As Crises e a Estratégia
Pelo que todos vamos ouvindo, diferentemente orquestrado e amplificado e necessitando algumas vezes de descodificadores para eliminar ruídos de fundo, e pelo que muitos já vão sentindo, Portugal vive mais uma crise da sua História. Crise que afecta a soberania e a liberdade de acção do Estado, que afecta a Nação e os seus cidadãos no seu estilo de vida, mas que é diferente de outras do passado. Não há forças hostis nas fronteiras terrestres nem esquadras ameaçadoras na barra do Tejo, mas os cofres vão ficando sem meios para pagar as dívidas contraídas e perdeu-se a liberdade de cunhar moeda. Pedem-se sacrifícios aos portugueses. Felizmente, e desta vez, não se lhes pede que sacrifiquem a vida.
Porque chegámos aqui? As opiniões dividem-se. Fiéis aos princípios que orientam o nosso estatuto redactorial fixemo-nos numa causa. Porque esquecemos a estratégia, o seu método e os seus princípios.
Esqueceu-se a estratégia entendida “como a ciência e a arte de, à luz dos fins de uma organização, estabelecer e hierarquizar objectivos e gerar, estruturar e utilizar recursos, tangíveis e intangíveis, a fim de se atingiram aqueles objectivos, num ambiente admitido como conflitual ou competitivo (ambiente agónico) 1. Estratégia também entendida como ciência e arte na paz ou na guerra, não a limitando à coacção, como a entendem outros autores com rigorosa fundamentação, mas e subordinada à política, a quem compete, em cada momento e de acordo com a filosofia que a informa, estabelecer e hierarquizar objectivos e estruturar e utilizar recursos.
Esqueceu-se o método da estratégia, que tendo como finalidade o interesse nacional, deve formular objectivos a atingir de acordo com o País que somos, tendo em conta as suas potencialidades e vulnerabilidades estratégicas, e nas enquadrantes de ambiente externo e de ambiente interno que em cada momento o condicionam.
Esqueceram-se, também, princípios da estratégia, laboriosa e cuidadosamente formulados através dos tempos, na paz e na guerra, onde queremos sublinhar o da segurança e o da adequação dos meios aos objectivos pretendidos.
Em Portugal proliferam as estratégias sectoriais ou parcelares, com alguma vulgarização do termo e sua apropriação para várias finalidades. Mas não há cultura da Estratégia, desconhece-se o método e esquece-se o seu ponto de partida, que é o País que somos. Essa cultura deu os seus primeiros passos no extinto Instituto de Altos Estudos Militares há algumas dezenas de anos, que depois se prolongou para o Instituto da Defesa Nacional, quando criado, e migrou posteriormente para algumas Universidades onde, a custo, se têm sedimentado estudos da Estratégia. Mas a cultura da Estratégia ainda não atingiu a Política e o Estado, com consequências imediatas na formulação de objectivos, no estabelecimento de prazos, que é o tempo na Estratégia, na dispersão de meios e na falha de consensos e mobilização de vontades para o seu sucesso.
Parece-nos que a crise que atingiu Portugal e os portugueses necessita de uma Estratégia (ou de uma Grande Estratégia, como a entendem alguns académicos) para a superar, começando por não esquecer que as crises, em democracia, se superam com mais democracia.
Estratégia que tem de voltar a pensar o País que somos, no seu espaço, população, recursos, estruturas e capacidades de inventar e fazer, para avaliar capacidades e vulnerabilidades estratégicas, que permita no ambiente externo e interno que o mundo globalizado criou, a formulação de objectivos realistas e exequíveis.
Estratégia que permita adequar recursos a objectivos desejados, sem criar expectativas de ilusão que depois conduzam a frustrações e revoltas, mas que permitam consensos de opiniões diversas, levando à mobilização de vontades.
Estratégia que possa ser prosseguida em segurança, criando e fortalecendo essa segurança, num ambiente hostil de ameaças impensadas e riscos permanentes. Segurança que não pode continuar descuidada como até agora, sem uma definição clara e perceptível por todos, sem órgãos directores e coordenadores, sem informação atempada, com dispersão de recursos e com textos constitucionais desajustados à realidade actual do mundo e da sociedade.
Mais uma vez, como noutros períodos da História de Portugal, a crise terá de ter uma grande estratégia para cuidar do Estado, das finanças e da segurança. Teremos de ser nós portugueses a vencê-la.
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* Presidente da Direcção da Revista Militar.
1 Tenente-general Abel Cabral Couto, 1998.