Nº 2513/2514 - Junho/Julho de 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Tempo Tríbio Português
Coronel
Carlos Manuel Pona Pinto Carreira
Introdução
 
Sobre Portugal e o Império
 
Consideramos que para falar de determinados assuntos, como o do abrilista fim anunciado do Império Português, é necessário, algum distanciamento, ou alguma distância histórica, havendo autores que consideram essa distância, a de três gerações.
 
Conscientes de que a ciência não é neutra, ao traduzir sempre a forma como o investigador encara e resolve os desafios da vida e do mundo, verificamos que a análise do pós­-25 de Abril, no que toca ao Império Português, é directamente enviesada por aquelas premissas, ao conter elementos mutuamente exclusivos, como o oximoro saudade e negação, como elementos complementares, saudosismo sebastianista e negação e embaraço, propalados pelas ideologias do ressentimento instaladas, uma vez que muitos dos interventores no processo ainda estão vivos, e em lugares públicos do arco político da governação, o que na perspectiva marxiana (Aron, 2004, p. 20), se traduz no facto de o pensamento dominante ser o da classe dominante, ou seja o pensamento de quem detém o poder.
 
Assim, na nossa análise do entendimento sobre Portugal e o Império, que se sucedeu ao Governo da Constituição de 1933, não é a contabilidade das culpas que está em jogo, mas sim a maneira portuguesa de estar no mundo tão querida ao Professor Adriano Moreira (2008, passim), posto em causa por alguns sectores da vida nacional pejados de Peres de Travas, Condes Andeiros e Miguéis de Vasconcelos, que optam pela “união ibérica” e quejandos, em vez de por D. Sebastião (1554­-1578), obnubilando o portucalense e lusitano, bem merecido, descanso de D. Afonso Henriques (1109­-1185).
 
 
O Objecto de Estudo e a Problemática em Análise
 
Portugal e os seus quase 900 anos de história constituem um tema que consideramos fascinante em vários sentidos e perspectivas, consubstanciando a nossa História­-pátria a epopeia de um povo cuja alma transcende em muito o seu território, desde a sua formação, passando pelos descobrimentos, à diáspora, que tão bem caracterizam a raça lusitana e o mundo que o português criou.
A questão do Império, seja ele o Primeiro ou o Quinto, tão próxima a Luís de Camões (1524-1580), ao Padre António Vieira (1608­-1697), a Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) e a Agostinho da Silva (1906­-1994), traz à colação a esperança tão necessária ao projecto comum de um povo na sua hipostática procura do transcendente situado.
 
Neste sentido, Portugal e o Império constituem na nossa perspectiva um binómio inultrapassável na ontologia portuguesa.
 
Definido o nosso objecto de estudo, problematizamos agora a questão de se saber se o Império está amordaçado e enterrado num Leito de Procustes, que determinará o fim da nossa independência a prazo e quiçá até a nossa involução para Estado Exíguo (Moreira, 1999, pp. 294­-295) ou se haverá um Fio de Ariadne que nos salve, impedindo que se concretize a afirmação do Bispo de Silves, em 1580, “que não viu ao presente mais remédio” (apud Moreira, 2008, p. 145), numa conjuntura em que os problemas têm surgido a um ritmo temporal acelerado e as soluções a um ritmo temporal demorado.
 
Trata­-se, diz Victor Marques dos Santos, “da percepção do facto de que a aceleração do tempo não é apenas um efeito técnico. A consciência social colectiva sobre essa aceleração significa que as sociedades ainda não encontraram enquadramentos epistemológicos de apropriação e integração dos novos ritmos temporais. O efeito desta incapacidade é a sobrevalorização do presente, a exigência e a aparente pertinência absoluta do imediato, frequentemente traduzida no sofrimento do quotidiano, pela ausência de referências potenciadoras do desenvolvimento de uma esperança, da elaboração de uma dimensionalidade vivencial de projecto, de finalidade, de futuro” (2002, p. 132).
 
Desde a descolonização ou abandono das nossas Províncias Ultramarinas diferentes posturas têm dado à costa nestes 35 anos, umas, motivadas pelo “desconhecimento do Ultramar”, como diz Adriano Moreira (2008, p. 147 e p. 183), e outras pela vivência directa ou indirecta do desastre. Mas as coisas tem evoluído, e do não queremos ouvir falar de África já vamos no houve quem tivesse ficado
 
A nossa problemática coloca­-se ao nível da reflexão sobre o futuro de Portugal que consideramos lusíada e lusófono, longe dos fantasmas abrilistas, com orgulho na nossa história, sem viver do passado, mas com consciência de que o espaço metropolitano, tal como outrora, é pequeno demais para a alma que tem, cujos filhos não envergonham quando chamados a realizações além­-mar.
 
 
Metodologia e Parâmetros Epistemológicos de Análise
 
Este estudo pretende fazer jus ao legado metodológico do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, cuja essência é marcada pela interdisciplinaridade “(…) procurando assegurar uma formação consistente a partir da convergência de especialistas com formações perfeitamente diferenciadas, tal como historiadores, sociólogos, economistas, geógrafos, estrategas, juristas, filósofos e politólogos” (Moreira, 1999, p. 20).
De acordo com António de Sousa Lara, “[e]sta convergência de enquadramentos parece ser, em si mesma, uma metodologia, que, por sua vez determina, se não uma síntese de métodos das diversas ciências referidas, alguns deles já tão próximos de si, pelo menos um ajustamento, de tipo simbiótico, de todo este instrumental” (1987, p. 16).
 
Destarte, subscrevemos a afirmação de Victor Marques dos Santos “[e]m Relações Internacionais, as próprias características do objecto determinam que o seu estudo se desenvolva com base numa complexidade analítica interdisciplinar própria e num método essencialmente transdisciplinar” (2007, p. 97).
 
Não querendo fazer juízos valorativos sobre as metodologias qualitativas e quantitativas, na linha de Carlos Diogo Moreira (1994, p. 93), “decidimos adoptar a metodologia qualitativa e a perspectiva teórica para tratar a nossa questão de fundo, de forma a obter um sistema conceptual coerente e apropriado, suscitando os problemas nocionais e metodológicos que eventualmente tenham sido encontrados em investigações anteriores” (Carreira, 2007, p. 13).
 
A nossa escolha é reforçada por Adriano Moreira quando afirma que “(…) no sentido de esclarecer o equívoco estatístico do behaviorismo, ao invocar a necessidade de distinguir as perspectivas filosóficas, históricas e jurídicas que se debruçaram sobre as relações internacionais, das relações internacionais como ciência social, tributária de um pluralismo metodológico não absorvido pelas técnicas estatísticas e quantitativas. Esta pretensão reduzia­-se afinal a compatibilizar o método comparativo histórico clássico e o método estatístico, sem excluir nenhum, porque finalmente é o objecto que determina o método” (1999, p. 41).
 
O método utilizado será “[o] método hipotético­-dedutivo, que constrói conceitos sistémicos, hipóteses deduzidas e um modelo teórico no verdadeiro sentido do termo. Modelo que, para Pierre Bourdieu (1930­-2002), é o único que, por efeito da construção, possui um poder explicativo” (Quivy e Van Campenhoudt, 2003, pp. 138­-139).
 
 
Organização do Trabalho e Bibliografia
 
O artigo está dividido em três partes em que será feita a exposição do nosso raciocínio. Na primeira, abordamos o(s) conceito(s) de Império e propomos o conceito de Império da Cultura Portuguesa, na segunda, fazemos uma análise da génese do Império português e na terceira, reflectimos sobre o Império do futuro, de forma a podermos tirar algumas conclusões acerca do tempo tríbio português.
 
Recorremos basicamente, a bibliografia temática, procurando ser subsidiários de autores consagrados com o intuito de através da interpretação e reflexão da e sobre a sua produção, para além do prazer daí retirado, tentarmos construir uma estrutura epistemológica e racional que nos permita, de uma forma abalizada, teorizar sobre o tema em epígrafe, teorização que constitui um esquisso de uma investigação mais aprofundada intitulada Portugal e o Império. O legado ontológico, epistemológico, e metodológico do ISCSP e a ideologia que lhe é subliminar.
 
 
O Conceito de Império
 
Chegados a este ponto, urge agora tentar definir o conceito de Império, sendo necessária ab initio alguma prevenção semântica sobre o próprio termo conceito em si mesmo.
 
Victor Marques dos Santos reflecte sobre o significado de Pré­-Noção, Noção e Conceito na sua Introdução à Teoria das Relações Internacionais onde analisa abordagens ao tema de Georges Thinès, Agnès Lempereur, Adriano Moreira, Adelino Maltez, e dele próprio, resumindo a sua sincrética teorização da seguinte forma: “poderemos considerar, em primeiro lugar, que os conceitos podem ser caracterizados quanto à sua função, aplicada em termos do grau de complexidade da realidade a que se referem, classificando­-os em conceitos nominais, valorativos e operacionais. Em segundo lugar, e em relação a estes últimos, deve acentuar­-se o carácter eminentemente instrumental e utilitário, que preside à fixação do conteúdo operatório, bem como a inerente contextualização teórica, metodológica e casuística da perspectiva subjacente ao processo de operacionalização. Em terceiro lugar, o conteúdo operacional caracteriza­-se pela definição descritiva e interactiva dos elementos funcionais envolvidos e decorrentes do contexto epistemológico, metodológico e analítico, sendo acentuados os limites conceptuais de operacionalidade e de aplicação. Finalmente verifica­-se que a fixação do conteúdo operacional se situa sempre entre dois tipos de limitação: por um lado, as exigências instrumentais da respectiva utilização num contexto teórico­-analítico determinado e, por outro lado, os elementos comuns aos conteúdos generalizados do mesmo conceito no âmbito mais vasto das ciências sociais. Neste sentido, a conceptualização operacional torna­-se evolutiva e a dinâmica operatória exige um processo de aferição permanente entre significante e significado, perante a evolução da realidade contextualizante do processo teórico­-analítico” (2007, pp. 128­-129).
 
Feita a prevenção semântica podemos começar por afirmar que o conceito de Império é um conceito polissémico, podendo­-se dizer que um Império, do latim imperium, é um Estado constituído por extensos territórios etnicamente e/ou culturalmente diversos, dominado por um imperador; ou que um Império é um poder hegemónico em certa área de influência; ou que é o conjunto dos territórios que é regido por um Estado imperial; e, por extensão, Império pode também significar a etapa histórica em que um país assumiu uma dada política imperial ou, ainda, denominar uma potência que exerça uma forte influência política, económica e cultural.
 
Luís Filipe Silvério Lima tece algumas considerações sobre o conceito de Império que consideramos de relevo: “(…) [n]o Brasil, e em Portugal, esse debate tem ganhado força em torno da polémica entre a proposição de um Antigo Regime nos Trópicos e as propostas de atualização e sobrevida do Antigo Sistema Colonial. A partir desse debate, o entendimento do espaço colonial e ultramarino como um Império tem sido rediscutido, em particular, em torno da linha dada por Charles Ralph Boxer (1904­-2000) n’O Império marítimo português. (…) Para o mundo português, porém, são poucos os estudos que fazem uma história da idéia ou do conceito de império”.
“Os trabalhos de Luís Filipe Thomaz [‘L’Idée Impériale Manuéline’], além de realizarem uma descrição do funcionamento do Estado da Índia no século XVI, a partir de um império polimórfico e estabelecido pelas relações entre as praças e portos no Oriente, discutem as ideias imperiais que sustentaram essa estrutura, em especial no período manuelino. Em diálogo com a obra de Thomaz, António Saldanha estudou os argumentos jurídicos que tendo por base o Direito das Gentes, fundamentavam o Iustum Imperium Asiático dos portugueses [Iustum Imperium. Dos Tratados como Fundamento do Império dos Portugueses no Oriente. Estudo de História do Direito Internacional e do Direito Português]. Em paralelo a esse trabalho, sua tese de doutorado, apresenta um estudo sobre a ideia de império no pensamento do Padre Antônio Vieira, na qual recompõe as discussões jurídicas sobre monarquia universal para compreender o projeto do Quinto Império do jesuíta [Da ideia de Império na obra do Padre António Vieira]. O trabalho desses autores, bem como trabalhos sobre outros Impérios, coloniais ou não, apontam alguns grupos de questões que mereceriam ser enfrentadas, num espectro mais amplo, ao se pensar o que chamamos de Império Português” (2006, pp. 1­-3).
 
Escreve Luís Lima, “a rigor, trata­-se de um Império que não podia se intitular como império, como notam Thomaz, Saldanha e Hespanha [‘Estruturas político administrativas do império Português’; ‘A Constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes’; O Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI­-XVIII); ‘Porque é que foi portuguesa a expansão portuguesa?’], pois esta denominação era restrita ao Sacro Império. Ou ainda, já tendo em vista os domínios ultramarinos e um tipo de imperium que excedia os limites do mediterrâneo e da Europa, D. Manuel (1469­-1521) não teria quisto adotar o título de ‘Imperador das Índias’, indo ao encontro das suas pretensões ultramarinas, por respeito às profecias de Daniel que anunciavam que haveria um último e derradeiro reino que seria soberano sobre o mundo, após os reinos dos assírios, persas, gregos e romanos (àquele momento, representados no Sacro­-Império)”.
 
“(…) Somado a isso, desde D. Manuel à regência de D. João VI (1767­-1826), o título dos reis lusitanos era ‘rei de Portugal, dos Algarves, daquém e dalém mar em Africa Senhor da Guine e da Conquista, navegaçam, e Comercio de Ethiopia, Arabia, Persia, e lndia’. Portugal seria pelo título régio, para usar a expressão de Boxer, um ‘império marítimo’ e não ‘’territorial’ como se pensavam seja as Monarquias Universais seja o Sacro Império ou mesmo sua vizinha Espanha, aspecto esse do senhorio marítimo que resultou, entre outras razões, numa disputa sobre o ‘Justo império’ dos portugueses sobre o mar” (2006, pp. 3­-6).
 
Feitas estas reflexões, Luís Lima propõe­-se agora analisar as variadas definições e modelos de Império. Começa dizendo: “[t]emos um problema de partida, como cientistas sociais, que é o das variadas definições e modelos de Império (e Imperialismo) construídos pelas Ciências Sociais e Humanas, em suma, o fato de não haver, nos estudos sociais, uma definição básica de Império [ver Duverger, Le concept d’impire] (…). Portanto, falar de Império, menos do que uma solução como algumas vezes se pretende, apresenta­-se como um desafio”.
 
“Em relação ao Portugal do século XVII, cabe questionar se as concepções de monarquia que se construíram durante a União Ibérica e a Restauração, momento, segundo Hespanha [‘A identidade portuguesa’] e Eduardo Lourenço [Labirinto da saudade. Psicanálise mítica do destino português], no qual se começou a perguntar sob a identidade de ser português, não teriam relação com esses ideais imperiais, em suas variadas acepções, e até que ponto diferiam (ou não) da visão manuelina e quinhentista de Império construída no âmbito da expansão para o Oriente e da formação do Estado da Índia”.
 
“O interessante - quiçá irónico - é que essa afirmação do império como soberania se fez quando o que chamamos de ‘Império Colonial’ estava encolhendo em extensão, com a perda do Oriente e as concorrências pelo comércio dos holandeses e ingleses, e mesmo com a separação dos domínios ultramarinos das coroas ibéricas, que deixava manca a tópica do ‘reino onde o sol nunca se põe’. Talvez menos que irónico poderíamos pensar que foi um momento também de, segundo Eduardo Lourenço, necessidade de reflexão sobre o que seria Portugal como reino. E, nesse sentido, a chave polissémica do Império serviu para responder várias inquietações surgidas ao longo das conjunturas do século XVII. A construção de uma leitura portuguesa de Império teve grande eficiência menos do que por sua originalidade e mais pela adequação às esperanças e a uma ideia de destino comum. Nesse sentido, cabe destacar a longa permanência e vigência da proposta de um Quinto Império na cultura portuguesa (e brasileira). Ou mesmo, numa vertente menos profética, lembrar a opção feita, no séc. XIX de nomear a recém­-criada monarquia brasileira de Império”.
 
“Independente dessa longa vigência, para usar um termo de José Ortega y Gasset (1883­-1955), ou duração, para remeter a Fernand Braudel (1902­-1985), da ideia de Império, ao se debruçar sobre os nomes do Império no período moderno fica claro que não se fala de um, mas de muitos Impérios” (2006, pp. 8­-11).
 
Todavia e apesar desta dificuldade, segundo Adriano Moreira, “[a] palavra Império designou (…) um sistema politico que dominou territórios muito extensos, compreendeu grupos culturalmente diferenciados e concentrou a autoridade suprema num homem e nas instituições centrais que o coadjuvavam. Este conceito ideal não diz nada a respeito do regime político instalado, que pode corresponder a mais de um modelo. Responde de algum modo ao conceito de Estado universal, não no sentido literal de dominar o mundo, mas no de exercer uma autoridade igual em relação a grupos humanos diferenciados pela cultura, pela religião, pela etnia e pela nacionalidade” (1985, cols. 414­-415).
 
Por outro lado, Pascal Boniface no Dicionário das Relações Internacionais considera que “[u]m império é uma construção territorial que fundamenta a sua coerência numa ideologia e numa prática de poder unitárias”.
 
“(…) Relativamente ao exterior, toda a potência imperial exerce uma actividade expansionista (Carlos V (1500­-1558), dispondo de um império ‘em que Sol nunca se punha’, podia fazer sua a divisa ‘Cada vez mais além’) com pretensão universal”.
 
“(…) Quando um império encontra alguma resistência, apoia­-se numa temível máquina de guerra militar, económica, mas igualmente política ou ideológica: imperialismo”.
 
“Até ao período contemporâneo, o imperialismo foi o processo de tutela de um território por um Estado mais poderoso: a dinâmica imperial é política, o modelo é a política expansionista romana”.
 
“O Imperialismo contemporâneo é portanto económico: financeiro (capacidade em satisfazer grandes empréstimos a países terceiros, de neles realizar investimentos directos maciços, ou manipular a força de uma moeda), comercial (partes de mercados) e industrial (inovações técnicas, patentes, qualidade e capacidade do aparelho de produção)” (1997, p. 181 e pp. 184­-185).
 
A análise económica do imperialismo é iniciada pelo economista liberal inglês John Atkinson Hobson (1858­-1940) na obra Imperialismo, sendo a análise marxista do imperialismo iniciada pelos marxistas alemães Otto Bauer (1881­-1938) e Rudolf Hilferding (1877­-1941) n’O Capital Financeiro, concluindo que as relações de dependência não são só económicas, mas também políticas e culturais. O marxista alemão Karl Kaustky (1854­-1938) contra aquilo que considerava as teses revisionistas de Eduard Bernstein (1850­-1932), diria que o ultra­-imperialismo corresponderia a um concerto mundial, a um condominium exercido pelas grandes nações imperialistas sobre o resto do mundo. Nicolai Ivanovitch Boukharine (1888­-1938), n’A Economia Mundial e o Imperialismo, fala de uma Economia Mundial ou de um Imperialismo Mundial. [‘Joseph Schumpeter redige em 1919 Imperialismo e Classes Sociais’ (Nouschi, 1996, p. 51)]. A obra mais conhecida sobre o imperialismo é a de Lénine, Vladimir Ilyich Ulianov, (1870­-1924) que, no entanto, se baseou nas teses de Hobson e de Rosa Luxemburgo (1871­-1919) no seu A Acumulação do Capital, pretendendo na sua obra, O Imperialismo, Estádio Supremo do Capitalismo, a divulgação política e a formação dos quadros bolcheviques (Huntzinger, 1991, pp. 46­-52).
 
Voltamos a Pascal Boniface para atentar na questão do fim dos impérios: ”[o]s impérios inspiraram interpretações literárias singulares marcadas quer por um lirismo romântico (grandeza) ou elegíaco (decadência), quer por esquemas discutíveis (conquista, apogeu e queda mecânica ou cíclica)”.
 
“No entanto, o império constitui um conjunto que deixa heranças e tentações duradouras. O seu desaparecimento não se processa sem sequelas”.
 
“Assim, um império, mesmo arrasado, deixa sempre traços duradouros na história: os de uma antiga comunidade de vida, de valores, de civilização. (…) Os impérios podem pois desaparecer, porém permanece sempre deles alguma coisa, uma aspiração difusa para a unidade” (1997, pp. 186­-188; ver tb. Lara, 2000, pp. 24­-25 e 2002, p. 25; Carpentier e Lebrun, 1996, p. 358; Lénine, 2000, p. 90 e Hobsbawm, 1990, pp. 77­-78).
 
Destarte, o conceito operacional de Império que propomos e adoptamos no presente estudo, na senda da conceptualidade evolutiva e dinâmica operatória de Victor Marques dos Santos, é o da acepção de Império da Cultura Portuguesa, caracterizando um espaço centrípeto de pertença igualitária, em que os desafios da vida e do mundo tenham resposta consentânea com uma história, valores e uma língua comum, germinados numa miscigenação física e num sincretismo cultural que homogeneízam as pessoas e os povos parte integrante desse orbe, sob a égide seminal da cultura portuguesa.
 
 
A Génese do Império
 
O Império Português foi o primeiro império global da história, com um conjunto de territórios repartidos por quatro continentes, sob soberania portuguesa. Foi também o mais duradouro dos impérios coloniais europeus modernos, abrangendo quase seis séculos desde a tomada de Ceuta, em 1415, à independência de Timor, em 2002.
 
O expansionismo evangelizador e comercial português foi marcado inicialmente pelo espírito militar de continuação da reconquista além­-mar, visando primeiro a cristianização do Norte de África e, só depois, buscando um caminho marítimo para o Oriente…que esteve na génese do lucrativo comércio de especiarias asiáticas, escravos da África ocidental, açúcar e ouro do Brasil.
 
“ - Ao diabo que te dou; quem te trouxe cá?
 
E perguntaram­-lhe o que vínhamos buscar tão longe. E ele respondeu:
 – Vimos buscar cristãos e especiarias”.
Álvaro Velho,
Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama (1497­-1499).
 
O “fim” de jure do Império Português começou em 1999, quando Macau, último território sob a sua administração, foi devolvido à República Popular da China, e terminou em 2002, quando Portugal reconheceu a independência de Timor­-Leste, libertada da ocupação indonésia, em 1999, podendo­-se dividir a sua história em três períodos distintos, para cuja demarcação contribuíram em grande parte factores exógenos:
 
O Primeiro Império (1415­-1580) - começa com a conquista de Ceuta, passando pelos Descobrimentos e continuando com a expansão em África e no Oriente, finando­-se com a morte de D. Sebastião;
 
O Segundo Império (1580­-1822) - inicia­-se com a perda da independência e a subsequente ocupação espanhola, que determinaram a perda de influência no Oriente e a substituição da Índia pelo Brasil;
 
O Terceiro Império (1822­-1975) - tem o seu proémio com a independência do Brasil, determinada, em larga escala, pelas invasões francesas, sendo substituído por África, que passa a primeira figura do Império Colonial Português, e que haveria de se esboroar com o beneplácito e instigação da comunidade internacional, tendo a Carta Magna da Descolonização aí tido um papel não despiciendo. (Vide Quadro infra).
 
Cronologia da independência dos territórios não autónomos portugueses
 
Território
Data da independência
Impérios
Brasil
7 de Setembro de 1822 - declarada
29 de Agosto de 1825 - reconhecida
Segundo
Goa, Damão e Diu
18 de Dezembro de 1961 - anexação pela União Indiana
1974 - Anexação reconhecida por Portugal
Primeiro
Fortaleza de São João Baptista de Ajudá
1961 - Anexada pelo Benim (ex­-Daomé)
1985 - Anexação reconhecida por Portugal
 
Guiné­-Bissau
10 de Setembro de 1974
Terceiro
Moçambique
25 de Junho de 1975
S. Tomé e Príncipe
12 de Julho de 1975
Cabo Verde
5 de Julho de 1975
Angola
11 de Novembro de 1975
Timor­-Leste
De Portugal - 28 de Novembro de 1975 - declarada
7 de Dezembro de 1975 - invasão da Indonésia
Da Indonésia 20 de Maio de 2002 - reconhecida
Macau
Em 1979 - passou a ser um território chinês sob administração portuguesa
Em 20 de Dezembro de 1999 - Transição de Macau para a República Popular da China (Estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau - RAEM)
 
 
Fonte: Elaborado pelo autor com dados maioritariamente retirados de LARA, António de Sousa - Colonização Moderna e Descolonização. Sumários para o Estudo da Sua História, passim.
 
Diz­-nos José Adelino Maltez que “[o] pequeno­-grande povo português que, nos fins da Idade Média, se lançou, com pragmatismo, na aventura dos Descobrimentos, da expansão e do diálogo de culturas, não só deu novos mundos ao mundo, desenhando o mapa da Terra como planeta unidimensional, como também semeou o diálogo universal do abraço armilar, essa circum­-navegação pelo ius communicationis que redescobriu o homem como animal de trocas, tanto de bens económicos como de bens espirituais” ( 2002, p. 333).
 
Continua Adelino Maltez: “[o]ra, um dos vectores desse tal mundo foi, sem dúvida, a tentativa de criação de sucessivos espaços políticos sujeitos ao domínio do aparelho de poder português. Aquilo que podemos classificar como a procura de vários impérios. (…)”
 
“Portugal e o Algarve, o compósito núcleo inicial do reino, é aumentado, logo no século XV, pelos senhorios conquistados no Algarve de além­-mar, em África e na Guiné, até que, com D. Manuel I, passa a visualizar os acrescentos de forma já sistemática, falando­-se em senhorios de conquista, de navegação e de comércio” (2002, pp. 333­-334).
A este propósito, relembremos o título de el­-rei D. Manuel I, 14º rei de Portugal, que chamou a si a Esfera Armilar, como seu símbolo pessoal.
 
Cognominado de o Venturoso, o Bem­-Aventurado ou o Afortunado, pelos eventos felizes que ocorreram no seu reinado, designadamente a descoberta do caminho marítimo para a Índia e a do Brasil e aclamado como o mais rico monarca da Cristandade acrescentou aos seus títulos um rosário de novas e orgulhosas invocações ou dignidades, para além de rei de Portugal e dos Algarves, de aquém e de além­-mar em África - títulos que se iniciaram com D. Afonso V (1432­-1481), o Africano (Fernandes, 2001, p. 32) - “senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”, em 1499 (Marques, 2001, p. 197; ver tb. Saraiva, 2001, p. 153).
 
“De todas estas viagens levadas a cabo por uma entidade já qualificada como nação peregrina, ficaram misturas, memórias, diásporas e, sobretudo, novas sínteses e novas emergências: novos povos, novas unidades políticas e novas culturas miscigenadas, gerando­-se um arquipélago de cruzamentos em que a memória de história comum e da prática de um modo de estar no mundo fez nascer uma civitas amoris” (Maltez, 2002, p. 335).
 
Adriano Moreira n’O Manifesto Político dos Lusíadas, afirma que “[o] processo iniciado, que veio a traduzir­-se na submissão da regência do mundo inteiro a poderes europeus (Euromundo), teve uma antevisão em Os Lusíadas de Luís de Camões, ‘que podem ser lidos como um manifesto político do Ocidente Cristão, porque ali se aponta Lisboa como uma Nova Roma, destinada a dar leis melhores ao mundo inteiro’ (apud Moreira, 1999, p. 146). A nova época foi chamada por Arnold Joseph Toynbee (1889­-1975) a Era Gâmica, visto que a chegada à Índia representou o desenvolvimento de um modelo de supremacia ocidental mundial que durou até à guerra de 1939­-45. Quando foi assinado o Acto Geral da Conferência de Berlim em 1885, pelo qual as potências ocidentais fixaram as regras da ocupação da África, o projecto tinha chegado ao seu ponto culminante” (Moreira, 1999, pp. 146 e 517­-518; ver tb. Bessa e Pinto, 1999, p. 72).
 
“No longo processo colonizador que começa com a expansão peninsular, desenham­-se dois modelos fundamentais: o português, do qual o espanhol se aproxima, de matriz católica; e o anglo­-saxónico liderado pela Inglaterra, de matriz protestante; mas ambos de tradição cristã e europeia”.
 
“(…) O método português, [miscigenação física e sincretismo cultural], foi integrador, assimilador e sincrético. Integrador porque mostrava o objectivo de constituir sociedades igualitárias, independentemente das diferenças étnicas, culturais ou religiosas; assimilador porque pretendeu implantar dominantemente os padrões europeus de conduta e a comunhão na fé católica; sincrético, porque aceitou recolher modelos de conduta nativos, sobretudo na área dos padrões da sociedade civil, procedendo a uma miscigenação étnica e cultural. O fenómeno sempre mais evidenciado é o da mestiçagem, mas este é apenas um dos fenómenos, embora socialmente o mais importante”.
 
“Tornou­-se célebre a teorização de Gilberto Freyre (1900­-1987), o lusotropicalismo, o qual procurou analisar a acção portuguesa no espaço geográfico variado e numa história longa, identificando aquilo a que chamou o mundo que o português criou” (Moreira, 1999, pp. 521­-522; ver tb. Freyre, 2003, p. 22 e Lara, 2007, p. 104).
 
Feita a referência aos Impérios: Índia - Primeiro Império; Brasil - Segundo Império; e África - Terceiro Império impõe­-se agora a referência ao Quinto Império, crença messiânica, milenarista (quiliástica), concebida pelo Padre António Vieira no século XVII, que permeia a obra de Fernando Pessoa e foi uma forma de legitimar o movimento autonomista português, que conseguiu o fim da “união ibérica”, em 1 de Dezembro de 1640, depois de 60 anos de domínio dos Filipes, na sequência da morte de D. Sebastião, o Desejado.
 
Curiosamente, para mal dos nossos pecados e para desespero dos poetas que cantaram e enalteceram Portugal, esta “união ibérica”, e não D. Sebastião, é desejada coevamente por alguns areópagos onde proliferam os tais Travas, Andeiros e Vasconcelos, a quem relembramos o panegírico que o Padre António Vieira fez aos portugueses a respeito da sua chegada ao oriente:
 
“Não era por certo menos Golias o Oceano armado de tempestades e horrores; nem menor gigante o Oriente estendido em tantos e tão poderosos impérios: e contudo para domar a braveza de um, e conquistar a potência do outro, nem Deus escolheu entre os reinos outro reino, que o de Portugal; nem entre as nações outra nação, que os portugueses” (1959, p. 66).
 
O Professor Agostinho da Silva interpreta a questão do Império ser Quinto, dizendo que o Padre António Vieira lhe chamou Quinto, não para dizer que era depois do Quarto, mas sim para dizer que não havia Sexto:
 
“Ele [Padre António Vieira] foi ao livro do Daniel, na Bíblia, (…) e leu lá que até aquela altura já tinha havido quatro impérios, mas que todos eles tinham falhado porque tinham defeitos, sobretudo pela falta de qualidades do imperador, que não prestava. Então ele disse: não, o império que eu vou proclamar, o Quinto, é um que tem Deus como imperador, o Deus em que ele acreditava, um Deus Bom. Portanto, não vai haver Sexto”.
 
“(…) É claro que acredito no Quinto Império, porque senão o acto de viver era inútil. Para quê viver se não achássemos que o futuro vai trazer­-nos uma solução que cure os problemas das sociedades de hoje?”
 
“(…) No fundo, continuo a acalentar o sonho de ver a verdadeira filosofia portuguesa a comandar isto tudo e a partir daí ver Portugal a desempenhar um novo e importante papel no mundo” (1997, pp. 98­-99 e p. 49).
 
 
O Império do Futuro
 
No concernente a Portugal e ao seu Império, Ramiro Ladeiro Monteiro vaticinava que “a criação recente da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa (CPLP) pode trazer um novo élan às relações entre Portugal e as suas antigas colónias e consolidar definitivamente um espaço sociológico, cultural e económico, incluindo o Brasil, com traços muito próprios”.
 
“Esta forma de estar em África traduz um relacionamento natural e espontâneo entre as metrópoles e os novos Estados, que se radica em laços históricos e na existência de interesses comuns, designadamente de natureza cultural, linguística e social, que se vem materializando em acordos e protocolos nas áreas correspondentes de formação de quadros, de alfabetização, de ensino secundário e universitário e de programas culturais, (…)” (2001, p. 34).
 
As questões da Lusofonia e da CPLP, questões controversas, numa opinião publicada e televisionada, superficial, propagandista e fazedora de opiniões eivadas de uma argumentação plasmada da fábula do “velho, do rapaz e do burro”, são etiquetadas com os epítetos de neocolonialismo e de recolonização, só negados indirecta e titubeantemente pelas exigências de um mercado interdependente e global de embrião gâmico.
 
Contrariando esse sentido e no que respeita à CPLP, José Manuel Durão Barroso, actual (e eventualmente futuro) Presidente da Comissão Europeia, afirma que “[a] Comunidade dos Países de Língua Portuguesa existia já muito antes de ter sido institucionalizada em 1996. A partilha da língua portuguesa, uma herança histórica e cultural, demonstrou ser um elo muito forte para aquilo que constitui hoje uma associação de oito países em quatro Continentes. Por muito diversos que fossem e por mais longe que geograficamente se situassem, estes países sempre se sentiram como parte de uma comunidade cultural, mantendo ligações muito chegadas e cooperando em áreas de âmbito muito vasto”.
 
“Não obstante, a criação formal da CPLP significou mais um passo em frente, e, julgo que também, um passo pleno de êxito, uma vez que proporcionou um quadro dentro do qual as relações existentes se podiam reforçar e desenvolver. Olhando para trás, julgo que se pode afirmar hoje que a CPLP provou o seu valor, teve êxito nos objectivos que se colocou, isto é, enquanto plataforma para a concertação político­-diplomática; na cooperação, seja económica, social, cultural, jurídica ou técnico­-científica; e na promoção da língua portuguesa. (…) E, vale a pena notar que, mesmo perante situações de crise, a Comunidade não vacilou, nem se pôs alguma vez em dúvida a vontade de os seus membros a integrarem e desenvolverem. Olhando em frente, podemos afirmar que a CPLP será ainda mais importante para fazer face, em conjunto, aos desafios de amanhã” (Barroso, “Prefácio”, in Lopes e Santos, 2006, pp. vii­-viii).
 
Octávio dos Santos, por seu lado, considera que “a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, instituída formalmente no dia 17 de Julho de 1996, talvez devesse ser designada por Comunidade das Pessoas de Língua Portuguesa”.
 
“O espaço lusófono não é apenas constituído por oito países independentes. (…) A lusofonia também abrange todos os outros locais do Mundo onde existem comunidades de emigrantes portugueses, africanos e brasileiros. Cada homem ou mulher que fala português é um elemento desse território sem fronteiras. E se as novas tecnologias da informação forem utilizadas no aproveitamento de todas estas potencialidades, poderá tornar­-se real a ideia de Fernando Pessoa de ‘a nossa pátria ser a língua portuguesa”.
 
“A promoção de uma indústria de informação no espaço lusófono significa o incentivo à constituição de entidades ligadas ao tratamento multimédia da informação. (…) Estas comunidades virtuais, estes centros de conhecimento, e que em muitos casos poderão ser formados a partir de entidades já existentes, como, por exemplo, universidades, centros culturais, editoras e órgãos de comunicação social, poderão constituir ‘novas feitorias’, entrepostos, não só comerciais mas também culturais, de um novo império que se está a construir no espaço da lusofonia”.
 
“Hoje, ocupar um espaço requer apenas, e precisamente, a existência de vários pontos ligados entre si por uma rede informatizada. Esses pontos, essas novas feitorias, esses centros de conhecimento, e também todos os cidadãos lusófonos com computadores ligados à rede, formarão por sua vez a estrutura de um novo império, dedicado à cultura, e onde não deverá haver senhores e escravos, colonizadores e colonizados. Um Novo Império onde todos, diferentes e iguais, possam aproveitar da verdadeira riqueza que foi acumulada durante mais de 500 anos” (Lopes e Santos, 2006, pp. 147­-149; ver tb. Lara, 2007, p. 101).
 
É no sentido de comunidade cultural referido por Durão Barroso e de centros de conhecimento formados a partir de universidades, centros culturais, editoras e órgãos de comunicação social, referidos por Octávio dos Santos que se consubstancia, e passa do verbo à acção, o conceito proposto de Império da Cultura Portuguesa.
 
Terminamos com Adelino Maltez, quando afirma que “[à] maneira de Santo Agostinho (354­-430), podemos dizer que em 1974­-1975 não foi o mundo português que acabou, mas sim um novo mundo português que começou, dado que talvez continuem fecundantes as esperanças de Portugal. Porque como dizia Toynbee em The Study of History, ‘numa civilização em crescimento, a um desafio opõe­-se uma réplica vitoriosa que vai imediatamente gerar um outro desafio diferente ao encontro do qual se ergue uma outra réplica vitoriosa’” (apud 2002, p. 336).
 
“Isto é, a descolonização, ou o abandono, de 1974­-1975 pode não ter sido o fim de Portugal se tais rupturas forem entendidas apenas como o fim de certo princípio, isto é, se os Portugueses tiverem engenho e arte para uma reinterpretação d’Os Lusíadas através da Mensagem, estruturando­-se o Portugal poder­-ser, por meio dessa superação do Império que é a procura do mar sem fim e dessa nova fé que é a conquista da distância de uma super­-nação, a caminho da república universal” (Maltez, 2002, p. 337; ver tb. Lara, 2007, p. 95).
 
 
Conclusões
 
Acreditamos que existe uma tripla temporalidade onde o Passado, o Presente e o Futuro se encontram e onde os sins e os nãos se repetem e se sucedem, não se excluindo, mas completando­-se em sínteses, que produzem novas sínteses que nos fazem andar e nos projectam para um Futuro, prenhe de Passado e de Presente.
Assim, “[f]azer progredir o pensamento não significa necessariamente refutar o passado: significa por vezes revisitá-lo, não só para compreender o que foi efectivamente dito mas o que se poderia ter dito, ou pelo menos o que hoje pode dizer­-se (talvez apenas hoje) relendo o que então se disse” (Eco, 2001, p. 12).
 
Concomitantemente, Heraclito (540­-470 a.C.), pai da dialéctica, afirmou que “para quem se banha no mesmo rio, outras são as águas que correm por ele” (Pereira, 2003, p. 269) e Hegel (1770­-1831) continuou­-o dizendo que “tudo o que existe vem a ser a partir do que está sendo” (Carvalho, 2001. p. 21).
 
Nesta linha da procura do transcendente situado, sem confundir o ser com o vir a ser, e com o objectivo de sintetizar o que atrás foi dito, recorremos ao conceito gilbertyano de tempo tríbio, que Adriano Moreira rebaptizou de tríbulo, que “[e]m síntese, é a ideia de que só é possível compreender plenamente uma situação num dado Presente se neste for integrado quer o Passado quer o Futuro. Nesta perspectiva, uma nação, tal como as pessoas, é aquilo que é em função do que foi e do que está a projectar ser” (apud Graça, 2005, p. 47).
 
Conscientes desta tripla temporalidade e nos interstícios da nebulosa gnóstica que envolve as afirmações, mutuamente exclusivas, mas cíclica e temporalmente complementares, de António Marques Bessa “a caducidade dos Impérios de Mil Anos” (2001, p. 33) e de Eduard Spranger (1882­-1963) “[a] todas as Idades Médias se seguem sempre outras Renascenças; como a estas, outros tantos Iluminismos, a abdicarem, por esgotamento, em novas Idades Médias” (apud Maltez, 1993, p. 9) surge­-nos Adriano Moreira a dizer que “não há interesses permanentes, só há interesses duradouros, que o chamado interesse permanente é afinal variável no tempo, e que a diferença está no tempo demorado e no tempo acelerado” (1999, p. 110) e Jorge Borges de Macedo (1921­-1996) a afirmar “as constantes e linhas de força da política externa portuguesa” (2006).
 
Fazendo das afirmações anteriores as premissas da nossa equação pessoal sobre o tema, a conclusão num contexto de “anarquia madura, em que da nova ordem só sabemos que a velha acabou” (Moreira, 1999, p. 265), é a de que urge redefinir e reposicionar um conceito estratégico para Portugal em que se aposte na frente marítima de acordo com o pensamento do Infante D. Henrique (1394­-1460), “a expansão para o mar”, (Moreira, 1960, p. 16), porque a geografia não muda… (quod erat demonstrandum).
 
Tal como “o eixo da roda que acompanha a roda mas não anda” (Moreira, 1978, p. 17), temos orgulho na nossa herança histórica e acreditamos que Portugal não é um país pequeno (Martinez, 1992, p. 7).
 
Assim, face “à evidência”, que segundo Edgar Morin “é o mais difícil de ver” (2003, p. 33) de uma escolha entre a conturbada reconstrução do Império de Carlos Magno (747­-814) ou o mar lusotropical, ambas criticadas por aqueles que tudo criticam em prol da própria crítica, há que ler, outra vez, os sinais dos tempos, agora, cremos, de sinal contrário, e constatar que a uma cada vez maior cooperação, já vivenciada, necessária e desejada por todos, se junta uma vontade de lusofalar e lusotropicalmente viver no cosmos do tal Império da Cultura Portuguesa, só condicionada, tal como em antanho, pelos interesses instalados, miméticos dos outros, que à altura também não viram e obrigaram à dispersão da alma por um mundo que não era o nosso, com claro prejuízo da história do passado recente, que queremos, não seja a do futuro.
 
 
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*      Tenente­-coronel de Administração Militar/GNR. Licenciado, Mestre e Doutorando em Relações Internacionais. Pós­-graduado em Estudos Angolanos e em Mediação Intercultural. Chefe da Secção de Recursos Financeiros da Unidade de Controlo Costeiro (UCC).
 
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2012-05-31
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