IN MEMORIAM - Tenente-general José Manuel Bettencourt C. Rodrigues
Tenente-general José Manuel Bettencourt C. Rodrigues (05 Jun. 1918-28 Abr. 2011)
A lei da morte, no passado dia 28 de Abril, retirou do convívio da sua Família, do Exército e dos seus amigos, o nosso General Bettencourt Rodrigues. Os Generais não morrem. Desaparecem e sentimos já a saudade da sua presença, lembrando o que deixou à Nação e ao seu Exército, como um dos mais prestigiados Oficiais do seu Corpo de Generais, durante a segunda metade do século XX. Ensinou, instruiu, comandou, combateu e defendeu princípios e valores que materializam a grandeza e a servidão da condição militar.
Nasceu na cidade do Funchal e, terminados os seus Preparatórios Militares na Faculdade de Ciências de Lisboa, ingressou na Escola do Exército, em 1936, onde concluiu
o Curso de Infantaria, em 1939, como primeiro classificado na sua promoção a Alferes naquele ano, iniciando a sua carreira como instrutor na Escola Prática de Infantaria, onde viria a influenciar pelo seu porte e saber algumas gerações de oficiais da sua Arma.
Frequentou o Curso de Estado-Maior, de 1948 a 1951, no Instituto de Altos Estudos Militares, que concluiu com a classificação de Distinto. Na modernização do Exército que se iria iniciar na década dos anos cinquenta, com a adesão de Portugal à OTAN, o Major Bettencourt Rodrigues vai frequentar o Curso de Comando e Estado-Maior da Escola de Comando e Estado-Maior dos EUA, em Fort Leavenworth, no ano lectivo de 1952-1953 e quando regressa a Portugal, acumulando com funções no Estado-Maior do Exército, vai exercer as funções de Professor dos Cursos de Estado-Maior. Todos os que frequentaram os Cursos se lembram do rigor e entusiasmo das suas lições, do seu espírito crítico quando afirmava “que só sabe quem se lembra”, do seu cuidado na formação de oficiais que teriam de juntar a ideias consolidadas uma formação ética e de porte militar que não os tentassem à condição de “doutores”. Foi uma escola que deu frutos quando da teoria se teve de passar à prática, desenvolvendo doutrina e procedimentos para um tipo de conflito novo, que se iria iniciar em 1961, com enquadrantes estratégicas, tácticas e logísticas diferentes do passado.
Ocupou o cargo de Director dos Cursos de Estado-Maior, no IAEM, em Pedrouços, que acumulou com as funções de Chefe da Repartição do Gabinete do General Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Luís da Câmara Pina.
Nomeado Chefe do Estado-Maior da Região Militar de Angola, em 1961, numa situação de emergência, depois do desastre do Chitado que vitimou a quase totalidade do Estado-Maior da Região Militar, à frente de uma equipa de oficiais distintos, teve a visão para adaptar o dispositivo militar, o seu emprego e os seus procedimentos para uma situação nova, que requeria imaginação, saber e espírito de inovação. Assim conduziu o seu Estado-Maior para o aconselhamento do seu General Comandante. Todos os que ali serviram, entre 1961 e 1964, lembram a sua postura serena, o seu dinamismo, o conselho próximo e amigo para os que chegavam, a visita às Unidades, o acorrer aos locais onde se precisava de manter e fortalecer
o moral, a preocupação para que não faltasse a ração aos que combatiam. Situações novas requeriam procedimentos novos e dele parte a iniciativa para a criação das primeiras Unidades de um Corpo de Tropas mais vocacionado para o combate neste tipo de conflito: os Comandos. A sua acção é distinguida e louvada pela atribuição da Medalha de Ouro de Serviços Distintos, com Palma.
Regressado ao Continente e promovido o Coronel é nomeado para Adido Militar e Aeronáutico junto à Embaixada de Portugal em Londres (1964-1966) e antes de frequentar o Curso de Altos Comandos, no seu IAEM, comanda o Regimento de Artilharia Nº 1. Termina o seu Curso de Altos Comandos com a classificação de Muito Apto e é solicitado pelo Presidente do Conselho de Ministros para assumir o cargo político de Ministro do Exército, que exerce de 1968 a 1970 (como diria a amigos tinha sido uma má decisão na sua vida de militar, mas era serviço público à Pátria, em momento difícil).
Promovido a Brigadeiro, em 1971, é nomeado Comandante da Zona Militar do Leste de Angola, Comando Conjunto criado na reestruturação do dispositivo militar na Província, e com sede na cidade do Luso. Graduado no posto de General, de 1971 a 1973, exerceu o seu Comando numa área de 650.000 km2, com um Adjunto Naval (COMNAVLESTE), que comandava as Unidades da Marinha na Área de Operações, um Adjunto Aeronáutico (COMARLESTE) para as Unidades da Força Aérea e quatro de Comandos de Sector (Brigadas) e 12 Comandos de Subsector (Batalhões) do Exército, num total de cerca de 12.500 efectivos a que juntavam mais 68 Grupos de Tropas Irregulares (GE) com cerca de 2.000 efectivos. Tinha a seu cargo, além da condução das operações militares, e no âmbito da manobra da Contra-Subversão definida e coordenada pelo Governador da Província e o Comandante-Chefe, coordenar as manobras sobre as populações e sobre o terreno (itinerários) através dos quatro Governadores de Distrito da Lunda, Bié, Moxico e Cuando-Cubango. A sua concepção e comando sobre estas manobras materializou-se no Plano Expedito de Desenvolvimento do Leste, onde obras simples, imediatas, que não ilustravam ninguém mas serviam as necessidades básicas das populações, segundo as suas palavras, iriam conduzir, a par da manobra militar, a novo clima de segurança na área.
Os que serviram naquela área de operações e naquele tempo recordam a frequente presença do General Comandante junto dos seus comandos e tropas, a sua forma simples e directa de contacto com os militares e autoridades administrativas, dos deslocamentos nas picadas, do Natal passado com pequenas guarnições isoladas, no Jimbe ou na Luiana. E lembram os briefings matinais no seu Estado-Maior, analisando o que se tinha passado nas últimas vinte e quatro horas, o rigor que tinha de haver entre baixas provocadas ao adversário e o número de armas capturadas, se os feridos já estavam no Hospital e o seu estado. A sua acção de Comando, já no posto de General desde Abril de 1972, foi reconhecida e distinguida com a condecoração da Medalha de Ouro de Valor Militar com Palma.
Regressado a Portugal em Abril de 1973, o General Bettencourt Rodrigues é nomeado, pouco tempo depois, Governador e Comandante-Chefe da Província da Guiné, onde continua a sua acção de comando no seu estilo próprio e onde os acontecimentos do 25 de Abril o surpreendem em 1974. É afastado do seu cargo e conduzido, detido, ao Continente e passado compulsivamente à Reserva, pela Junta de Salvação Nacional, em Maio de 1974. Com a sua grandeza nunca se lhe ouviu qualquer palavra de amargura, guardando para si os sentimentos.
De Março de 1980 a Dezembro de 1990, desempenhou as funções de Presidente da Direcção da Revista Militar, sucedendo ao General Câmara Pina, organização que considerava como um legado entre gerações de militares, a dignificar e preservar. À Revista dedicou também o seu saber e entusiasmo, naquela função e também como Presidente da sua Assembleia Geral, deixando escritos e meditações importantes sobre o conceito de Defesa Nacional que a Nação iria incluir no texto da sua Lei fundamental. A Revista distinguiu-o com o título de Sócio Honorário da Empresa.
Sempre atento aos destinos da Nação e da sua Instituição Militar manteve-se um observador activo, um conselheiro inestimável e um Amigo e Camarada de Armas de eleição para todos os que com ele conviveram. Lutando pela vida à medida que os anos foram passando e alguns problemas de saúde o afectaram, a sua fibra e lucidez eram um incentivo para outros que desanimavam.
Bem-haja, meu General, pelo que nos transmitiu e deixou. A Nação, o Exército, a Revista Militar e os seus Amigos, a par da sua Família, irão guardar a sua figura e pensamento. Um dos seus “homens do Trans-Quanza”, que escreve estas linhas, recorda-o como o seu Comandante e exemplo de virtudes militares como o patriotismo, a lealdade, o sentido do dever, a honra e a camaradagem de armas.
General Gabriel Augusto do Espírito Santo
Presidente da Direcção da Revista Militar