Nº 2508 - Janeiro 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
HUMINT - Breves Considerações
Psicólogo. Agente da Polícia Marítima.
Hugo Filipe dos Santos Ramos
 Sun Tzu
“(…) a presciência ou previsão não podem ser deduzidas dos espíritos, nem dos deuses, nem por analogia com as actividades passadas, nem por cálculos. Elas devem ser obtidas dos homens que conhecem a situação do inimigo (…)”.
“A Arte da Guerra” Lisboa: Ed. Futura,
1974, p.293
 
 
Introdução
 
O presente trabalho enquadra-se no IV curso de Especialização de Informações e Segurança e versa sobre o tema da Human Intelligence - HUMINT.
 
Numa fase inicial começo por realizar um breve enquadramento da HUMINT no que concerne ao conceito em si, às suas definições, enquadramento histórico e termino aludindo as fontes da Human Intelligence.
 
De seguida, efectuo uma alusão às Agências de Intelligence dos “principais” países e descrevo como está enraizada a HUMINT ao nível da Organização do Tratado Atlântico Norte, EUA, Rússia (e Ex-URSS) e China.
 
A relação entre a Alta Tecnologia (Hi-Tec) e a HUMINT é também ela alvo de reflexão.
 
A parte final do trabalho versa o futuro da HUMINT, as suas falhas e aspectos a desenvolver.
 
Termino com umas breves considerações finais sobre a Human Intelligence.
 
 
HUMINT - Breve Enquadramento
 
O conceito e suas definições
 
HUMINT ou Human Intelligence é o termo usado para descrever a inteligência ao nível das informações e consiste na recolha de informação através de contactos humanos (http://pt.wikipedia.org/wiki/HUMINT & http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence). A HUMINT tem por objectivo basilar a recolha e compilação de informação relevante para as políticas de cariz nacional (Richelson, 2001).
 
Pinto (2004 in Moreira, 2004), descreve a HUMINT como resultado da acção de indivíduos, quer pelo contacto com outras pessoas, quer por observação directa, quer pela consulta de documentos e material classificado. Abrange um amplo território desde a observação, o interrogatório de refugiados, de prisioneiros, de dissidentes, até ao uso de informadores e agentes.
 
A Intelligence consiste na aptidão em obter de modo ético, validar, interpretar e aplicar conhecimento acerca de eventos actuais e futuros, tecnologia, produtos, formular estratégias e suportar todas as actividades necessárias para atingir a missão pelos meios legais e éticos (Martin, s/d). O conceito de Intelligence é frequentemente substituído pelo de Informações (tradução da expressão inglesa de Intelligence) (Carvalho, 2009).
 
É imperativo desde já diferenciar os conceitos de Informação e Informações. A Informação resume-se ao conjunto de dados colocados num contexto, relacionados com o tempo, o espaço e o cenário de acção. A Informação por si só não permite compreender o modo como os actores irão actuar, quais os modelos de acção, e os sentidos a atingir. As Informações compreendem a análise da Informação com o propósito de obter conhecimento, representam o nível acima da Informação. São o trabalho operado sobre os dados para lhes dar sentido no quadro dos propósitos para quem trabalha (por exemplo: Estado, uma Unidade Militar ou uma Empresa). As Informações são a compreensão da Informação de modo organizado, relacionado e contextualizado (Bispo, 2004 in Moreira 2004).
 
A OTAN, define a HUMINT como uma classe dentro da inteligência que provém da informação obtida e fornecida por fontes humanas (http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT).
 
Uma definição de índole mais militar é-nos dada pelo United States Army Field Manual Interim (FMI) Counterinsurgency Operations para quem a HUMINT consiste na recolha por parte de agentes HUMINT de informação estrangeira de pessoas e multimédia para identificar elementos, intenções, composição, força, disposições, tácticas, equipamento, pessoal e capacidades (Dreifke, 2006).
 
O princípio básico dos Serviços de Informações reside no facto de toda a actividade por si desenvolvida girar em função dos objectivos da entidade que apoia esses mesmos Serviços. A descoberta de segredos é a essência da actividade da Intelligence (Bispo, 2004 in Moreira et al. 2004).
 
A Intelligence tem por função encontrar-se ao serviço da tomada de decisão estratégica. É imperativo a necessidade de informação em tempo real através de uma visão holística (Comandante Cardoso da Silva em palestra no curso de especialização Informações e Segurança, ISCSP - 2010).
 
 
Enquadramento Histórico
 
Pinto (2004 in Moreira, 2004), refere-se à HUMINT como a mais antiga forma de obter notícias.
 
O primeiro registo merecedor de referência HUMINT é segundo Dobroruka (s/d) o relatado por Tucídides em a sua História da Guerra do Peloponeso, onde relata que um enviado (leia-se espião persa) a caminho de Esparta foi interceptado por Atenienses, que lhe apreenderam um documento escrito em aramaico.
 
Durante os séculos XVIII e XIX, a actividade da Intelligence (informações) desenvolveu-se e autonomizou-se na Europa assente em doutrinas e conceitos de defesa militar e de segurança interna (Carvalho, 2009).
 
Segundo Maquiavel na sua obra “O Príncipe”, as informações cumprem desde sempre um papel de relevo na arte de governar. Porquanto, o Príncipe carece de informação constante de modo a prever e evitar as desordens vindouras para que o seu Governo seja o melhor possível (Garcia, 2008b).
 
No caso de Portugal, podemos recuar (no meu entender) pelo menos até à altura dos Descobrimentos para vermos a HUMINT a funcionar ao nível das Coroas Ibéricas. Na história mais recente da nossa Pátria são inúmeros os casos, a título de exemplo, temos o caso das Companhias de Caçadores nos anos 60 e 70 (do século XX) que usavam métodos HUMINT na colónia de Moçambique (Garcia, 2004 in Moreira, 2004).
 
 
Fontes de HUMINT
 
A pesquisa na Intelligence pode recair na HUMINT (recolha de intelligence por meio de contacto interpessoal/fontes humanas) ou em SIGINT (Signals Intelligence - meios técnicos de recolha de inteligência) que abarca o COMINT (Communications Intelligence), o ELINT (Electronics Intelligence), o MASINT (Measurement and Signature Intelligence), o IMINT (Imagery Intelligence) (Carvalho, 2009) e NETINT (Network Intelligence) (Bispo, 2004 in Moreira et al. 2004). A HUMINT, juntamente com a SIGINT e IMINT é um dos três meios tradicionais de obtenção de inteligência, porém a Human Intelligence é a maior fonte de informação dos serviços secretos (Garcia, 2008b; http://pt.wikipedia.org/wiki/HUMINT; http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT & http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence).
 
As fontes HUMINT são o garante da subsistência dos serviços de Intelligence e não se confinam a agentes secretos (espiões tradicionais) envolvidos em operações clandestinas ou secretas. Assim, civis, forças amigas, prisioneiros de guerra, refugiados, desertores, conselheiros, diplomatas, adidos militares, jornalistas e organizações não governamentais podem ser fontes HUMINT.  As fontes podem ainda ser, neutras, amigas, inimigas (Garcia, 2008b; http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT; http://pt.wikipedia.org/wiki/HUMINT & http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence), ou ainda witting (implica que o sujeito esteja além de ciente de um facto ou de parte da informação, também ligado às actividades da Intelligence) (http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT).
 
A compartimentação dos meios de obtenção de Intelligence deve ser na minha perspectiva mais teórica e histórica do que real; porque cada vez mais e segundo Vivas (2009) a HUMINT desempenha um papel e apoio interdisciplinar dos outros métodos de Intelligence. O SIGINT baseia-se na HUMINT para adquirir livros de código do terreno; a IMINT embora seja aparentemente auto-suficiente, tal é não exacto pois não consegue observar por exemplo grutas, meandros das áreas urbanas, (aspecto também abordado na parte do trabalho “HUMINT e a Alta Tecnologia (Hi-Tec)”); a MASINT depende da HUMINT na recolha de amostras (exemplo, água de um local suspeito de factores bioquímicos).
 
Não obstante do desenvolvimento tecnológico e apesar de a sociedade ser alvo de mudanças constantes a classificação das fontes manteve inalterável, ou seja, trilogia das fontes mantêm-se: fontes abertas, fontes cobertas e serviços congéneres (Garcia, 2008b & Garcia, 2008c).
 
A natureza e a fonte de informação em conjunto com o protocolo oficial são determinantes nas operações HUMINT (http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT).
 
 
HUMINT - OTAN, Eua, Rússia e China
 
Os “principais” países, têm as suas Agências de Intelligence. A título de exemplo, podemos reter: na Rússia (СлужбаВнешнейРазведки - SVR - Serviço de Inteligência Estrangeira); nos EUA (NCS - Serviço Nacional Clandestino pertencente à CIA); na China (国家安全部- Ministério da Segurança do Estado da República Popular da China); em Cuba (Direcção da Inteligência anterior Direcção Geral de Inteligência); em Israel (Mossad - do Hebreu: המוסדלמודיעיןולתפקידיםמיוחדים - Instituto Inteligência e Operações Especiais); na Alemanha (Bundesnachrichtendienst BND Serviço de Inteligência Federal); no Reino Unido (MI6 - Serviço de Inteligência Secreto) ou na Austrália (Serviço de Inteligência Secreto Australiano) (http://en.wikipedia.org/wiki/Clandestine_HUMINT).
 
OTAN
 
Ao nível da Organização do Tratado Atlântico Norte a HUMINT existe com a denominação de Centro de Excelência HUMINT da OTAN (HUMINT COE) e com sede em Oradea (Roménia). A HUMINT COE tem por missão a elaboração de serviços e produtos com o intuito de melhorar a sua normalização; contribuir com esses mesmos serviços e produtos no desenvolvimento de conceitos e doutrina da própria HUMINT; testar e validar novos conceitos HUMINT; fornecer especialistas em HUMINT em particular nos teatros de operações. No que concerne às responsabilidades o HUMINT COE procura sustentar as forças aliadas no sentido de melhorar o planeamento, organização e liderança em actividades de recolha de informação; teste, validação e implementação de novos conceitos HUMINT, técnicas, tácticas e procedimentos provenientes de lições adquiridas em operações (https://transnet.act.nato.int/WISE/TNCC/CentresofE/HUMINT).
 
EUA
 
O governo dos EUA elege e nomeia uma estrutura secreta que Boylan (s/d) baptiza de Shadow Government (Governo Sombra). O Governo Sombra comporta pelos menos cinco ramos, entre os quais, o Poder de Inteligência. A Inteligência encerra em si a missão de proporcionar ao Poder Executivo as informações essenciais que lhe permitam tomar de decisões políticas devidamente informado.
 
O ramo da Inteligência actua em funções de vigilância nacional e internacional, assiste a polícia secreta e efectiva-se em dezenas de agências, instituições e organizações. Boylan (s/d) descreve vinte e duas e adverte para as demais ainda não identificadas. Realcemos a Central Intelligence Agency (CIA) (desde a sua criação em 1947, conduz operações HUMINT, tais como: recrutamento de espiões estrangeiros e emigrantes, recolha por parte de espiões de informações de cariz secreto no exterior; operações de contra-inteligência contra agentes estrangeiros, …); o Counter-Intelligence do Federal Bureau of Investigation (FBI) (que investiga e neutraliza agentes estrangeiros que operam nos EUA); o Central Security Service of National Security Agency (NSA) e o Special Security Office da CIA (direcção de operações especiais que não podem ser confiadas a agentes de inteligência); a Defense Intelligence Agency (DIA) (que organiza os dados de inteligência recolhidos junto dos diferentes serviços de inteligência das forças armadas - Exército, Marinha, Fuzileiros, Força Aérea, Guarda Costeira e Forças Especiais, …) (Boylan, s/d & Richelson, 2001).
 
Rússia e Ex-URSS
 
Embora se julgasse que com o colapso da URSS em 1991 as operações HUMINT diminuíssem acentuadamente, sucedeu o inverso, as operações HUMINT conduzidas pela KGB e SVR (sucessora da KGB) que tem por alvo os EUA aumentaram. No ano de 1993 o FBI e as autoridades de Contra-Inteligência Alemãs reportaram que as actividades da SVR cresceram em cerca de 12%. Como causa “pré-Rússia” desta situação, temos a qualidade de informações obtidas no passado pela URSS que conduziu a que com naturalidade a Rússia continue a colocar grande ênfase no desenvolvimento da HUMINT. Ao nível das consequências pós-URSS temos: primeiro, os tratados de controlo de armamento, as oportunidades de negócio entre países, as incalculáveis trocas culturais e económicas, o maior acesso à sociedade, governo e indústrias Americanas por parte dos Serviços de Inteligência; segundo, o grande fluxo de emigrantes Russos para os EUA - sabendo que por tradição os Russos  usam emigrantes para obterem informação (http://ftp.fas.org/irp/world/russia/program/humint.htm).
 
Dissidentes dos serviços de inteligência da URSS e da Rússia afirmam que a actividade de espionagem tem tendência a aumentar nos anos vindouros e a capacidade de obter HUMINT desenvolveu-se em resultado do enfraquecimento dos padrões de segurança focados na Rússia (http://ftp.fas.org/irp/world/russia/program/humint.htm).
 
China
 
A MSS é a principal organização empenhada na recolha de informação HUMINT da China, contudo o MID está também envolvido. A MSS é responsável quer recolha de informação oficial quer pela informação clandestina. Usa estudantes, diplomatas, homens de negócios e cientistas com o intuito de obter informação (http://www.fas.org/irp/world/china/program/humint.htm).
 
A República Popular da China tem sido extremamente agressiva nas suas actividades de compilação de HUMINT dos EUA, usando diferentes métodos na obtenção HUMINT; saliente-se a este propósito os mais de 2.600 diplomatas e agentes comerciais nos EUA (parte substancial desse pessoal está activamente envolvido na obtenção de inteligência). Cerca de 40.000 estudantes Chineses frequentam escolas nos EUA e muitos deles têm por missão Governamental a recolha de informação para o Governo da China; o MSS encoraja os estudantes a manterem-se nos EUA como agentes a longo termo. Acresce ainda mais de 25.000 Chineses visitam os EUA todos os anos como membros de delegações oficiais e mais 20.000 Chineses que emigram para os EUA anualmente (http://www.fas.org/irp/world/china/program/humint.htm).
 
Embora nos tenhamos retido nestas Agências destes países e organizações, devemos reter que na maioria dos países existem pelo menos duas agências de Intelligence. Uma representa a esfera civil e outra a esfera militar do Governo (Johnson, 2005).
 
 
HUMINT e a Alta Tecnologia (HI-TEC)
 
A HUMINT quando comparada com o SIGINT, o IMINT ou o MASINT é decididamente uma baixa tecnologia (humilde), podendo olhar-se para as demais como ‘actividades’ de alta tecnologia (http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence). Garcia (2008c) acrescenta que a Intelligence assenta na tecnologia e apoia-se essencialmente na IMINT e na SIGINT e negligencia a HUMINT. Sendo mesmo comum associar a actual Intelligence apenas à alta tecnologia, porém tal raciocínio é reducionista.
 
Garcia (2008) considera que a Intell alicerçada na tecnologia socorre-se essencialmente da IMINT e da SIGINT, desprezando a HUMINT. A este facto não é alheio que a actual tecnologia possibilita o acesso a fontes abertas (Open Source Inteligence - OSINT) a custos diminutos e por inúmeros utilizadores. No entanto, a crescente dependência da inteligência pelos sistemas de informação acarreta várias vulnerabilidades, por exemplo a OSINT admite propagação de informação não desejada, desinformação e tem naturais implicações de segurança.
 
A Human Intelligence, é em última análise interacção social. Quanto mais próximo um operacional está da comunidade melhor funciona a HUMINT; quanto mais a sua informação provém “da boca a boca” mais ele está a praticar o verdadeiro HUMINT (http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence). Neste sentido Shuster (1992 cit in Michel, 1992), contesta o uso de alta tecnologia na obtenção de informação ao nível da HUMINT. Considera que nas últimas décadas tem-se presenciado um crescimento do enfoque nos meios tecnológicos como instrumentos de obtenção de informação em detrimento do ‘velho’ processo HUMINT via espiões e agentes.
 
O HUMINT é um método difícil que requer precisão. Os seres humanos são de longe uma fonte mais difícil para a obtenção de informação quando comparados com os aparelhos electrónicos de escuta ou câmaras. Ainda assim, a informação que pode vir de fontes humanas pode ser mais útil e actualizada (http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence).
 
A tecnologia dos nossos tempos possibilita o acesso a fontes de informação aberta a um custo insignificante, porém a revolução tecnologia acarreta consigo vulnerabilidades. Concretizando, enorme dependência dos Sistemas de Informação; indispensabilidade de lidar com uma tremenda quantidade de informação que deve ser filtrada, transformada em tempo útil em conhecimento válido; gestão de múltiplos vectores associados à segurança (Garcia, 2008c).
 
Um dos grandes problemas da actualidade reside na gestão das várias fontes de informação, pois a imensidão de dados dificulta o processo de selecção criterioso e em tempo útil, de modo a realizar uma análise sólida desses mesmos dados (Garcia, 2008b). Noutro artigo, Garcia (2008c) utiliza expressão “explosão de informação” que origina um “nevoeiro informacional” criado pelo excesso de informação, sobreinformação e desinformação. Sobre este aspecto, Bispo (2004 in Moreira, 2004) utiliza a expressão “será preciso decantar” a informação visto as fontes abertas trazerem consigo muita “impureza”.
 
Um exemplo inequívoco das limitações da alta tecnologia é bem patente no caso dos grupos terroristas dos campos de treino Afegãos. Os grupos terroristas podem treinar em campos abertos onde as suas actividades são visíveis por satélite, porém a essência do seu trabalho está fora do alcance dos equipamentos fotográficos de satélites. As evidências visuais e electrónicas obtidas nestes campos - o coração da al-Qaeda - ofereceram poucas pistas concretas sobre os planos do grupo para o 11 de Setembro de 2001. Tais informações apenas poderiam advir de um contacto próximo com os operacionais da al-Qaeda (http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence).
 
Dobroruka (s/d) acrescenta ainda sobre o fracasso da tecnologia com o caso do Afeganistão, que embora sendo verdade que a tecnologia permite um cada vez menor número de efectivos empenhados na conquista e manutenção de território, existem certas tarefas que dada a sua natureza parecem fadadas a ser eternamente dos militares como são as operações de limpeza de cavernas do Afeganistão. Dobroruka (s/d), concluí que a cada vez mais notória ineficácia da tecnologia pressupõe que o recurso à HUMINT revela-se auspicioso num futuro próximo.
 
Face ao exposto, podemos inferir que a tecnologia pode dar-nos fortes indícios, mas serão sempre incompletos, visto não proporcionarem aos analistas uma resposta categórica sobre a intenção dos intervenientes. Temos de compreender os aspectos culturais, psicológicos, sociais e religiosos dos intervenientes, para tal a distância mínima é condição obrigatória.
 
 
HUMINT: o seu Futuro e as suas Falhas
 
Do esquecimento ao presente
 
Hoje em dia assistimos à fundação de uma nova ordem internacional, que se caracteriza por uma quase total globalização, interdependência, nova era de informação e novos perigos. Face a tais factos é impensável que qualquer país (por mais poderoso que seja) construa uma política externa, económica, de defesa ou outra sem dispor das informações que lhe facultam o conhecimento capital. Os Serviços de Inteligência são indispensáveis para uma organização, unidade política ou empresa, tanto numa óptica defensiva como ofensiva. Num plano defensivo os Serviços de Inteligência pretendem identificar vulnerabilidades e ameaças contra os interesses da organização, unidade política ou empresa. Num plano ofensivo, visam delinear os interesses, determinar e influenciar pelo menos as conjecturas geopolítica e geoeconómica de espaços vitais (Garcia, 2008b).
 
Após os ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, muitos afirmaram que os cortes prévios na HUMINT facilitaram o surgimento de um ambiente no qual a Inteligência estava desavisada dos ataques iminentes (http://www.answers.com/topic/humint-human-intelligence).
 
Segundo Vivas (2009), a HUMINT nos EUA chegou a um estado moribundo que vem desde a Segunda Grande Guerra com uma má orientação e que se agravou nos anos 70 (século XX). O autor afirma que chegou o momento de redefinir a HUMINT ao nível da concepção, doutrina e práticas. O futuro da Human Intelligence será o coração, alma e cérebro da Intelligence no século XXI ao nível Governamental e das demais Intelligences. Sem a HUMINT a maioria da Intelligence de cariz técnico é apenas barulho (“noise”), as decisões continuarão a ser tomadas num vácuo e com grandes custos.
 
O retorno à HUMINT é uma das características na actual cultura da Intelligence. A este facto não é alheio que a HUMINT seja uma das técnicas mais poderosas e versáteis em situações de avaliação da conjuntura, confirmando no terreno a prévia avaliação feita por outras técnicas ou identificando novas situações (Garcia, 2008; Shuster, 1992 cit in Michel, 1992).
 
Pinto (2004, in Moreira, 2004) afirma que a HUMINT tem nos dias de hoje cada vez mais importância; devido às ameaças impossíveis de detectar de outro modo, possibilitando o alcance de segredos, planos e datas de acção, inovações tecnológicas, etc.
 
Os elevados custos financeiros dos sistemas tecnológicos e a actual política mundial de liberalização e consequente maior e melhor acesso a outros países e seus cidadãos determina que a Human Intelligence se transforma num método cada vez mais válido (Shuster, 1992 cit in Michel, 1992).
 
A nível militar a HUMINT demonstra também a sua pertinência no século XXI. De acordo com 14th Military Intelligence Battalion (1997) a CI/HUMINT (contra inteligência HUMINT) é uma organização essencial cuja versatilidade lhe permite adaptar-se a diferentes combinações e participar em operações. Operações militares recentes (por exemplo, na Somália, Haiti e Bósnia) demonstram distintamente que a CI/HUMINT é nos dias de hoje a disciplina de eleição ao nível da inteligência (fornecimento de inteligência, apoio de operações e protecção contra perigos indefinidos). Todavia, o 14th Military Intelligence Battalion (1997) adverte que para a HUMINT continuar a ser a disciplina do século XXI deve persistir no aperfeiçoamento das suas capacidades e versatilidades, mantendo a sua capacidade de adaptação aos requisitos do novo século. O Field Manual Interm do Exército Americano considera que a HUMINT fornece a informação mais importante de operações de contra-guerrilha (Dreifke, 2006).
 
A actividade HUMINT em ambiente militar ocorre também em situações onde alguns Estados tiram proveito de Operações de Paz que decorrem no âmbito da ONU incorporando nos seus contingentes nacionais unidades de Intelligence com núcleos HUMINT para realizarem acções de Intelligence com interesse de foro exclusivamente nacional (Branco in Moreira e tal 2004).
 
Face ao exposto, e segundo Johnson (2005), a importância táctica da HUMINT apenas pode aumentar.
 
Falhas e aspectos a desenvolver
 
Na construção do futuro devemos sempre considerar o passado e se possível aprender com os nossos erros. Esta máxima deve ser também considerada pela da HUMINT. Partindo deste pressuposto e tendo por certa a pertinência da HUMINT na actualidade existe contudo muito a ser melhorado.
 
Bispo (2004 in Moreira e tal. 2004) adverte para o facto de não existir ainda uma teoria geral sobre as Informações.
 
O Director da National Intelligence dos EUA (DNI) afirma que Intelligence Community (IC) necessita de melhorar as capacidades de HUMINT, ao nível de assuntos da inteligência estrangeira e da contra-inteligência. Em concreto, quanto à questão do Irão a IC deve considerar as afirmações do DNI pois o acesso físico dos Agentes Americanos no Irão é diminuto e são também necessários indivíduos que falem “Farsi” (os Agentes HUMINT e os nativos são pedra angular nesse campo) (Rogers, M. & Holt, R., 2006). Sobre este aspecto Lawrence Wright citado por John M. McConnell (in http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT), apresenta igualmente como dificuldade à HUMINT a necessidade de recrutar indivíduos com boas capacidades de domínio da língua nativa do “país alvo”.
 
Uma falha apontada à HUMINT recaí no seu recrutamento de agentes. O agente que na realidade é agente duplo é sem dúvida um dos calcanhares de Aquiles da HUMINT. Isto porque o agente duplo é sinónimo de traição.
 
Kim Philby, nascido na Índia e filho de Ingleses, que foi recrutado pelo KGB (Komit Gosudarstvennoy Upravleni) em 1934 com instruções de se infiltrar no aparelho de Estado britânico (preferencialmente na área da Intelligence); em 1939 o MI6 (Secret Intelligence Service) falhando redondamente na averiguação do seu passado recruta-o para o Departamento D (sabotagem e propaganda); em 1944 é colocado para a Secção IX (combate à subversão soviética e operações de Intelligence, no ano de 1949 é nomeado chefe no posto de Washington DC o que lhe assegurou o acesso a documentos do MI6 e da CIA. O seu brilhante percurso só é interrompido em 1963 (Garcia, 2008b).
 
Outro exemplo, é o caso de Cuba e da Alemanha de Leste, onde se acabou por verificar que grande parte dos agentes ao serviço dos EUA eram agentes duplos, porém a falha pode ser debelada com um processo de recrutamento mais criterioso. Shuster (1992 cit in Michel, 1992) afirma mesmo que devem ser continuados e fortemente suportados os esforços para melhorar a HUMINT.
 
McConnell (in http://en.wikipedia.org/wiki/HUMINT), anota que um dos maiores riscos de traição ao nível de agentes HUMINT, não recaí em causas étnicas, sexuais ou políticas mas sim em monetárias. Philip Agee recebeu um milhão de dólares do Serviço de Inteligência Cubano para fornecer identidades de Agentes da CIA ou o Psiquiatra da Força de Defesa de Israel que tentou contactar o Ministro Estrangeiro Iraniano, Oficiais do Hamas e o Serviço de Inteligência Russo com intenção de vender informação recolhida durante o seu serviço militar.
 
Dreifke (2006), refere o caso do Exército Americano ao nível de recrutamento e selecção de Agentes HUMINT de modo criteriosos, que avalia e recruta Agentes de operações HUMINT tendo em consideração a avaliação ao nível da inteligência, motivação e adequação do indivíduo ao cargo. Os Agentes já depois de aceites são cuidadosamente observados e avaliados quer pelas suas acções quer pelas informações que fornecem.
 
 
HUMINT - Considerações Finais
 
Em virtude da complexidade e dimensão do trabalho julgo dever tecer apenas algumas considerações finais alicerçadas nos autores supracitados e não uma conclusão.
 
Socorrendo-me de Boylan (s/d) realizo um paralelismo entre o seu “Governo Sombra” e a HUMINT, isto é, considero que deve também ela estar bem organizada e astutamente camuflada.
 
Segundo Garcia (2008b), existe uma antiga premissa que nos indica que a grande maioria (cerca de 90%) das informações são adquiridas por via aberta (opensource) e as restantes por via coberta, evidenciando deste modo a importância dos operacionais (quer indivíduos do terreno - espiões, quer analistas - homens do gabinete). O factor humano faz a diferença na actual pesquisa da Intelligence (Garcia, 2008c).
 
Por mais sofisticados que sejam os meios à nossa disposição, o futuro está dependente da capacidade de produção de Intelligence através da utilização de agentes de “carne e osso” (expressão minha) que forneçam “informação humana” (Garcia, 2008b).
 
Perante a cada vez maior e mais incontrolada abertura na divulgação de informação oriunda das comunicações globais os Serviços de Informação aparentemente têm o seu trabalho facilitado. Contudo, as fontes abertas implicam mácula na informação, pelo que é imperioso filtrar e ter também consciência que o estado “erróneo” da informação pode ser propositado tendo objectivos pré-definidos (Bispo, 2004).
 
Pelo anteriormente descrito concluímos por óbvia a pertinência da HUMINT.
 
A um nível Nacional devemos porém reflectir sobre disparidade entre a sua real importância e aquela que recebe por parte do Estado. Concretizando, o Relatório Anual de Segurança Interna de 2008 em 368 páginas alude o termo HUMINT uma única vez, quando o Gabinete do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna considera nas linhas de acções para 2009 a realização de exercício HUMINT ao nível da Policia Marítima (Relatório Anual de Segurança Interna de 2008). Mais, segundo o Mestre Marco António (em palestra no curso de especialização Informações e Segurança, ISCSP - 2010) a União Europeia faculta todos os anos milhões de euros ao Estado Português para investir em formação de equipas e equipamentos no sentido da Competitive Intelligence que não são aproveitados.
 
Outro ponto a reter é o Poder. Ter informação é ter poder. Embora a conjuntura actual tenha trazido consigo um novo paradigma na Human Intelligence, e os métodos e técnicas na Intelligence se tenham modificado, algo permanece imutável, isto é, a natureza mantêm-se (conhecimento, organização e actividade) e em última instância “o que interessa é o Poder: adquiri-lo e mantê-lo” (Garcia, 2008; & Garcia, 2008c).
 
Segundo o Capitão da GNR Reinaldo Hermenegildo (em palestra no curso de especialização Informações e Segurança, ISCSP - 2010) embora os serviços de informação sirvam para garantir a segurança e prevenção de ameaças no fundo é um mecanismo de assegurar poder, quem tiver mais informação tem mais poder, questionando: “será que os serviços não se destinam a concentrar mais poder a quem os tutela?”. Deste modo, as informações têm por fim último o poder.
 
 
Bibliografia
 
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*      Psicólogo. Agente da Polícia Marítima. Formador e Instrutor no Núcleo de Formação da Polícia Marítima - Escola da Autoridade Marítima.

 

 

 

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2011-11-19
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Psicólogo. Agente da Polícia Marítima.

Hugo Filipe dos Santos Ramos

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