Nº 2509/2510 - Fevereiro/Março de 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Os Espaços Estratégicos de Interesse para Portugal (I Parte)
Tenente-coronel PilAv
João José Brandão Ferreira
1. Introdução
 
 
A perda dos últimos territórios e populações que restavam da extraordinária expansão marítima dos portugueses marca, indelevelmente, o fim de um ciclo da História de Portugal e o início de um outro.
 
 
Dissemos “os últimos territórios”, mas queremos corrigir a imprecisão: os arquipélagos dos Açores e da Madeira não estão incluídos, pois escaparam à amputação registada, querendo-nos reportar ao Tratado de Alcanizes de 1297, que estabeleceu em termos de Direito Internacional a configuração do território continental português. Neste âmbito, porém, não podemos ignorar a usurpação do território de Olivença e seu termo, ocupados ilegalmente pela Espanha, desde 1807, sem dúvida desde o Tratado de Viena, de 1815.
 
 
A alienação de Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor conhecida em certos meios como “Descolonização”, nos idos de 1975, bem como o reconhecimento de jure por parte do Estado Português, da soberania da União Indiana, sobre Goa, Damão e Diu - que resultou de uma inconcebível agressão militar por parte daquele país - podem e devem ter, uma leitura política e outra estratégica. A junção de ambas temperadas com os restantes aports de índole sociológica, resultará, um dia, depois de filtradas as perturbações ideológicas e interesses individuais ou de grupo, na versão equilibrada da História de todo este período da vida nacional.
 
 
Hoje, vamos ater-nos à leitura estratégica, pois é esta que está directamente ligada ao título e objectivo do trabalho, sem esquecer, por óbvio, que a estratégia está sempre a jusante dos objectivos políticos traçados (embora os possa condicionar, juntamente, com a geopolítica e a geoestratégia).
 
 
Sobretudo, torna-se necessário tomar consciência e meditar nas consequências dos eventos então ocorridos, durante o período temporal iniciado com o golpe de estado de 25 de Abril de 1974, que se prolongou até 25 de Novembro do ano seguinte, mas que só terminou verdadeiramente com a independência de Timor e a incorporação de Macau na soberania chinesa.
 
 
Ora o ocorrido, independentemente dos juízos de valor que se possam fazer - a tal leitura política -, teve incontornáveis efeitos estratégicos e geopolíticos da maior gravidade. O primeiro tem a ver com a perda, num curtíssimo espaço de tempo, de 95% do território e cerca de 60% da população onde flutuava a bandeira portuguesa.
 
Da presença em quatro continentes e três oceanos e fronteiras com 14 países, passámos à velha definição de Zurara: “Por um lado nos cerca o mar e por outro temos muro no Reino de Castela”. Podemos englobar esta factualidade no âmbito das consequências “materiais”.
 
 
Porém, esta perda material e o modo como tudo se processou, veio a causar um profundo trauma psicológico na população portuguesa (seguramente pior do que a perda do Brasil!) por ter atingido profundamente o esteio identitário da nação e a sua auto-estima. Este particular representa o âmbito espiritual da questão, o mais importante de todos.
 
 
Tudo isto associado às vicissitudes sociais e políticas, entretanto ocorridas, tem inibido, até hoje, que se faça uma discussão verdadeiramente livre e pragmática de todos os eventos, que ajude a nação a fazer as pazes consigo própria - e com a História - e permita que as elites das diferentes áreas da vida nacional, enfrentem o futuro e possam conduzir o país em trilhos adequados e seguros. Nada se poderá fazer de positivo sobre bases falsas, interpretações erradas ou preconceitos pessoais ou de grupo.
 
 
É o nosso futuro como país, que pretendemos independente, o seu devir colectivo, que está em causa.
 
 
E é nesse âmbito que se torna imperioso tratar dos espaços de interesse estratégico para Portugal. É esse o nosso objectivo.
 
 
 
 
2. Síntese Histórica
 
 
“As Nações todas são mistérios e cada uma é todo o mundo a sós”
Fernando Pessoa
 
 
Para se perceber como chegámos à actualidade que nos rodeia e compreendê-la para podermos lançar as resultantes que nos configurem o futuro, necessário se torna fazer uma rápida viagem no metropolitano da História.
 
 
Olharemos para ela de um ponto de vista da Estratégia, modalidade recente entre nós, que se afirmou pela determinação e saber do Professor Adriano Moreira e dos saudosos General Pedro Cardoso, Comandante Virgílio de Carvalho, Professores Borges de Macedo e Políbio Valente de Almeida, a quem prestamos o nosso tributo.
 
 
a. Sínteses
 
 
(1)
“Homem português é aquele que pensa como português
e a História da nossa nacionalidade é a História do nosso pensamento”
Álvaro Ribeiro
 
 
Portugal nasceu, “de facto”, no dia 24 de Junho de 1128, pela mão do Infante Afonso secundado pela maioria dos barões de entre Douro e Minho.
 
Comecemos pelo princípio, isto é, quais as causas que levaram à independência do Condado Portucalense:
- em primeiro lugar, razões políticas, pois tal constituía um desígnio natural na Europa medieval: as suseranias tentavam libertar-se de outrem e formar a sua própria - terreno que o Conde D. Henrique porfiadamente preparou - e ainda por os barões portucalenses pretenderam afastar a influência dos barões galegos sobre D. Teresa;
- por razões religiosas, a diocese de Braga pretendia autonomizar-se da diocese de Santiago de Compostela e de Toledo;
- por razões económicas, para permitir que a riqueza produzida revertesse para o Condado e das boas perspectivas de comércio que o Porto já proporcionava;
- por razões geopolíticas, a luta contra os mouros, incluída na reconquista cristã do Ocidente, abria boas perspectivas de expansão;
- por razões diversas, que potenciavam aquelas: acidentes geográficos; a luta contra o infiel; o apoio das ordens militares (sobretudo os Templários), menos por questões de uniformidade rácica, exceptuando talvez, a influência sueva que tinha instalado um reino com a capital em Braga, no século VI. Segundo os etnólogos e etnógrafos, Portugal é constituído por uma mestiçagem de 13 grupos étnicos principais.
Finalmente:
- O “Milagre de Ourique”: independentemente de ter havido milagre ou não - essa é uma questão de Fé - Afonso Henriques não perdeu tempo em fazer a exploração política do fenómeno, além de ser aclamado Rei pelos seus homens no fim da batalha (até então era apenas duque) reuniu, mais tarde, testemunhas na Igreja de Santa Cruz de Coimbra, fazendo publicar sob juramento a descrição do aparecimento de Cristo. Ou seja, o reino de Portugal passou a existir por Direito Divino, tinha uma missão no mundo e Afonso Henriques, ele próprio, era abençoado por Deus.
 
 
(2)
 
“A falta de personalidade das elites portuguesas, constitui um perigo nacional permanente”
Artur Ribeiro Lopes
 
 
Portugal percorreu, desde então, oito grandes ciclos político-estratégicos:
- o ciclo da reconquista, que vai até D. Afonso III;
- o ciclo da consolidação, que se prolonga até D. João I;
- o ciclo da expansão, que se segue até D. João III;
- o ciclo da decadência, que reporta até ao Prior do Crato;
- a coroa dual, que corresponde ao ciclo Filipino;
- a Restauração, que implica o primeiro grande pagamento que a Nação Portuguesa teve que efectuar: ou seja a perda de quase todo o Oriente;
- o ciclo “brasileiro”, com início no reinado de D. Pedro II, em que se viveu de e para o Brasil e que terminou com a independência deste, que foi o segundo grande pagamento a ser feito, a fim de nos vermos livres dos franceses;
- o ciclo contemporâneo que reporta até 1974, onde se dá o terceiro grande pagamento efectuado: para se obter a Democracia, melhor dizendo, para nos incluirmos na CEE, tivemos que perder a África e restantes parcelas ultramarinas.
Neste período podem ser individualizados cinco sub-períodos:
- implantação do liberalismo, que vai de 1820 a 1851;
- o desenvolvimento e fim do liberalismo monárquico, que se arrasta até 1910;
- a 1ª República de 1910 a 1926;
- o período das ditaduras (1926-1933);
- a 2ª República e Estado Novo que perdurou entre aquela data e 1974.
Vivemos agora um período a que poderemos chamar “pós contemporâneo” cujas linhas de referência e orientação não aparecem devidamente delineadas o que constitui o período mais longo que até hoje tivemos de indefinição estratégica o que, dado o fenómeno da “aceleração da História” se deve assumir como uma vulnerabilidade actual e grave, do Estado Nação Português.
Como outros grandes períodos de reflexão estratégica, ou esquinas da História podemos considerar:
- a crise sucessória de 1383-85, que se prolongou depois da vitória das forças patrióticas nacionais e se veio a clarificar com a ida a Ceuta, em 1415;
- o período de reflexão ocorrido no reinado de D. João III, que culminou com o abandono da maioria das praças do Norte de África, e a transferência faseada do esforço estratégico do Oriente para o Brasil;
- o período que sucedeu à guerra civil de 1828/32, que culminou com a directiva de Sá da Bandeira, de 1836, relativamente à prioridade a dar a África[1].
 
(3)
 
“Nunca perca o Governo de vista que podemos estar de mal com todo o mundo, menos com o Brasil e com a Inglaterra.”
D. Carlos I
 
 
Em todo este espaço temporal podemos constatar que lidámos com cinco forças inimigas principais:
- os castelhanos (mais tarde os espanhóis);
- os muçulmanos (quer sejam mouros, árabes, persas ou turcos);
- os judeus, a partir da sua expulsão, em 1496 e da acção da Inquisição, desde 1536;
- os reformistas luteranos e calvinistas (excepção feita para os Anglicanos, a não ser durante o período Filipino);
- as forças comunistas, enquanto as houve (PCUS da URSS, 1917-1989).
E como amigos pode-se dizer que, verdadeiramente, não temos ninguém. Apenas a Inglaterra como aliada e quando os seus interesses coincidem com os nossos; a Espanha pontualmente: Salado; aliança contra a pirataria no mar; por motivos religiosos na Contra Reforma; Pacto Ibérico e pouco mais.
O Brasil, sem qualquer consequência; da Santa Sé, com grande tumulto e desconfiança; finalmente da emergente potência marítima, os EUA, quando tal lhe conveio, por postura ideológica anti-comunista e, sobretudo, por causa dos Açores.
Devemos ainda ter presente que, até à I Grande Guerra, houve quatro potências que foram determinantes nos “status quo” português: a Espanha, a França, a Inglaterra e a Santa Sé. Após a I Grande Guerra e sobretudo após a II GM, juntam-se a estes Estados, a URSS e sobretudo os EUA pela importância global que vieram a ter.
Em boa verdade, nós só devemos contar connosco próprios, verdade que se tornou avassaladora desde que regressámos às fronteiras europeias.
 
(4)
 
“É necessário estarmos apercebidos para nos defendermos de quem quiser ofender, porque a presteza aproveita às vezes mais que a força nas coisas da guerra. Não descansem os amigos da paz, na que agora gozam, se a querem perpetuar, porque os contrários dela, se a virem mansa, levá-la-ão nas unhas”
Padre Fernando Oliveira
(estratega do século XVI)
 
 
Para fazer face a todas as ameaças com que fomos confrontados, possuímos desde o início da nacionalidade um conjunto de factores coesos talvez únicos em todo o mundo:
- fronteiras estáveis na Europa desde muito cedo, em 1297 e sem paralelo em mais nenhuma Nação, a não ser o Japão, que é, recorde-se, uma ilha (e só se unificou depois dos portugueses terem introduzido as armas de fogo, no séc. XVI...);
- homogeneidade cultural e linguística;
- ausência de conflitos raciais, religiosos ou regionais;
- unidade religiosa, apenas perturbada pela questão judaica no século XVI e pelo anticlericalismo da 1ª metade do século XIX e na I República;
- elevado espírito patriótico e apego à independência;
- elevadas capacidades de trabalho, desembaraço e adaptabilidade do povo português e muito boas qualidades de combatente que se tornam excepcionais quando bem liderado;
- o mar como janela de liberdade e oportunidades.
Mas também temos grandes vulnerabilidades:
- fronteira com um único país (caso único na Europa à excepção da Irlanda), que nos é quatro vezes superior em potencial estratégico e que exerce uma atracção centrípeta enorme;
- apenas 1/3 do território com apetência agrícola e subsolo sem riquezas naturais apreciáveis; território descontínuo e com pouca profundidade estratégica;
- incapacidade acentuada para recrutar, formar e escolher elites que preencham os principais lugares de responsabilidade na sociedade portuguesa - sobretudo a partir de D. João III;
- necessidade de procurar apoios fora da Europa, que compensassem as nossas debilidades peninsulares;
- descaso do aparelho militar em tempo de paz;
- desequilíbrios financeiros cíclicos;
- falta de um serviço de informações capaz; à excepção do reinado de D. João II, e durante o Estado Novo;
- instrução média da população, baixa;
- tendência inata para divergir do homem português, relativamente à desejável complementaridade de esforços no sentido do bem comum;
- a inveja como expoente dos defeitos associados à natureza humana.
 
(5)
 
“Nestas coisas (problemas da posição relativa entre o mar e a terra), a nação dos portugueses precedeu todos os antigos e modernos em tanta quantidade que eles, em nosso respeito, não souberam nada.”
Duarte Pacheco Pereira
 
 
Os traços atrás apontados, sobretudo os de índole geopolítica, cedo deram origem ao que hoje poderíamos denominar por “escolas de pensamento geopolítico”, que se podem condensar na “escola” do Infante D. Pedro e na do Infante D. Henrique.
O Infante D. Pedro, certamente marcado pela dilatada viagem que empreendeu pela Europa culta da sua época - que aliás lhe valeu o título do “das sete partidas” - privilegiava o comércio e as ligações políticas e culturais com a Europa do Norte e do Mediterrâneo, sem no entanto pôr em causa a expansão ultramarina - ele próprio financiava as expedições no Atlântico Central e Ocidental. Por sua vez a Escola Henriquina, sem pôr em causa as ligações às outras nações europeias, privilegiava a expansão ultramarina, como forma de contrabalançar o Poder Castelhano, a fim de manter a paz na Península, e o combate pela Fé. Esta dialéctica nasceu aquando das opções a tomar, entre a expansão para a Andaluzia/Granada, ou Norte de África - Ceuta - por alturas de 1410 - e pode, com outras roupagens, traduzir-se modernamente entre a continentalidade e a maritimidade.
Será ainda de reter como ensinamento que sempre que Portugal se envolveu nas contendas europeias, saiu a perder.
A diferença nestas “posturas”, que se vieram a alternar desde então, até aos nossos dias, fizeram variar os pilares dos eixos político-estratégicos, provocando um maior ou menor afastamento das contendas europeias; uma maior ou menor aproximação à potência marítima dominante; um maior ou menor esforço evangelizador; a procura de alianças de casamento com princesas ibéricas, nomeadamente castelhanas, quando se alimentou a esperança de vir a sentar um príncipe português no trono de Madrid, e a procura de casamentos fora da Península quando se pretendia afastar o perigo contrário.
Chegados finalmente ao Oriente, isto é, à Índia e ao Prestes João - objectivo prosseguido sistemática e cientificamente durante 83 anos (se nos reportarmos a Ceuta) - estava por fim estabelecida a ponte entre os Cristãos do Ocidente e os Cristãos do Oriente (os do rito de S. Tomé na Índia e os coptas da Abissínia), verdadeira meta escatológica para se atingir a globalização espiritual, agora sob a égide do Espírito Santo e pela mão dos portugueses...
Tal consubstanciava também uma estratégia indirecta de ataque ao Império Turco e seu comércio, “pelas costas”.
As coisas acabaram por correr de modo diferente, mas ainda assim estabeleceram-se duas correntes de actuação geoestratégica: a defendida pelo 1º Vice-Rei, D. Francisco de Almeida, que pretendia basear toda a força no mar, apenas com um ou dois pontos de apoio em terra (ex. Cochim), estritamente necessários para o apoio das Armadas; e a preconizada por Afonso de Albuquerque que optou por procurar apoios mais fortes em terra que permitissem uma presença estável e dessem todo o apoio necessário às armadas e ao comércio e, ainda, pela tomada de pontos chaves que controlassem os estreitos e, através deles, as linhas de comunicação marítimas. São exemplo disto, Socotorá, Ormuz, Malaca, Ceilão, etc.
Faltava uma base central de grande importância que permitisse o comando operacional e o apoio logístico-administrativo às nossas operações no Oriente. Para tal escolheu-se Goa, em 1510.
Finalmente, promoveu a miscigenação de raças e as alianças com os reinos que nos eram favoráveis.
A justeza da sua concepção estratégica permitiu aos portugueses dominar o mar e o comércio no Oriente até princípios do século XVII. Toda esta concepção veio a ser herdada e posta em prática posteriormente, pelos ingleses.
Infelizmente, depois da morte do “terribil” Albuquerque, os portugueses deslumbraram-se, falharam no princípio do objectivo, distenderam demasiado o dispositivo e as linhas de comunicação e a expansão passou a ser em todas as direcções, multiplicando-se em fantásticas aventuras, mas perdendo a coerência estratégica.
 
(6)
 
“E com muitas avé-marias e pelouros, nos fomos a eles e os matámos todos num credo”
Fernão Mendes Pinto
(narrando o ataque a um navio pirata chinês)
 
 
Com a dinastia Filipina entrou-se em refluxo. Tal refluxo teve o seu epílogo em 1975. Esperemos que não passe daí.
Como traves mestras da Estratégia ao longo dos séculos podemos divisar:
- um espírito de Cruzada até ao século XVII;
- conter Castela em terra e batê-la no mar;
- apoios externos que se consubstanciaram na expansão ultramarina, que nos protegessem da vulnerabilidades europeias;
- aliança com a potência marítima dominante, desde o século XIV, e sempre que as debilidades nacionais o impusessem;
- tentativas de neutralidade nas contendas europeias;
- primazia da acção diplomática sobre a actuação militar;
- predomínio da estratégia defensiva sobre a estratégia ofensiva, apenas com excepções na expansão ultramarina (1415-1550);
- balanceamento entre as potências marítimas e as continentais, acabando sempre por predominar as primeiras, devido à necessidade de salvaguardar as terras de além-mar;
- troca de profundidade estratégica ultramarina por soberania no núcleo fundamental europeu, a partir da Restauração.
 
 
(7)
 
“E perdida Lisboa é perdido todo o Reino”
Fernão Lopes
 
 
Pelo meio de tudo isto tivemos que travar o que denominámos por “cinco guerras de independência”: a primeira cabendo à acção de D. Afonso Henriques na individualização do Condado Portucalense e sua futura transformação e sustentação do Reino de Portugal; a segunda trata-se da ultrapassagem da crise sucessória de 1383-85 e que durou 26 anos; a terceira é a Guerra da Restauração, que durou 28 anos; a quarta refere-se à expulsão do invasor francês e sua completa derrota que durou sete anos, que foram de grande destruição, violência e letalidade; a quinta guerra de independência foi a levada a cabo durante o Estado Novo, onde se teve que tirar Portugal da bancarrota e do ciclo vicioso dos empréstimos versus pagamento dos juros e descolonizar o país, economicamente dos ingleses e culturalmente dos franceses.
É muito possível que a próxima guerra da independência que iremos ter que travar se quisermos sobreviver, seja contra o federalismo europeu e o iberismo, que aquele potencia em extremo.
 
 
(8)
 
“A neutralidade para Portugal é uma necessidade como é para toda a nação pequena e decadente que tem tudo a perder e nada a ganhar no jogo das grandes.”
D. Pedro V (em carta ao Marquês de Loulé, 1859)
 
 
Noutro sentido, várias foram as vezes que procurámos a neutralidade versus a intervenção. Nem sempre o que se conseguiu coincidiu com os objectivos esperados. E é sempre necessário ter em conta que não é neutral quem quer, mas sim quem pode, isto é, quem tem força para isso. E, neste âmbito, o braço militar é fundamental.
Vejamos a síntese desta dualidade:
Durante a 1ª dinastia repartimos a estratégia ofensiva com a defensiva, e a primeira vez que entrámos nas contendas europeias foi no âmbito da Guerra dos Cem Anos, durante o reinado de D. Fernando, com resultados desastrosos.
Durante a 2ª Dinastia, manteve-se uma postura maioritariamente ofensiva:
- Sucessão ao trono Castelhano/Espanhol
- Norte de África
- Expansão Ultramarina
Durante a dominação Filipina não tivemos Estratégia própria. Reagimos a ataques e participámos em guerras alheias (invencível Armada, Flandres/Estados italianos). Sem embargo aproveitámos a oportunidade para nos expandirmos no Brasil para além do acordado no Tratado de Tordesilhas.
A partir da Restauração a estratégia passou a ser defensiva.
Ensaiaram-se posturas neutras que falharam:
- na Guerra de Sucessão de Espanha
- na Guerra dos Sete Anos
- na Guerra Peninsular
Resultaram:
- na Guerra Civil Espanhola
- na II GM
Ensaiaram-se estratégias ofensivas com resultados pouco positivos:
- na Campanha do Roussilhão
- na Intervenção na Flandres, durante a I Grande Guerra.
 
(9)
 
“Devem-se adoptar providencias para haver sólida confiança na milicia chamada auxiliares....É preciso por um qualquer modo reúni-la regularmente de tempo a tempo para a exercitar e acostumar ao serviço e à disciplina”
Conde de Lippe (carta ao Marquês de Pombal, 1764)
 
 
Infelizmente, desentendemo-nos algumas vezes a ponto de termos guerras civis. A primeira ocorreu logo no reinado de Afonso II com as irmãs; no de D. Sancho II, com o irmão; nos reinados de D. Dinis e D. Afonso IV, entre pai e filho; no interregno de 1383-85, entre os partidários do Mestre de Avis e os de D. Leonor Teles; no reinado de D. Afonso V, com o tio D. Pedro; finalmente, em 1846/7, a Guerra da Patuleia. Mas a maior e mais sangrenta contenda interna, foi sem dúvida a guerra civil entre Liberais e Absolutistas, entre 1828-1834. Guerra que deixou marcas até hoje.
Resta ainda referir as incursões monárquicas de 1912 e 1919, resultantes da proclamação da República, por meios violentos e aquela que não chegou a ser, evitada a custo, em Novembro de 1975.
Tais contendas provocaram perdas (por morte ou emigração) e renovação de elites, sendo as principais as que ocorreram ao tempo da aclamação de D. João I como Rei de Portugal; na afirmação do Poder Real com D. João II; com a expulsão dos Judeus a partir de D. Manuel I; com a divisão de águas após a Restauração da Coroa Portuguesa na Casa de Bragança; com a ida da Família Real para o Brasil, em 1807; após a vitória liberal consagrada na Convenção de Évora Monte, de 1834; após o 25 de Abril de 1974, até o país estabilizar.
 
(10)
 
 
“O Orçamento Nacional deve ser equilibrado. As Dívidas Públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos devem ser reduzidos, se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viverem por conta pública”
Marcus Tullius - Roma, 55 a.c.
 
 
Num aspecto, porém, e independentemente da política ou estratégia seguida, nunca se conseguiu colocar a economia portuguesa a funcionar em termos sustentados e evitar rupturas financeiras. Isto é, nunca se conseguiu aproveitar as riquezas de momento e transformá-las em mais-valias futuras. E tal aconteceu com as especiarias do Oriente, o ouro do Brasil, as riquezas de África e, agora, com os fundos da U.E. É uma espécie de maldição que nos persegue!...
Sem embargo convém, muito sucintamente, enumerar as principais razões para o que se acabou de apontar:
- pobreza do território nacional europeu, com deficit em minérios e cereais;
- guerras frequentes;
- expulsão dos judeus, que representavam a classe empresarial mais dinâmica;
- posturas económicas defensivas dos nossos mais directos concorrentes que levaram a que se enveredasse mais por uma política de transporte, do que de produção (apesar de tentativas feitas, ex. feitorias da Flandres e na Liga Hanseática);
- acordos ruinosos com a Inglaterra, por fraqueza nossa de que aquela se aproveitou (ex Tratado de Metween, abertura dos portos brasileiros, etc.);
- espírito religioso que favorecia a caridade em vez do lucro (ao contrário do que prevalece com reformistas, anglicanos e calvinistas);
- perda de hábitos de trabalho a partir do século XVI, devido ao excesso de escravos e ao gosto da ostentação;
- falhanço das duas revoluções industriais, devido às guerras civis do século XIX;
- espírito de “cigarra” em vez de mentalidade de “formiga”.
Houve algumas tentativas de inverter estas tendências, mas não fizeram vencimento duradouro, como é o caso da acção de D. Dinis, D. João II, do Conde da Ericeira, do Marquês de Pombal, de Fontes Pereira de Melo e Salazar. Foi até no consulado deste último que se lançou, pela primeira vez, as bases do desenvolvimento sustentado e da industrialização do País, através do I Plano de Fomento, em 1951.
Finalmente, é necessário perceber e assumir que a economia não é um fim em si mesma. Ela deve servir uma Política e ser instrumento de uma Estratégia. E ainda que o sistema financeiro não deve servir só para enriquecer banqueiros, quer nacionais quer estrangeiros: deve estar ao serviço da economia e do povo que lhe confia os seus réditos.
 
(11)
 
“Cousas que pertencem a hum bom capitão:
diligencia nos negócios
fortaleza nos perigos
empenho (esperteza) no agir
rapidez na execução
prudência em relação ao futuro
(atento ao que há-de vir)”
Livro dos Conselhos de El Rei D. Duarte
 
 
Finalmente, merece referência o impacto doutrinário/ideológico ocorrido por três vezes na História do nosso país e que modificou sucessivamente o que denominamos de “matriz nacional original”. São tudo importações estrangeiras. São elas, as mudanças radicais ocorridas no Reinado de D. João III e que têm a ver com o estabelecimento da Inquisição e do Tribunal do Santo Ofício; o estabelecimento em Portugal da Companhia de Jesus por via do combate à Reforma (que foi liderada por teólogos portugueses e espanhóis) e, sobretudo, as alterações (com enclausuramento), efectuadas nas Ordens Militares, pelo frade castelhano, Jerónimo de Lisboa, a mando de D. João III.
Cabe aqui referir, por causa da sua importância, que existem quatro alturas chave relativamente às Ordens Militares: a decisão do rei D. Dinis em as nacionalizar - a fim de evitar que pudessem ter Grão-Mestre estrangeiro; a acção de D. João I em as tornar reais - pondo cada um dos seus filhos à frente de cada uma; a decisão, ainda mal estudada de as reformar, obrigando à clausura, por ordem de D. João III - isto é tirando-lhes o Poder; a sua extinção por D. Pedro IV, em 1834; finalmente, a República tornou-as honoríficas.
A matriz portuguesa, que era sobretudo cistercense, templária e franciscana, passou para o predomínio dos Dominicanos, que dominavam a Inquisição; e da Companhia de Jesus, aríete da Contra Reforma e da futura evangelização. O culto do Espírito Santo que era uma espécie de religião peculiar dos portugueses, desde meados do século XIII - e que não era propriamente católica, apostólica, romana - foi jugulada e quase desapareceu. A herança da dinastia de Avis foi, aparentemente, mudada e as capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha - que ficaram assim até hoje - são disso, talvez, o exemplo mais eloquente.
A segunda grande mudança, digamos assim, telúrico-filosófica, foi consequência das invasões francesas. Mais profundo do que as mortes e destruições causadas - cujo grau nunca foi igualado, nem antes nem depois - por continuado no tempo, foram os ideais da Revolução Francesa que aqui medraram, dando origem ao liberalismo imposto pela força das armas, primeiro em 1820 e depois definitivamente, em 1834, após ser vencida a oposição da grande maioria do povo português, indubitavelmente amante do Trono e do Altar. Esta mudança que teve na extinção das Ordens Religiosas e na Reforma Administrativa de Mouzinho da Silveira, os seus esteios mais importantes, terminou, após a implantação da República, com a imposição da chamada democracia directa. A instabilidade que este processo acarretou demorou cerca de um século e explica, em grande parte, os 48 anos do Estado Novo.
A terceira mudança de matriz ocorreu na sequência da revolução em que o golpe de Estado ocorrido a 25 de Abril de 1974, se transformou.
Foi a vez de irromperem em força os ideais internacionalistas, que tinham estado confinados, até 1926, aos diversos ritos maçónicos, mas que agora se estendem a novas organizações de Poder não democrático, com grandes ramificações no âmbito do sistema financeiro internacional. Inundou-se ainda a sociedade portuguesa de ideais libertários oriundos do Maio de 68, em França, habilmente explorados por forças laicistas e capitalistas apátridas.
Estas forças aliaram-se, num momento, à maioria do povo português na rejeição do totalitarismo marxista a cujos fundamentos, ele é profundamente adverso, o que culminou no 25 de Novembro de 1975.
De tudo isto resultou a tentativa de implantação, em curso, do relativismo moral e da liquidação dos esteios identitários da Nação Portuguesa.
A situação é muito grave, pois ela é feita a partir de dentro do próprio Estado, o que nos parece ser a primeira vez que acontece em toda a nossa História!
 
(12)
 
“Sendo nós portugueses
convém saber o que é que somos”
Fernando Pessoa
 
 
Em tudo o que dissermos, existe um factor primordial de base, na geopolítica, para além da geografia - presente em tudo o que dissemos - e que é o carácter do Povo.
Nós somos portugueses e não outros. Temos uma idiossincrasia própria que muda muito lentamente, quando muda. Isto é uma realidade que todos os líderes nacionais, políticos, religiosos, militares, empresariais, etc., devem ter à cabeça nas análises que façam.
É com a nossa gente que o país se faz e não com outra. Por isso é fundamental preparar e escolher elites que tenham isto em mente e, já agora, dado que são as leis que regem a sociedade “devem-se fazer as leis para os respectivos povos, pela simples razão de que não se podem fazer povos, para as leis”.
 
 
 
 
3. Situação Geoestratégica de Portugal
 
 
“Deus deu aos portugueses um berço estreito para nascer e o mundo inteiro para morrer.”
Padre António Vieira
 
 
A situação geoestratégica de Portugal deve ser caracterizada tendo em consideração a posição de charneira do território nacional (TN), entre o Atlântico e o Continente Europeu e de confluência, no espaço estratégico de interesse nacional, das linhas de comunicação marítimas e aéreas ligando a Europa e a África, às Américas, ao Médio Oriente e ao Sudoeste Asiático.
 
 
a. Caracterização do Território Nacional (TN)
 
 
(1) O TN é constituído pelo continente, pelos Arquipélagos dos Açores e da Madeira e ainda pelo espaço aéreo correspondente e respectivas águas territoriais. Portugal tem fronteiras terrestres com um único país e o seu território caracteriza-se pela sua natureza fragmentada.
 
 
(2) O Continente (89.000 Km2), que constitui a posição chave do conjunto nacional, está inserido na Península Ibérica, tendo fronteira com a Espanha em cerca de 60% do seu perímetro. No restante confina com o Oceano Atlântico.
Salienta-se:
 
(a) A sua localização no extremo SW do Continente Europeu e sua configuração rectangular, com uma largura média de 180 Km e um comprimento de cerca de 550 Km;
 
(b) A existência de bacias hidrográficas importantes e de alguns dos melhores portos da península ibérica, os quais proporcionam fácil acesso aos eixos de penetração mais transitáveis, para a meseta ibérica e, através desta, à França;
 
(c) A existência de três regiões homogéneas:
- a faixa litoral centro norte, bastante urbanizada e apresentando uma vegetação frequentemente densa, maioritariamente constituída por planície e colina;
- a região norte interior, montanhosa;
- a região sul, de planície;
 
(d) A existência de uma boa rede de comunicações viárias tanto no sentido norte/sul, como no sentido leste/oeste, dispondo ainda de um bom conjunto de infra-estruturas aeronáuticas;
 
(e) A concentração dos principais centros políticos, urbanos e económico-industriais na orla marítima, numa faixa de 50km, que vai de Braga a Setúbal;
 
(f) A acessibilidade por mar e a facilidade de acesso através da fronteira terrestre, principalmente nas zonas centro e sul do território.
 
 
 
(3) O arquipélago da Madeira (800 Km2), a cerca de 500 milhas náuticas a SW do continente, 300 milhas da costa de África e 200 milhas das Ilhas Canárias, é constituído pelas ilhas da Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens. Salienta-se:
 
(a) A reduzida superfície das ilhas, nomeadamente Porto Santo, onde se faz sentir falta de água;
 
(b) O relevo muito acidentado e irregular da ilha da Madeira, com uma costa escarpada e sem praias;
 
(c) Boas infra-estruturas aeronáuticas em ambas as ilhas;
 
(d) Um porto com algumas capacidades, no Funchal;
 
(4) O Arquipélago dos Açores (2.300 Km2), a cerca de 900 milhas náuticas a W do continente e 2000 milhas dos Estados Unidos, é constituído por nove ilhas, agrupadas nos grupos oriental (S. Miguel e Stª Maria), no grupo central (Terceira, Faial, S. Jorge, Pico e Graciosa) e ocidental (Flores e Corvo), sendo a distância entre os grupos oriental e ocidental de cerca de 300 milhas náuticas e do qual se salienta:
(a) A pequena superfície das ilhas, o seu relevo acentuado e a reduzida acessibilidade por mar;
(b) Boas infra-estruturas aeronáuticas, com algumas limitações nas ilhas das Flores e do Corvo e razoáveis instalações portuárias.
 
 
b. O Espaço Interterritorial
 
Considera-se espaço interterritorial o espaço marítimo e aéreo compreendido entre as parcelas do território nacional.
 
 
c. Espaço Estratégico de Interesse Nacional
 
 
(1) O espaço estratégico de interesse nacional (EEIN) é o espaço necessário ao desenvolvimento das acções militares de defesa do TN e dos interesses vitais permanentes de Portugal.
 
 
(2) O EEIN abrange designadamente:
(a) O TN;
(b) A zona económica exclusiva;
(c) O espaço interterritorial;
(d) O espaço aéreo sob responsabilidade nacional.
 
 
 
d. População
 
 
A população portuguesa é constituída por cerca de 10,5 milhões de residentes e 3,5 milhões de emigrantes, cujos principais núcleos se encontram na França, Alemanha, EUA, Venezuela, Brasil, República da África do Sul e Angola. Das suas características destacam-se:
(1) Elevado sentido de individualidade e independência;
(2) Pouca expressão em termos quantitativos;
(3) A densidade adequada (cerca de 110h/km2). Só na ilha da Madeira se faz sentir alguma pressão demográfica (³ 300 h/km2);
(4) A acentuada assimetria na distribuição da população do continente, onde a maioria habita junto ao litoral numa faixa de 50 Km que se estende de Braga a Setúbal. No interior fazem-se já sentir sinais de desertificação;
(5) A taxa negativa de crescimento demográfico;
(6) Um baixo índice cultural médio;
(7) Uma grande homogeneidade étnica, linguística, cultural e religiosa;
(8) As capacidades de adaptação, de trabalho e de combate.
 
 
e. Importância geoestratégica das posições portuguesas
 
 
A localização geográfica do TN, composto por um elemento continental situado no extremo ocidental da Península Ibérica e por dois arquipélagos implantados em pleno Oceano Atlântico, confere ao mesmo o atributo de posição central, charneira entre dois continentes, o que impõe a Portugal uma postura geopolítica marcadamente euro-atlântica.
 
 
O EEIN é cruzado por numerosas linhas de comunicação marítimas e aéreas que ligam entre si o continente americano, a Europa, a África e, até, o Médio Oriente.
 
De salientar que é através das rotas de comunicação marítimas que vêm do Atlântico Sul que são transportadas grande parte do petróleo e matérias-primas para os países europeus. É ainda por mar que Portugal realiza cerca de 90% do seu comércio.
 
Neste contexto, as posições portuguesas são fundamentais para:
- Apoio e defesa das principais linhas de comunicação necessárias ao reforço e reabastecimento da Europa, bem como a eventuais acções conduzidas através do Atlântico Central para o Medido Oriente, o Norte de África e outros destinos, com espacial relevo para as que passam pelos Açores;
- Vigilância e controlo das aproximações à entrada ocidental do Mediterrâneo;
- Operações de controlo aeronaval no Atlântico, de forma a manter a liberdade de movimentos norte-sul e leste-oeste;
- Apoio logístico e operacional a acções no âmbito dos acordos bilaterais e no da comunidade dos países de língua portuguesa.
 
 
f. Cenários Estratégicos de Actuação
 
 
(1) No quadro dos interesses nacionais específicos, onde se destaca a defesa própria do TN e a protecção/evacuação de comunidades de emigrantes portugueses;
 
 
(2) No quadro dos compromissos assumidos com organizações internacionais de defesa colectiva, nomeadamente:
- Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO);
- União Europeia (UE);
 
 
(3) No âmbito dos compromissos assumidos para com a Organização das Nações Unidas (ONU) e com a Conferência para a Segurança e Cooperação da Europa (CSCE);
 
 
(4) No âmbito da Aliança Luso-Britânica;
 
 
(5) No âmbito da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
 
 
g. Potencialidades e Vulnerabilidades do ponto de vista da Estratégia
 
 
O conhecimento exaustivo das potencialidades (P) e as vulnerabilidades (V) nacionais é fundamental para a correcta definição de qualquer política e estratégias subsequentes.
 
As (P) podem ser definidas como as mais-valias que o País dispõe em termos de recursos, (explorados ou a explorar), meio físico, capacidades agrícolas, piscícolas, industriais, tecnológicas, etc, bem como a qualidade da massa humana que constitui a população e a sua força anímica (vontade e consciência nacional).
 
 
As características do Sistema Político e o modo como está organizado o Estado e a Sociedade são outros factores a ter em conta.
 
 
As (V), por seu turno, são as falhas, debilidades ou inexistências nos elementos considerados.
 
As (P) e (V) devem ser deduzidas de um estudo do potencial estratégico nacional, sendo múltiplos os factores relativos àqueles, que se podem apreciar e variadas as maneiras como se podem agrupar.
 
 
Sem intuitos exaustivos vamos procurar apontar aqueles que nos parecem mais relevantes e que, em nosso entender constituem os pontos fortes e fracos do País. Aos primeiros convém potenciá-los e aos segundos minorá-los.
 
 
Só tendo conhecimento e consciência deles, porém, poderemos explorar uns e precaver-nos dos outros.
 
Para facilidade de exposição vamos agrupar as (P) e (V) em sete grandes áreas: Geografia, População, Política e Administração, Economia, tecnologia, Sócio-Cultural e Militar.
 
 
(1) Geografia
(a) Potencialidades
- As que decorrem das virtualidades da nossa posição geoestratégica, fundamental para acções de reforço transatlântico, para apoio a operações na bacia do Mediterrâneo e Médio Oriente e, ainda, para o controlo de várias linhas de comunicação aéreas e marítimas vitais para o abastecimento da Europa;
- A existência de fronteiras terrestres com apenas um país permite a consideração de uma só ameaça terrestre directa;
- A existência de três parcelas de território - continental e insular - confere profundidade ao conjunto e permite aumentar a sobrevivência do Estado, pela possibilidade de transferência atempada dos centros de decisão;
(b) Vulnerabilidades
- Falta de profundidade defensiva de cada uma das parcelas do território nacional para operações convencionais terrestres;
- Descontinuidade territorial, pelas dificuldades que levanta para a defesa do território e para a vigilância e controlo do espaço inter-territorial;
- Situação periférica resultante da nossa posição geográfica em relação à Europa, o que dificulta o acesso às áreas mais ricas do continente e consequente tendência para a dependência em relação ao espaço espanhol;
- A existência de fronteiras terrestres com um país apenas, dada a diferença de potencial estratégico existente acarretar diminuição de capacidade negocial e impedir qualquer via alternativa terrestre com o centro da Europa.
- A proximidade com o norte de África por via da instabilidade ali existente e potencial.
- A inserção de Portugal numa área onde se podem sobrepor interesses de países terceiros pode conduzir a que o território português, ou parte do mesmo, seja arrastado para conflitos alheios ao interesse nacional.
(2) População
(a) Potencialidades
- a vivência de uma História partilhada durante quase nove séculos ao longo da qual há a afirmação permanente de uma forte identidade nacional;
- a coesão nacional, resultante da homogeneidade cultural da população, da ausência de conflitos rácicos, étnicos ou religiosos;
- A existência de importantes comunidades de emigrantes, no sentido em que favorecem o prestígio e influência de Portugal junto dos países de acolhimento constituem fonte importante de divisas e atenuam o desemprego;
- Influência no mundo por via do património histórico, cultural e linguístico resultante da vocação universalista do povo português.
- Boas capacidades de adaptação, de trabalho e de combate do povo português, desde que devidamente liderado.
(b) Vulnerabilidades
- Desertificação humana de largas regiões do interior do continente, o que impede um desenvolvimento global equilibrado e provoca grandes assimetrias regionais;
- Degradação da consciência nacional em alguns sectores da sociedade portuguesa, relativa à importância da defesa nacional e do papel das Forças Armadas;
- A existência de importantes colónias de emigrantes naquilo que podem prejudicar a capacidade produtiva e de mobilização nacional e produzir o envelhecimento da população e a desvirtualização dos valores nacionais;
- Dificuldades em assegurar, face à sua dimensão e dispersão, a protecção das comunidades portuguesas espalhados pelo mundo, no caso de ameaças à sua segurança.
- Diminuição da taxa de natalidade e envelhecimento da população;
- Limitada capacidade de mobilização.
(3) Política e Administração
(a) Potencialidades
- O sistema democrático do tipo ocidental tem concitado uma aceitação maioritária e estável, contribuindo para a paz civil e a integração em organismos internacionais e de grande relevância geopolítica e geoestratégica;
- A participação em organismos internacionais de segurança colectiva e “fora” internacionais mais importantes, nomeadamente a NATO; ONU, CSCE, UE, actores influentes no desenvolvimento económico e estabilidade política internacional;
- A aceitação pública de que as Forças Armadas, a Magistratura e a Diplomacia servem a Nação e devem ter um carácter suprapartidário, não se devendo envolver directamente na luta política.
(b) Vulnerabilidades
- A participação em organismos internacionais de união político/económica e/ou de segurança colectiva, potencia uma alienação e/ou diluição de poderes soberanos e subalternização de interesses nacionais;
- Alguma liberalização excessiva no quadro legislativo existente, porventura desadequado da realidade portuguesa e da maneira de ser maioritário da população, poderá pôr em causa a autoridade do Estado, a harmonia social e a prevenção da criminalidade;
- Existência de uma forte, quiçá excessiva, partidarização da vida social e económica, o que afecta a coesão da população e a obtenção de consensos;
- Administração pública pouco eficiente, pesada e burocrática, com reflexos negativos na confiança das populações;
- Preconceitos contra as actividades de serviços de informações, prejudicando a obtenção, tratamento e exploração de informações, aspecto fundamental para a defesa e segurança nacionais;
- Baixa prioridade atribuída à defesa nacional, com reflexos evidentes no orçamento do Estado;
- Aparelho do Estado ainda insuficientemente preparado para executar um conceito global de defesa e segurança nacionais;
- Existência de ideias autonomistas e regionalistas que poderão vir a ser lesivas da coesão e unidade nacionais.
(4) Economia/Finanças
(a) Potencialidades
- Possibilidade institucional de controlo estatal de alguns sectores de interesse estratégico fundamental;
- Existência de significativas reservas de ouro;
- Mão-de-obra comparativamente barata (a nivel ocidental);
- Possibilidade de melhorar a exploração dos recursos do mar;
- Elevada capacidade instalada de refinação de ramas de petróleo;
- Existência de algumas reservas de minerais, nomeadamente urânio, cobre, volfrâmio, chumbo e prata;
- Energia hídrica e outras não poluentes, ainda não esgotadas;
- Existência de mercados potenciais nos novos países de expressão portuguesa.
(b) Vulnerabilidades
- Cerca de um quarto, ou mais, das instituições bancárias estarem já em mãos estrangeiras;
- Grande défice da balança comercial;
- Dívida externa muito significativa;
- Assimetria geográfica das estruturas produtivas;
- Baixo nível de produtividade e de competitividade;
- Graves carências na estrutura do sector agrícola, com grande insuficiência na produção alimentar e bens de consumo que já ultrapassa os 60% das necessidades;
- Sector industrial com pequena dimensão para concorrer no mercado internacional onde Portugal se movimenta;
- Quase total dependência energética do exterior, com especial incidência nas ramas petrolíferas;
- Grande dependência do exterior no que respeita a transportes marítimos e aéreos, o que condiciona o nosso comércio externo e mesmo interno;
- Níveis inadequados de reservas estratégicas, com excepção do crude;
- A quase inexistência de logística de produção com interesse para a defesa;
- Dificuldades estruturais e de mentalidade para fazer face às evoluções tecnológicas e de mercado.
(5) Tecnologia
(a) Potencialidades
- Existência de razoável capacidade em meios humanos capazes de desenvolver actividades científicas avançadas e para operar meios sofisticados;
- Existência de algumas infra-estruturas de base e acesso a base de dados internacionais;
- Participação portuguesa em várias organizações internacionais, o que permite uma assinalável variedade de opções, além do acesso ao intercâmbio de informação e à participação em projectos bi ou multilaterais;
- As capacidades já existentes permitem penetrar em áreas de investigação e desenvolvimento de países menos evoluídos, em especial nos países de expressão portuguesa;
(b) Vulnerabilidades
- Fraco desenvolvimento da investigação e sua aplicação prática;
- Grande dependência do exterior no que respeita a alta tecnologia e tecnologia de ponta;
- Insuficiente capacidade de manutenção dos meios sofisticados que operamos;
- Sistemática falta de capacidade para adequar métodos, materiais e equipamento às nossas necessidades e projectos.
(6) Sócio/Cultural
(a) Potencialidades
- Um forte apego à independência, sobretudo nas classes de mais baixo nível económico e cultural;
- A acção formadora e enformadora das grandes instituições nacionais, nomeadamente a Igreja, a Universidade e as Forças Armadas;
- A existência de um número considerável de cidadãos com preparação técnico-cultural elevada;
- As capacidades já existentes permitem penetrar em áreas de investigação e desenvolvimento de países menos evoluídos, em especial nos países de expressão portuguesa.
(b) Vulnerabilidades
- Baixo nível sócio-económico e cultural em grande parte da população;
- Deficiente funcionamento do sistema educativo, gerador de baixos índices culturais, de competência profissional, consciência cívica e amor pátrio;
- Deficiente organização do sistema de saúde e percentagem elevada de cidadãos deficientes;
- Carência de chefias, mau rendimento do trabalho e dificuldades em desempenhar actividades de alto tecnicismo;
- Afrouxamento dos laços familiares tradicionais;
- Existência de fontes de tensão social potencial, como sejam o aumento da criminalidade, narcotráfico, corrupção, desemprego e existência de manchas importantes de pobreza;
- Propensão para o individualismo e alastramento das ideias materialistas, hedonistas e egoístas na sociedade portuguesa;
- Deficiente informação pública por parte de alguns órgãos da comunicação social relativamente aos aspectos da defesa e segurança nacionais;
- Alastramento do sentimento anti-militar, que contribui para o enfraquecimento do patriotismo e para dificuldades no recrutamento de pessoal para as Forças Armadas;
- Deficiente entrosamento da “cultura do mérito”, na sociedade;
- Relações de autoridade atenuadas e desequilibradas, no meio social e politico;
- Sensibilidade da população a manipulações demagógicas, embora de resultados não duradouros;
- Ressurgimento, embora pouco generalizado de ideias “iberistas” em épocas de crise que ponham em questão a identidade nacional;
- Relativismo moral, em ascensão;
- Predominância dos “Direitos”face aos “Deveres”.
(7) Militar
(a) Potencialidades
- Instituição Militar enraizada na organização do Estado, no subconsciente da Nação e na sua auto-imagem, alicerçada por muitos séculos de vivência e interdependência comum. A História de Portugal é, em grande parte, a História das suas Forças Armadas;
- O número de infra-estruturas aeronáuticas, portuárias e logísticas e de eventual estacionamento de meios, conferem a Portugal significativo valor estratégico/militar;
- A existência de um número elevado de quadros competentes, permite perspectivar uma adequada exploração dos meios, a possibilidade de expansão do dispositivo e sistema de forças e a correcta condução das operações militares;
- O estatuto e organização das forças de segurança, nomeadamente a GNR, permitem reforçar a capacidade de defesa militar do País;
- A participação de Portugal na NATO e na UE permite, em termos militares, colher benefícios no campo doutrinário, técnico-científico, táctico e financeiro, aumentando, em simultâneo, a capacidade de dissuasão;
- A especial apetência do homem português para a luta não convencional (guerrilha) pode ser, se devidamente explorada; um factor dissuasor importante;
- O número de quadros, equipamentos e conhecimento, existentes, relativamente aos países de expressão portuguesa, permitem a Portugal dispensar substancial ajuda técnico-militar às Forças Armadas desses países.
(b) Vulnerabilidades
- Contínuo decréscimo dos orçamentos (em termos reais), destinados à defesa militar do País;
- Menor poder global relativo, face à Espanha;
- Existência de um aparelho militar caracterizado por baixos índices de modernidade e com uma panóplia de sistemas de armas muito limitada para satisfazer a defesa própria mínima para fazer face às ameaças e assegurar uma adequada liberdade de acção externa;
- Dotação de meios e capacidades de sustentação muito abaixo dos padrões existentes nos restantes membros dos sistemas colectivos de segurança de que fazemos parte;
- Capacidade muito reduzida de presença e vigilância no espaço interterritorial, de protecção das linhas de comunicações e de execução de acções de projecção de força e sua sustentação em qualquer área do espaço estratégico de interesse nacional;
- Lei do serviço militar desajustada em relação à realidade portuguesa e às necessidades das Forças Armadas;
- Fraca participação, em termos práticos, nas organizações de segurança internacional de que somos membros (NATO+UE);
- Inexistência de um sistema de mobilização e requisição que possa aumentar, quando necessário, as actuais capacidades militares;
- Perda de dignificação das Forças Armadas em termos sociais;
- Diminuição efectiva do “moral” dos quadros;
- Incompatibilidade entre as missões atribuídas e os meios disponíveis;
- Quase total dependência do exterior no que respeita a equipamentos para a defesa.
 
O que atrás fica dito, parece-nos espelhar, em corte, a realidade portuguesa em termos dos factores que afectam (para o bem e para o mal), a Nação e o Estado português no âmbito da sua segurança, defesa e economia, vistos de um ponto de vista estratégico.
 
Temos consciência que a visão estratégica do país não é a única nem será a predominante no actual contexto da sociedade portuguesa, mas é lícito e patriótico continuar a chamar a atenção da população em geral e dos órgãos de soberania em particular, sem desfalecimento, para os aspectos apontados e de como a estratégia é uma ferramenta indispensável à grande política.
 
 
 
 
4. Espaço Estratégico de Interesse Nacional (EEIN)
 
 
“É necessário haver Armadas no mar que guardem as nossas costas, paragens, e nos assegurem dos sobressaltos que podem vir pelo mar, e são mais suspeitos que os de terra”
Padre Fernando Oliveira
 
 
a. Introdução
 
 
A importância do “espaço” foi teorizada no seio da Geografia Política e, mais tarde, pela geopolítica, a ciência que relaciona os acontecimentos políticos com a geografia.
 
 
Os elementos que se podem considerar mais estáveis, da geopolítica são, justamente, a geografia e o carácter do povo. A geografia não muda - vivemos, portanto, uma “ditadura” geográfica - e o carácter do povo muda muito devagar, quando muda.
 
 
A relação entre o espaço e a actividade humana é, pois, o cerne da geopolítica. Deste modo o controlo de um espaço terrestre, marítimo ou aéreo, representa um poder potencial, pronto a transformar-se em Poder. Quanto maior o espaço, maior o poder. E o poder - o poder efectivo - é aquilo que, em primeira instância, condiciona ou influencia, as relações internacionais e garante a sobrevivência dos povos politicamente organizados.
 
 
O espaço deve, pois, encarar-se sob uma perspectiva dinâmica que o torna um vínculo geográfico de um qualquer poder inserido num quadro geopolítico de referência, e um cenário estratégico vigente[2]. O espaço e o homem estão ligados por uma relação telúrica que se vai desenvolvendo ao longo do tempo, com o evoluir das diferentes comunidades. Daí a força que atrai os homens a virem acabar os seus dias nas terras que lhes deram berço, ou onde os laços afectivos se tornaram mais intensos.
 
O conceito de “espaço” pode ser decomposto em três dimensões:
 
- uma dimensão horizontal, que abrange a extensão, localização, morfologia, clima, geologia e recursos naturais;
- uma dimensão vertical, que é consequência da actividade do próprio homem e ao seu relacionamento com os factores sociais (demografia, economia, cultura, tecnologia, etc.);
- uma dimensão temporal, que resulta da interacção das componentes anteriores.
 
 
É dentro destes “espaços” que uma entidade política define os seus objectivos, defende os seus interesses, orienta as suas estratégias e projecta a Ideia que tem de si mesma, relativamente a outras unidades politicas. Tudo isto para alcançar as “aspirações utópicas” do estado moderno, a saber: a Segurança, a Justiça e o Bem-estar - por esta sequência, já que a ordem dos termos não é arbitrária...
 
 
Os actores políticos principais, do mundo contemporâneo, são os estados-nação, seguidos das organizações internacionais para o desenvolvimento económico e de segurança. Para regular e resolver os diferendos entre eles, que podem surgir de conflitos de interesses, existe a Organização das Nações Unidas, que se pretende seja a fonte do Direito Internacional.
 
 
Infelizmente a eficácia prática deste organismo tem deixado muito a desejar, não sendo raro que os conflitos se dirimam à sua margem e, ou, pelo “direito da força”.
 
 
Finalmente, é necessário ter em mente a “aceleração” do tempo histórico e o avanço tecnológico, que originou uma contracção da componente temporal do espaço, uma globalização das actividades e a possibilidade de se tomar conhecimento de qualquer evento, em tempo real, a qualquer hora e em qualquer parte do globo.
 
 
***
 
 
O território nacional ocupa, em termos de extensão a 108ª posição entre os 193 países existentes, entre a Hungria e a Jordânia.
 
 
Já relativamente ao PIB “per capita”, Portugal encontra-se (a dados de 2009), no 35º lugar, ao passo que na lista do índice de desenvolvimento humano, aparece na 28ª posição.
 
 
Mas se ao território, juntarmos o mar português (águas territoriais mais ZEE), Portugal salta para o 11º lugar a nível mundial! E se considerarmos o espaço ocupado pela ZEE proporcionalmente ao território terrestre, o nosso país passa para primeiro lugar no mundo, se excluirmos alguns micro estados insulares[3].
 
 
Deste modo, podemos avaliar a importância do mar em termos de segurança, desenvolvimento económico e de liberdade e flexibilidade estratégica, para o presente e futuro da Pátria portuguesa.
 
 
Por EEIN entende-se toda a superfície terrestre, marítima e aérea que possam ser relevantes para os interesses nacionais, quer seja no âmbito da soberania, segurança (incluindo defesa avançada), económica ou de projecção de poder ou influência. Não se deve, pois, falar de “espaço”, mas sim de “espaços”, que podem ser contíguos ou não, mas cujas valências devem ser complementares. Às eventuais superfícies marítimas, aéreas ou terrestres, que possam existir entre o EEIN, chamar-se-á de “espaço interterritorial”.
 
 
O núcleo “duro”, se assim se pode chamar, do território nacional é constituído pelo Continente (89.000 Km2), o Arquipélago da Madeira (800 Km2), o Arquipélago dos Açores (2.300 Km2), e o espaço aéreo e marítimo adjacente de soberania plena que vai respectivamente da superfície até à tropopausa (cerca de 50.000 pés, ou 17 km), e 12 milhas na perpendicular da linha de costa. A tudo isto deve juntar-se a Zona Económica Exclusiva (ZEE) (200 milhas náuticas de mar na perpendicular da linha de costa; e as Regiões de Informação de Voo (FIR), de Lisboa e Santa Maria. Tanto a ZEE como as FIR representam áreas de soberania não exclusiva, abrangendo a primeira uma área de 1.700.000 km2 - a maior da UE e cerca de 18 vezes a extensão terrestre - sendo a extensão das FIR de, respectivamente, 683.683 km2 e 5.126.635 Km2.
 
 
A tudo isto se deve acrescentar o alargamento da Plataforma Continental (PC), que não é mais do que a extensão da ZEE das 200 para as 350 milhas náuticas (segundo normas especificadas em legislação internacional), o que alargará a área imersa de interesse nacional em mais 2.150.000 km2.
 
Este alargamento já foi submetido à ONU, aguardando-se a sua autorização, o que terá força de lei no Direito Internacional.
 
 
Desta forma, a união dos três núcleos do território nacional e áreas adjacentes constitui o conhecido “triângulo estratégico português” constituindo, por isso, o EEIN fundamental no âmbito da identidade e individualidade nacional, onde se inclui a segurança e defesa das linhas de comunicação marítima e aérea.
 
 
b. Metodologia
 
 
A definição do EEIN deve derivar do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) que por sua vez deriva das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e deve dar origem ao conceito Estratégico Militar (CEM) e aos conceitos estratégicos dos outros ministérios que, até hoje, nunca foram formulados…
 
 
O CEM articula-se então, após análise geopolítica e geoestratégia do todo nacional - nas potencialidades e vulnerabilidades, na caracterização das ameaças previsíveis e no conceito de acção militar. Do CEM derivam as missões, o dispositivo e o sistema de forças (militares)[4].
 
 
O CEDN já há muito deveria ter sido revisto para se transformar num Conceito Estratégico de Segurança Nacional (CESN), tornando assim o conceito mais abrangente e multidisciplinar[5].
 
 
Por outro lado, o actual CEDN[6], aparenta ser muito prolixo e genérico na definição de opções estratégicas, querendo “tocar” em muitos âmbitos, em simultâneo, com a consequente dispersão de meios e sem definição clara de prioridades. Algo que tende a dar para tudo resulta, normalmente, consequente em nada...
 
 
Inexplicavelmente, o CEDN não se refere à Aliança Inglesa que - recorda-se - é a aliança política e de defesa mais antiga em todo o mundo e que está em vigor. Mais ainda, é a única organização internacional, exceptuando agora a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que integramos e a Espanha está ausente, o que não deixa de ser uma realidade geopolítica e geoestratégica relevante.
 
 
A definição dos EEIN devem, assim, derivar de todo articulado definido acima e devem ter a ver, fundamentalmente, com:
- protecção mutúa das diferentes parcelas do TN;
- garantir a coesão do todo nacional;
- evitar vazios estratégicos;
- exercício da soberania plena ou mitigada, sobre o território nacional, (aéreo, terrestre e marítimo), ZEE, FIR e (futura) PC;
- desenvolvimento de actividades económicas ou de investigação;
- segurança à distância;
- projecção de poder (político, militar, diplomático, económico, cultural);
- potenciar alianças e aumentar a dissuasão;
- protecção e apoio às comunidades de emigrantes:
- protecção das linhas de comunicação marítimas e aéreas;
- aumento do Poder Nacional (sem o que nenhuma unidade política tem liberdade estratégica ou sequer viabilidade existencial).
 
 
Tudo isto devendo ser harmonizado em termos de definição, coordenação e liderança política.
 
 
Os EEIN deverão ser, então, definidos em função dos diferentes cenários internacionais existentes, a análise das ameaças e riscos e nível de ambição nacional em termos de objectivos a alcançar e interesses a resguardar. Devem, ainda, ser analisados do ponto de vista das (P) e (V).
 
Finalmente, o modo como se deverá ocupar, vigiar, explorar, desenvolver, etc, todos estes “espaços” é objecto de outro âmbito, pelo que ultrapassa o presente trabalho. Mas um e outro são complementares e indissociáveis.
 
 
c. Definição dos EEIN
 
 
Face ao exposto passa-se a elencar os espaços estratégicos considerados:
 
 
(1) o mais importante espaço estratégico é aquele que é definido pelo território do Continente e os Arquipélagos da Madeira e Açores, bem como o espaço aéreo e marítimo entre eles o que configura o que já é conhecido por triângulo estratégico nacional português. Associados a estes espaços devemos considerar as FIR de Lisboa e Santa Maria - o que obriga à existência de sistemas efectivos de controle do espaço aéreo e serviços de busca e salvamento (SAR).
Se Portugal conseguir a extensão da Plataforma Continental - o que representaria o ganho estratégico mais importante desde meados do século XVI! - além da enorme quantidade de massa oceânica e subaquática para onde nos podemos expandir, a mesma permite constituir um contínuo de EEIN, entre os três “vértices do triângulo” sem qualquer solução de continuidade[7].
É por este espaço que terão de passar as ameaças directas ao TN; por onde passam a totalidade das linhas de comunicação aérea de e para o nosso país e por onde chegam - via marítima - 90% dos abastecimentos de que carecemos. O cruzamento das linhas de comunicação marítima para o tráfego internacional também é muito importante, estimando-se que só ao longo da costa do continente circulem diariamente cerca de 500 navios.
Dada a forma arquipelágica do território nacional, o mar tem que ser encarado com uma “estrada ou ponte” que os une e não como um obstáculo que os separa.
Relativamente a este enorme espaço é bom reter sempre, que o EEIN dos EUA se projecta no Atlântico Norte e Central e se estende até aos Açores - considerados até, como uma defesa avançada daquela super potência; assim como os EEIN da França e da Espanha se estendem pela Península Ibérica e se projectam no mar até àquele arquipélago português.
A Grã-Bretanha - nossa secular aliada - como grande potência naval que ainda é, também considera toda esta área marítima e aérea de especial interesse para a sua segurança, e utilizará todo o seu poder de modo a que nenhuma parte do território português seja influenciado ou ocupado por uma potência que lhe seja hostil.
Finalmente, a Espanha tem uma apetência secular (de sempre…), em querer marcar presença no mar português (quando não ocupar!), estando em excelentes condições para preencher, de imediato, qualquer vazio estratégico que se lhe proporcione.
É deste EEIN, que devemos considerar de espaço vital, que poderemos projectar outros espaços que sejam do interesse de Portugal em marcar presença, projectar interesses ou estar particularmente vigilante.
 
 
(2) O EEIN que aparece evidente, de seguida, é aquele que poderemos designar de “regional” e abrange a restante Península Ibérica, o norte de África e se projecta em todo o Mediterrâneo Ocidental até ao “meridiano” definido pela Península Italiana, a Sicília, Malta e o norte da Tunísia[8].
 
O Mediterrâneo constitui um exemplo de uma área geoestratégica que nunca se identificou como área geopolítica, mesmo quando ali imperou a “pax romana”. A história do Mediterrâneo foi e ainda é, uma história de conflitos. Nunca houve no Mediterrâneo homogeneidade de culturas, nunca se manifestaram objectivos políticos comuns, nunca houve nada que unisse os povos desta região, a não ser a força do mar comum que os atrai ao litoral, que favoreceu o conhecimento mútuo, mas que não os amalgamou, não os confundiu nem diluiu e, no entanto, foi berço de civilizações.
 
Desde a “pax romana” só os ingleses conseguiram, durante 150 anos, depois de Trafalgar, impor uma estratégia naval vitoriosa quase sem perturbar politicamente os países das suas margens. Esta estratégia foi baseada em três pontos de apoio: Gibraltar, Malta e Chipre; o protectorado do Egipto foi a excepção a esta regra.
 
O Mediterrâneo estende-se de Gibraltar à entrada leste do Mar Negro, numa extensão de 3.800 km. A evaporação é cerca de três vezes superior à pluviosidade e ao caudal dos rios que nele desaguam. É do Atlântico e do Mar Negro que vem o recompletamento das suas águas. A bacia ocidental é quase fechada a leste com a Sicília, a Ilha de Malta e a Ilha de Pantelleria (da Sicília à Tunísia distam cerca de 143 km). O Mediterrâneo é um “mar entre terras”. O conjunto é envolvido por cadeias montanhosas que fazem a separação com o interior da Europa, a norte, com linhas de infiltração bem marcadas e, a sul, com o deserto. No Mediterrâneo existem 15 estreitos de importância internacional, dos quais os mais importantes são Gibraltar, o Canal do Suez e o Bósforo.
 
Para o nosso trabalho interessa-nos caracterizar um pouco melhor o primeiro: o Estreito de Gibraltar tem 48 km de comprimento e 13 de largura e a sua profundidade chega aos 150 metros. Na sequência da guerra da Sucessão de Espanha, a cidade que lhe dá o nome, ficou na posse da Inglaterra, pelo Tratado de Utrech, de 1713. O Estreito de Gibraltar é regulado pelo princípio da liberdade de navegação.
 
A bacia do mediterrâneo compreende cerca de vinte países ribeirinhos onde se verifica uma grande diversidade de atitudes, crenças, poderes e problemas. São diferentes nações, religiões, línguas, estruturas sociais e políticas que se confrontam desde tempos ancestrais. Existe uma “cultura” de confronto, nomeadamente no norte de África, região pontuada por inúmeros conflitos. A União do Magrebe Árabe (UMA), firmada pelo Tratado de Marraquexe, de 1989, entre Marrocos, Mauritânia, Argélia, Tunísia e Líbia, constitui uma tentativa para o entendimento entre países. Contudo, nunca funcionou na prática. Aparentemente estes países ainda não estão maduros para um tal entendimento, não existe visão nem capacidade de gestão comum de crises.
 
As assimetrias entre países da orla Norte e os da orla Sul são muito grandes, em todos os campos e todos os indicadores são favoráveis à parte europeia.
 
A demografia nos países do norte de África é enorme comparada com os vizinhos do Norte e tal facto está a causar graves problemas de desemprego, de pressão urbanística, de gestão da água e produção de alimentos e a uma tendência fortíssima para a emigração legal ou não.
 
Este fosso económico e social é tido pelas populações do sul como injustiça que é necessário reparar.
 
No Mediterrâneo Ocidental a Espanha, a França e a Itália, assumem-se como potências militares, fazendo-se sentir ainda a presença naval americana (apesar da sexta esquadra ter abandonado a região) e a força naval da NATO; a presença naval russa desapareceu quase por completo após a queda do muro de Berlim.
 
No âmbito da UEO, entretanto desaparecida, foram criadas, em 1995, duas forças militares combinadas de que Portugal faz parte juntamente com os outros três países europeus acima mencionados: a Euroforce, com sede em Florença e a Euromarforce, com sede em Barcelona.
 
Devemos lembrar ainda que, para os estrategas clássicos, o território português faz parte do “Rimland” faixa a que Spykman também chamou área de decisão e que circunda o “Heartland”, fazendo de área tampão entre a potência continental e a potência marítima.
 
Em súmula o Mediterrâneo Ocidental é de grande interesse estratégico para Portugal:
- pela sua proximidade e complementaridade;
- pela existência do Estreito de Gibraltar, um dos principais choke points do planeta;
- pela necessidade de preservar as comunicações aéreas e marítimas;
- pela eventualidade de nele se constituírem riscos e ameaças ao interesse nacional;
- pela importância do factor económico.
 
Situação actual: ameaças e riscos
Concentrados que estamos na parte ocidental do Mediterrâneo não podemos descurar o facto de a sua segurança ser afectada, em maior ou menor grau, pelos acontecimentos em toda a sua bacia.
De um modo geral podemos considerar como afectando a segurança em toda a área, os problemas derivados:
- das relações entre os países árabes e Israel e a situação na Palestina;
- dos conflitos entre a Grécia e a Turquia;
- do conflito entre a Grécia e a Albânia e entre aquela e a Macedónia;
- do precipitado reconhecimento à independência do Kosovo;
- da desintegração da ex-Jugoslávia;
- da situação interna dos países árabes;
- da situação no antigo Sahara espanhol;
- das reivindicações de Marrocos sobre Ceuta, Melilla e sobre a República Sahauri;
- das reivindicações da Espanha relativamente a Gibraltar.
 
Não se considera existir nenhuma ameaça directa militar a qualquer país europeu, dado o desnível do potencial militar existente, favorável aos países da margem Norte e ao facto dos exércitos dos países do Sul terem estruturas arcaicas e estarem mais virados para a segurança interna e para os conflitos fronteiriços com vizinhos.
 
Sem embargo, existem vários riscos que, a não serem confinados e/ou a não serem eliminadas as causas que lhe dão origem, podem degenerar em situações de enorme gravidade destacando-se:
- a proliferação de armamento, nomeadamente armas de destruição maciça;
- o subdesenvolvimento económico e assimetrias sociais;
- as disputas nacionalistas, de que se destacam o conflito entre a Espanha e a Grã-Bretanha sobre Gibraltar e o conflito sobre Ceuta e Melilla, entre a Espanha e Marrocos;
- as questões de autonomia de regime político, como são os casos do Sahara espanhol; a situação na Córsega e o terrorismo na Argélia derivada da ilegalização da frente islâmica de salvação (FIS);
- os conflitos de delimitação de fronteiras entre a Argélia e Marrocos e a Argélia e a Tunísia;
- a demografia galopante;
- os fluxos de emigrantes clandestinos;
- o fundamentalismo religioso;
- o terrorismo internacional;
- o narcotráfico e outros tipos de contrabando;
- eventuais rupturas no fluxo energético do petróleo e gás natural da Argélia;
- a gestão dos recursos aquíferos;
- eventuais reivindicações relativamente aos arquipélagos próximos do norte de África (Baleares, Canárias e Madeira);
- questões relativas a pescas.
 
 
Por último, o carácter dos regimes políticos no Norte de África e Médio Oriente, normalmente baseados na autoridade forte de um líder e respectivos apoios, tornam extremamente aleatória a sua sucessão.
 
A evolução da política mundial determinou que, nesta parte do mundo, sobretudo a seguir à queda do comunismo, a UE e até a NATO passaram a prestar mais atenção ao que aqui se passava. Os EUA, preocupados fundamentalmente com o curso dos eventos no Médio Oriente, têm tentado que os problemas da bacia do mediterrâneo passem a ser geridos pelos europeus, sem embargo da sua intervenção fundamental na Bósnia e Kosovo e na quarentena que impuseram ao regime líbio (em fase de esbatimento), ou até pontual, como se verificou há poucos anos no conflito entre a Espanha e Marrocos sobre o ilhéu de Perijil.
 
A NATO enviou, em 1989, a força naval para o mediterrâneo (Stanavformed) e mais tarde, em 1997 formou um grupo de trabalho, o “Mediterranian Cooperation Group” sobretudo preocupado com questões de defesa e segurança e que promove uma a duas reuniões anuais com os países do “diálogo do mediterrâneo”. Este grupo tem feito alguns avanços em termos de busca e salvamento, gestão de crises, protecção civil em seminários diversos, tendo por objectivo primeiro o estabelecimento de um clima de confiança mútua, sabendo-se que por detrás de tudo se encontra subjacente o conflito israelo-árabe.
 
A UEO antes de ser extinta, e por iniciativa da França, criou a Euroforce e Euromarforce (1995), já citadas e estabeleceu diálogo a nível de embaixadores, em Bruxelas, com o Egipto, a Argélia, a Tunísia, Marrocos e Mauritânia e manteve a funcionar um grupo de trabalho para o Mediterrâneo. Com o fim da UEO, as iniciativas em execução passaram para outros órgãos da UE.
 
A nível da União Europeia promoveram-se os trabalhos da Conferência para a Segurança e Cooperação no Mediterrâneo (CSCM), estabeleceu-se o diálogo 5+5 (entre Portugal, França, Espanha, Itália e Malta, com Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Mauritânia) e, após a declaração de Barcelona, de 28 de Novembro de 1995, que visava criar uma zona de comércio livre, em 2010 e em cujo processo participam 15 estados da União Europeia, 12 da margem Sul do Mediterrâneo e 11 observadores.
 
Esta ideia, da então presidência espanhola da UE, visa criar as condições nos países do Norte de África que permitam um substancial desenvolvimento económico e social de modo a diminuir as tensões existentes e a minorar os riscos para os países da UE (isto é, visa, fundamentalmente deter os fluxos migratórios).
 
Por seu turno a OSCE também tem tratado, embora sem resultados visíveis, a problemática mediterrânica.
 
No meio de tudo isto importa reter que os países europeus pensam mais em relação ao Magreb, em termos de defesa e segurança enquanto os países do Sul pretendem, sobretudo, o co-desenvolvimento e aspiram a um estatuto de igualdade e não de paternalismo, ao passo que vêem os desenvolvimentos militares a norte como ameaça a si próprios.
 
Ora estes são dois níveis de entendimento muito diferentes, sendo assaz difícil obter-se acordos ou confiança mútua, enquanto tal situação se mantiver.
 
*****
 
Não é apenas, porém, no âmbito da Segurança e Defesa que este EEIN “regional”, deve merecer a atenção portuguesa: no âmbito político, sobretudo relativamente ao despontar de ideias iberistas de ambos ao lados da fronteira, bem como na manutenção do espírito de concórdia com o Magreb, onde se deve destacar a preservação do notável Tratado de Paz com Marrocos, efectuado em 1774; no âmbito cultural, entre os nossos vizinhos e os países do Norte de África, nomeadamente Marrocos, não tanto por afinidade, mas por laços históricos; e no campo económico/financeiro, onde se deve cuidar bem dos investimentos na Península onde a fronteira - por via da UE - passou a ser muito permeável e a melhoria da balança comercial entre Portugal e Marrocos, Argélia e Tunísia. Estes países e ainda outros (Líbia, Mauritânia e Sahara) são mercados ao alcance dos produtos e da tecnologia portuguesas, e representam áreas de interesse piscatório, na parte atlântica.
 
 
(3) O EEIN seguinte é aquele que deriva da transposição de um dos vértices do triângulo estratégico português - o Arquipélago da Madeira - para o Arquipélago de Cabo Verde.
Cabo Verde seria, então, o vértice de um outro triângulo estratégico cujos pontos restantes seriam Brasília e Luanda.
Estes enormes EEIN configuram espaços de projecção de poder, visam estabelecer uma área de segurança no Atlântico Sul e, ainda, fornecer um esteio político-estratégico à CPLP.
Os oceanos cobrem 70% do planeta, e é de 70, também, a percentagem do tráfego comercial mundial, que se faz através deles. E a população do mundo habita, na mesma ordem de grandeza, junto ao mar e até 30 milhas para o interior.
Os oceanos são formados por água e sais minerais, são extensos, são profundos, opacos e dinâmicos. São fonte de riqueza mineral, animal, vegetal e energética e representam “auto estradas” de comunicação e transporte. O mar é fonte de muitas indústrias e o Poder marítimo é uma componente essencial do Poder Nacional.
O Oceano Atlântico ocupa cerca de um quarto da superfície líquida do planeta, com 76.762 milhões de Km2. [9] É o segundo maior oceano da terra a seguir ao Pacífico e é o único que liga o Pólo Norte à Antárctida.
O Atlântico tem seis acessos, três a leste, três a oeste, sendo dois a norte, dois ao centro e dois a sul.
A passagem do Noroeste é feita pelo Norte do Canadá; a do Nordeste é muito vasta, possuindo dois estrangulamentos: um na zona da Gronelândia, Islândia e Grã-Bretanha; o outro no conjunto Gronelândia, Islândia e Noruega.
A sul, a ligação à Antárctida é muito aberta, já que a distância entre o Cabo da Boa Esperança e o Cabo Horn é de 9.000 milhas.
A ligação ao Índico é também muito extensa - cerca de 2.100 milhas (entre 35º Sul e 70º Sul), o elo com o Pacífico realiza-se pela passagem Drake, entre o Cabo Horn e o arquipélago das Shetland do Sul e pelo Estreito de Magalhães. Os acessos centrais são representados pelo Canal do Panamá e pelo Estreito de Gibraltar.
A menos largura do Atlântico (1.560 milhas - cerca de 3.000 Km), verifica-se entre Natal (Brasil) e Freetown (Serra Leoa), o que representa uma espécie de “equador geopolítico” que separa o Atlântico Norte do Sul. A sua largura máxima situa-se no paralelo 60, cerca de 6.500 Km. A parte norte possui um conjunto de ilhas muito mais importantes do que a zona sul. Cabo Verde situa-se cerca de 600 milhas a norte do “equador geopolítico” e a 300 do continente africano.
A Sul apenas merecem menção a ilha inglesa de Ascensão (8º Sul), que tem uma base aérea, uma estação de rastreio de mísseis dos EUA e um centro retransmisor de comunicações, e o Arquipélago das Falkland igualmente inglês, muito perto do Cabo Horn. Outras ilhas são Fernando de Noronha (Br), Santa Helena (UK), Tristão da Cunha (UK), Sandwich e Geórgia do Sul (UK). S. Tomé e Príncipe fica no equador, muito perto do Golfo da Guiné e a sua posição está a ser valorizada por causa da exploração de petróleo e gás na zona.
No Atlântico Sul as rotas mais importantes vão na direcção norte/sul, prolongando-se depois para o Atlântico Norte - Cabo da Boa Esperança-América Central e Norte; Cabo da Boa Esperança-Europa, Cabo Horn-Europa; Cabo Horn-América Central e Norte.
Cabo Verde fica, assim, no cruzamento das principais rotas marítimas do Atlântico.
Nos últimos anos tem-se intensificado uma rota marítima entre o Brasil e Angola/Nigéria/S. Tomé.
Duas rotas secundárias - muito poucos navios a utilizam - vão do Cabo da Boa Esperança ao Rio da Prata (3.720 milhas) e Cabo da Boa Esperança ao Rio de Janeiro (3.270 milhas)[10].
Complementares a este espaço devemos considerar e sobrepor as FIR do Sal, do Atlântico, Recife, Brasília, Curitiba e Luanda; bem como as ZEE de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Brasil, S. Tomé e Príncipe e Angola.
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O Atlântico Sul foi o oceano mais importante para o comércio mundial, entre a Europa, África e América Latina, entre os séculos XVII e XVIII, depois das grandes navegações e descobertas, em grande parte por causa do tráfico negreiro e o comércio dos produtos tropicais. O Atlântico Norte só suplantou esta importância no século XX, com o declino do comércio entre a África e a América do Sul e aumenta muitíssimo as trocas entre a Europa e a América do Norte.
Entre os séculos XVI e XVIII, todo o espaço do Atlântico Sul serviu para o transporte de mercadorias entre continentes, entre as quais ouro e prata, o que atraia inúmeros ataques de piratas e corsários. Desde o século XVI e XIX, houve muitos conflitos por causa do acesso a colónias e territórios ultramarinos, bem como a guerras de ocupação e de libertação.
Durante a I Guerra Mundial o Atlântico Sul foi um palco secundário, sem embargo de Portugal e o Brasil terem participado no conflito. Apenas uma batalha significativa ocorreu, em Dez. de 1914, perto das Malvinas. Em África houve conflitos sobretudo envolvendo as antigas colónias alemãs.
Já durante o segundo conflito mundial o Atlântico Sul foi palco de intensa campanha naval entre os Aliados e potências do Eixo, onde se destaca a batalha onde foi afundado o couraçado alemão “Graf Spee”, perto do litoral do Uruguai.
Quando se entrou na “Guerra Fria” a importância estratégica do Atlântico Sul decresceu muito relativamente à sua parte Norte, devido à confrontação entre os EUA e a URSS. Esta situação começou a mudar após o choque petrolífero, de 1973, quando este oceano passa a ser uma das rotas mais importantes para o transporte de petróleo, no mundo. Esta relevância aumentou com a guerra das Malvinas, em 1982; a guerra civil em Angola, de 1975 a 1989 e a guerra da independência da Namíbia. Sobretudo a guerra das Malvinas fez mudar profundamente a perspectiva da ameaça, nos países da região. Na sequencia o Brasil impulsionou a criação de uma “Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”, que ocorreu em 1986.
Presentemente a área de conflito potencial mais perigosa é o Golfo da Guiné, onde se desenvolvem disputas sobre águas territoriais e zonas económicas exclusivas, sobretudo por causa das reservas de hidrocarburetos, ao passo que a pirataria tende aumentar. Salienta-se ainda que a fronteira de conflito religioso com o mundo muçulmano já chega ao paralelo que corta a Nigéria ao meio.
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Sendo o estabelecimento deste EIEN um objectivo alargado à CPLP, deve passar a contemplar todas as restantes áreas de intervenção estratégica, ou seja a diplomacia, a economia/finanças, a cultura, a defesa e o âmbito psicológico.
O motor doutrinário de toda esta concepção deve ser Portugal; o primús inter pares, político só poderá ser o Brasil e as alavancas económico/financeiras serão repartidas entre o Brasil e Angola com o contributo de Portugal (a que se deve juntar a área tecnológica), pois são os únicos países com potencial para tal. Moçambique será, obviamente, um forte candidato a juntar-se a este grupo logo que o seu desenvolvimento o permita.
Uma correcta evolução desta estratégia - cujo desenvolvimento não cabe no âmbito deste trabalho - permitirá a Portugal aumentar o seu peso negocial com a UE (permitirá ser até, uma alternativa futura, caso a evolução da UE, passe a ser contrária aos interesses nacionais!), a NATO, os EUA - que passaram a olhar para o Atlântico Sul e para África com crescente prioridade - ao passo que aumentaria a importância relativa dentro da comunidade ibero-americana. Por outro lado, seria do interesse do Brasil, pois o favoreceria no âmbito do MercoSul e os ajudaria a defender de eventuais cobiças norte americanas, nomeadamente quanto à Amazónia, e quanto à “concorrência” relativamente ao programa espacial brasileiro. Isto só para abordar toda a questão pela rama[11],
 
 
(4) Complementar a estes dois EEIN, haverá um outro definido por um “rectângulo” que cobrirá todo o território de Moçambique e se projectaria no mar, até englobar a Ilha de Reunião e o Arquipélago das Seicheles.
Este espaço seria integrado, outrossim, no âmbito da CPLP[12].
O fulcro de todo este espaço é o Canal de Moçambique, por onde “afunila” a grande maioria do tráfego marítimo que se dirige, de e para, o Cabo da Boa Esperança, estimada numa média anual de 23.000 navios, 97% dos quais pertence ao mundo ocidental e por onde passa cerca de 73% do petróleo importado pelos países da NATO[13]. Este facto é tão mais importante quando pensarmos que o Canal do Suez - inaugurado em 1869, e com 163 Km de comprimento - já esteve encerrado à navegação, por motivo de guerra, entre 1956 e 1958, e de 1967 a 1975 (e pode ser sabotado...).
Para além disso no Canal do Suez não passam todos os tipos de navios, nem petroleiros com tonelagem superior a 250.000 toneladas.
Por outro lado no Cone Sul de África concentra-se algumas das mais importantes jazidas de matérias-primas, cujo valor estratégico assenta mais no controlo do seu abastecimento do que na posse dos recursos naturais (a RAS, por exemplo, possui cerca de 60% das reservas industriais de crómio e 80% de manganês e platina).
Ao Canal de Moçambique deve adicionar-se a ZEE a que o país tem direito, bem como a FIR da Beira.
A ligação deste “espaço” ao Atlântico Sul, aparenta ser de grande importância para o desenvolvimento de Moçambique, ajudará à sua coesão interna (a longa faixa norte/sul do território é geopoliticamente fraccionável) e defendê-los-ia da colocação de excessos populacionais indianos (a União Indiana olha para a África Oriental como um prolongamento natural da sua geografia…), e do neocolonialismo chinês que tende a tudo invadir (Angola incluída), ao passo que andam a adquirir terras cultiváveis que lhes forneçam bens alimentares de que tanto carecem.
À CPLP convirá todas as acções que possam “libertar” Moçambique da Commonwealth e outras organizações que operam na região. Tudo isto se passa no Índico, oceano com 65.5 milhões de Km2, ou seja a quinta superfície marítima do globo.
O Índico é o terceiro oceano mais vasto do planeta, liga-se ao Atlântico a SW; ao Pacífico, a Leste e à Antárctida, a Sul, tem uma profundidade média de 3.480 m, a sua maior distância N/S é de 9.000 Km e E/W de 10.000 Km. Contém um número assinalável de choke points como são, o Cabo da Boa Esperança, Àdem, Ormuz, Socotorá, Malaca, Estreito de Sonda, Estreito de Lombok, Timor, Torres, etc., e o próprio Canal de Moçambique, a Norte.
Do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico, as zonas de maior produção de petróleo e gás natural do planeta (cerca de ¼ da produção mundial e 2/3 das reservas conhecidas), saem quatro rotas para a Europa, América do Norte e Japão, por onde são exportados algo como 460 milhões de toneladas/ano, daqueles produtos. É também pela via preferencial do Canal do Suez que passam a maioria do tráfego de produtos manufacturados entre a Europa e o Japão, que rondam os 190 milhões de toneladas.
A Grã-Bretanha retirou-se militarmente da região, mas os EUA possuem grandes bases na Ilha de Diego Garcia e aumentaram muitíssimo as suas forças no Médio Oriente desde a invasão do Iraque. A França mantém a sua presença em Djibuti, na Reunião, Mayotte e ilhas dispersas. E tem influência nas Maurícias, Seichelles, Madagáscar e Comores. A Rússia, depois da queda do muro e do fim da sua influência na Somália e Etiópia, praticamente não têm influência no Índico, salvo as boas relações que mantém com a União Indiana e o Irão (enviou navios para o Corno de África, por causa da pirataria). A UI e o Paquistão concentram por si só, uma tensão permanente e uma corrida aos armamentos.
Finalmente, toda a zona oriental de África mantém-se pobre e com inúmeros conflitos e carências de toda a sorte, ao passo que a zona marítima do corno de África às Seicheles e ao Mar Vermelho passou a estar infestado de piratas o mesmo se passando junto ao Arquipélago Indonésio e Península da Malásia.
É toda esta panóplia geopolítica e geoestratégica de riscos e oportunidades que se depara a uma expansão da CPLP e de Portugal naquela vasta área.
 
 
(5) Outros dois EEIN podem ser definidos mas agora apenas no âmbito económico/financeiro e cultural. Estamos a referir-nos a uma área que englobe a Abissínia, Oman e a costa leste da União Indiana, que abranja Goa, Damão e Diu (àreas onde chegámos ainda nos finais do século XV!). Este é um espaço bem conhecido historicamente pelos portugueses onde a memória da sua presença permanece e que deve ser potenciado para a manutenção do antigo património arqueológico, laços culturais e abertura de negócios úteis para as partes.
Do mesmo modo se deve actuar no Extremo Oriente, a fim de garantir a presença cultural portuguesa em Timor Leste (onde arribámos, em 1517) e Macau (1555), complementadas pelos antigos laços que nos ligam ao Japão (1543) e Tailândia 1516), escolhidos como pontos de potencial esforço diplomático/comercial (não é por acaso, certamente, que o Navio-Escola Sagres, na terceira volta ao mundo que anda a efectuar, toca praticamente em todos os pontos referenciados...)[14].
Em complemento destes EEIN e dos restantes, poderiam ser elaborados “roteiros lusíadas” em diferentes partes do globo, que englobariam e ligariam todos os locais onde os portugueses marcaram ou deixaram vestígios da sua presença, que deveriam constituir um forte incentivo ao turismo, à divulgação cultural e à coesão e inspiração do mundo que os portugueses criaram.
 
 
(6) Finalmente, os EEIN, que interessa considerar são aqueles que podem ser projectados pelas chamadas “novas fronteiras”: o Espaço, o leito dos Oceanos e a Antárctida.
Portugal não pode ficar de fora do desenvolvimento a ser efectuado nestes âmbitos.
Mais uma vez, não tendo o nosso país recursos suficientes para lidar com estes assuntos por si só, terá que fazer uso dos organismos/alianças internacionais, de que faz parte para deles colher usufruto. A complementaridade que fará do seu investimento dependerá da habilidade e vontade política de que dispuser.
Mais uma vez a CPLP pode vir a ser um actor fundamental neste desiderato.
 

(a) Espaço.

 
“The 20th century proved that you must have control of the Air.
The 21st century will prove that you must have control of space”
Col. Daniel Lewandowsky,
JAPCC, 2008
(sobre a avaliação
das operações espaciais - NATO)
 
 
Os EUA são a maior potência espacial do planeta (e a NASA continua a ser o maior “laboratório” do mundo), logo seguidos da Rússia, cujo programa espacial sofreu uma tremenda recessão originada pelas consequências do fim da URSS. Nem sempre fora assim, a URSS liderou, ao princípio, a corrida espacial, tendo sido os primeiros a colocar um homem em órbita (o astronauta Gagarin, em 1961). Mas foram, em seguida, ultrapassados pela prioridade definida pela administração Kennedy e o programa “Apollo”, que culminou com a chegada à Lua, em 1969 e, mais tarde, com a iniciativa da Defesa Estratégica do Presidente Reagan (1983), que acabou por fazer colapsar a resistência soviética (com a ajuda da Srª Tatcher, do sindicato polaco Solidariedade e do Papa João Paulo II).
 
 
Hoje em dia já se está a divisar uma nova corrida espacial entre russos e americanos, por causa dos respectivos programas anti-mísseis, para o que se está a tentar “contornar” o velhinho Tratado ABM, de 26 de Maio de 1972. Ao mesmo tempo não param de ser desenvolvidas armas anti-satélite.
 
 
Para além da Defesa, o Espaço oferece-nos contemporaneamente uma multitude de serviços e campos de actuação: navegação, telecomunicações, televisão de alta definição, teledetecção, cartografia, meteorologia, observação, escuta, fiscalização dos acordos de desarmamento, alerta avançado, etc[15]. Operar estações espaciais e colocar pessoas no espaço tornou-se quase uma rotina que deixou de abrir os noticiários.
 
 
Dos cerca de 600 satélites em serviço, 230 são americanos e 240 russos - é quase um monopólio - uma meia dúzia são britânicos, franceses, da NATO e chineses. Nos últimos anos começam a aparecer satélites japoneses, indianos, israelitas e brasileiros.
 
 
A maioria do mercado comercial é constituído por satélites de comunicações em órbita geoestacionária e tem um valor estimado em 25 mil milhões de dólares (dados de 1996). Nos dez anos seguintes cerca de outros 150 satélites foram lançados. Outros mercados (como a meteorologia) estão em crescimento. Os EUA e a Rússia dispõem de dois locais de lançamento cada (Kennedy, Vandenberg e Plesetsk e Balconur) e asseguram mais de ¾ dos lançamentos (valor estimado para o período de 1997-2006, de 33 mil milhões de dólares). A Europa e a China efectuam uma dúzia/ano e o Japão entre dois e três.
 
 
O orçamento espacial americano ultrapassou, em 1996, os 27 mil milhões de dólares, dos quais 14 dizem respeito à defesa. A nível europeu (onde se destaca a França) o orçamento fica-se pelos 6,5 mil milhões de dólares, sendo mil milhões para aplicações militares. Japão e China ficam-se, respectivamente, pelos 2,2 e 1,3 mil milhões de dólares[16].
 
 
Uma palavra apenas para o programa espacial espanhol (tudo o que se passa em Espanha no âmbito do seu potencial estratégico e intenções do Estado, nos deve interessar …).
 
 
A Espanha participa activamente na Agencia Espacial Europeia (ESA), tendo orçamentado para 2006, 145 milhões de euros, ou seja 4,9% do orçamento daquela organização e tendo, desde então, tentado elevar este número para 8%. O seu Ministério da Indústria criou o primeiro plano estratégico para o sector espacial, a decorrer entre 2007 e 2011, com um investimento de 1000 milhões de euros.
 
 
Além da ESA a Espanha tem grande participação na Companhia Europeia de Aeronáutica, Defesa e Espaço (EADS), responsável pelos programas Airbus e Eurocopter e ainda pelo desenvolvimento da tecnologia e lançamento de satélites.
 
 
Os principais organismos ligados ao espaço são o Instituto Astrofísico das Canárias que administra dois observatórios internacionais (um deles tem instalado o maior telescópio do mundo com espelho segmentado, cuja instalação custou mais de 100 milhões de euros, com 70% de incorporação de empresas espanholas.
 
 
A NASA dispõe, em Madrid, do “Deep Space Comunications Complex”, em colaboração com o Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial e que começou a funcionar, em 1961. A ESA também possui “agências” suas em solo espanhol: a Estação de Seguimento (Villanueva da Canada) e o Centro de Controle e Seguimento do Hispasat (Aranda do Rei) e uma antena (Cebreros), para completar a sua rede de exploração espacial.
 
 
O Conselho Superior de Investigações Científicas mantém cooperação com a ESA para a próxima etapa (2013) sobre a exploração do planeta Mercúrio.
 
Finalmente devemos destacar o Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial, que garantiu até hoje o ponto áureo para a Espanha, ao lançar para o Espaço a partir de Espanha, o primeiro satélite, totalmente de concepção espanhola, em 1997, o “Minisat 01”, o primeiro de muitos outros. A Espanha é ainda a oitava potência mundial em termos de publicações relacionadas com o Espaço[17].
 
 
Em termos militares, o estado espanhol participa em tudo o que pode - como é seu timbre - havendo um empenho especial no centro de satélites da UE, em Torrejon.
 
 
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O lançamento do satélite POSAT, em 1993, parecia representar um marco notável na aventura aeroespacial portuguesa. Infelizmente a experiência não teve seguimento. Portugal já possui um lote de cientistas e técnicos, muito capazes na área espacial e algumas empresas capazes de trabalhar neste campo. Temos capacidade de acesso a lugares, funções, e técnicas e à participação em projectos, no âmbito civil e militar, nomeadamente nas estruturas da NATO e da UE. Devemos aprofundá-las. Portugal já faz parte da Agencia Espacial Europeia (ESA), acompanha grupos de trabalho a nível da NATO e participa há mais de 15 anos no centro de satélites da estrutura europeia de defesa (antiga UEO), sito em Torrejon (arredores de Madrid).
 
 
Portugal despertou para o “Espaço” quando o governo português assinou, em 1971, o acordo que criou a INTELSAT (Organização Internacional de Comunicações por Satélite), em 1979, assinou a convenção INMARSAT (Organização Internacional Marítima de Satélites), em 1985, entrámos para a EUTELSAT (Organização europeia para as Comunicações por Satélite) e, em 1983, assinámos a convenção para a EUMETSAT (Satélites Meteorológicos Europeus).
 
 
A nível militar acompanhámos alguns grupos de trabalho que se dedicavam a este âmbito, a nível da NATO e UEO, e participamos na política de “Open Skies”, desde que foi posta em cena após a queda da União Soviética. A partir dos anos 90 acompanhámos o desenvolvimento dos sistemas de satélites da UEO, mais tarde integrados nas estruturas militares da UEO, nomeadamente o Centro de Satélites localizado na base aérea de Torrejon perto de Madrid, onde ainda hoje estamos.
 
 
A partir de 2000, culminando um período de colaboração que remonta a 1997, Portugal passou a ser membro da Agência Espacial Europeia (ESA), responsável pela definição e execução da Política Espacial Europeia e dos respectivos programas.
 
 
A ESA é constituída por 18 países membros e cujo investimento geral entre 2006 e 2010 foi de 3000 milhões de euros/ano.
 
 
Em Portugal a participação portuguesa nesta organização tem sido coordenada pelo Gabinete de Relações Internacionais de Ciência e do Ensino Superior (GRICES) e pelo Gabinete Português para o Espaço (GPE), criados em 2003. A contribuição portuguesa desde a adesão à ESA, é de cerca de 46MEuros, assim distribuídos: Tecnologia 5ME (11%); Exploração 3,5 ME (8%); Lançadores 1,4 ME (3%); Telecomunicações, 15 ME (32%); navegação, 6,5 ME (14%) e Observação da Terra, 15 ME (32%).
 
 
Ligadas ao espaço em Portugal contam-se já 23 empresas, 16 institutos/universidades e três empresas de promoção[18].
 
 
Por outro lado o Brasil (e aqui entramos nas relações bilaterais e na CPLP), possui já, além de uma poderosa indústria aeronáutica, uma extensa capacidade e interesses espaciais.
 
 
O programa espacial brasileiro iniciou-se em 1961 com a criação da Missão Brasileira, a que sucedeu a Missão Espacial Completa Brasileira, em 1980 e a implantação do Centro Espacial de Lançamentos de Alcântara (Estado do Maranhão), em 1983. Esta base destina-se a realizar missões de lançamentos de satélites, tendo o primeiro lançamento de um foguete ocorrido em 1989. Este centro de lançamento foi criado em substituição do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, cuja existência remonta a 1965 e que lançou mais de 400 foguetes, é considerado um dos melhores do mundo. O Centro de Alcântara (está perto da linha do Equador (2º 18’S) e por isso permite economizar até 30% dos preços de lançamento a latitudes mais altas, devido à economia de combustível.
 
 
O Brasil colabora com a ESA (que tem uma base de lançamento na Guiana Francesa), com a Ucrânia, França, Alemanha, Itália, Rússia, Índia, República Checa, Venezuela e a China (a lista não está esgotada...).
 
 
Entre muitos outros, o Brasil está a desenvolver actualmente o programa “Cruzeiro do Sul” a fim de desenvolver uma nova família de veículos lançadores de satélites que possibilitará a sua independência no transporte espacial de satélites de pequeno ou grande porte. Este programa, com um prazo de execução até 2022, tem um custo estimado em 700 milhões de dólares.
 
 
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Tudo somado, a aposta de Portugal no Espaço deve ser aprofundada, tanto no campo bilateral, multinacional (NATO, UE) e no âmbito da CPLP. O espaço é uma actividade de futuro tanto no âmbito da Defesa como da economia e da investigação científica.
 
 
É um mercado que movimenta hoje em dia cerca de 20 biliões de dólares.
 
 
Aumentar o investimento público nesta área afigura-se como um multiplicador de negócios e de criação de postos de trabalho, para além da aceleração de mais-valias em competências técnicas.
 
 
Negociar a função geográfica do território nacional em proveito de potências eventualmente interessadas em montar infra-estruturas no nosso país também parece um campo a explorar, à semelhança do que já aconteceu com a estação de rastreio de satélites francesa, na Ilha das Flores; o Anti Submarine Warfare Operations Centre (ASWOC) existente nas Lages (recebia e processava informação de satélite) e a estação de rastreio de satélites, dos EUA, em Almodôvar (sistema GEODESS) - que acabou por não ser instalada.
 
 
O caminho a seguir parece, assim, fácil de divisar embora, menos fácil de concretizar. Daí a necessidade de estabelecer objectivos políticos claros relativamente a este desígnio.
 
 
(b) Leito dos Oceanos.
 
 
“Não deixeis impunemente calcar o vosso direito aos pés de outrem”
Kant
 
 
Esta fronteira/espaço cuja exploração, investigação, conhecimento e protecção parecia evidente no âmbito da nossa ZEE, tornou-se fundamental com a candidatura à extensão da plataforma continental. E é fundamental também, porque o mar é a “porta” da nossa liberdade estratégica e a “janela” de oportunidade para o desenvolvimento económico, que a demanda de matérias-primas e alimentos tornou inadiável, os desafios da globalização agudizaram e a emergência de crises financeiras, tornam dramáticas. Portugal dispõe já de recursos em pessoal, tecnológicos, de investigação e, até, industriais, que lhes dão uma confortável capacidade e suficiência para poder actuar em todo este âmbito. Destaca-se, a título de exemplo, a maior expedição científica de sempre (e uma das maiores do mundo), incluindo três navios e 220 pessoas (77 cientistas), que andou a efectuar estudos, previamente definidos, no mar português. Decorreu entre 7 de Junho e 18 de Agosto de 2010[19].
 
 
Portugal deve concentrar todas as suas prioridades no EEIN, já definido pelo Continente, os Açores e a Madeira, até porque a vastidão da área e o muito que há a fazer não lhe deixam outra alternativa.
 
Deste modo aparece crucial conhecer-se o mais completamente possível a hidrografia, climatologia, correntes marítimas, recursos vivos, recursos minerais, legado arqueológico subaquático, etc., de modo a conseguir-se uma adequada, protecção, conhecimento, gestão e exploração, da enorme riqueza ao nosso dispor.
 
 
Umas breves considerações impõem-se, relativamente ao alargamento da Plataforma Continental.
 
 
Juridicamente o conceito de plataforma continental surgiu com a Proclamação Truman (EUA), de 28 de Setembro de 1945, na qual o governo desse país declarava possuir o direito de controlo sobre os recursos naturais existentes no solo e subsolo da sua plataforma. A extensão da plataforma não era definida, falando-se apenas na isobata dos 200 m. E a noção de plataforma entendia-se como o prolongamento natural do território terrestre.
 
 
No entanto, foi apenas pela Convenção de Montego Bay (Jamaica), de 1982, que foi assinado um Tratado Internacional, em 10 de Dezembro desse ano, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Este tratado culminou um longo percurso de negociações que tiveram início em 1973, quando a ONU convocou a terceira Conferência sobre o Direito do Mar.
 
 
A CNUDM foi assinada pela esmagadora maioria dos estados, tendo entrado em vigor, em 16 de Novembro de 1994.
 
 
A Convenção aprovada específica entre muitas outras coisas, as condições em que um estado se pode candidatar a estender a sua PC para além das 200 milhas até um máximo de 350.
 
 
A Convenção prevê, ainda, a criação de uma “Comissão de Limites da Plataforma Continental”, composta por 21 membros (sendo um deles português), peritos em Geologia, Geofísica ou Hidrografia e eleitos pelos estados signatários da mesma. Esta comissão destina-se a receber, analisar, fazer recomendações e homologar, as propostas de alargamento que cada estado entender de alargamento que cada estado entenda fazer. O prazo limite para a entrega destas propostas, terminou em 13 de Maio de 2009, 10 anos depois de publicado os “Scientific and Technical Guidelines” da Comissão de Limites.
 
 
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Com este pano de fundo, Portugal lançou-se numa - até agora - bem sucedida preparação para entregar o projecto de alargamento da sua PC.
 
 
Em 1998 foi criada a Comissão Interministerial para a Delimitação da Plataforma Continental (CIDPC), com o objectivo de investigar e apresentar uma proposta de delimitação da plataforma continental de Portugal. A Comissão, sob a presidência do Director-Geral do Instituto Hidrográfico, iniciou os seus trabalhos, em 17 de Outubro de 1998, tendo produzido um relatório intercalar, em Março de 1999. Neste relatório foi expresso o entendimento no sentido da execução do projecto, identificando a opção de utilizar navios de aluguer ou equipar tecnologicamente navios nacionais, e que fosse definida a estrutura supra-ministerial para a execução do projecto, constituindo, para o efeito, uma equipa. Este relatório obteve parecer favorável do Conselho Consultivo da CIDPC, tendo, em 31 de Agosto de 1999, sido determinada a elaboração de um programa faseado que contemplasse a identificação de áreas de investigação com interesse simultâneo para o projecto e para a comunidade científica nacional e a preparação de um estudo de viabilidade.
 
 
Na sequência do relatório de 1999 e do consequente despacho ministerial do mesmo ano, foi decidido, em finais de 2002, que a melhor forma de prosseguir com os trabalhos seria a realização de um estudo inicial, designado por Desktop Study, o qual envolveria duas fases distintas: uma primeira fase dedicada à “compilação de dados” e uma segunda centrada na “análise da situação”.
 
 
Para o cumprimento da primeira fase foi criado o Grupo de Trabalho da Base de Dados da Plataforma Continental (GTBDPC), que tinha como missão identificar “até 31 de Março de 2003, os dados relevantes para a extensão da plataforma continental disponíveis, quer a nível nacional, quer a nível internacional, providenciar a respectiva aquisição, construir uma base de dados da plataforma continental capaz de integrar todos os dados identificados, efectuar o controlo de qualidade de dados adquiridos e proceder à respectiva validação, e carregar os dados validados na Base de Dados da Plataforma Continental”.
 
 
O segundo grupo de trabalho, criado a 22 de Abril de 2003, aquando da cessação dos trabalhos do GTBDPC, tinha como incumbência a “elaboração de um relatório sobre os dados disponíveis, relevantes para o estudo da possibilidade de extensão da plataforma continental portuguesa para além do limite das 200 milhas, o qual deveria pronunciar-se, fundamentalmente, e tendo em conta tanto aspectos técnico-científicos como aspectos jurídico-políticos”.
 
 
A Comissão Interministerial, após a análise dos relatórios dos dois grupos de trabalho, concluiu que a eventual preparação e apresentação de uma proposta de extensão da plataforma continental deveria ser entregue a uma estrutura organizacional autónoma, com capacidade de promoção, coordenação, condução e acompanhamento dos trabalhos necessários, e que essa estrutura fosse dotada dos recursos humanos, materiais e financeiros adequados a um projecto desta natureza. Segundo ainda a CIDPC, as perspectivas de Portugal estender a sua plataforma continental para além dos 200 milhas, analisando contextos geográficos distintos (Continente e Madeira e, autonomamente, os Açores), eram bastante encorajadoras. No primeiro cenário, Continente e Madeira, dados os critérios de continuidade morfológica e geológica, as perspectivas mais optimistas apontavam para a ligação entre ambos. No que concerne aos Açores, as perspectivas, tendo em conta a necessidade de serem adquiridos novos dados, não eram tão evidentes, sendo no entanto boas.
 
 
Em Novembro de 2004, seguindo as recomendações da CIDPC foi criada, através da Resolução nº 9/2005, do Conselho de Ministros, a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), cuja missão consistiu na preparação de uma proposta de extensão da plataforma continental de Portugal, para além das 200 milhas náuticas, para apresentação à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), criada no âmbito da CNUDM, junto da ONU, bem como o acompanhamento do processo de avaliação de propostas pela CLPC. Colocada na dependência da Presidência do Conselho de Ministros na sua fase inicial, a EMEPC encontra-se hoje organicamente dependente do Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, por delegação do MDN. A referida proposta foi entregue em 13 de Abril de 2010, antes, portanto de expirar o prazo final estabelecido. O projecto português entregue em Nova Iorque, foi acompanhado por projectos do Brasil, Guiné-Bissau e Cabo Verde[20].
 
 
Os objectivos entretanto atribuídos à EMEPC foram:
- Conhecer as características geológicas e hidrográficas do fundo submarino ao largo de Portugal Continental e das regiões autónomas dos Açores e Madeira, para fundamentar a pretensão portuguesa em alargar os limites da sua plataforma continental para além das 200 milhas náuticas;
- Definir os limites da plataforma continental de Portugal, para submeter à consideração da CLPC, em conformidade com o previsto na Convenção da ONU sobre o Direito do Mar;
- Criar um dicionário de dados oceanográficos e preparar uma estrutura de base de dados de apoio ao Projecto de Extensão da Plataforma Continental (PEPC) de forma a poder servir, no futuro, um sistema de monitorização e gestão integrada do oceano;
- Promover projectos de Investigação e Desenvolvimento, orientados para a exploração dos dados e informação obtidos no desenvolvimento do PEPC;
- Reforçar o corpo científico nacional com a realização de programas de doutoramento relacionados com o PEPC, nomeadamente em sistemas de informação geográfica, em geologia, em geofísica e em direito internacional público;
- Promover a publicação de um atlas de dados e informação do PEPC;
- Fomentar a participação de jovens estudantes e investigadores no PEPC, numa óptica do esforço nacional de regresso ao oceano.
 
 
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As perspectivas económicas para Portugal do alargamento da PC abrem-se nos seguintes campos:
- recursos vivos (peixe, algas, plâncton);
- hidrocarbonetos (petróleo e gás natural); hoje em dia a exploração marítima destes produtos, já representa 35% da produção mundial; em Portugal efectuam-se prospecções nos fundos marinhos, desde 1973, tendo sido feitos 22 furos, nenhum dos quais deu resultados comercialmente relevantes. As pesquisas continuam e as perspectivas não são desmoralizadoras;
- crostas minerais (cobalto, titânio, cério, níquel, platina, manganês, fósforo, tálio, telúrio, zircónio, tungsténio, bismuto e molibdénio, encontram–se nas áreas envolventes à Madeira e Açores e a Noroeste do Continente;
- nódulos polimetálicos, foram descobertos pela primeira vez em 1868 no Mar de Kara, no Oceano Árctico. Os nódulos são concreções rochosas de forma essencialmente esférica, ligeiramente achatados e de cor castanha escura. Existem a profundidades entre os 4 e os 5.000 m. Os minerais que os constituem e têm valor comercial são fundamentalmente o níquel, o cobre, o cobalto e o manganês. Na zona portuguesa conhecem-se até hoje três localizações que justificam a exploração: duas a Sul dos Açores e uma a Oeste do Continente;
- fontes hidrotermais (sulfuretos maciços) foram descobertas em 1979, na crista do Pacífico Oriental. Em Portugal foram localizados, a partir de 1992, na crista médio-atlântica, a Oeste dos Açores. Até hoje conhecem-se seis, a profundidades entre os 840 e 2.200 m de profundidade;
- inertes, ou seja areia e cascalho, existem em quantidades exploráveis nos mares dos Açores e Madeira e nas areias submarinas do Algarve.
 
 
Toda a actividade extractiva no fundo dos oceanos está a ser potenciada pelo:
- esgotamento sucessivo dos stocks terrestres;
- aumento da procura de recursos minerais e energéticos;
- aumento dos preços do mercado;
- desenvolvimento de novas tecnologias, que permitem melhorar a eficiência da extracção e fazê-la a maiores profundidades;
- a melhoria do nível de conhecimento dos fundos marinhos.
 
 
Uma exploração adequada dos recursos do mar iria permitir uma melhoria da muito deficitária balança comercial portuguesa; atrair investimento estrangeiro; promover oportunidades para a indústria naval e outras e a criação de postos de trabalho.
 
A nível científico e tecnológico, sem dúvida que aumentaria muitíssimo os seus horizontes e capacidades e permitira passar a exportar conhecimento e a amortizar os investimentos efectuados.
 
Todas estas actividades seriam complementares às áreas de esforço do que já é conhecido pelo hipercluster do mar (construção e reparação naval, pesca, a aquacultura e indústria de pescado, transportes marítimos, portos, logística e náutica de recreio e turismo náutico, e multiplicadores da economia nacional. E sê-lo-iam de uma forma sustentada.
 
Tudo somado, seria um contributo fundamental para a importância geopolítica de Portugal para a sua respeitabilidade internacional, a melhoria do nível de vida da população e o aumento do seu poder efectivo, negando-o, simultaneamente, a outros, naquilo que pudesse ofender os nossos interesses.
 
 
(c) Antárctida
 
 
“A identidade de interesses é o mais seguro dos vínculos entre Estados ou indivíduos”
Tucídies
 
 
Não há a certeza absoluta sobre os primeiros europeus a chegarem ao continente antárctico. As dúvidas repartem-se entre o espanhol Gabriel de Castilha, em 1603, o holandês Dirck Genitsz, em 1599 ou o comerciante inglês Antony de la Roché, que tomou refúgio nas ilhas Geórgia do Sul, em 1675.
 
 
Durante o século XVIII o explorador inglês Cook e o francês Bouvet pisaram terra antárctica.
 
 
A história real da conquista da Antárctida começa, porém, no início do século XX, onde se destacaram os grandes exploradores, Scott, que liderou a primeira expedição digna desse nome, entre 1901 e 1904, tendo construído uma base na Ilha de Ross, e uma outra, em1911; Shackleton, que participou em várias expedições (1901-04; 1907 e 1908); Amundsen, que chegou ao pólo sul, em 1906; Wilkins que, em 1928, realizou o primeiro voo sobre a Antárctida; Byrd que, em 1928, foi o primeiro a sobrevoar o pólo sul, tendo regressado, em 1947 e Ritscher que, em 1938/9, reconheceu uma vasta área, para a Alemanha.
 
A partir de 1957/8 começou a delinear-se o que veio a ser conhecido pelo Tratado da Antárctida, acordado em 1 de Dezembro de 1959 e que entrou em vigor, em 23 de Junho de 1961, sendo 12 os países signatários[21].
 
 
Os países que têm direito a voz e voto chamam-se “partes consultivas” e têm que já ter efectuado uma expedição científica e estabelecido uma estação neste continente; quem assim não fizer, mas assinar o Tratado terá a denominação de “não consultivo”.
 
 
Neste momento existem 28 países “consultivos” e 20 países “não consultivos”.
 
 
Em 1991 foi feito um protocolo adicional ao Tratado da Antárctida, que ficou conhecido pelo Protocolo de Madrid, onde se acordou a protecção global do meio ambiente e dos ecossistemas, designando a Antárctida como “Reserva Natural, consagrada à Paz e à Ciência”.
 
 
A Antárctida representa 10% da superfície dos continentes emersos, coberta, na sua quase totalidade, por uma calote glaciária cuja espessura pode atingir 4.700 metros. Tem uma altitude média de 1.800 m, que o torna o continente mais alto do mundo. Possui também, as condições climáticas mais extremas do planeta, tendo sido verificadas temperaturas de - 89º e ventos de 220 km/h. É na Antárctida que se encontram 80% das reservas da água doce da Terra! É um continente desabitado a não ser pelas equipas de cientistas que lá trabalham.
 
 
A Antárctida está isolada dos outros continentes por um vasto anel oceânico - o oceano glacial antárctico - distanciando da América do Sul 1.000 km, 2.000 km da Nova Zelândia e 3.600 km da África do Sul. A flora está limitada a formas simples de algas, musgos e líquenes. A fauna está quase circunscrita ao pinguim imperador e algumas aves de rapina, as skuas. No mar existem cerca de 200 espécies de peixe e alguns cetáceos.
 
 
Apesar das pretensões à soberania manifestadas por certos Estados, o domínio antárctico goza de um estatuto internacional e permanece antes do mais consagrado à pesquisa científica. Ele é desmilitarizado e desnuclearizado. Doze países, entre os quais os Estados Unidos e a ex-URSS, impuseram-se como regulamentadores, nos anos 50 e deram ao antárctico um estatuto internacional particular: o tratado de Washington - conhecido pelo Tratado da Antárctida, já referido. Este tratado é exemplar duma vontade de cooperação pacífica entre as nações do mundo, uma vez que põe fim às reivindicações territoriais e proclama a internacionalização do continente, baseada em utilizações pacíficas. São interditas todas as manobras e ensaios de natureza militar, bem como a descarga de resíduos radioactivos. Ele não se opõe, em contrapartida, ao emprego de pessoal ou de material militar para a pesquisa científica ou para qualquer outro fim científico. Isso permite às grandes potências disporem de locais de observação cuja finalidade é dual, como aqueles que permitem observar o espaço e controlar os satélites.
 
 
No antárctico, o interesse científico tem prioridade sobre as preocupações económicas, territoriais ou militares. A Rússia dispõe de sete bases (750 pessoas); os Estados Unidos têm três; a Argentina seis (em ligação com a Grã-Bretanha, a Austrália e o Chile); o Japão duas; a França, a África do Sul, a Índia, a Alemanha, a Polónia, a Nova Zelândia e a Ucrânia têm uma base cada um. O Brasil, o Peru, o Uruguai e a China organizam regularmente campanhas oceanográficas. A Europa está igualmente presente com missões científicas nas quais participam a Espanha, a Holanda, a Suíça e a Alemanha. Depois da criação do Instituto Francês para a Pesquisa e a Tecnologia Polares (1992), foi confiada à França a responsabilidade pela implantação da estação Concórdia, em cooperação com a Itália, bem como pela realização de perfurações profundas. Um total de cerca de 20 países e 100 estações cientificas que ocupam 1.000 pessoas durante o inverno e 10.000 no verão.
 
 
O antárctico é um observatório privilegiado para o estudo e a compreensão do ambiente no nosso planeta (sismometria, climatologia, física da alta atmosfera, magnetismo, comportamento dos materiais e dos homens em condições extremas). Existe ainda pesquisa polar no domínio da biologia, zoologia, espaço (detecção de neutrinos), meio ambiente (análise do efeito de estufa), medicina (termo-regulação), sísmica (possibilidade de uma reserva de água doce subterrânea equivalente ao lago Baical). Os custos da investigação no antárctico são elevados, o que torna pouco atraente a sua exploração futura[22].
 
 
O antárctico fornece portanto o modelo perfeito das relações internacionais pacíficas. O seu papel estratégico é importante pois permite controlar os estreitos. Uma das apostas da guerra das Malvinas (1982) foi a de manter o controlo do estreito de Drake, que permite o trânsito das esquadras do Pacífico para o Atlântico. Do mesmo modo, é preciso não subestimar as formidáveis riquezas pesqueiras da apanha do “krill”, que já atrai as frotas de pesca asiáticas. Nos últimos anos o fluxo de turistas tem aumentado muitíssimo.
 
Finalmente, de um ponto de vista da geoestratégia a Antárctida é importante por permitir:
- operações aéreas intercontinentais transpolares;
- uso do seu solo para apoio da exploração do espaço ou colocação de armas nucleares;
- o uso de posições navais;
- a existência de recursos energéticos.
 
 
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Uma palavra (mais uma vez) para a Espanha.
 
A Espanha aderiu ao Tratado Antárctico, em 1982, como membro “não consultivo”.
 
Para preparar a sua adesão como “membro consultivo” (que ocorreu em Setembro de 1988), foi construído um navio especialmente apetrechado para navegar em águas geladas (no que foi apoiado por outros) e depois da preparação do pessoal necessário, foi construída a base Juan Carlos I, em Janeiro de 1988.
 
Esta base está situada na costa SE da Bahia Sul, na Península Hurd da ilha Livingston (Arquipélago das Shetland do Sul).
Em fins de 1989, princípios de 1990 a Espanha instalou uma segunda base (Gabriel de Castilla), na ilha da Decepção, que é gerida pelo Exército.
 
Ambas as bases, prosseguem uma vasta actividade de investigação científica e de recolha de dados. Desde 1996 foi criada a Comissão Interestatal de Ciência e Tecnologia, encarregada de definir a política antárctica espanhola.
 
 
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Poderá, à primeira vista, parecer um devaneio utópico falar-se no interesse da Antárctida para o nosso país. Que interesses poderá Portugal lá ter?
 
 
Mais uma vez se trata de projectar poder e interesses, marcar posição, não ficar de fora do futuro. Prever é uma função de qualquer liderança esclarecida…
 
 
Que interesses podemos lá divisar, para além de mostrar a bandeira? Fundamentalmente três: investigação científica, riquezas do subsolo, recursos piscícolas; e não sabemos quando precisaremos de uma reserva de água doce...Convém estudar muito bem o Direito Internacional aplicado àquele continente.
 
 
Portugal não tem recursos para se meter nesta aventura sozinho. Mas com o Brasil já poderá ter e daqui partimos mais uma vez para o âmbito da CPLP. O Brasil já tem, aliás, uma estação na Antárctida. Convém conhecer um pouco mais as actividades deste país.
 
 
Em 1975 o Brasil aderiu ao Tratado da Antárctida.
 
Em 12 de Setembro de 1983, durante a 5ª Sessão do Tratado da Antárctica, o Brasil passou a fazer parte do selecto grupo de países que desenvolvem actividades científicas naquele continente. No ano anterior, o Brasil já havia enviado sua primeira missão oficial ao continente austral, dando início às actividades do Programa Antárctico Brasileiro (PROANTAR), que tem como propósito desenvolver pesquisas e estudos na região visando ao aproveitamento futuro dos seus recursos naturais.
 
 
Nos primeiros anos, para missões no continente gelado, a Marinha empregou o navio de Apoio Oceanográfico Barão de Teffé, especialmente preparado para operações no gelo. Na sua segunda viagem, o navio transportou o material com o qual seria construída a primeira estação de pesquisa brasileira na Antárctica, a estação antárctica Comandante Ferraz (EACF). Apesar de só então ter iniciado actividades em carácter permanente, a presença da marinha na Antárctica não é recente. Em 1882, a Corveta Parnahiba, comandada pelo Capitão-de-fragata Saldanha da Gama, observou em mares austrais a passagem do planeta Vénus pelo disco solar.
 
 
A Estação antárctica Comandante Ferraz está localizada na Península Keller, na Baía do Almirantado, Ilha Rei George, no Arquipélago das Shetland do Sul (a 130 Km da Península Antárctica), começou a funcionar em 6 de Fevereiro de 1984, possui cerca de 60 módulos (tipo container), pode albergar até 46 pessoas e funciona todo o ano.
 
 
Além da EACF, para o PROANTAR foram instalados diversos abrigos, compostos por um módulo e equipados com geradores, para onde pequenas equipas, de até seis pesquisadores, podem deslocar-se a fim de efectuar o trabalho de campo. Para os trabalhos temporários, em áreas mais distantes, são utilizados equipamentos especiais e barracas, que permitem a sobrevivência, por curtos períodos de tempo.
 
 
Actualmente, o apoio logístico à EACF é garantido pelo Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, que transporta grande parte do material necessário às operações antárcticas, e por voos periódicos, realizados por aeronaves da Força Aérea Brasileira, operando a partir da Base Chilena Presidente Frei, em Punta Arenas.
 
 
Em 2009 o Brasil encomendou outro navio para pesquisas na Antárctida: o Almirante Maximiano.
 
 
Pesquisas oceanográficas, físicas e biológicas em mares antárcticos são realizadas, também, a partir do Ary Rongel, por meio de colectas de amostras do fundo do mar, ou empregando redes para a captura de plâncton na superfície ou em médias profundidades.
 
 
O PROANTAR realiza actividades pertencentes a cinco subprogramas, que incluem pesquisas nos campos de ciências da atmosfera, da terra e da vida, além da formação e do treino das equipas antárcticas e da provisão do apoio logístico. A Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), presidida pelo Comandante da Marinha, é a responsável pelo PROANTAR.
 
 
O Brasil nunca fez nenhuma reivindicação territorial apesar da proposta feita por Terezinha de Castro e Delgado de Carvalho (destacados geopolíticos brasileiros), sobre uma zona delimitada, também reivindicada pela Argentina e Inglaterra. O governo brasileiro nunca assumiu esta proposta (conhecida como “teoria da defrontação”) para evitar conflitos e por ser juridicamente mal sustentada. Recentemente (1 de Agosto de 2010) o ministro da defesa brasileiro [23], voltou a frisar que o Brasil não pretendia obter território na Antárctida, e os seus interesses são apenas científicos. Deixou claro, porém, que não apoia nenhuma das pretensões argentina e chilena a territórios naquele continente. Aliás as reivindicações territoriais estão “congeladas” pelo Tratado da Antárctida (embora se reconheça que as reivindicações prévias ao Tratado não são afectadas por este…).
 
 
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Portugal acordou muito tarde para a Antárctida.
 
 
Em 22 de Fevereiro de 2007, a Assembleia da República recomendou ao governo português a ratificação do Tratado da Antárctida, mas só a 9 de Julho de 2009 o governo deu seguimento a esta recomendação, iniciando o processo de ratificação. A 9 de Novembro desse ano é publicado em Diário da República os termos da ratificação, por parte de Portugal.
 
 
A 29 de Janeiro de 2010 o instrumento de ratificação é depositado junto do governo dos EUA, ficando Portugal parte do Tratado pelo Aviso nº 28/2010 de 10/2 e ratificado pelo Aviso nº 93/2010 de 16/6.
 
 
Esta posição das autoridades portuguesas foi, sem dúvida, “ajudada”, pela comemoração do Ano Polar Internacional, em 2007/8, o que ocorreu pela primeira vez em Portugal e cujas iniciativas se prolongaram até 2009. Em Dezembro de 2007 foi lançado o Programa Polar (português), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e que originou uma expedição de seis cientistas, à Antárctida, em Janeiro de 2009.
 
 
Os responsáveis por estas iniciativas avisaram publicamente que as investigações científicas portuguesas estavam muito limitadas pelo facto de Portugal não ter ainda ratificado o Tratado da Antárctida, o mesmo se passando com o estabelecimento de acordos internacionais.
 
Por outro lado, durante a cimeira luso-espanhola realizada em Zamora, em Janeiro de 2009, foi assinado um acordo de cooperação com a Espanha, no âmbito da investigação polar.
 
 
Do ponto de vista da estratégia nacional definida neste trabalho, os acordos que Portugal devia privilegiar seriam com o Brasil e não com a Espanha. No caso vertente da Antárctida, as aproximações futuras devem ser feitas no seio da CPLP e no campo bilateral, contemplando Angola e Moçambique.
 
 
As preocupações sobre Segurança e Defesa não devem desaparecer do nexo político nacional e devem preferir a todas as outras, desde que sejam exequíveis e não sejam financeiramente ruinosas.
 
(Continua)

 

 


* Sócio Efectivo da Revista Militar.

 

 
 
[1] Ver anexo “A”, “Períodos de Reflexão Estratégica”.
 
[2] Freitas, Cor. Maia de, “O Espaço Estratégico de Interesse Nacional”, pág. 1.
[3] Dados recolhidos na Wilkipédia, enciclpédia livre e gratuita. Ver, também, o Anexo “B”, ZEE do mundo.
[4] Ver fluxograma de planeamento estratégico, em anexo “C”.
[5] Ver anexo “D”, “Conceitos e Definições”.
[6] Resolução do Conselho de Ministros nº6/2003, de 20 de Dezembro de 2002.
[7] Ver Anexo “E”, Triângulo Estratégico Português.
[8] Ver Anexo “F”- EEIN Regional.
[9] Dados do “International Hydrographic Organization”.
[10] Dados retirados de Sachetti, Alm. António, “Atlântico Norte e Atlântico Sul - Geopolítica e Geoestratégia”.
[11] Ver anexos “G”e “H”..
[12] Ver anexo “I”.
[13] Ver, António Sachetti, obra citada, pág. 27.
[14] Ver Anexos “J” e “K”.
[15] Ver Pascal Bonifácio,“Atlas das Relações Internacionais”, pág. 70
[16] Obra citada pág. 71.
[17] Ver http://contenidos.universia.est/html_trad/traducionsectionEspecial/params/especial/eg/a.
[18] Ver portal do GRICES e GPE.
[19] Ver anexo E2.
[20] Ver Fernandes, Gonçalo, “Cluster Marinho como Alavanca para o Desenvolvimento Económico de Portugal”, pág. 16 e 17.
[21] Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, URSS, Inglaterra e EUA.
[22] Ver Anexo “L”, Antárctida.
[23] Declarações efectuadas na cidade do Natal, na 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso e Ciência.
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João José Brandão Ferreira

Sócio Efetivo da Revista Militar.

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