Desde 1974, e cada vez com maior visibilidade, têm sido publicados textos de investigação e de memória sobre a Guerra Colonial, tanto por iniciativa dos seus autores, como de editoras ou de instituições, públicas ou privadas.
A Guerra tem sido estudada sob vários pontos de vista, que vão desde o ambiente político, nacional e internacional, às questões económicas, sociais e culturais, raramente deixando de salientar a perspectiva militar, nas suas várias componentes. As questões operacionais têm sido privilegiadas, em especial as grandes linhas da política e das doutrinas de emprego das Forças Armadas (quase sempre através de estudos parciais, sobre cada um dos seus Ramos), da manobra militar propriamente dita, da manobra logística e da manobra das populações. São também comuns estudos sobre pessoal e efectivos, sobre organização, estruturas e dispositivos, sobre tácticas e técnicas específicas em ambiente de subversão, sobre armamentos e equipamentos, assim como sobre as unidades em concreto e algumas forças especiais.
Todos estes estudos e memórias têm, sem dúvida, um valor inestimável como testemunho histórico e militar, quer do ponto de vista científico, quer como registo de experiências vividas pelos próprios autores.
Contudo, há assuntos que, por razões nem sempre fáceis de compreender, permanecem quase ignorados, embora todos lhes reconheçam, sem grande esforço, um enorme papel na condução das operações e no complexo sistema de apoios à actividade militar. Um dos exemplos mais incompreensíveis é o silêncio a que têm sido votadas as transmissões militares.
Na verdade, e considerando apenas o Exército, as transmissões devem entender-se em duas grandes componentes, qualquer delas de extrema importância para a condução da guerra e das operações. Por um lado, devemos falar de transmissões permanentes (comunicações estratégicas), entre territórios e entre comandos afastados; por outro, devemos falar de transmissões de campanha (comunicações tácticas), necessárias à boa execução da manobra em ambiente operacional.
Se recuarmos no tempo, até ao início da guerra, constatamos com facilidade que faltava quase tudo. Não havia ligações do Exército com as suas unidades presentes nos teatros de operações, não havia ligações entre as unidades, e não existiam equipamentos que respondessem satisfatoriamente às necessidades operacionais. As forças mobilizadas partiram para os teatros de operações sem uma componente essencial ao cumprimento das suas missões, no fundo sem os meios para o exercício do comando e controlo, aos vários níveis, ou seja, cerceadas de um dos elementos essenciais do combate.
Esta situação obrigou a um tremendo e longo esforço de actualização, para que fossem encontradas as soluções mais adequadas às necessidades de ligação, condicionadas por sua vez pelas características de cada teatro de operações.
No quadro da Guerra Colonial, com a dispersão das unidades e com a generalização dos dispositivos em quadrícula, mais se fez sentir a necessidade dos dois tipos de meios de comunicação - tanto a mais longa distância, para ligar os quartéis e as bases das forças dispersas por imensos territórios, como a distâncias mais curtas, dentro das zonas de acção de cada unidade, no âmbito da sua actividade operacional.
As transmissões, assentes em meios técnicos de alta especificidade, foram sempre desenvolvidas, aperfeiçoadas e suportadas pela Arma de Transmissões do Exército, cujos técnicos e especialistas se encarregaram de dar resposta aos imensos problemas que as características do ambiente operacional e geo-gráfico lhes foram colocando.
Podemos dizer que as transmissões foram, no Quadro da Guerra Colonial, um dos elementos base da actuação das unidades do Exército, não apenas no desempenho operacional, mas também no quadro da oportuna exploração das informações militares.
O esforço feito, que partiu quase do zero, conduziu a uma notável evolução dos equipamentos, dos procedimentos e do conhecimento técnico, operacional e logístico relativos às comunicações a longa distância e às ligações de campanha.
Ciente desta incontestável realidade, a Comissão da História das Transmissões (CHT) decidiu apresentar, para divulgação na Revista Militar, um pequeno texto extraído do conteúdo do livro da sua autoria, As Transmissões Militares - da Guerra Peninsular ao 25 de Abril (edição da Comissão Portuguesa de História Militar), em que se descreve como se iniciaram e desenvolveram as transmissões permanentes e as transmissões de campanha na Índia e nos teatros de operações da Guiné, Angola, Moçambique e Timor.
A Preparação do STM para a Guerra Colonial
O Serviço de Telecomunicações Militares (STM) foi criado em 1951, pelo Decreto 38.568, de 31 de Dezembro, que extinguiu o Serviço Telegráfico Militar instalado no mesmo aquartelamento (actual Regimento de Transmissões). O preâmbulo do decreto esclarecia que se tratava de uma actualização do serviço, cuja regulamentação datava de 1908 e continha disposições que tinham sido abandonadas por inaplicáveis e substituídas por outras, convindo reuni-las num só documento.
O seu director era o comandante do Batalhão de Telegrafistas, que tinha como subdirector um major, como adjuntos três capitães e seis chefes de Secção, capitães ou subalternos (todos de Engenharia) e um chefe de Depósito, do QSGE (Quadro do Serviço Geral do Exército). Dispunha ainda de um gabinete de ensaios, directamente subordinado à direcção, em substituição do gabinete electrotécnico do regulamento de 1908.
A logística era assegurada pelo seu Depósito e Oficinas, cujos radiomontadores e montadores de TPF podiam ser destacados para a reparação local dos equipamentos instalados. A grande novidade consistia em o Director estar tecnicamente na dependência directa do Ministro do Exército, com quem despachava, e administrativamente na dependência da Administração Geral do Exército, o que viria a dar ao STM uma grande agilidade funcional, com frutos alguns anos mais tarde.
No STM verificou-se alguma evolução, tendo sido introduzidos os primeiros teleimpressores na rede permanente em 1956, resultantes da aquisição de 12 equipamentos Siemens T-37 que permitiram, desde logo, estabelecer dois circuitos ponto a ponto ligando o Batalhão de Telegrafistas ao Estado-Maior do Exército e à Estação Rádio da Ajuda e, no ano seguinte, com a aquisição de uma central manual Siemens, estabelecer uma rede de oito postos1. Em 1959 verificou-se uma remodelação da rede radiotelegráfica permanente, passando as estações a ser instaladas nos quartéis. Em 1960 o serviço de som já tinha adquirido uma certa dimensão que lhe permitia apoiar cerimónias de vulto como as Comemorações Henriquinas e a chegada do Presidente Kubisheck de Oliveira.
Com a substituição, em 1958, do ministro da Defesa, Santos Costa, pelo general Botelho Moniz, dá-se a viragem para uma política com prioridade ao Ultramar. Com efeito, a concepção estratégica de Santos Costa dava prioridade à participação de Portugal numa previsível 3ª guerra mundial, a desencadear na Europa, subalternizando o teatro africano. As tropas das colónias deveriam apenas servir para reforçar, com uma Divisão, as tropas metropolitanas. Dentro deste conceito, em 1954, promoveu uma reorganização das tropas coloniais concentrando-as, em cada uma das colónias, em dois ou três locais.
A nova equipa ministerial fez um estudo estratégico do problema, no qual o tenente-coronel Costa Gomes teve um papel importante, e concluiu que havia necessidade de reforçar o dispositivo nos territórios ultramarinos. Contudo, era necessária uma verba da ordem dos cinco milhões de contos, dos quais apenas 900 mil acabaram por ser concedidos.
Em relação às Transmissões foi elaborada, em 1959, uma “Directiva” pelo Estado-Maior, na qual se determinava um estudo dos meios de transmissões necessários às antigas colónias, ao mesmo tempo que se atribuía ao projecto uma verba de 40.000 contos. Daqui resultou um notável e circunstanciado “Relatório” do major Costa Paiva. Nesse relatório, a situação das Transmissões existentes nas Colónias era considerada preocupante, com as redes rádio fixas constituídas à base de postos ingleses P-19 e ZC-1, cuja fraca potência dos emissores conduzia a que as ligações só se pudessem verificar a certas horas do dia, a manutenção ser extremamente demorada, podendo a reparação de uma avaria prolongar-se durante meses, etc. A sua proposta para cada território era justificada tecnicamente e consistia no estabelecimento de redes permanentes em cada um, definindo as localizações, de acordo com os dispositivos previstos, as potências dos equipamentos a utilizar, as quantidades a adquirir, o seu custo, bem como as instalações e o pessoal necessário. Defendia a necessidade de criar em cada colónia uma secção do STM, e a necessidade de o Serviço manter um controlo centralizado, a exemplo do que fazia a Marinha, com sucesso.
O relatório iria também ser a base das aquisições a fazer para o STM e a permitir que a Delegação do STM para Angola, comandada pelo capitão Pinto Correia, aí chegasse em 1960, fazendo com que o STM fosse dos poucos serviços que não foi completamente ultrapassado pelos acontecimentos de 1961.
A ligação entre Lisboa, Angola, Moçambique e Guiné só viria a ser estabelecida uns anos depois, já em plena Guerra Colonial e levaria à construção, a partir de 1961, de um sistema de transmissões em HF que compreendia o Centro Nacional de Transmissões (CNT), no Batalhão de Telegrafistas, o Centro Emissor Ultramarino (CEU), na Encarnação e o Centro Receptor, no Campo de Tiro de Alcochete. Foi o tempo dos grandes campos de antenas rômbicas, para propagação por onda reflectida na ionosfera, utilizando equipamentos de elevada potência. Este tipo de propagação exigia um estudo criterioso de frequências de trabalho, diferentes de dia e de noite. A ligação entre Lisboa e Alcochete fazia-se por feixes hertzianos e era afectada pela influência das marés, que alteravam o índice de refracção na zona de propagação.
Figuras 1 e 2 - Emissores Marconi do Centro Emissor Ultramarino (CEU).
Através do CNT, dotado de terminais radiotelefónicos HW-23, escoava-se não só o tráfego oficial, mas também as ligações particulares dos familiares de militares na guerra, que chegavam a todos os sítios onde houvesse meios do STM. Esta ligação intercontinental representou, assim, um papel fundamental na Guerra Colonial.
Alcançar estes resultados obrigou o STM a um esforço considerável que se iria prolongar durante a Guerra Colonial. Foi uma das mudanças mais significativas que se verificaram nas transmissões militares permanentes. O grande impulsionador desta obra altamente meritória foi o tenente-coronel Eng.º Mário Leitão, mas é justo destacar também a excepcional relevância da contribuição e competência do seu dedicado adjunto, capitão Eng.º Silva Ramos.
A Preparação das Transmissões de Campanha
Contrariamente ao que se passou nas transmissões permanentes, nas transmissões de campanha não parece ter havido qualquer esforço visível de preparação para a Guerra Colonial.
O único documento conhecido, a este respeito, é o já referido “Relatório” da visita às antigas colónias2, elaborado, em 1959, pelo major Costa Paiva, então subdirector do STM, e que deu lugar à expansão que o STM veio a ter.
Nesse relatório também é abordado o problema das transmissões de campanha na guerra subversiva, propondo soluções à Inspecção das Tropas de Transmissões (ITT), baseadas no critério de admitir que as ligações companhia-pelotão necessitam de equipamentos com alcance até 10 km e as ligações batalhão-companhia, da ordem dos 100 km, que em Angola, pelo menos, viriam a revelar-se francamente insuficientes. Propunha a utilização de AN/PRC-10 e de AN/GRC-9 para aquelas ligações, respectivamente, pondo de lado completamente a utilização dos P-19, P-21 e ZC-1.
No entanto, em 1961, quando se iniciou o conflito em Angola, nada parecia estar preparado. A solução encontrada foi fazer um enorme esforço de recuperação dos P-19, P-21 e ZC-1 para os enviar rapidamente, mas que, como seria de prever, para nada serviram, tendo na altura valido a compra recente por Angola de 160 equipamentos emissores-receptores (E/R) AN/GRC-9.
Aparentemente, a ITT falhou a preparação das transmissões de campanha para a Guerra Colonial, não tendo conseguido adquirir atempadamente os equipamentos rádio, como aconteceu no caso das transmissões permanentes. Pensa-se que a ITT não tinha efectivamente possibilidades de o fazer, o que se procurará justificar mais adiante.
Guerra Colonial - Introdução
O conflito a que chamamos Guerra Colonial ocorreu no período de 1961 a 1974/75 nos territórios de Angola, Guiné e Moçambique, então administrados por Portugal. Estiveram em confronto as forças armadas portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação das três colónias.
Os movimentos de libertação assentavam a sua acção no direito dos povos à autodeterminação e independência, e Portugal defendia o direito histórico à posse dos territórios, proclamando que Portugal era um espaço interterritorial e multirracial. Enquanto os movimentos de libertação assumiam as novas circunstâncias do movimento descolonizador resultante da II Guerra Mundial. Portugal defendia uma teoria fora do tempo histórico, e isolava-se lenta mas inexoravelmente da comunidade internacional.
Verdadeiramente, os problemas começaram no Estado Português da Índia, primeiro com a invasão pacífica dos satyagrahis3 e a anexação dos enclaves de Dadrá e Nagar Aveli, ainda na década de 50. A partir de 1960, a hipótese de invasão convencional indiana dos territórios portugueses começou a tornar-se mais consistente, e acabou por se verificar, em 18 de Dezembro de 1961, com os resultados conhecidos.
No mesmo ano, em Março, a guerra iniciara-se em Angola, e nos anos seguintes estendeu-se à Guiné (1963) e a Moçambique (1964), embora em moldes muito diferentes do caso da Índia.
O novo tipo de guerra tinha características e objectivos completamente distintos da forma clássica de fazer a guerra, praticada na II Guerra Mundial. O processo de adaptação que se desencadeou deu lugar a profundas modificações na doutrina, na organização, dispositivo, instrução, treino e logística do Exército.
Os militares tiveram que se adaptar, em África, a um novo tipo de guerra, de longa duração e que se previa, nas suas fases iniciais, ter muito menor intensidade do que na guerra clássica.
A guerra subversiva consistia num conflito em que cada um dos contendores procurava atingir um objectivo imaterial - a conquista das populações. Daqui resultava a ideia essencial não só de que a guerra não podia ser ganha apenas com meios militares, mas também que estes não eram o elemento essencial do conflito4.
Este novo conceito levava à necessidade de uma estreita cooperação entre autoridades civis e militares, que conduzia à criação de desenvolvidas estruturas de contra-subversão (organismos de coordenação militar e civil) e a procurar a participação das próprias populações na guerra. Por outro lado, envolvia os militares no desempenho de missões de acção psicológica e apoio às populações, em complemento das tarefas das autoridades civis (onde as havia), muito para além do que se fazia numa guerra do tipo clássico.
De uma forma geral a guerra travou-se, de início, numa situação de grande superioridade de meios militares da parte portuguesa, superioridade que se foi atenuando ao longo da guerra, mais nitidamente na Guiné.
Desde o início, e considerando a fraca malha administrativa dos territórios, as forças militares foram obrigadas a adoptar um dispositivo disperso à base de Companhias, que se articulavam em grupos de combate de efectivos da ordem dos 30 homens. Era a designada missão de quadrícula, fundamentalmente destinada à protecção das populações. Foi uma opção tomada localmente que, ao orientar as forças militares para tarefas de índole marcadamente administrativa, lhes retirou, a maior parte das vezes, capacidade para cumprir missões de natureza operacional e de combate. Para obviar a estes inconvenientes, foram constituídas forças especiais de vários tipos, que se destinavam à missão de intervenção de carácter mais ofensivo e de confrontação directa, procurando explorar com eficácia as informações sobre a localização e a acção dos guerrilheiros.
A guerrilha procurou ter a iniciativa, evitando a confrontação directa e realizando acções de emboscadas, flagelações e uso de minas e armadilhas.
Da parte das forças portuguesas, o emprego de elementos do recrutamento local foi crescendo progressivamente em cada um dos territórios, chegando a ultrapassar os 50% do efectivo total em Moçambique.
O esforço de guerra manteve-se durante o longo período de 13 anos, sendo para ela canalizados recursos humanos, materiais e financeiros, até ao limite das capacidades do país.
O número de baixas, embora relativamente reduzido, em comparação com casos semelhantes de guerras do mesmo tipo, atingiu cerca de 9.000 mortos, o que constituiu um dos factores de maior impacto na sociedade portuguesa e de mudança de atitude em relação ao apoio que a população portuguesa concedeu aos governantes no início do conflito.
Contudo, o factor decisivo que levou ao fim do conflito resultou fundamentalmente de o esforço de guerra recair fortemente sobre as baixas e médias patentes do Exército que, mais que quaisquer outras, foram sentindo a inutilidade do esforço que lhes estava a ser exigido. Tal facto foi decisivo para o nascimento do Movimento dos Capitães que conduziu ao golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 e, depois, para o envolvimento dos militares na Revolução Portuguesa.
No quadro da guerra colonial, as Transmissões eram essenciais no aspecto logístico, operacional e também no que se refere à necessidade de exploração oportuna das informações. Daí que as Transmissões sofressem um desenvolvimento muito grande em qualquer dos teatros de operações africanos.
O mesmo não se passou na Índia, não só porque o período de conflito agudo foi muito rápido, mas também porque não houve necessidade de conduzir quaisquer acções militares de forma continuada.
As Transmissões Militares na Índia
No que respeita ao papel das transmissões militares na Índia, pode dizer-se que, antes de 1950, as ligações rádio, no interior do território, eram efectuadas com estações BTR-6 operadas por pessoal cedido por Moçambique, aí presente em comissão de quatro anos, dois dos quais destinados à Índia.
Em 1951 foram enviadas as primeiras tropas de Transmissões, um pelotão comandado por um tenente miliciano, e a partir de 1954, o comandante da Companhia de Engenharia, que integrava a guarnição normal, acumulava com o comando do pelotão de Transmissões.
Em 1955/56 foi criado o Destacamento de Engenharia da Índia (DEI), que incluía uma Companhia de Engenharia e outra de Transmissões, ao qual foi conferido, em 1958, o uso de Bandeira Nacional.
Inicialmente, o DEI esteve sediado em Pangim e mais tarde em Pondá. O comandante era major de Engenharia e acumulava o comando com a chefia do Serviço de Transmissões do Quartel-General. O comandante da Companhia de Transmissões era o adjunto da Chefia.
A Companhia de Transmissões do DEI era constituída por um comando e três pelotões (TPF, TSF e Manutenção e Oficinas).
O Pelotão de TPF tinha a seu cargo as redes telefónicas estabelecidas, que em 1961 eram fundamentalmente as redes da cidade de Pangim, de Pondá e das unidades da península de Mormugão, sendo as redes de Pangim e Pondá ligadas por linhas civis. A rede telefónica funcionava com material de campanha. O serviço não tinha, nem podia ter, a qualidade desejável, mas ia funcionando.
O Pelotão de TSF tinha a seu cargo as redes rádio fixas, visto que não chegou a ser montada na Índia nenhuma delegação do STM. As redes fixas eram guarnecidas com material de campanha (sobretudo ZC-1), incluíam a ligação aos principais comandos e unidades destacadas e ligações às redes da Polícia e Guarda-Fiscal. O serviço trabalhava em grafia sendo o pessoal (sargentos e praças) francamente bom. Era a jóia da coroa das Transmissões na Índia.
O Pelotão de Manutenção e Oficinas compreendia o reabastecimento, com as secções de material e de sobressalentes, e as oficinas, que tinham três equipas de reparação de material rádio, uma equipa de bobinagem e uma equipa de reparação de material de TPF. Tal como os outros, este Pelotão tinha sargentos de excelente qualidade.
O Relatório da visita do subsecretário de Estado do Exército de 1960 aponta como o único problema das Transmissões, a falta de vibradores de alimentação para o ZC-1, o que estava em vias de resolução. Como não havia manobras nem exercícios, para não alarmar a população, e mesmo quando os indícios da invasão eram claros (a partir de Agosto de 1961) a insuficiência do sistema de transmissões não se tornava evidente.
As transmissões de campanha compreendiam uma rede de comando guarnecida com os melhores postos existentes no Exército à época (SCR-193), montados em viaturas, e as transmissões das próprias unidades. O sistema de transmissões de campanha era baseado em comunicações rádio nas quais o ZC-1 era o posto essencial, bem como o P-19 para os Esquadrões de Reconhecimento, por permitirem a intercomunicação nas auto-metralhadoras, o que o AN/GRC-9 não fazia.
Em resumo, em Maio de 1961, havia na Índia umas transmissões integradas numa unidade - o DEI - altamente prestigiada, para o que contribuía o sistema de transmissões “que não dava grandes problemas” porque estes iam sendo resolvidos de forma não comprometedora, dado o relativamente reduzido tráfego.
Esta situação de relativa aceitação das transmissões, tal como existiam, foi alterada por iniciativa do então chefe do serviço de Transmissões, capitão Pedroso de Lima, que em Junho de 1961 apresentou um relatório em que concluía que o sistema existente, que até satisfazia em situação normal, seria completamente ineficaz em caso de conflito. A razão fundamental tinha a ver com o posto base do sistema de transmissões de campanha, o ZC-1 que, quando montado em viatura, não funcionava. Não haveria assim ligação logo que as unidades saíssem dos seus aquartelamentos, onde as transmissões fixas, com os mesmos equipamentos, com antenas horizontais bem orientadas e com pessoal bem treinado, chegavam para assegurar o serviço. Além do mais, a manobra prevista perante um ataque indiano era uma acção retardadora, bastante exigente no aspecto de transmissões. A proposta apresentada foi a da substituição dos ZC-1 por AN/GRC-9, sendo 160 o total necessário, acrescidos de mais 20 P-21 para os esquadrões de Cavalaria.
Esta proposta foi aceite pelo Comando, passando a ser insistente o pedido de AN/GRC-9 para a Índia, todavia sem qualquer efeito. Este empenhamento do Comando Militar no problema das transmissões levou a que, meses antes da invasão, fossem adquiridos com verbas do Comando Militar, postos receptores transistorizados no mercado civil, para permitir a escuta permanente na rede fixa, que os receptores do ZC-1 não suportavam.
As transmissões, durante a invasão, foram praticamente inexistentes, como se previa.
A experiência dos campos de prisioneiros foi única para todo o período da Guerra Colonial. Estendeu-se por cinco meses, nos campos de Pondá e Alparqueiros, onde os 4.600 portugueses (militares e civis) e as autoridades indianas aguardaram que Salazar decidisse o seu regresso. Durante o período de cativeiro veio ao de cima a coesão do pessoal do DEI, que muito ajudou a suportar as situações mais delicadas.
Em síntese, o caso da Índia difere dos outros teatros nos seguintes aspectos essenciais:
- Não se enfrentou na Índia verdadeiramente uma guerra subversiva, salvo o caso do período de 1955/56 (satyagrahis);
- Na Índia não existiu qualquer movimento de libertação;
- Em 1961 verificou-se a invasão indiana, com uma superioridade esmagadora, sendo a primeira e última vez, depois da I Guerra Mundial, que forças militares portuguesas entraram em confronto com forças armadas de outro país;
- Os sistemas de transmissões permanentes por fios e via rádio utilizavam material de campanha, não existindo delegação do STM;
- A ligação com Portugal era apenas assegurada pela Marinha;
- As Transmissões reconheceram antecipadamente a insuficiência do material existente para apoiar a manobra militar e propuseram a sua substituição;
- O pessoal foi submetido a um período de cativeiro de cinco meses, depois do conflito.
As Transmissões Militares em Angola - Primeira Fase
O desenvolvimento e actuação das Transmissões em Angola podem situar-se dentro do seguinte quadro geral:
- Não existiam, antes de 1960, transmissões militares em Angola, para além das transmissões de campanha orgânicas das unidades, e estas tinham as insuficiências das unidades do Continente que não pertenciam à Divisão NATO.
- Em 1960 foi criada a primeira delegação do STM em Angola que iniciou a montagem das primeiras estações militares da rede permanente.
- Em 1961, depois de Maio, assistiu-se a um período de improvisação inicial, nas operações de recuperação do Norte de Angola, seguido de um progressivo e sistemático desenvolvimento das estruturas de transmissões, tanto permanentes como de campanha, para adaptação aos condicionamentos operacionais.
- Se o desenvolvimento apreciável do sistema de transmissões permanentes decorreu com certa normalidade, nas transmissões de campanha verificou-se uma enorme dificuldade em encontrar um substituto capaz para o AN/GRC-9, o que só se verificou em 1967, com o Racal TR-28.
Figura 3 - Emissor/Receptor de HF AN/GRC-9
Um aspecto essencial, aliás comum em todos os teatros da Guerra Colonial, é que as transmissões de campanha foram exploradas pelas unidades de quadrícula e intervenção. Isto significa que, no seu conjunto, se pode dizer que se “fizeram muito mais transmissões fora da Arma do que dentro da Arma”, embora seja indiscutível a importância do tráfego desenvolvido pelo sistema de transmissões permanentes, STM, exclusivo da Arma.
Em termos de transmissões de campanha, o papel das unidades da Arma de Transmissões resumiu-se à participação em algumas operações de grande envergadura, através de agrupamentos eventuais constituídos para o efeito. O contributo essencial da Arma nas operações militares era sobretudo de carácter logístico e de instrução, e consistia na dotação das unidades com equipamentos adequados e na sua manutenção, para além do apoio prestado com o sistema permanente a seu cargo.
Antes de 1960, nas Transmissões de Angola estava quase tudo por fazer. Não existia qualquer unidade de transmissões. As transmissões existentes resumiam-se às orgânicas das unidades de guarnição, dotadas com equipamentos rádio da II Guerra Mundial, os ZC-1, P-19 e P-215 que, embora sendo idênticos aos usados nas unidades do Continente que não pertenciam à Divisão NATO, eram manifestamente inadequados, em termos operacionais.
Em 1960 deu-se a reorganização do Batalhão de Engenharia (BEng), que passou a ter uma Companhia de TSF. Nesse ano chegou a Angola o primeiro Destacamento do STM, comandado pelo capitão Pinto Correia, na sequência do planeamento elaborado pelo major Costa Paiva, e que tinha como missão iniciar a implantação do sistema de transmissões permanentes6. Ao capitão Pinto Correia foi atribuído o comando da Companhia de TSF, onde se integrou o Destacamento do STM.
Entretanto, surgiram em Angola 160 AN/GRC-9 resultantes de contrapartidas da Alemanha à venda de café. Estes equipamentos foram entregues à Companhia de TSF e aplicados na rede permanente, quer para ligações menos importantes para as quais se não dispunha de material, quer como alternativa em caso de avaria dos equipamentos instalados.
A Companhia de TSF, então comandada pelo capitão Costa Ferreira, montou as ligações em Angola do rally Leopoldville-Luanda, quando já estava em curso a rebelião que viria a provocar a independência da República Democrática do Congo, futuro Zaire.
A situação de grande precariedade das transmissões de campanha prolongou-se em Angola, de 15 de Março até 1 de Maio de 1961, quando começaram a chegar os primeiros grandes contingentes.
O período vivido em Angola até Maio foi dramático, pois acreditava-se que a rebelião poderia alastrar a todo o território, como sucedera no Congo. A guarnição era muito débil e a resposta de Portugal demorava. No Exército o dramatismo não era menor, porque as unidades partiam para o Norte de Angola sem qualquer ligação rádio. A alternativa que as unidades utilizavam, ao longo do percurso, era solicitar nos postos administrativos por onde passavam para, através da sua rede, enviar as mensagens para os respectivos comandos militares. Este procedimento não era seguro pois “acreditava-se que muitas das emboscadas sofridas por tais colunas tinham sido preparadas através dessas informações”7.
A situação acabou por se resolver muito expedita e eficientemente, com muita sorte à mistura, mas graças à acção concertada de dois elementos fundamentais: o capitão Pereira Pinto e o capitão Pinto Correia, com a ajuda preciosa do major Salazar Braga, então chefe da 4ª Repartição do QG/RMA (Quartel General/Região Militar de Angola). Em conjunto, conseguiram criar e pôr a funcionar um Comando das Transmissões, de um dia para o outro. Tudo começou pelo facto de o capitão Pereira Pinto ter sido mobilizado erradamente para um lugar de obras de engenharia, quando devia ter sido para um lugar de transmissões, de acordo com as normas existentes. Quando chegou a Luanda, a 2 de Maio, tomou contacto casual com o problema da falta de comunicações das colunas saídas de Luanda para o Norte e da impossibilidade de o resolver. De ressaltar que este problema só existiu em Angola porque não havia um Comando das Transmissões, o que não viria a acontecer nem em Moçambique nem na Guiné, no início da guerra. Mas, se não havia este Comando, era necessário encontrar algo que o substituísse, o que não demorou a surgir. Com efeito, a conversa na noite da chegada a Luanda impressionou profundamente o capitão Pereira Pinto. Na manhã seguinte tinha a solução: as unidades que saíam de Luanda seriam previamente dotadas com meios rádio capazes (AN/GRC-9) e estabelecidas frequências e indicativos para a ligação às estações de rádio do STM que, com a utilização dos equipamentos do mesmo tipo de que dispunham, passariam a assegurar uma escuta permanente para as frequências estabelecidas para o efeito e a encaminhar as mensagens recebidas. Este esquema de integração do sistema de campanha com o permanente e a utilização dos AN/GRC-9 foi apoiado pelo capitão Pinto Correia. Faltava pôr a ideia em prática. Não demorou porque o major Salazar Braga, então chefe da 4ª Repartição do QG da RMA, e que conhecia o capitão Pereira Pinto da Divisão NATO, quando este o informou que vinha para as Obras, imediatamente decidiu que ele iria para a 4ª Repartição, para resolver o problema das transmissões. Na prática, o capitão Pereira Pinto, no dia seguinte ao da sua chegada, estava no QG, colocado na 4ª Repartição, mas agindo como se fosse o comandante das Transmissões, o que lhe permitiu accionar, com algumas dificuldades, o sistema que idealizara e que passou a ser utilizado8.
Graças a este invulgar conjunto de circunstâncias foi possível que, praticamente no dia seguinte ao da chegada do capitão Pereira Pinto a Luanda, as colunas saíssem para o Norte com as suas ligações asseguradas durante o percurso.
Este sistema viria a ser alterado, meses depois, com a ida a Luanda do major Mário Leitão, por iniciativa do Ministério da Defesa.
Se os sistemas de transmissões de campanha das forças portuguesas não eram muito eficientes, os usados pela UPA eram incipientes, pois utilizavam a radiodifusão dos noticiários da Rádio Brazzaville, que os seus apoiantes recebiam nos seus transístores.
Por iniciativa do Ministério da Defesa chegou a Luanda, em Julho de 1961, uma missão constituída por três oficiais, um do Ministério da Defesa, outro da Força Aérea e o major Mário Leitão, em representação do Exército. Este levava consigo o capitão Freitas Lopes e o sargento-ajudante Barroca da Cunha. Os objectivos desta missão eram: a resolução do problema da ligação terra-ar, a criação de um Comando das Transmissões e o anúncio da entrega de uma importante quantidade de material de transmissões9.
Figura 4 - Emissor-Receptor de VHF AN/PRC-10.
O problema da ligação terra-ar foi resolvido. O major Mário Leitão trazia cerca de 50 equipamentos AN/PRC-10 que permitiam a ligação com eficácia. Juntamente com este vinha imenso material tipo P-19, P-21 e ZC-1 que tinham sido recuperados no DGMTm (Depósito Geral de Material de Transmissões), em Linda-a-Velha. Apesar dos esforços do major Leitão em realçar a qualidade destes equipamentos, nenhuma unidade os aceitava, sobretudo depois de ter usado o AN/GRC-9. O facto marcou o fim do uso de tais equipamentos em Angola, que passaram a ser considerados como obsoletos.
Os efeitos da estadia em Luanda do major Mário Leitão, durante três semanas, resultaram numa proposta de alterações na Secção de Transmissões do QG, que passou a ser constituída pelo alferes miliciano Couto Pires, 2º sargento Vultos e o 1º cabo Florindo e a transferência do capitão Pereira Pinto para o BEng, para comandar uma companhia de transmissões operacional, a criar, equipada com material rádio de qualidade, a adquirir. Esta companhia não se chegou a concretizar e a secção do QG não tinha qualquer viabilidade no QG, voltando o capitão Pereira Pinto às suas anteriores funções.
Até Outubro de 1961 realizaram-se as grandes operações, nomeadamente a operação Viriato, para tomar Nambuangongo, Quipedro, a Serra da Canda e a Pedra Verde, nas quais foi possível garantir a qualidade mínima das transmissões.
A uma estrutura de comando e direcção das transmissões militares extremamente débil - reduzida a dois capitães - mas que correspondeu às necessidades, iria seguir-se um forte empolamento das transmissões, aliás inevitável, em face da chegada constante de novos efectivos.
Evolução da Organização das Transmissões em Angola
Em finais de 1961, já considerada debelada a crise levantada pelos massacres do Norte de Angola, foi criado o Comando das Transmissões, instalado no QG da RMA e o Batalhão de Transmissões 361 (BTm 361), separando as Transmissões da Engenharia.
O BTm 361 era constituído por uma CCS (Companhia de Comando e Serviços), uma Comp Tm (Companhia de Transmissões), feita à custa da companhia de TSF do BEng, e um pelotão de reabastecimento e manutenção (Pel Reab Man) que constituiu a primeira unidade logística de transmissões de Angola, mais tarde transformado em Companhia de Reab/Man. Este batalhão foi considerado de guarnição, pelo que tinha encargos de recruta e de treino (IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional).
O comandante do Batalhão acumulava com o Comando das Transmissões, pelo que era o 2º comandante quem efectivamente comandava o Batalhão.
Em 1970 o BTm 361 foi transformado em Agrupamento de Transmissões (Agr Tm). O comandante das Transmissões passou a acumular com as funções de comandante do Agrupamento, onde se integrava a Delegação do STM. Situação que se iria manter até ao fim da guerra.
As Transmissões Permanentes em Angola
O sistema de transmissões permanentes, a “jóia da coroa” das Transmissões na guerra de Angola, tinha à sua frente um capitão, comandante do Destacamento do STM, situação que se manteve até ao fim da guerra. Embora integrado, como uma companhia, no Agrupamento de Transmissões nº 1 (mais tarde ATmA, Agr Tm de Angola) dependeu sempre, para efeitos técnicos, da Direcção do STM, em Lisboa. As prioridades e necessidades que fossem apresentadas pelo Comando das Transmissões, desde que contrariassem as directivas gerais fixadas, tinham que ser postas a Lisboa10.
Ao longo do tempo o sistema de transmissões permanentes foi evoluindo, crescendo muito e abrangendo todo o território.
Os primeiros Centros de Transmissões instalados foram:
- Luanda (inicialmente um centro emissor e receptor, posteriormente separados)
- Carmona (com um centro emissor e outro receptor)
- Toto
- Ambrizete
- Salazar
- Malange
- S. António do Zaire
- Cabinda
- Ginge
- Chiaca
- Luso (com um centro emissor e outro receptor)
- Henrique de Carvalho
- Serpa Pinto
- Nova Lisboa
- Silva Porto
- Benguela
- Sá da Bandeira.
A decisão estratégica de criar a Zona Militar Leste sob o comando operacional do Comando-Chefe não obrigou a alterações significativas no sistema, que se limitaram à ampliação da Central do Luso. A ligação entre Luanda e o Luso compreendia ligações de radioteletipo, fonia em duplex e circuitos directos entre o Comando da ZIL (Zona de Intervenção Leste) e o Comando-Chefe, em Luanda.
No final da guerra, as ligações existentes encontram-se indicadas na figura anexa e compreendem o seguinte:
- Ligações rádio telefónicas e telegráficas
- Redes rádio em grafia e possibilidades de fonia
- Ligações por cabo hertziano
- Ligações por VHF (em Luanda)
- Rede Telegráfica por Teleimpressor (Luanda)
- Redes Telefónicas em Luanda (automática com traçados enterrados nos troços principais), Luso, Cabinda, Nova Lisboa e Sá da Bandeira.
Figura 5 - Rede rádio de transmissões permanentes em Angola.
A logística do sistema de transmissões permanentes era separada da de campanha e apoiada directamente por Lisboa. O Destacamento do STM tinha uma oficina na sua orgânica e montou, a partir de certa altura, oficinas destacadas no Luso e Cabinda, recorrendo muitas vezes ao apoio das oficinas avançadas de campanha. O sistema apresentou algumas dificuldades com atrasos do reabastecimento vindo de Lisboa, mas que a qualidade do pessoal radiomontador permitiu, muitas vezes, superar.
As Transmissões de Campanha em Angola
Na guerra de Angola competia às Transmissões assegurar o tráfego das redes permanentes, bem como apoiar as operações de certa envergadura, através da constituição de agrupamentos temporários, com pessoal e equipamentos da Comp Tm do Agr Tm. Contudo, o apoio às operações a nível de Sector, Batalhão e Companhia, era uma atribuição dos respectivos comandos. A responsabilidade da Arma de Transmissões nas transmissões de campanha a estes níveis tinha duas vertentes: por um lado, estabelecer normas gerais de procedimentos e de atribuição de frequências e, por outro lado, fornecer e manter os equipamentos orgânicos das unidades.
De uma forma geral, o fornecimento de material adequado para a actividade operacional das unidades não teve problemas de maior, salvo no caso de se encontrar um substituto para o AN/GRC-9, que se tornou no problema mais difícil de resolver.
Com efeito, as soluções adoptadas consistiam na utilização, para distâncias muito curtas, de equipamentos baratos, da banda do cidadão e utilizando pilhas comerciais (ONKIO, SHARP, NATIONAL, que foram distribuídos aos milhares); para a ligação terra-ar os equipamentos PRC-10, e mais tarde o AVF-THC-736 e o AVP-1, que também podiam ser usados em ligações terrestres e cujo alcance podia ser aumentado com o uso de antenas RC-292 e, finalmente, o AN/GRC-9, que era o posto básico para o tipo de operações apeadas, de grupos de combate a distâncias de dezenas de quilómetros das suas bases. Mais tarde, para distâncias maiores, foi utilizado o amplificador QRTA-1, que permitia aumentar a potência de 15 para 75 Watts.
O AN/GRC-9 era transportável em 3 cargas e tinha a vantagem de poder ser alimentado por bateria em montagem no solo, ou em viatura ou, na falta desta, por gerador manual. Além disso, era muito robusto, com sintonia variável, tinha um excelente receptor e grande fiabilidade. Contudo, a utilização do AN/GRC-9 foi sendo posta em causa, em especial porque o transporte do aparelho em 3 cargas punha duros condicionamentos à operacionalidade dos grupos de combate, sobretudo em percursos longos e com duração de vários dias. Desta situação resultou a pressão do Estado-Maior do Exército para a Direcção da Arma de Transmissões (DAT) encontrar uma solução viável para a substituição do AN/GRC-9, o que levou a grandes esforços para a conseguir. Pretendia-se um equipamento leve, igualmente fiável e transportável a dorso, mas por um só homem. O problema era difícil pois não se podia contar com a capacidade nacional para se produzir um rádio inovador e eram reconhecidas as restrições internacionais a que a condenação da política colonial de Portugal conduzira11.
A primeira experiência foi o HF-156, de origem inglesa, que fizera a Guerra do Quénia. Fracassou, porque o equipamento, previsto para ser utilizado a dorso, era pesadíssimo e tinha o seu centro de gravidade muito afastado da vertical dos pés, o que exigia andar-se sempre curvado, tornando-se perigoso saltar de uma viatura com ele às costas. Para além disso, vertia electrólito pondo em causa a integridade dos circuitos.
Seguiram-se as experiências dos equipamentos CHP-1 e DHS-1, que também não tiveram sucesso. Estes dois equipamentos resultaram de a DAT ter apostado na montagem, na Standard Eléctrica, de um rádio cujo protótipo tinha sido desenvolvido pela BCC (British Communications Corporation).
A tentativa foi demasiado arriscada, mas a urgência da resolução do problema torna-a compreensível.
Figura 6 - Emissor-Receptor Racal TR-28.
A solução só seria encontrada em 1968 com a adopção do Racal TR-28, de origem sul-africana, na qual o coronel Mário Leitão teve um papel relevante, bem como o major Silva Ramos, que acompanhou todo o processo de desenvolvimento e de fabrico do equipamento feito pela firma sul-africana.
Em relação a normas, procedimentos, disciplina de exploração e atribuição de frequências, desde o início que o problema teve solução satisfatória, tendo sido muito bem equacionado e resolvido em 1969 pelo capitão Garcia dos Santos, que produziu umas excelentes Normas de Execução Permanente (NEP) e Instruções Temporárias de Transmissões (ITTm)12.
Figura 7 - Emissor-Receptor de HF Racal TR-15.
No que se refere ao fornecimento de equipamentos rádio para redes fixas a cargo dos sectores, batalhões e companhias, foram distribuídos equipamentos excelentes, como o MARCONI H-4000 (de tipo civil) e os RACAL TR-15 e RT-422.
As Transmissões Militares em Moçambique
A evolução das transmissões permanentes em Moçambique não teve grandes diferenças em relação a Angola, acabando por se montar um sistema idêntico que teve a vantagem de ser iniciado alguns anos antes de começarem as acções da guerrilha.
A evolução do débil sistema de transmissões de campanha existente (uma Companhia de Transmissões) só começou a verificar-se em 1968, quatro anos após o início das hostilidades, com a criação do Batalhão de Transmissões nº 2 (BTm 2). Este batalhão veio a permitir o apoio, por exemplo, da “Operação Nó Górdio” e, como unidade de guarnição normal, a desenvolver a instrução para aproveitamento do recrutamento local, essencial para o desenvolvimento da política de contribuição de Moçambique para a guerra.
Para além do desenvolvimento do dispositivo ter sido mais lento em Moçambique, é de assinalar que, contrariamente ao que sucedeu em Angola e na Guiné, o BTm 2 não evoluiu para Agrupamento.
A primeira unidade de Transmissões em Moçambique foi criada em 1959 e era uma Companhia de Transmissões, pertencente a um Batalhão de Engenharia, com sede em Lourenço Marques.
Em 1961 chegou a Lourenço Marques a Delegação do STM para Moçambique, chefiada pelo capitão Pires Afonso. No mesmo ano foi criada no Quartel-General uma secção de apoio ao Comandante das Transmissões13.
Esta situação manteve-se até 1968, ano em que foi criado o BTm 2, comandado pelo tenente-coronel Ivan Serra e Costa que deveria acumular com o Comando das Transmissões. Porém, inicialmente, isso não aconteceu porque como Comandante das Transmissões teve que ir para Nampula, onde já estava situado o Quartel-General avançado e se estava a construir o aquartelamento para o BTm 2. O Batalhão, enquanto não se pôde transferir para Nampula, foi comandado em Lourenço Marques pelo major Pereira Pinto.
Esta unidade era constituída pelo Comando, Companhia de Comando e Serviços, Companhia de Transmissões, Companhia de Reabastecimento e Manutenção de Material de Transmissões e uma Companhia de Instrução. Era uma unidade de guarnição normal e dava instrução de recruta ao pessoal do recrutamento local. Inicialmente, teve a missão de ministrar Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) ao pessoal de transmissões dos batalhões de Infantaria, Cavalaria e Artilharia chegados de Portugal, durante o período de quinze dias em que decorria a viagem de barco entre Lourenço Marques e Nacala, sendo depois os instrutores enviados de avião para as suas unidades.
As Transmissões Permanentes em Moçambique
O sistema instalado no que se refere às transmissões permanentes foi em tudo semelhante ao montado em Angola, com o mesmo tipo de equipamentos e resultados também idênticos.
Inicialmente foram instalados um centro emissor na Machava e um centro receptor no Quartel-General em Lourenço Marques, ligados por feixes hertzianos, permitindo a fonia em full-duplex e rádio teleimpressor.
Com o deslocamento para Nampula do Comando da Região Militar de Moçambique (RMM) e do Comando-Chefe, houve que montar para o respectivo apoio um novo conjunto de centro emissor e de centro receptor, separados. O centro receptor ficou instalado no aquartelamento do BTm 2 em Nampula e o centro emissor a uma certa distância, junto da represa de abastecimento de água à cidade.
O problema da ligação entre os centros emissor e receptor em Nampula revelou-se difícil pois havia que montar um cabo suspenso, auto-suportado numa distância da ordem da dezena de quilómetros, num percurso delicado por atravessar a cidade, a linha férrea e passar por baixo de linhas de alta tensão. Não havia empresa especializada que executasse a montagem do cabo. O capitão Cruz Fernandes teve o mérito de, com o pessoal do Batalhão e alguma ajuda da Engenharia, ter levado a cabo esta missão, o que permitiu a ligação em full-duplex, grafia e teleimpressor entre Nampula e Lourenço Marques, proeza que muito contribuiu para aumentar o prestígio da Arma em Moçambique.
As redes rádio permitiam a cobertura territorial de Moçambique em fonia, grafia e radioteleimpressor.
As redes montadas em 1974 eram as seguintes:
- Lourenço Marques - Beira - Nampula
- Lourenço Marques - Boane - Maxixe - Xefina
- Beira - Vila Pery - Tete
- Nampula - Mocuba - Vila Cabral - Mueda - Mocímboa - Nacapur
- Nampula - Alto Molenque - Nova Freixo - Marrupa.
Existiam redes telefónicas nas cidades de Lourenço Marques, Beira e Nampula, havendo nesta cidade uma central automática de 100 direcções.
Figura 8 - Rede rádio de transmissões permanentes em Moçambique.
O STM montou em Moçambique um sistema de transmissões permanentes de qualidade e fiabilidade idênticas às conseguidas em Angola. A diferença era apenas quantitativa. Em Angola existiam 25 estações, em Moçambique 15.
As Transmissões de Campanha em Moçambique
Contrariamente ao paralelismo da actuação das transmissões permanentes em Angola e Moçambique, as transmissões de campanha em Moçambique tinham diferenças muito significativas em relação a Angola. Em Moçambique puseram-se problemas novos para os quais as transmissões locais souberam dar respostas surpreendentemente eficazes.
Para começar, foi posto o problema do apoio de transmissões ao COFI (Comando Operacional das Forças de Intervenção), na altura da sua criação e em relação ao qual o comandante-chefe exigia ter uma ligação permanente, onde quer que estivesse. Havia que criar um Centro de Transmissões de Campanha para esse efeito. O problema exigiu estudos técnicos complexos e delicados que foram desenvolvidos localmente pelo capitão Cruz Fernandes14.
Com base nesses estudos, o Centro foi montado em Nampula. Funcionava 24 horas por dia, com antenas em tetraedro que lhe permitiam escutar e emitir na banda dos três aos 30 MHz, cobrindo especialmente três direcções: Cabo Delgado, Niassa e Tete, permitindo a ligação ao Comando do COFI, como se pretendia. Uma outra diferença assinalável resultou de na “Operação Nó Górdio” terem sido utilizados os equipamentos CHP-1 com resultados perfeitamente satisfatórios, o que não aconteceu em Angola nem na Guiné. O autor da proeza foi, desta vez, o então major Pereira Pinto, que assumiu o Comando das Transmissões na operação.
O “milagre” resultou fundamentalmente de se ter utilizado outro tipo de alimentação (pilhas comerciais de 1,5 V), depois de experiências efectuadas no BTm215. Outra contribuição para o sucesso das Transmissões e com certo ineditismo foi a utilização de radiomontadores a vistoriar previamente os equipamentos de transmissões de todas as unidades participantes, em táxi aéreo, para garantir o seu funcionamento durante a operação.
De realçar ainda mais duas realizações importantes na base das quais esteve de novo o capitão Cruz Fernandes, apoiado pelo major Garrido Baptista. A primeira, que está ligada a iniciativas do Comando-Chefe na área da acção psicológica, foi a construção de um Centro de TV. A segunda está ligada ao estudo e montagem de equipamentos de guia de rádio para orientação no regresso às bases, através de uma espécie de radiolocalização, tecnicamente referido como “homing”.
As realizações indicadas marcam uma diferença importante nas transmissões de campanha em Moçambique, em relação a qualquer outra colónia.
Em Moçambique, a Arma começava a impor-se pelo nível das suas contribuições técnicas. O major Pereira Pinto distinguiu-se desta vez pela solução encontrada para ressuscitar o CHP-1. Por outro lado, começava a despontar e a afirmar-se a nova geração dos electrotécnicos, na qual se destaca o capitão Cruz Fernandes, pelo particular brilhantismo das suas realizações.
A logística era semelhante à das outras colónias. A única diferença assinalável era que a Companhia de Transmissões da Região Militar de Moçambique, com sede em Nampula, tinha um Pelotão destacado em Lourenço Marques, bem como noutros sectores (Beira e Porto Amélia).
As Transmissões Militares na Guiné
Quando em 1962 o capitão Garcia dos Santos chegou a Bissau para comandar um Destacamento do STM, não havia no Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) nenhum oficial de transmissões. O responsável dos assuntos de transmissões no QG era o capitão Castelo da Silva, de Artilharia, que chefiava a CHERET (Chefia do Reconhecimento das Transmissões).
O capitão Garcia dos Santos passou a chefiar o STM e o capitão Marques Esgalhado, em 1963, veio superintender as transmissões de campanha. A Delegação e o Destacamento do STM eram constituídos por 70 homens, sendo um capitão, seis sargentos e 63 praças. Foram estes os pioneiros das transmissões na Guiné, quando a guerra estalou em 1963.
Não tiveram, porém, tarefa fácil, porque as características do território, pequeno e quase plano, aconselhavam o uso de meios de VHF, que eram mais escassos e em pior estado que os de HF.
O capitão Garcia dos Santos tinha como missão, não só montar as redes de acordo com o plano fixado no trabalho do major Costa Paiva, mas também fazer a ligação a Lisboa e montar redes de feixes e a rede telefónica automática dentro de Bissau.
No âmbito desta vasta missão, e antes de partir para a Guiné, deslocou-se a Cabo Verde acompanhado de dois sargentos, um radiotelegrafista e outro radiomontador (Lopes e Amador) para montarem a ligação com Lisboa através de um emissor-receptor E/R RCA de quatro canais com amplificador de um Kw, com mastros CTH de antena montada em X.
A instalação foi feita no aquartelamento de uma bateria de Artilharia na Ilha do Sal. Logo que regressou a Lisboa seguiu por via aérea a juntar-se ao seu Destacamento, que já partira por via marítima.
No início da guerra, o Destacamento do STM teve de arcar com as missões que deveriam caber a outros órgãos. Mas, em 1967 já existia um Pelotão de Reabastecimento e Manutenção destinado às transmissões de campanha que, com os elementos de apoio logístico para o pessoal, veio a transformar-se em companhia.
Foi ainda criada outra companhia, a Companhia de Transmissões Independente, subordinada ao QG, que se destinou a dar apoio às operações em pessoal e material, incluindo o envio de viaturas de transmissões para os CAOP (Comando de Agrupamento operacional), COP (Comando Operacional) e COT (Comando Operacional Táctico). Esta Companhia de Transmissões tinha, além de um Serviço de Som, também missões de Escuta sobre as quais reportava directamente ao Palácio do Governador, com conhecimento ao Comando-Chefe. Mais tarde, em 1971, foi constituído o Agrupamento de Transmissões (Agr Tm) que englobou esta Companhia, o Pelotão de Reabastecimento e Manutenção e o Comando das Transmissões. A este agrupamento foram atribuídas instalações próprias, com grandes pavilhões ao estilo colonial.
Emprego Táctico e Apoio Logístico das Transmissões na Guiné
As ligações fixas do CTIG passaram para a responsabilidade do Destacamento do STM e, como as localidades onde se situavam as unidades principais e os comandos operacionais tinham já estações do STM, as redes para os servir e encaminhar o seu tráfego eram exclusivamente encargo do STM.
Com o destacamento das viaturas de Transmissões para os comandos operacionais, a Companhia de Transmissões passou a ter intervenção em permanência.
Figura 9 - Ligações rádio na Guiné.
Na Guiné havia uma salutar e útil ligação do pessoal de Tm às operações em curso, assim como interesse pelas condições de instalação e funcionamento das Transmissões das unidades de quadrícula. Esta ligação era importante, quer a estabelecida pelo pessoal de manutenção quer pelo oficial de operações de Transmissões do CmdTm, pois assim se melhoravam práticas e se antecipavam necessidades.
As ligações terra-ar e terra-mar eram asseguradas por um variado leque de materiais e equipamentos, nem sempre tão eficazes como seria desejável.
Também o apoio logístico operacional de material de transmissões era relativamente deficiente, isto apesar de haver, primeiro um pelotão, e depois uma Companhia de Manutenção e Reabastecimento, sempre muito bem guarnecidos de técnicos, e de haver em cada Batalhão um radiomontador com os seus ajudantes de mecânicos. Esta Companhia tinha um Destacamento Avançado em Bafatá que apoiava toda a zona Norte e Nordeste.
A razão fundamental para que assim acontecesse tinha a ver com a existência de uma grande multiplicidade de tipos de equipamentos e de procedências, agravada, depois, com o facto de não haver mercado local devidamente abastecido em peças e sobressalentes. Isto fazia depender a prontidão das reparações dos pedidos que eram feitos para Portugal, onde os tempos de requisição eram muito elevados. É de considerar também a prática da requisição injustificada ou excessiva, para auto-armazenamento.
Actividades importantes desempenhadas pelas Transmissões na Guiné foram também as de apoio de som, que acompanhava sempre as deslocações do general Spínola, e as de Escuta e Guerra Electrónica, conduzidas em 1971/73 pelo capitão José Tavares Coutinho.
Havia também um Centro que funcionava 24 horas por dia com escuta permanente às rádios do Senegal e Guiné-Conakry, com traduções permanentes, escutas às redes do PAIGC também com tradução sempre que necessário e radiolocalização em helicóptero. Foi o único teatro de operações até hoje onde este tipo de acção foi feita pelas Transmissões, com resultados reais. Eram enviados relatórios bi-diários ao Comando-Chefe, com relatos dos noticiários e outros considerados relevantes. Foi dali que foram recebidas as primeiras notícias sobre a operação “Mar Verde”, directamente de Conakry, em 1970.
A Fase Dura da Guerra na Guiné, 1972-74
A guerra na Guiné foi a mais dura dos três teatros de operações. As batalhas hoje conhecidas pelos “Três G”: Guileje, Gadamael e Guidaje, foram exemplos disso.
Neste período, o comandante do Agrupamento de Transmissões (Agr Tm) era o tenente-coronel Mateus da Silva. O Agr Tm tinha uma Companhia TSF, comandada pelo capitão José Tavares Coutinho, depois rendido pelo capitão Daniel Ferreira, e uma Companhia de Reabastecimento e Manutenção de Material de Tm (CRMMTm), comandada pelo capitão Rogério Nair dos Santos. Dava também apoio logístico à Delegação do STM, chefiada pelo capitão António Pinho de Almeida, sendo seu adjunto o tenente Félix, que dependia tecnicamente da Chefia do STM em Lisboa. Esta dualidade de dependências criou frequentemente situações de atrito quando tinha que se exercer acção disciplinar. Os pergaminhos do STM levavam sempre este a perspectivar tecnicamente as infracções disciplinares, chamando a si a respectiva competência.
O tenente Armando Praça, durante o estágio de seis meses em 1973, foi destacado para a região do Cantanhês, no Sul, onde o PAIGC exercia o seu maior esforço. Regista-se que a sua acção foi de grande coragem, pois chegou a repor instalações danificadas pelo fogo, ainda antes de acabar a flagelação, o que lhe valeu um louvor do Comando Militar de Bissau.
Em 1973, substituíram-se os últimos rádios AN/GRC-9 pelos RACAL TR-28, nas redes HF. No entanto, as comunicações tácticas no teatro de operações eram, sobretudo, de VHF, dada a pequenez do território e as curtas distâncias que separavam as Unidades. Em instalações fixas eram usados rádios AN/PRC-10, já muito velhos, e os IRET PRC-239 com antenas RC-292 (com plano de terra) em mastros CTH de cerca de nove metros.
Ligavam-se com estes meios os rádios portáteis AVP-1 e IRET PRC-236. As comunicações de VHF só eram perturbadas pelas árvores de grande porte e pelas matas, já que o território é quase plano (máxima elevação de cerca de 300 metros na região sul) e, naturalmente, pela linha de vista.
Nas Instruções de Aperfeiçoamento Operacional (IAO), a que eram submetidas as unidades antes de irem para o seu destino, normalmente realizadas no Campo Militar do Cumeré (a cerca de 50 km de Bissau), eram dadas indicações práticas de uso dos meios e também soluções expeditas como a de se aproveitarem as construções das formigas baga-baga (com alguns metros de altura) para melhorar as comunicações com a base. O E/R AVP-1 não era operado por especialistas de transmissões e era necessário explicar que, em caso de ligação com os meios aéreos (terra-ar), não se devia apontar a antena ao aéreo mas sim colocá-la a 90 graus, tão frequente era este erro de uso.
Figura 10 - Emissor-receptor em VHF AVP-1.
A pergunta mais frequente dos quadros que já tinham estado em Angola ou Moçambique era porque é que os Racal, que tão bem respondiam nestes territórios, não tinham grande aplicação na Guiné. Efectivamente, a Guiné, pela sua pequenez não se ajustava à filosofia de propagação em HF. A onda de solo amortecia rapidamente devido à floresta, que sempre se colocava em qualquer direcção e, vencida a zona de silêncio, estava-se já perante distâncias superiores a 100 km só ultrapassáveis com onda reflectida na ionosfera, apenas usada nas comunicações entre escalões superiores a Companhias, ou seja CAOP’s ou COP’s ou destes com o Comando-Chefe em Bissau, ou seja, em ligações de carácter estratégico e não táctico que era o terreno da guerra.
Naquela zona do globo o forte ruído atmosférico provocava um acentuado “fading” (atenuação) na propagação ionosférica e, por último, mas não o menos importante, a fronteira estava logo ali, eventualmente com as respectivas escutas de comunicações deste tipo. Sabia-se já, aliás, que o PAIGC possuía rádios russos de HF (P-104M), semelhantes aos AN/GRC-9. Há um exemplar destes no Museu das Transmissões, capturado em 1968.
Um dos problemas que se colocava aos operadores de transmissões era a ocupação de uma mão para o uso do AVP-1 que, não só impedia o manejo de uma arma, mas também dificultava a reacção individual a qualquer acção de fogo. A CRMMTm fabricou vários micro-altifalantes que aligeiravam o problema. A sua resolução só viria a ser ultrapassada com a introdução no campo de batalha de um rádio civil de origem sueca, os equipamentos da família STORNO que, em versões de portátil, móvel e base, constituíram a revolução das comunicações tácticas em 1973.
Estes equipamentos permitiram maior liberdade de movimentos e garantiam melhores comunicações. Até as comunicações permanentes os usaram para a transmissão de mensagens codificadas que os operadores liam em alfabeto fonético a uma velocidade que tornava impossível a sua inteligibilidade a um não especialista. Tinham, porém uma dificuldade de operação: o emissor era posto no ar através da própria voz (sistema de “voc” - voice operated control), sendo preciso manter sempre um tom de voz contínuo para evitar que a conversação se interrompesse. Era, no fundo, uma questão de algum treino e atenção. Estes rádios possuíam ainda um sistema de chamada bitonal que facilitava o contacto e melhorava a segurança.
Durante o período da maré-cheia o território ficava alagado em cerca de um terço, conferindo características especiais às comunicações via VHF (E/R AN/VRC-10, AN/PRC-10, AVP-1 e, mais tarde, STORNO) que se tornavam mais fáceis podendo atingir-se distâncias consideráveis.
Por via HF (AN/GRC-9 e RACAL TR-28), as comunicações foram sempre mais difíceis, primeiro pela pequenez do território que não aconselhava esta via e, depois, porque a Guiné era considerada uma zona mundial de alto ruído atmosférico.
Apesar de o apoio de transmissões ser eficaz e o material avariado ser substituído sempre que possível, ou reparado com celeridade, muitas vezes os rádios não funcionavam porque as antenas estavam em péssimas condições, o que mais vantagem trazia para o uso dos STORNO, já que neste caso as antenas eram curtas em helicóide encapsulada.
As comunicações mais críticas no TO (Teatro de Operações) eram, sem dúvida, as de pedido de apoio aéreo (APAR). A rede de APAR de VHF funcionava nas frequências exclusivas de 49,0 e 51,0 MHz. Em combate, as ligações faziam-se entre os AVP-1 e os ARC-44 do aéreo. Esta ligação era dificultada pela não total compatibilidade dos rádios do Exército e da Força Aérea, mas sempre se fazia satisfatoriamente, o que era vital, pois em situações de combate, nomeadamente de emboscadas, o apoio aéreo era prestado em poucos minutos (10 a 20), dadas as curtas distâncias em jogo. Tal “status” garantia às forças em operações que as situações de confronto fossem relativamente curtas, pois os guerrilheiros do PAIGC sabiam que rapidamente ficavam sob fogo aéreo dos aviões T-6 e Fiat G-91 e retiravam, dispersando antecipadamente. Outro apoio vital era o das evacuações por helicópteros (Allouette III) directamente do mato para o Hospital Militar de Bissau (HM-247). Os pedidos de apoio aéreo feitos para a Base Aérea Militar eram em HF, com os AN/GRC-9 e os RACAL TR-28.
As Transmissões em Timor
No pressuposto de que a Indonésia pudesse invadir Timor, foi superiormente decidido, logo em 1961, que o território devia ser guarnecido com meios de transmissões que garantissem comunicações com o exterior e que uma delegação do STM fosse enviada para o território. Mas só a partir de 1965 foi criado em Timor um Comando das Transmissões.
A primeira delegação do STM para o território embarcou no navio “Timor” em Outubro de 1961 e chegou a Timor em Novembro desse ano. Era composta por um oficial, oito sargentos e 36 praças, totalizando 45 homens e correspondendo a um pelotão independente. O oficial era o alferes miliciano de engenharia/transmissões José Manuel Ribeiro dos Santos que dispunha de pouco material.
Consumada a invasão do Estado Português da Índia, em Dezembro de 1961, ficou patente a necessidade de assegurar ligações com o exterior do território a fim de permitir passar informação relativa à situação. Visando este fim, foi enviado para o CTIT (Comando Territorial Independente de Timor) um posto rádio AN/GRC-38, instalado em shelter montado num camião GMC, com atrelado para gerador. Fazia parte dum lote de material fornecido pela NATO, no âmbito da Aliança, e que não deveria sair de Portugal. Dado que não foram definidas superiormente as ligações pretendidas com este equipamento, nem por Lisboa nem pelo CTIT, foram tentadas ligações com a Metrópole - sem êxito - e com Macau, com resultados satisfatórios. No entanto, não se desenvolveram contactos no sentido de estabelecer comunicações periódicas com aquele território.
Em Agosto de 1963 foi enviado um emissor Collins de um kw, próprio para instalação fixa. Foram realizados ensaios com Lisboa, em condições razoáveis de serviço.
No período 1963-1967 foram recebidos vários E/R de um kw, com os respectivos grupos de alimentação, a fim de assegurar ligações autónomas dos Comandos de Sector e outras ligações estratégicas esporádicas com Moçambique e Macau, mas sempre com carácter pouco fiável.
Foram ainda recebidos dois emissores Marconi, HS-31 e HS-113, de potências 3,5 e um kw, visando ligações permanentes directas com Lisboa e Macau. Para albergar estes equipamentos foi construído um Centro Emissor, nos terrenos do Destacamento de Engenharia. O Centro Receptor funcionou sempre no QG junto dos outros órgãos de Transmissões.
No final do período, existia uma ligação rádio permanente do QG em Díli com os Comandos de Sector situados em Bobonaro, Maubisse, Baucau, Laclubar e Lospalos. Devido à descontinuidade física eram ainda asseguradas as ligações do QG com o enclave do Oecussi e a Ilha do Ataúro. Também existiam ligações fiáveis em grafia e fonia com Lisboa e Macau.
Neste período ocorreram os chamados “incidentes do Oecussi”, que vieram pôr à prova a eficiência das transmissões existentes. Deve registar-se o funcionamento razoável das ligações em fonia e grafia entre Díli e Oecussi, ainda que por vezes tivesse sido necessária a utilização, como relé entre ambos, do incontornável AN/GRC-38, localizado na altura em Lospalos.
No período de 1968-70 foi feita a instalação de uma antena rômbica enviada pelo STM (Lisboa), com mastros de 45 metros e que foi projectada pelo capitão Cardoso Figueira. Era uma antena muito bem calculada, com um ângulo de fogo baixíssimo e que veio propiciar um acentuado incremento de qualidade nas ligações em fonia com a Metrópole. Com ela foi possível também estabelecer ligações com Bissau, Luanda e Lourenço Marques, embora sem carácter de continuidade.
Foi também instalada uma antena de quadros em Díli, projectada pelo capitão Alcide de Oliveira, que permitiu excelentes ligações com Lourenço Marques. Foi posteriormente transferida para Bobonaro onde estabelecia, com carácter de rotina, ligação com Macau.
Para coordenar a ligação entre o Comandante de Transmissões e o Delegado do STM, foi decidido mobilizar para o CTIT um oficial de Transmissões do QP que viesse a desempenhar simultaneamente as funções de Comandante das Transmissões e Delegado do STM, o que veio a acontecer com a nomeação do capitão Honrado Gomes.
Dado que a delegação do STM era a única entidade em Timor que conseguia, de forma consistente, manter ligações em fonia com Portugal (nem os CTT providenciavam esse serviço), eram facilitadas conversações telefónicas ao pessoal militar para os seus familiares.
A fim de criar uma alternativa à antena rômbica de emissão foi construída e montada no Centro Emissor uma antena de quadros que provou bem nas ligações com Macau.
O Comando das Transmissões, criado em 1965, foi chefiado por oficiais de outras Armas até 1970. Só em Setembro de 1970 passou a exercer estas funções o capitão Honrado Gomes que encontrou uma estrutura tão eficiente quanto possível, levando em conta a obsolescência do material de campanha existente. Na alçada do Comando das Transmissões existiam nesta altura no QG um Centro de Transmissões, uma oficina de manutenção e um depósito de material. A subunidade que apoiava em termos orgânicos o Comando das Transmissões era de escalão pelotão e integrava-se na CCS/QG.
Com a chegada em 1973 dos E/R TR-28, houve um salto qualitativo muito grande, pois foi possível fazer comunicações móveis em fonia em todo o território. Pela primeira vez conseguiu-se comunicar em fonia com o enclave do Oecussi durante quase todo o dia. Pena foi que este equipamento tivesse chegado em quantidade tão reduzida.
Conclusões
Durante o período da Guerra Colonial, as Transmissões realizaram um conjunto de missões e tarefas de extrema importância para a garantia das ligações estratégicas e tácticas necessárias ao trânsito de informações oportunas entre comandos e à conduta das operações militares nos diferentes territórios.
Tanto o pessoal da Arma de Transmissões como os especialistas dos diversos Comandos e Unidades desempenharam, de forma geral, as suas missões com notável e reconhecido empenho e saber.
Nos territórios em Guerra, Angola, Guiné e Moçambique, foram criados, pelas Transmissões, vastos e importantes sistemas de transmissões permanentes, cuja preparação se iniciou ainda antes da eclosão das operações militares.
Também foram montados sistemas de apoio táctico (transmissões de campanha) que apresentaram sérias dificuldades nos primeiros anos da guerra, enquanto o equipamento base atribuído às unidades de combate não foi o Racal TR-28, em especial em Angola e Moçambique.
No relativo sucesso que teve a Arma de Transmissões na criação de um sistema de transmissões de um nível adequado ao apoio do tráfego de comando logístico e operacional não devemos esquecer que, para além do talento e capacidade revelada pelos principais responsáveis, muito se deveu à qualidade do pessoal que o soube executar. Oficiais, sargentos e praças de manutenção e exploração, assim como os especialistas das Armas foram os grandes obreiros da viragem que ocorreu nos teatros de operações, onde “nas Transmissões quase tudo estava por fazer”.
Passados quase quarenta anos depois do fim da Guerra Colonial, a Arma de Transmissões evoluiu, adquirindo maior consistência técnica e aumentando as suas áreas de actividade, como a segurança das transmissões, a informática e a guerra da informação. Reforçou, desta forma, a importância que sempre teve na operacionalidade do Exército.
1 Guilherme Bastos Moreira, Notas sobre as Transmissões Militares em Portugal. Lisboa: Regimento de Transmissões, 1980, 2º Vol., p. 9.
2 O Relatório encontra-se no arquivo da Comissão de História das Transmissões, depositado no Regimento de Transmissões.
3 Movimentos de desobediência civil passiva, que reivindicavam a anexação da Índia Portuguesa à União Indiana.
4 Ver O Exército na Guerra Subversiva, publicação em cinco volumes editada pelo Estado-Maior do Exército, em 1963.
5 António Avelino Pereira Pinto, Novos Contributos para a Elaboração da História das Transmissões Militares em Portugal. Memórias e Testemunhos. 2005, p. 16.
6 Bastos Moreira, Idem, p. 86.
7 António Avelino Pereira Pinto, Idem, p. 19.
8 António Avelino Pereira Pinto, Idem, p. 18.
9 Nota do MDN nº 2264 Pº 2771 de 10 de Maio de 1961 (Arquivo da Comissão da História das Transmissões, Cx. 306/015).
10 António Avelino Pereira Pinto, Proposta para a orientação do texto sobre as Transmissões no período das Guerras Coloniais, p. 34 (Arquivo da CHT).
11 António Avelino Pereira Pinto, Novos Contributos (…), p. 14.
12 Idem, Proposta (…), p. 15.
13 Guilherme Bastos Moreira, Notas (…), 2º vol., p. 91.
14 António Avelino Pereira Pinto, Proposta (…), p.20.
15 Idem, Novos Contributos (…), p. 25.