Nº 2509/2510 - Fevereiro/Março de 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Campanha de 1810. Uma análise do Sistema de Informações das forças anglo-lusas
Major
António Pedro Cordeiro de Menezes
O Duque de Marlborough[1] escreveu: “no war can be conducted successfully without early and good intelligence, and that such advices cannot be had but a very great expense” apud (Tsouras 2005: 275). De facto, desde os tempos mais remotos[2] os decisores, quando envolvidos em ambientes de competição, procuram conhecer o meio que os rodeia de forma a mitigar a incerteza imposta e, com isso, aplicar os meios que possuem com a máxima sobriedade, de modo a atingir objectivos ou salvaguardar interesses. Será, de entre os competidores, aquele que tiver maior vantagem de informações o que, porventura, aplicará os meios num quadro de menor incerteza e, assim, se colocará numa posição de vantagem relativamente ao oponente.
 
Tendo o foco colocado na Guerra Peninsular, particularmente na campanha de 1810, o objectivo do presente artigo é o de perceber como o sistema de informações implementado na Península Ibérica permitiu a Weleslley[3] derrotar, de forma inequívoca, uma máquina de guerra bem oleada, como o L’armée du Portugal, comandada por aquele que Napoleão apelidava de L’enfant chéri de la victoire, o Marechal André Masséna.
 
Para cumprir tal desiderato importa definir o conceito de informações e perceber de que forma estas, enquanto sistema, atingem a eficácia[4]. Assim, partilhando da ideia da Prof. Jennifer E. Sims, informações (intelligence) é um processo de pesquisa, análise e disseminação de informação necessária a decisores empenhados em actividades de competitividade[5] (2009: 62), através do qual é permitido, aos competidores, aperfeiçoarem o processo de decisão em relação aos seus oponentes, pela garantia de vantagem de informação sobre os rivais. Assim, a probabilidade de tal situação ocorrer está directamente relacionada com a optimização de quatro funções críticas: Pesquisa [6]; Transmissão [7]; Antecipação [8]; Contra-Informação [9] (Sims, 2009: 68-87).
 
 
1.  As estruturas de Informações
 
Falar de informações no início do século XIX é falar dos inícios da institucionalização desta actividade. É uma época em que o recurso a esta actividade é extenso e, provavelmente em função disso, os diferentes Estados iniciam o desenvolvimento de estruturas de gestão das informações com alguma complexidade.
 
Napoleão cria no seu gabinete, onde concentrava toda a informação, a Section Statistique, que garantia a produção de informações políticas e estratégicas[10], e o Bureau Topographique, que organizava as informações tácticas usadas para a actualização da carta de situação do Imperador (Jackson, 2005: 23). A análise desta quantidade massificada de informação, política e militar, era centralizada no próprio imperador, o último chefe de Estado e comandante militar.
 
No Reino Unido a organização das actividades de informações era descentralizada. As informações estratégicas, assentes numa complexa rede de agentes no continente europeu, eram o foco da actividade dos ministros plenipotenciários. A análise era efectuada ao nível local e depois reportada ao Foreign Office. De forma a minimizar a dificuldade de integração das informações estratégicas e tácticas, em 1802 surge o Depot of Military Knowledge (Davies, 2006: 205). O Depot tinha características de um Serviço de Informações, uma vez que contava com uma estrutura formalizada[11] em que o foco desta organização era integrar as informações estratégicas e tácticas de forma a permitir antecipar futuros conflitos ou operações militares. Criado durante a Paz de Amiens a sua vida terminou quando as hostilidades entre a França revolucionária e o Reino Unido reacenderam, em 1803. Com o desmantelar do Depot toda a informação recolhida pelas redes implantadas nos diversos Estados voltou a ter como destino o Foreign Office e daqui era, então, disseminada para o terreno.
 
Ainda que se assista à criação das primeiras estruturas formais de informações, a tecnologia que suportava a transmissão da mesma, no inicio do séc. XIX, dependia de emissários (correios e mensageiros) que transportavam missivas, relatórios ou outros, por via terrestre ou naval. O tempo de transmissão era lento e o risco das informações perderem pertinência quando chegava ao destino ou serem interceptadas era grande. Porém, permitirem a antecipação relativamente ao início dos conflitos durante a conduta dos mesmos, essa função crítica era muito difícil de alcançar. Quando era disseminada em tempo, o período para tomar a decisão diminuía significativamente. O movimento era assente no músculo e qualquer alteração de rota ou itinerário representava tempo para reagir. Dessa forma para minimizar a incerteza, e evitar uma reacção demorada, os comandantes militares tinham que estabelecer redes de informações no terreno que lhes permitissem, juntamente com as informações recolhidas pelas forças de reconhecimento, mitigar a incerteza e, assim, garantir a vantagem de informações sobre o adversário.
 
 
2.  As Invasões de 1807 e 1809
 
Em Portugal, se as preocupações com informações tácticas eram uma temática antiga, que havia sido tratada em vários documentos[12], as estruturas de informações político-estratégicas não existiam formalizadas, como na França ou no Reino Unido, e o seu tratamento era deficiente.
 
Decorridos que eram pouco mais de 18 anos da revolução que em França trazia o “terceiro estado” ao poder, através do ideário Liberté, Egalité, Fraternité, Portugal procura uma posição neutral, contudo, vê-se envolvido naquela que foi designada a campanha do Rossilhão, entre 1793 e 1795. Procurava-se travar o ímpeto da França revolucionária. Posteriormente, em 1801, a nação de Camões via-se empenhada na “guerra das laranjas”, opondo-se à Espanha de Manuel Godoy, que materializava a estratégia indirecta de França, cujo resultado se saldou na perda de Olivença. Entre 1801 e 1807 Lisboa transforma-se num “verdadeiro campo de batalha diplomático luso-britânico” (Henriques, 2002: 10). Portugal, um Estado de reduzidas dimensões no continente Europeu representou, mais que qualquer outro, um obstáculo às intenções imperiais. Napoleão decretara o “bloqueio continental” tendo como intenção a interdição todos os portos do continente europeu ao comércio britânico.
 
Ante a indecisão de Portugal aderir ao “bloqueio continental” a França assina com o chefe do governo espanhol, Manuel Godoy, o Tratado de Fontainebleau, em 27 de Outubro de 1808, o qual previa a divisão do território português pelo rei da Etrúria, pelo imperador e pelo próprio Godoy. O Conde da Ega[13] toma conhecimento do tratado e faz chegar essa informação a D. João, Príncipe Regente (Cardoso, 2004: 228). Decorrente de Fontainebleau, a 31 de Outubro, o Imperador dá a seguinte ordem a Junot[14]: “Je désire que le 26, au plus tard, toute la 1re division avec son artillerie arrive à Alcantara, pendant que la 2e sera en marche sur Alcantara et que la 3e aura déjà dépassé Ciudad-Rodrigo, et que le 1er décembre toute mon armée soit réunie à Alcantara…” (Fondation Napoléon, 2008). Esta ordem pressupunha a consecução de três objectivos de primeira ordem que materializavam o encerramento dos portos ao comércio britânico e garantiam a necessária liberdade de acção aos franceses: conquistar Lisboa; aprisionar o príncipe regente D. João, obrigando-o a renegar a amizade luso-britânica, consumando o bloqueio continental à Inglaterra; e, desorganizar o exército de linha e dissolver as milícias e as ordenanças.
D. João toma conhecimento da invasão, comandada por Junot, através do embaixador português em Paris, que no regresso a Lisboa se cruza com as forças francesas, em Burgos. Para além do mais, Lord Strangford, o plenipotenciário britânico em Lisboa, faz chegar ao Príncipe Regente o Le Moniteur International de 30 de Outubro, que transcrevia o decreto onde Napoleão bania a Casa de Bragança de reinar em Portugal. A invasão ao território nacional materializa-se, por Castelo Branco, a 19 de Novembro. A 25 de Novembro o Príncipe Regente tem conhecimento, pela voz do Tenente-coronel Frederico Lecor, de que Junot se encontrava em Abrantes, acontecimento que veio precipitar o embarque da família real para o Brasil, dois dias depois (Cardoso, 2004: 228). A 30 de Novembro, Junot, chega a Lisboa e “ficou a ver navios”.
 
Ainda que não tivesse atingido os seus objectivos na plenitude, Napoleão, havia conseguido um dos seus intentos, o de encerrar os portos, através de uma conquista célere e, praticamente, sem derramamento de sangue. Junot incorpora algumas unidades regulares portuguesas - “cinco regimentos de infantaria e dois de cavalaria” (Nunes, 2004: 57-58) - comandados por “ilustres militares portugueses afrancesados”, no exército francês, com a designação de Legião Portuguesa[15], e procede ao licenciamento das restantes unidades militares. Porém, a violência impressa pelos ocupantes sobre as populações e o desrespeito pelas instituições nacionais, como a coroa e a igreja, conduziram à emergência de movimentos de resistência os quais garantiram a oportunidade indicada para a intervenção de forças britânicas (Barata, 2004). As operações britânicas, materializadas nas vitórias da Roliça e do Vimeiro em 1808, facilitariam a assinatura da Convenção de Sintra, que obrigava à retirada de forças francesas de território português, iniciada a 15 de Setembro daquele ano.
 
Corria o ano de 1809 quando Napoleão procura, novamente, invadir Portugal. Contudo, a incapacidade do seu Cabinet para avaliar a situação da ameaça e do terreno com rigor, induz o imperador ao fracasso.
 
O plano de Napoleão era simples. Consistia numa invasão, utilizando o eixo da Galiza, de forma a aproveitar a relativa planura que a orla ocidental oferecia ao movimento em direcção a Lisboa (Azeredo, 2007: 16). Napoleão, na impossibilidade de executar o plano confia, pessoalmente, a missão a Soult.
 
A efectivação do plano dá-se em Fevereiro de 1809, com a entrada de Soult pela Várzea de Chaves, chegando a ocupar o Porto. No entanto, a acção conjugada do “comando regional” do Norte do país sob o comando do General Silveira, a atrição constante provocada pela acção das populações facilitada pela orografia, e o desembarque, a 22 de Abril, das forças britânicas sob o comando de Arthur Wellesley, obrigaram Soult a retirar do território português, naquele ano.
 
Os constantes assaltos aos mensageiros obrigavam os franceses a cuidados especiais. A cifra passa a ser de vital importância para a comunicação entre quartéis-generais do invasor. Desse modo, em Maio, Wellesley atribui ao major George Scovell[16] a tarefa de formar, no Porto, uma unidade de ligação, os Guias Montados. Scovell tinha como atribuição a supervisão dos correios militares e de decifrar as mensagens interrompidas ao invasor. Em Junho, D. Miguel Pereira Forjaz[17] reforça aquela unidade com voluntários da universidade de Coimbra que sabiam francês e inglês (Henriques, 2002: 19). A contra-informação começou a ser uma preocupação do invasor, bem como, a pesquisa aliada ganha nova dimensão[18], a intercepção de comunicações, o Communications Intelligence (COMINT).
 
 
3.  A Invasão de 1810
 
Avizinhava-se uma terceira invasão, que veio a ser materializada por um exército, sob o comando de Masséna, em 15 de Setembro de 1810, apoiado no Atlas Geográfico de España[19] de D. Tomas Lopez.
 
É, precisamente, no período entre invasões que o exército anglo-luso começa a organizar a defesa do território português, procurando fazê-lo o mais afastado possível da capital. Assim, o conceito de operação de Wellesley era o de manter a vanguarda do invasor sob constante pressão, desde a fronteira, desgastá-lo através de acções de retardamento, acometer a retaguarda do seu exército mediante uma resistência activa e praticar uma política de terra queimada, com uma resistência passiva (Lousada, 2010: 112).
 
De modo a poder cumprir este desiderato, ante as várias hipóteses previsíveis de ataque do inimigo, o exército anglo-luso coloca-se numa posição central, de expectativa, de forma a poder fazer face, em tempo, a uma real ameaça que se lhe apresentasse.
 
Antes da revolta na Península, em 1808, e o subsequente envolvimento britânico, as informações de nível estratégico eram militarmente inúteis. Para além do mais, em virtude dos meios de comunicação da época, as informações de nível estratégico que o Comandante-em-chefe do exército anglo-luso recebia dificilmente poderiam ter a sua origem em Liverpool, dado que se assim fosse, haveria o risco de perderem a pertinência, quando chegassem ao seu destino final. A expectativa estratégica em que se encontrava obrigava Wellesley a procurar um modo de minimizar a incerteza. Para o efeito dispõe de uma situação extraordinariamente favorável e de que muito o beneficia relativamente ao invasor. O facto de as operações serem conduzidas em território hostil a franceses será uma condição essencial para exponenciar as funções críticas de pesquisa e da degradação do sistema de informações do inimigo (seja de forma ofensiva ou defensiva).
 
a.  A pesquisa, transmissão e antecipação
 
Uma das principais preocupações de Wellesley foi a de assegurar-se que teria total vantagem sobre o L’armée du Portugal. Para isso, era vital ter uma boa rede de pesquisa de informações que pudesse maximizar todos os sensores à sua disposição, fossem estes estratégicos ou tácticos. Essa pesquisa, conduzida aos dois níveis, permitia a Wellesley a capacidade de direccionar o esforço de pesquisa de informações ao nível táctico, baseado em informações estratégicas pertinentes. Se as informações de nível táctico dependiam do comandante do exército anglo-luso, já as informações estratégicas não. O sucesso da campanha dependia, então, para além da pesquisa, da transmissão das informações estratégicas de forma a que fosse possível antecipar os movimentos do invasor.
 
Em 1810, toda a informação que chegava ao Foreign Office, vinda da Península Ibérica, era assente nas redes de “correspondentes” e agentes estabelecidos por Charles Stuart e Henry Wellesley, ministros plenipotenciários em Portugal e Espanha, respectivamente (Davies, 2006:203).
 
Henry Wellesley é o mais novo de três irmãos. O mais velho, Richard, Marquês de Wellesley era, à época, o Foreign Secretary [20] do governo britânico e o irmão do meio, Arthur - visconde Wellesley, tinha como tarefa o comando da força anglo-lusa na Península (Davies, 2006). Será, porventura, uma ligação familiar que terá alguma influência no sucesso que as informações anglo-lusas alcançaram na Península. Terá sido, possivelmente, em virtude desta ligação que se efectuava uma mais rápida disseminação das informações estratégicas.
 
Para além do acesso às informações de Henry, Arthur, contava com as informações de Stuart. A rede de agentes de Stuart incluía agentes baseados numa cidade no Sul de França, Bayonne, através da qual, a maioria dos reforços franceses para a Península tinham, obrigatoriamente, de passar. Deste modo, a informação providenciada por estes agentes garantia uma fonte inestimável de evidências para o planeamento da campanha que se avizinhava. A integração destas informações com as informações tácticas poderia ser a chave para a conclusão, com sucesso, desta campanha (Davies, 2007: 631).
 
Quanto à correspondência entre Wellesley e Stuart, sabemos que não era regular, assumindo a historiografia moderna que o fluxo de informação, disseminado de e para Stuart, seria através dos Estados-Maiores de Wellesley, ou outros canais. Há evidências que apontam para uma correspondência regular entre o ministro plenipotenciário britânico e o quartel mestre general do exército português, o coronel Benjamin D’Urban, que à semelhança do seu homólogo no exército anglo-luso, estaria bastante envolvido nas tarefas de pesquisa de informações. O quartel mestre general provia, de forma regular, informações de nível táctico e topográficas, não só ao seu comandante, o duque de Trancoso - Marechal William Carr Beresford[21], bem como a Wellesley e aos seus comandantes de Divisão (Davies, 2006: 208). São as informações recolhidas pelos agentes de Stuart juntamente com as informações disponibilizadas pelo Foreign Office que permitem que Wellesley seja informado que, entre 12 de Dezembro de 1809 e 25 de Março de 1810, haviam passado em Bayonne “80 000 homens de Infantaria e 12 500 de cavalaria, sob o comando de Reynier, Loison e Dait”. O relatório prossegue referindo que “a maior parte destas tropas são jovens e sem experiência” (Davies, 2006: 210). Estas forças irão cruzar a fronteira com a Península Ibérica entre Fevereiro e Março de 1810.
 
Stuart, nos finais de Abril de 1810, escrevia a Wellesley informando-o que uma grande parte das forças francesas em Espanha se aproximava da fronteira portuguesa. Entre Maio e Junho a correspondência entre Stuart e Wellesley passa a ser regular pelo que, provavelmente, em Junho de 1810 Wellesley estaria ciente da dimensão do exército com que se iria defrontar. Estava, então, em condições de ultimar os preparativos da defesa de Portugal antes que o invasor estivesse pronto para conduzir operações militares. Porém, para que a defesa de Lisboa fosse eficaz, Wellesley necessitava determinar qual o eixo que Masséna seguiria de modo a atingir a capital. O desconhecimento da rota a seguir pelo exército francês poderia resultar numa retirada em pânico para Lisboa, onde as forças inimigas, com o moral elevado, poderiam ultrapassar com facilidade as linhas de Torres Vedras forçando a uma prematura conclusão da incursão britânica na Península. Havia que integrar as informações disseminadas por Stuart com as informações que fosse possível recolher através das forças anglo-lusas no terreno.
 
As informações de nível estratégico davam conta que Masséna atacaria por Ciudad Rodrigo, mas Reynier marchava de Sul. Era também do conhecimento de Wellesley que Reynier deveria participar na invasão. No entanto, a incapacidade de efectuar a junção a Masséna indicava que, após a queda de Ciudad Rodrigo, a invasão se poderia materializar a partir de duas direcções. Desse modo, em virtude do desconhecimento das reais intenções do exército francês, Wellesley, ordena aos seus comandantes de Divisão na região, os Generais Hill e Cotton, que o informassem assim que fossem aparentes as acções do General Reynier.
 
A invasão de Portugal toma forma em Setembro, após a queda da fortaleza de Almeida. Masséna ruma a Norte, evitando os obstáculos que as forças anglo-lusas haviam posicionado nas rotas mais directas a Lisboa. Todo este movimento foi acompanhado por oficiais de informações (maioritariamente das unidades de dragões) que estavam sob o comando dos Generais Trant, Miller, Miranda, Lecor e Silveira. Masséna dificilmente poderia movimentar-se sem que Wellesley fosse informado desse facto.
 
 
 
Excerto do Atlas Geográfico de España de D. Tomás Lopez
(Fonte: Biblioteca Digital Mundial)
 
Reynier mantinha-se um factor de incerteza. Era certa a junção com Masséna, porém a possibilidade de flanquear a força anglo-lusa não era de descartar.
 
A 5 de Setembro de 1810 começa a ser criada a percepção das reais rotas seguidas pelas forças francesas e, em 16 de Setembro, é relatado a Wellesley que “não há dúvidas, agora, que Reynier se juntou e actuará com Masséna” (Davies, 2007). Após a junção, a 23 de Setembro, as forças francesas atingiram Mortágua. Durante todo o movimento aquelas forças foram monitorizadas, tendo o comando aliado sido alertado da sua dimensão e rota. O encontro das forças francesas e anglo-lusas dá-se no Buçaco, a 27 de Setembro de 1810. Quatro dias depois da vitória no Buçaco, Wellesley, retirava para Sul, para aquém das linhas de Torres.
 
De acordo com o General Themudo Barata, a captura de desertores e, porventura, outros militares franceses foi uma preocupação para o Comandante-em-chefe. Nesse sentido, Wellesley institui um “prémio aos captores de desertores”, especialmente dirigido aos elementos da população e, em particular, às milícias e ordenanças. No entanto, o documento mais importante, de acordo com o mesmo autor, é difundido do “quartel-general, na Lagiosa” em 20 de Agosto, e tem por título “instruções para os corpos de guerrilha”. Neste documento, Wellesley, dá indicações para a organização das ordenanças em corpos de guerrilha e que será enviado “cada segunda-feira”, para além da informação relativamente àquela força (a actividade da semana antecedente), “o que se sabe do inimigo na vezinhança”, acrescentando ainda que “devem sempre cuidar muito bem em ter as melhores inteligências do inimigo” (2004: 177).
 
Com este documento assiste-se à criação de um subsistema de informações, com relatórios formais, baseado nas ordenanças dispersas por todo o país. Wellesley apoiava-se, ainda, no povo através de uma rede que, de acordo com Huw Davies, conhecia desde 1804 aquando da sua estada na Índia e que replicava na Península Ibérica, com ligeiras alterações ao nível das práticas de comando e controlo. Assim, a rede indiana era constituída por Hicurrahs[22], Vakeels[23] e Amildars[24]. Na Península, a rede previa a utilização de agentes civis, mercadores e agentes patrióticos que, à semelhança dos seus homólogos indianos, informavam as forças anglo-lusas das actividades inimigas com regularidade (2007: 630).
 
Para além das redes de informações estratégicas do Foreign Office, das redes por si criadas e pelas informações tácticas, Wellesley necessitava ter acesso directo à estrutura de informações estratégicas portuguesas que D. Miguel Pereira Forjaz havia criado. Foi a insistência do comandante do exército anglo-luso que lhe permitiu obter o controlo daquela rede que operava em território espanhol e era controlada pelo Director da Posta Militar, Joaquim José de Oliveira, o “Senhor Oliveira” (Henriques, 2002: 19).
 
b.  A Contra-informação
 
Se o engenho, a insistência e, inclusivamente, as relações familiares permitiram a Wellesley criar uma rede de pesquisa de informações invejável, foi em grande medida a postura do povo, no geral, que garantiu o sucesso da degradação dos sistemas de informações franceses, a contra-informação. Independentemente se os esforços eram ofensivos ou defensivos o sucesso desta actividade, foi de tal forma retumbante que, como refere Donald Horward, Napoleão para ter acesso ao que se passava na Península tinha de aceder a jornais britânicos (1973: 85).
 
A quebra de ligação entre Masséna e o seu escalão superior, o General Berthier[25], era recorrente. Os correios portadores da correspondência entre Masséna e Berthier eram frequentemente alvo das acções das milícias, das ordenanças e do povo. A Gazeta de Lisboa nº 296, de 11 de Dezembro de 1810 publicava, na primeira página, o conteúdo de uma carta apreendida ao correio de Masséna, após a batalha do Buçaco. Um facto interessante é a circunstância da captura: “Hum dos Ajudantes de Campo de Junot, disfaçado de paisano Hespanhol, foi preso pelos paisanos armados nas fronteiras de Portugal, (em Bobadella) e mandado para Lisboa. Tentava chegar a Almeida com aquelle disfarce, e tomar dahi para Paris…”. A incapacidade do Cabinet do imperador em conhecer o que se passava, de facto, na Península Ibérica levaram-no a tomar medidas para manter o contacto com L’armée du Portugal. Para o efeito, deu instruções a Drouet para se mover para Valladolid e estabelecer contacto com Masséna. Seis semanas e quatro cartas depois, Napoleão, continuava a pressionar Drouet para cumprir as suas instruções, mas sem sucesso (Horward, 1973: 86). Drouet viria a reforçar Masséna, com a Divisão do general Conroux, em finais de Dezembro de 1810.
 
 
 
Gazeta de Lisboa, de 11 de Dezembro de 1810 (Fonte: Hemeroteca Digital)
 
Para além do mais, as capacidades de pesquisa francesas encontravam-se gravemente danificadas. O assédio recorrente que as forças de Masséna estavam sujeitas obrigava a que, durante o movimento, a segurança fosse acautelada trazendo como consequência a diminuição do alcance das forças de reconhecimento e a decorrente falta de informação relativamente ao exército defensor, que tinha implicações sérias no movimento francês. Fruto do pequeno alcance operacional das forças de reconhecimento, o ímpeto e a iniciativa, que era previsível o invasor possuir, foi-se esbatendo.
 
Sem acesso a informações estratégicas e com graves limitações no alcance das suas informações tácticas, Masséna encontra-se em total desvantagem relativamente a Wellesley. Mas essa desvantagem agudizava-se na medida em que a segurança das operações era outra das preocupações do comandante do exército Aliado.
 
Com efeito, as linhas de Torres Vedras são consideradas como um dos segredos mais bem guardados da época. Ainda hoje é causa de perplexidade o facto de se conseguir manter secreta, durante cerca um ano, a construção das linhas de Torres, sabendo que estavam envolvidos dezenas de milhares de trabalhadores e que as mesmas se espalhavam por uma área bastante extensa “às portas da cidade de Lisboa”. Ao que se conhece, de entre os muitos prisioneiros portugueses feitos durante o movimento de Masséna entre Almeida e Vila Franca de Xira, apenas um sacerdote de Viseu terá trazido à liça a existência de um amplo sistema fortificado que se encontrava em construção. Contudo, a informação era de tal forma vaga que não terá chamado à atenção das forças francesas (Barata, 2004: 187).
 
Várias serão as causas que concorrem para o silêncio em torno das linhas de torres. Destacam-se desde logo, a especial preocupação de Wellesley em se assegurar que todas as medidas que impossibilitassem a fuga de informação eram tomadas, e, porventura a mais importante, o sentimento hostil que a população nutria perante o invasor francês.
 
De facto, o segredo foi de tal forma bem guardado que Masséna é surpreendido, a 12 de Outubro, quando atinge aquela muralha defensiva ao redor da capital portuguesa. Napoleão tem conhecimento de que o exército de Masséna está detido nas linhas de Torres Vedras, a 20 de Novembro, através de jornais britânicos e, a 22 de Novembro, tem conhecimento dos despachos do comandante do L’armée du Portugal com a chegada de Foy a Paris.
 
Ao tomar conhecimento da dimensão do obstáculo que se lhe opunha e sem resposta do imperador às suas missivas, em Novembro, Massena dá ordem para retirar para a região de Santarém, onde poderia aguardar reforços e abastecimentos.
 
 
4.  Conclusões
 
A campanha de 1810 foi bastante profícua no que concerne às actividades de informações e ao seu eficaz emprego por parte das forças anglo-lusas. Pode, inclusivamente, referir-se que os seus contributos para o desempenho das acções do exército anglo-luso foram determinantes.
 
 A permanência de Wellesley em Portugal será, provavelmente, uma das principais razões que permitiu a organização de um sistema de informações cujo produto se centrava nas forças anglo-lusas e, naturalmente, no seu comandante. Para isso contribuiu o acesso a uma miríade de sensores de pesquisa assente nas redes dos plenipotenciários britânicos em Portugal e Espanha, na rede de informações de D. Miguel Pereira Forjaz, na rede originária da Índia que o próprio Wellesley replicou em Portugal e Espanha, com base nas gentes do povo e, obviamente, as informações conseguidas à custa do povo, milícias, ordenanças e forças de primeira linha.
 
As informações estratégicas, que até então tinham um valor militar estéril, passaram com este sistema, a ter uma pertinência vital. A transmissão, em tempo útil, deste tipo de informações conjugado com a pesquisa ao nível táctico permitiu o tempo a Wellesley para poder dispor os meios que possuía, em vantagem. O fluir das informações até às Divisões permitia descentralizar a análise e garantir um estado de alerta e prontidão, das forças, adequado a uma possível alteração da situação.
 
Porém, se a pesquisa foi maximizada a um nível invejável, também a contra-informação garantiu contributos vitais. Ao nível ofensivo, encontra-se o corte sistemático das comunicações adversárias e o limite do alcance operacional, imposto aos sensores franceses. O sentimento de hostilidade relativamente ao invasor foi capital para que o sistema de informações francês fosse em tudo mais ineficaz que o seu oponente.
 
Em síntese, pode, assim, assumir-se que o sistema de informações das forças anglo-lusas permitiu incrementar a sua capacidade de resposta ao garantir o necessário conhecimento acerca dos pontos fortes e vulnerabilidades do exército comandado por Masséna, mitigando a incerteza relativamente às capacidades e intenções francesas. E, além do mais, reduzir quase à sua expressão mínima a capacidade de pesquisa do exército invasor, obrigando-o a operar amiúde “às cegas”. Pode-se, então, inferir que o Sistema de Informações anglo-luso atingiu o patamar mais alto de eficácia ao maximizar até expoente máximo espectável as funções críticas: Pesquisa; Transmissão; Antecipação; Contra-Informação.
 
Se o sistema de informações contribuiu de forma inegável para o sucesso alcançado ao longo da permanência francesa em território português, a entrega, durante a campanha de 1810, de todos os portugueses - tropa de 1ª linha, milícias, ordenanças e povo - dá corpo à observação de John Keegan (2006: 27): “…a espionagem na guerra, independentemente da sua qualidade, não indica o caminho infalível para a vitória. A vitória é um prémio ilusório, comprado com sangue, mais do que com o cérebro. A espionagem é a serva do guerreiro e não a amante”.
 
  
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* Major de Infantaria Pára-quedista. Pós-graduado em Informações e Segurança e Estudos da Paz e da Guerra. Actualmente é mestrando em História, Defesa e Relações Internacionais. Professor de História Militar do Instituto de Estudos Superiores Militares.
 
 
[1] General John Churchill (1650-1722).
[2] Na cultura judaico-cristã podemos identificar esta preocupação quando Moisés, por indicação do Senhor, dá ordem de espiar a terra de Canaã: “ide por este lado, para o sul, e subi a montanha. Observeis o aspecto do país e o povo que o habita; se é forte ou fraco, pouco numeroso ou em grande número…” (Nm XIII, 17-18).
[3] O futuro Duque de Wellington.
[4]É uma medida do alcance de resultados, ou seja, a capacidade de atingir objectivos e alcançar resultados. Em termos globais, significa a capacidade de uma organização satisfazer necessidades do ambiente (…) Relaciona-se com os fins almejados” (Chiavenato, 2004: 183).
[5] Entende-se competitividade no sentido lato da palavra, isto é, que poderá, em última análise, culminar na guerra.
[6] Quanto mais sistemas de forem projectados e quanto maior for o seu alcance, maior a possibilidade de obter informações de qualidade. A função crítica pesquisa prevê a transformação dos dados em informações, isto é, a recolha e consequente análise dos dados.
[7] A informação recolhida só marca a diferença se for pertinente, isto é, se chegar ao decisor, que dela necessita, em tempo de tomar a decisão.
[8] A capacidade de gerar: pesquisa independente dos decisores; alertas acerca de adversários imprevistos e novas competições, relativamente a novos clientes com necessidade de conhecer.
[9] A capacidade de degradar as funções, anteriormente descritas, do adversário de forma defensiva ou ofensiva.
[10]  Onde as informações estratégicas e políticas eram preparadas a partir de informações tácticas com recurso à combinação de fontes abertas e fontes secretas (Jackson, 2005: 22).
[11]  Previa quatro secções: Planos - que era responsável pela direcção e pesquisa; Movimentos - planeamento de rotas e movimentos do exército; Biblioteca - conhecimento histórico; e, Topográfico - responsável pela cartografia necessária às operações. Salientamos que, o futuro quartel-mestre de Wellington, George Murray, era o chefe da primeira secção do Depot, Planos (Davies, 2006: 205-206).
[12]  Em 1665 o auditor-geral do Exército da província do Alentejo, Dr. João de Medeiros Correa, escrevia uma obra intitulada de “Perfeito Soldado e Política Militar”. Em 1719 eram publicadas, em Amsterdão, as memórias militares do Mestre de Campo Castello Branco, que aludiam à temática na Batalha de Almança. Em 1774, o Conde de Lippe apresentava várias propostas ao Marquês de Pombal. E, em 1799, o Marquês da Alorna volta a fazer referência à temática no manuscrito intitulado “Reflecçõens sobre o Sistema Económico do exército” (Cardoso, 2004: 168-171).
[13]  Ministro plenipotenciário português em Madrid.
[14]  Que havia sido embaixador em Portugal no ano de 1805.
[15]  Comandada pelo Marquês de Alorna, Gomes Freire de Andrade, Pamplona, entre outros.
 
[16]  Cabia-lhe a responsabilidade das comunicações do exército de Wellesley.
[17]  1º Conde da Feira. À época era o Secretário da Regência e titular das pastas dos negócios estrangeiros e da guerra.
[18]  Para além da Human Intelligence (HUMINT) e Open Source Intelligence (OSINT).
[19]  Relativamente ao mapa de Lopez, Marbot (um oficial do Estado Maior de Masséna) afirmava: “La seule [carte] qui existât alors était on ne peut plus inexacte, de sorte que nous marchions pour ainsi dire à tâtons” (Andrews, 1901, p. 474). Os itinerários do mapa são retirados do Roteiro Terrestre de Portugal de 1748 que, segundo o próprio Lopez, tinha erros nas distâncias.
[20]  Entre 6 de Dezembro de 1809 e 4 de Março de 1812.
[21]  Comandante do Exército português.
[22]  Espiões ou correios locais, treinados, e que com facilidade se poderiam infiltrar, nos acampamentos inimigos, sem que fossem notados - procuravam, principalmente, informação acerca da dimensão, capacidades e vulnerabilidades inimigas.
[23]  Comerciantes nativos.
[24]  Governadores locais.
[25]  Chefe de Estado-Maior de Napoleão.
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2011-11-27
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia