [8] p.109.
[175] Título da nota [10] p.162.
[176] Título da nota [10] pp.1-3.
[177] Título da nota [11] pp.1-3.
[178] Título da nota [8] p.109/10.
[179] Também na Alemanha existiam já por esta altura os postos de Fahnenjunker e Second-Lieutenant, e ainda hoje existem (Second Lieutenant com a grafia de Leutnant, Premier Lieutenant com a grafia de Oberleutnant) enquanto que porta bandeira como posto desapareceu há muito do exército português, e existe tão só como cargo inerente ao alferes mais moderno de cada unidade.
[180] O que era comum a outros “déspotas iluminados”, tais como Frederico II. Achava este rei que só os nobres tinham um “bom nome” a preservar, só eles eram educados na ”mística da honra”, condição básica de toda a carreira militar - assim, mal as necessidades urgentes da Guerra dos Sete Anos se extinguiram, o “grande” Frederico começou a forçar a saída do quadro de oficiais de infantaria e cavalaria a todos aqueles de origem burguesa que nele tinham ingressado ao sabor dessas necessidades. Também o exército francês a seguir a Choiseul vai tentar excluir os oficiais “burgueses”, alguns com as qualidades dum Charles François Dumouriez - esta desafectação dos militares burgueses será uma das fortes razões da divisão do exército francês perante a Revolução. (Ver de Scott, Samuel E. The response of the Royal Army to the French Revolution, Oxford: Clarendon Press, 1978).
[181] Plano, que Sua Magestade manda seguir, e observar no establecimento, estudos, e exercicios das aulas dos regimentos de Artilharia, Lisboa, 1763.
[182] Pro-Memoria a respeito de huma differença de opiniaõ na Aula de Artilheria de S. Juliaõ da Barra sobre o modo de regular-se para selançarem bombas com certeza / Conde de Schaumbourg Lippe, S.l.: s.n. depois de 1771.
[183] Compendio das diversas obras que o Conde reynante de Schaumbourg Lippe... remeteo ao Brigadeiro Christianno Frederico de Weinholtz para serem traduzidas na lingoa portugueza e entregues a esta Corte (Biblioteca Nacional, Reservados, manuscrito 927).
[184] Memorias para um official de artilheria em campanha... / Manuel Pereira do Amaral - Lisboa: Regia Off. Typ., 1778. Ol
[185] Entre os quais o seu ADC Major William Warre (ver as suas Letters from the Peninsula, London: John Murray, 1909) e o seu Quartel-Mestre General Benjamin d’Urban (ver o seu Peninsular Journal, London: Greenhill Books, 1988).
[186] Pelo contrário, o seu desempenho é mais do que uma vez louvado nas exaustivas memórias do Major Alexander Dickson, da Royal Artillery, transferido para a artilharia portuguesa em 1809 (ver The Dickson Manuscripts, Woolwich, 1905-1908, Vols. I - V).
[187] Memoria sobre os exercicios de meditação militar para se remeter aos Senhores Generaes, e Governadores de Provincias, a fim de se distribuir aos Senhores Chéffes dos Regimentos dos Exercitos de S. Magestade / pelo Conde Reinante de Schaumbourg- Lippe, Marechal General dos Exercitos de Sua Magestade Fidelissima, e General Feld-Marechal dos de Sua Magestade El-Rei da Graõ-Bretanha, Lisboa: na Officina de João Antonio da Silva, Livreiro da Caza Real, 1782.
[188] Título da nota [8] p.190.
[189] Título da nota [26] pp.49/50. Seria interessante confirmar se há notícia desta “ordem” para traduções do Conde de Lippe, na Universidade de Coimbra, ou porventura entre os futuros fundadores (em 1779) e primeiros associados da Academia das Ciências.
[190] Ver os meus títulos da nota [15].
[191] A análise que aqui faço é tão só à vol d’oiseau, como diria Lippe. Ochwadt publica em W II os textos de Lippe sobre este tema: “Nouvelle méthode pour disposer un corps d’infanterie de sorte qu’il puisse combattre avec la cavalerie en rase campagne» (pp.167/79); «Cinq articles pour être ajoutés au Novo methodo para dispor etc., formant la première section de l’essay d’un nouveau sistème de tactique (1775)» (pp.184-225). Úteis também são os comentários do Ten.Gen.Klein «Neue Taktik» [Nova táctica] título da nota [39] pp.231-8.
[192] Maquiavel na Arte della Guerra advogava que a sua cidade de Florença desistisse dos mercenários e mobilizasse a sua população como infantaria para a própria defesa (título da nota [15] p.165). Existe agora disponível em português uma tradução desta obra: A arte da guerra (Tradução, Estudo Introdutório e notas de David Martelo), Lisboa: Edições Sílabo, 2006.
[193] Título da nota [39] p.239.
[194] Dez anos depois, em Janeiro de 1945, quando as tropas inimigas estavam prestes a entrar no território do Reich, a propaganda nazi, num último esforço para mobilizar a resistência popular, apresentou um filme cuja mestria e qualidade não disfarçam os óbvios fins propagandísticos. Trata-se de Kolberg, um filme de Veit Harlan, que narra a forma como um jovem oficial - Gneisenau - consegue convencer um titubeante Frederico Guilherme III, e empolgar uma população na defesa da sua terra - e nisso segue claramente o plano defensivo do Conde de Lippe.
[195] Título da nota [26] pp.58/9.
[196] Título da nota [19] p.23.
[197] Título da nota [39] pp.240/1. Claro que isto depende das circunstâncias locais, e a iniciativa para a construção do Forte da Graça, localizado exactamente no perímetro defensivo duma cidade fortificada, foi de exclusiva iniciativa dele. Sobre o assunto acrescentarei mais na rubrica seguinte.
[198] A coordenação da infantaria com a artilharia parece ter sido um aspecto fundamental da sua teoria. Vejamos o que sobre isto nos diz Scharnhorst “A táctica da infantaria está totalmente envolvida pela artilharia. A sua arte de fortificação está tão adaptada à sua artilharia e à sua táctica, que não se podem de todo separar. A sua ‘chaine ambulante pour couvrir la marche d’une Troupe, ou Colonne par un feu continuel’ baseia-se tão só no movimento e apoio alternado da infantaria e da artilharia ligeira. A artilharia era a menina dos seus olhos. Os seus falconetes, que não pesam mais de 200 lb, e disparam projécteis de 1 lb, conseguem o mesmo alcance dos canhões regimentais de 600 a 800 lb, disparando projécteis de 3 lb, e são de tiro mais veloz, mais fáceis de apontar, acompanhando todos os movimentos da infantaria, e tirados só por dois homens através de sebes, estacadas, fossos e montes, ou seja através de todo o terreno utilizável pela infantaria.” (Título da nota [24] pp.174/5).
[199] Esquema no título da nota [39] p.242, e contra capa posterior de Ochwadt, Curd Wilhelmstein und Wilhelmsteiner Feld. Vom Werk des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe (1724-1777) [Wilhelmstein e o Campo de Wilhelmstein. Da obra de W …), Hannover: Charis-Verlag, s/d.
[200] Que será tratado na rubrica seguinte.
[201] O luxemburguês Henry Claude du Frainoy, que será depois comandante da pequena força de artilharia de Schaumburg- Lippe (W I p.422/ título da nota [39] p.8 n.20).
[202] Título da nota [26] p.60/1.
[203] Bélidor, Bernard Forest de (1698-1761) Nouveau Cours de Mathematique a l’usage de l’Artillerie et du Genie, Paris : Charles-Antoine Jombert, 1725. Ol O Gen. Palmeirim (no título da nota [3], p.120 nota - a) cita uma curiosa anedota contada pelo Gen. Stockler sobre José Anastácio da Cunha, então segundo tenente de artilharia que, durante a viagem de inspecção de Lippe a Portugal em 1767, lhe teria apresentado uma memória sobre balística, em que considerava erradas algumas doutrinas de Belidor. Ora tendo o Marechal-General proibido aos artilheiros a leitura de outros livros que não fossem os indicados no Plano de 1763, vendo através da memória apresentada que ele tinha infrigido essa determinação, mandou-o prender. Percebeu depois que ele tinha razão, tendo-o recomendado ao seu comandante, Brigadeiro Ferrier, para primeira promoção; terá isso levado Pombal a fazê-lo lente de matemática, quando da reforma da Universidade de Coimbra.
[204] Título da nota [26] p.62.
[205] Título da nota [26] p.63/4.
[206] Título da nota [39] p.268.
[207] Logo em 1788, divulgou sob o título “Neue Taktik, welche der verstorbene regierende Graf Wilhelm von Schaumburg-Bückeburg bey seinem Truppen eingeführt” (Nova táctica que o falecido Conde reinante WSL adoptou para as suas tropas) no periódico Neues militärisches Journal (I, 1, pp.1-38 / I, 2, pp.131-61), Ol, uma versão alemã da Mémoire pour servir à l’art militaire, Bückeburg, 1775/6, 2 vols., da autoria do Marechal-General.
[208] Stadelman, Rudolf Scharnhorst - Schicksal und geistige Welt (Scharnhorst - destino e mundo espiritual), Wiesbaden: Limes Verlag, 1952, pp.40/1.
[209] Carl Philipp Gottlieb von Clausewitz (1780-1831) é provavelmente o mais importante ideólogo militar dos tempos modernos. A sua obra Vom Kriege (Da guerra), Berlin: Ferdinand Dümmler, 1832, é porventura ainda hoje das mais influentes no pensamento militar e político ocidental (o exemplar que utilizo, adquirido há mais de trinta anos, é da 17ª edição, publicada ainda em 1966 sempre pela mesma editora: Ferdinand Dümmler). Clausewitz foi com 38 anos o mais novo major-general prussiano do seu tempo; morreu na epidemia de cólera que as tropas russas que vieram dominar o levantamento polaco de 1830 trouxeram consigo. Clausewitz era chefe de E.M. da força prussiana comandada por Gneisenau, e destinada a apoiar os russos; assumiu o comando depois de Gneisenau morrer (também de cólera), mas pouco tempo lhe sobreviveu.
[210] Schwertfeger, Generalmajor a.D. Dr.phil.h.c., Bernard Die grossen Erzieher des deutschen Heeres - Aus der Geschichte der Kriegsakademie (Os grandes educadores do exército alemão - Da história da Academia de Guerra), Potsdam: Rütten & Loening Verlag, 1936, p.42.
[211] Título da nota [39] pp.240/1.
[212] De facto podemos hoje em dia confirmar na carta de 1/25000, que a cota do Forte da Graça é superior em 70 m ao ponto mais alto de dentro de muros, em Elvas; por outro lado o alcance máximo útil para a artilharia da época de 1800 m permitia uma cobertura de tiro da área de fora de muros a poente, norte e nascente da cidade, bem como praticamente de toda a de dentro de muros. O sul já era protegido pelo Forte de Santa Luzia.
[213] Trata-se da adaptação do alemão Hornwerk utilizada por Luís Serrão Pimentel Methodo Lusitano de desenhar as fortificaçoens …, Lisboa: Antonio Craesbeck de Mello, 1680, p.80. Este autor usa ainda a tradução mais colorida (e correcta) de cornas ou obras cornutas.
[214] Com as quais ele depois lá veio a realizar experiências: “Erster Anhang von den Militairanstalten des verstorbenen regierenden Grafen von Schaumburg-Lippe, königl. Portugiesischen Generalissimi &c. Ein Schreiben des Herrn Fähnrich G.Scharnhorst, Chur-hannöverschen Dragonerregiment von Estorf” (Primeiro apêndice sobre as instituições militares do falecido Conde reinante de Schaumburg-Lippe, Generalíssimo do Rei de Portugal etc. Um artigo do Senhor Aspirante G. Scharnhorst, do Regimento hanoveriano dos Dragões de Estorf) in título de nota [26] pp.161-186). Sobre as actividades específicas do Conde de Lippe como artilheiro, procurarei publicar num dos próximos números da Revista de Artilharia um artigo intitulado “O artilheiro Conde de Lippe”, que incluirá uma tradução na íntegra deste apêndice sobre as actividades de investigação científica sobre material de artilharia, pólvora e munições de iniciativa do Conde na sua Escola Militar de Wilhelmstein.
[215] Ochwadt, Curd Wilhelmstein und Wilhelmsteiner Feld - Vom Werk des grafen Wilhelm zu Schaumburg Lippe (1724-1777), (Wilhelmstein e o campo de Wilhelmstein - Da obra de WSL…), Hannover-Kirchrode: Charis-Verlag, s/d. Quem estiver interessado e procurar na Internet através do Google - Wilhelmstein - Imagens de Wilhelmstein, encontrará abundantíssimas fotografias do estado actual muito bem conservado do forte, bem como gravuras do original setecentista - as 16 pequenas ilhas da estrutura original, bem como os baluartes, revelins e cortinas já não existem, mas tão só algumas das construções que essas defesas abrigavam. O leitor ficará espantado com as semelhanças com o Forte da Graça (salvas as devidas proporções).
[216] A Sra.D. Heike Matzke teve a grande gentileza de pôr à minha disposição dois ficheiros electrónicos com a sua tese de mestrado na Fachhochschule (Instituto Politécnico) de Hannover. No primeiro está contido o já citado título da nota [88]; no segundo o Bücherkataloge zur Bibliothek des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe im Schloss Bückeburg (WN) und zur Bibliothek der Militärschule auf dem Wilhelmstein (WST) - Anhänge zur Diplomarbeit: Die Bibliotheken des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe (1724-1777) (Catálogo da Biblioteca de WSL no Palácio de Bückeburg [WN] e da Biblioteca da Escola Militar de Wilhelmstein [WST]. Apêndices à tese de mestrado: As bibliotecas do WSL). Aqui ficam registados os meus agradecimentos. Todas as informações que passo a dar sobre estas bibliotecas são recolhidas destas obras.
[217] Título da nota [88] p.29 e n.80.
[218] Título da nota [88] p.26.
[219] Título da nota [88] p.27.
[220] Belidor, Bernard Forest Novo curso de mathematica, Lisboa, 1761, Vol. 1 - 4.
Belidor, Bernard Forest Obras posthumas, [s.l.], 1767, [10] f., 293 pp.: Ill.
Marques, Joseph Novo Diccionario das linguas portugueza e franceza. - 1eira ed. - Lisboa, 1764. T. 2.
Menezes, Luis de Historia de Portugal restaurado, em que se dá noticia das mais gloriosas [...], Lisboa: Rodrigues, 1751, Vol. 1 (1751) - 4 (1759). (Título da nota [210] pp.170/1,180, 181).
[221] O perfeito Bombeiro: ou novo methodo de causas (?) as bombas. (Título da nota [210] p.182) Este manuscrito, que não consegui localizar nos manuscritos da BN, não se referia com certeza a “apagar fogos”, mas antes a acendê-los - teria a ver provavelmente com munições de artilharia, especialmente com a técnica ainda então incipiente do fabrico e manipulação das “espoletas”(rastilhos) de tempos da época.
[222] Título da nota [88] p.29.
[223] Wilhelm Ernst Graf zu Schaumburg-Lippe Reglement die Studia und Exercitia des Schaumburg-Lippe-Bückeburgischen Ingenieur- und Artillerie-Corps betreffend, vom Febr. 1770, Bückeburg: Althans, 1770, reeditado em W II pp.78-88, com acrescentos e notícias sobre o funcionamento da escola pp.88-103.
[224] Göttingen [u.a.]: Dieterich, 1769, {8} f., 382 pp., [1] f. (Título da nota [88] p.49 e p.36).
[225] Título da nota [13].
[226] Título da nota [13] p.295, referido em título da nota [88] p.50. Ao referir em 1773 “instituição” em regras dirigidas aos “Senhores Generaes, e Governadores de Provincias, a fim de se distribuir aos Senhores Chefes dos Regimentos” do exército português, Lippe parecia estar originalmente a escrever sobre a sua escola. Também é curioso que, apesar desta liberalidade de conceitos, o Marechal-General não escapava ao tique autoritário, como se pode ver pela anedota sobre José Anastácio da Cunha [198].
[227] Título da nota [13] p.299, referido em título da nota [88] p.50.
[228] Título da nota [13] p.299, referido em título da nota [88] p.51.
[229] Título da nota [13] p.300, referido em título da nota [88] p.51. Aqui parece justificada a punição de José Anastácio pelo Marechal-General - por mais que um oficial seja sabedor e capaz, isso não lhe permite nunca pôr em causa a disciplina e escala de comando militares.
[230] No que não era original. O francês era no século XVIII a lingua franca europeia da cultura, e outros autores político-militares - como Frederico II - utilizaram-na de preferência, também com o objectivo de alcançarem mais público.
[231] Sublinhou e anotou nas margens várias obras de história em português, sinal de que as tinha lido (título da nota [72] p.96).
[232] Título da nota [88] p.23. A esmagadora maioria desses títulos ainda hoje se encontra na biblioteca do Palácio de Bückeburg.
[233] Título da nota [88] pp.21. Na impossibilidade de listar todos os títulos portugueses, indico alguns: O engenheiro Portuguez, de Manoel Azevedo Fortes. As Obra completas de Camões (edição de 1759, de Paris: Gendron, em 3 vol.), e além destas a sua Paraphrase do salmo [s]uper Flumina Babilonis [...] - curiosamente impressa em Bückeburg, 1770 (Estão catalogados 19 exemplares deste “Sôbolos rios que vão …” existentes actualmente na Biblioteca. Será que esta reimpressão se destinava a servir também de livro de texto para a prática do português em Wilhelmstein, e mesmo em Bückeburg? Tê-los-ia o Conde reinante mandado imprimir para oferecer a amigos e visitantes como divulgação de Camões e da língua portuguesa? Interessante tema para aprofundar). Finalmente, além das obras anti-jesuíticas de José Seabra da Silva, o Compendio historico do estado da Universidade de Coimbra: no tempo da invasao dos denominados Jesuitas e dos Estragos [...] - Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1771, seguida dos novos Estatutos da Universidade de Coimbra. - Lisboa, 1772. T. 1 - 4. (Lippe teria aplaudido a política anti-jesuíta de Pombal - título da nota [72] p.99).
[234] Heike Matzke publica ainda em [88] a pp.43-5 a lista dos livros de que Lippe se fez acompanhar na sua viagem a Portugal.
[235] Título da nota [88] p.51.
[236] Título da nota [26] p.153.
[237] Ainda hoje pode ser visitado - ver na Internet em Google - imagens - Schloss Baum.
[238] Que o Conde reinante fizera vir da Universidade de Rinteln, onde leccionava, e ao qual ficou especialmente ligado. Apesar da sua morte prematura (1738-1766), Abbt tem uma extensa bibliografia, incluindo uma pequena história de Portugal feita provavelmente a instâncias do seu patrono - Vermischte Werke - Zweyter Theil welcher 1) vom Tode fürs Vaterland 2) Fragment der Portugiesischen Geschichte enthält (Obras esparsas. Segunda Parte a qual contém 1) Da morte pela pátria, 2) Fragmento da História Portuguesa), Berlin und Stettin: bey Friedrich Nicolai, 1770. Ol Da morte pela pátria fora exactamente a obra que chamara a atenção de Lippe para o professor de Rinteln.
[239] Autor da The history of the late war in Germany between the king of Prussia and the empress of Germany and her allies, London, 1766, a primeira história publicada da Guerra dos Sete Anos.
[240] Que serviria no exército português.
[241] “Quando eu encontrei este homem extraordinário pela primeira vez, conversou comigo na presença de um oficial inglês e um oficial português mais de duas horas sobre a grande obra de fisiologia de Hallers, que ele conhecia exaustivamente.” Johann Georg Zimmerman Ueber die Einsamkeit - Dritter Theil (Sobre a solidão - Terceira Parte), Troppau, 1786, Ol, p.328. Zimmerman, de origem suíça, foi médico em Hannover, e um dos grandes pensadores da Aufklärung. Albrecht von Haller era também suíço, médico, e foi um dos maiores investigadores e publicistas científicos da Aufklärung - a sua Elementa physiologiae corporis humani, 1757-1766, é uma obra monumental em 8 volumes. O facto de Lippe a conhecer “exaustivamente”, confirma a cultura eclética do Conde Reinante e indica que este encontro teve lugar depois do regresso do Marechal-General da sua segunda viagem a Portugal. O facto deste diálogo ter lugar diante de um oficial português em Bückeburg, confirma ainda a existência de portugueses na corte de Lippe, muito provavelmente como alunos externos da Escola de Wilhelmstein - interessante indício a investigar.
[242] O editor de muitos dos grandes autores da época, e autor de direito próprio.
[243] Que ainda hoje existe, pertença do actual representante da casa, o Príncipe Alexandre de Schaumburg-Lippe.
[244] Também ainda existe, na localidade que lhe dá o nome, mas é agora a base de uma leiloeira de antiguidades.
[245] Esta casa foi demolida em 1790, e reconstruída como farmácia termal da vizinha Bad Nenndorf. No local original, o extremo norte da floresta de Schaumburg, existe agora uma torre para castrametação erigida em meados do séc.XIX.
[246] Título da nota [39] pp.280/1.
[247] Schweinitz Anna-Franziska von, “Architektur für die Ewigkeit. Der Begräbnisgarten des Grafen Wilhelm zu Schaumburg-Lippe” (Arquitectura para a eternidade. O jardim-sepultura do WSL) in Kritische Berichte, 29 (2001) n.º 2, pp. 21-29.
[248] Aos investigadores interessados, mas que se retraem perante o facto de terem de empregar uma língua de aprendizagem com fama de difícil, eu recordo que são conhecidos - e também mencionados pelos media - filósofos e teólogos portugueses que, condicionados a essa aprendizagem para poderem prosseguir as suas investigações, o fizeram já na idade adulta em um ou dois anos, considerando ainda que o alemão de filósofos e teólogos é habitualmente mais complicado que o de historiadores.
[249] Embora em francês setecentista, por Curd Ochwadt, conforme citado por extenso em [9]. Console-se o investigador português: o investigador alemão tem aqui dificuldade idêntica.
[250] “O patriciado urbano na recente historiografia alemã”, Revista da Faculdade de Letras - Universidade do Porto, II Série, Vol. IX, 1992, pp. 319-20.
[251] Como citada em [9].
[252] O mesmo se aconselha às Bibliotecas Nacional e Municipal do Porto.
[253] Como citada em [39].
[254] Como citada em [8].
[255] O tradutor português, ao domínio das línguas francesa e alemã, e respectivo vocabulário militar, deve poder acrescentar bons conhecimentos de história, sobretudo de história militar portuguesa. Este tipo de obra merece ainda uma introdução e notas adicionais do tradutor.
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2011-11-19
83-150
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia