A Marinha e o Poder Político em Portugal no Século XX
Esta obra do Prof. Doutor João Freire constitui um contributo bem sustentado para um conhecimento mais abrangente da História da Armada, como “instituição” e como “corporação”, durante o século XX, particularizando “os quatro períodos temporais a que corresponderam regimes político-constitucionais diferenciados”:
- O final da monarquia (1900-1910);
- A República Parlamentar (1910-1926);
- A ditadura militar, o estado novo e o “marcelismo” (1926-1974);
- A democracia (1974-2000).
Em cada um destes períodos, de forma sintética e numa escrita de leitura muito apetecível, o autor caracteriza a Armada e destaca os principais efeitos nela provocados, nos quadros das respectivas mudanças políticas, não deixando de mencionar a participação de oficiais do ramo nos órgãos superiores do Estado (ministros, parlamentares, governadores nos territórios ultramarinos) e as acções de força internas, desenvolvendo a sua análise nos contextos das “três grandes revoluções” do século: “5 de Outubro de 1910”, “28 de Maio de 1926” e “25 de Abril de 1974”.
A Revista Militar felicita o Prof. Doutor João Freire e as Edições Colibri pela publicação deste livro, no qual o copioso acervo fotográfico e a riqueza bibliográfica reforçam o interesse pelos factos nele mencionados, agradecendo o volume que lhe foi ofertado.
Major-general Adelino de Matos Coelho
Director-Gerente do Executivo da Direcção da Revista Militar
Seis Grandes Comandantes
(Alexandre, Aníbal, César, Gustavo Adolfo, Frederico E Napoleão)
Para além do destaque dado aos seis comandantes a obra valoriza e clarifica conceitos de liderança, estratégia e táctica só possíveis por ter sido assumida por um dos melhores historiadores militares do século XIX. O tenente-coronel do Exército Confederado da Guerra da Secessão dos Estados Unidos da América, Theodore Ayrault Dodge (1842/1909), teve educação militar em Berlim e formação superior na Universidade de Londres. Dodge ingressou como soldado no Exército da União Sulista, foi sendo promovido na sequência das batalhas onde participou, reformou-se com o posto de tenente-coronel após ter perdido a perna direita na batalha de Gettysburg.
A obra foi traduzida por Paulo Belchior, a partir da edição publicada em Nova Iorque em 1889, contendo um Estudo Introdutório da autoria do tenente-coronel, doutor em psicologia organizacional, Fernando Cardoso de Sousa. No Estudo analisa-se o conceito de liderança, recordando trabalhos do CMG, doutor, Jorge Correia Jesuino, tese de doutoramento, Processos de Liderança (1ª edição 1987). A partir do Estudo inferem-se as razões pelas quais não se ter seguido o generalizado senso comum da actualidade que consiste em designar por líderes todos os presidentes, directores, chefes e secretários-gerais, felizmente ainda não se tendo acomodado aos comandantes.
A tomada de decisão merece realce no Estudo Introdutório “(…) Dodge frisa bem quão importante é ser capaz de obter os factos de fonte directa, referindo que os grandes generais conquistaram o êxito pela actividade pessoal e por confiarem apenas neles próprios nas questões cruciais.”, ainda se fazem referências à saúde física dos comandantes. “(…) Dodge faz uma análise interessante deste aspecto, quer relativamente ao passado desportivo e de combate directo dos generais quer, sobretudo, à idade precoce em que surgiram à frente das tropas.”. Na nota final do Estudo salienta-se que os comandantes cuidavam da comunicação, “Todos eles demonstraram uma capacidade oratória invulgar, com discursos arrebatadores que movimentaram multidões, mas que souberam, também, manter o silêncio e o isolamento da grandeza, a grande ‘miséria dos homens superiores’, que lhes permitiu tomar decisões altamente ponderadas.”
ALEXANDRE
(356aC/323aC)
Este comandante foi educado por Aristóteles, sendo o monarca do seu tempo melhor preparado no corpo e no espírito, tendo a sua primeira experiência de guerra na batalha de Queroneia (338aC) como comandante da ala esquerda macedónia. Segundo o historiador Dodge, a primeira batalha de Alexandre na Ásia ocorreu em Granico onde derrotou o exército persa seguindo-se avanço notável até à Fenícia no qual se destacou pela forma como conseguiu ultrapassar o corte das suas comunicações actuando habilmente junto dos seus homens no sentido de lhes manter moral elevado. “Decorria a Primavera de 330 aC. Tinham passado apenas quatro anos e Alexandre tinha derrubado o Império Persa;”. Depois, actuando com coragem, empreendimento e inteligência, concretizou o projecto de conquistar a Índia, decorreram mais quatro anos (326aC), Alexandre estava no Punjabe, a terra dos cinco rios.
Nos combates na região indiana foi ferido com gravidade, mas conseguiu recuperar e conduzir os seus homens a casa. “Quando Alexandre atingiu de novo a Babilónia, a sua maravilhosa carreira militar tinha terminado. Pereceu aí, em 323aC, devido a uma febre, e as suas grandes conquistas e projectos de uma monarquia greco-oriental foram dissipadas.”.
Alexandre era estudioso sendo o seu livro preferido a Íliada, cuja cópia anotada por Aristóteles conservava junto de si, “activo, apto a aguentar o calor e o frio, a fome e a sede, a adversidade e a fadiga, mais até que o mais corajoso.” Em relação à importante, já na altura, forma de comunicar, Alexandre, “Tinha o raro dom de uma oratória clara e convincente, e de manter os homens suspensos das suas palavras quando lhes falava e, depois, dos seus actos de heroísmo quando actuava.”
As intervenções bélicas comandadas por Alexandre são nos aspectos tácticos exemplares na concepção e execução, como comandante, concretizou mais que qualquer um alguma vez conseguiu.
ANÍBAL
(246 aC/183-182 aC)
Aníbal, General cartaginês, que se celebrizou na segunda guerra púnica, recebeu através do pai (Amílcar, dirigente do partido cartaginês da guerra) cuidada educação grega em termos intelectuais e primeira instrução como soldado (aos nove anos) nos acampamentos na Hispânia e mais tarde, aos vinte e um anos, foi influenciado pelo tio Asdrúbal que o fez chefe da cavalaria. Em três anos (221/218 aC) Aníbal conquistou a Hispânia e na sequência duma “marcha extraordinária - a primeira passagem dos Alpes por alguém que não um mercador isolado - e possivelmente a mais temerária surpresa alguma vez levada a cabo.”, atingiu o Pó em Outubro de 218 aC. Aníbal controlava com o maior cuidado e rigor os homens, sendo a sua coragem e autoconfiança, as principais valias que permitiram conquistar a Itália sem base definitiva e com aliados incertos. Este comandante nunca prometia, concretizava (executava marchas rápidas, secretas e astuciosas) com base em ideias abrangentes e lúcidas, sendo a sua educação muito superior à preparação intelectual dos generais romanos, podendo ser denominado como “O Pai da Estratégia”.
CÉSAR
(101 aC/44 aC)
Júlio César, treinando-se a si próprio, começou a carreira militar aos 42 anos quando a maioria dos grandes comandantes já a tinham terminado. A juventude de César decorreu como aristocrata, misturando-se boa educação e vícios, atingindo a idade adulta como consumado cosmopolita.
Como Comandante César tinha capacidade de decisão, coragem e rapidez de percepção sobre o ambiente que o rodeava, mas notava-se nele falta de autoconfiança, postura que estava na base da sua prudência.
Partindo de César, a virtude militar era vincada em todos os escalões. Em organização ou disciplina, competência para executar praticamente qualquer trabalho, capacidade de resistência ao perigo e à provação, firmeza e virilidade, o exército era um modelo para o resto de Roma. César era o seu exército, de cima a baixo todos actuavam dentro do seu método, trabalhava como mestre indicando o caminho correcto da guerra metódica, ainda hoje (2011) existem lições das suas campanhas para os estudantes da arte/ciência da guerra.
GUSTAVO ADOLFO
(1594/1632)
Gustavo Adolfo nasceu em Estocolmo, filho do rei Carlos IX da Suécia, decorrendo a sua infância imbuída de forte seriedade, nítida coragem e elevado sentido religioso, adquirindo na idade adulta elevado autocontrolo. O jovem príncipe passou por todos os estágios do treino e da hierarquia militar e, aos dezassete anos foi dado como apto e participou com distinção, e com uma rara perícia e espírito empreendedor, numa guerra com a Dinamarca.
Na sequência da descoberta da pólvora desenvolveu-se a guerra metódica (científica) tendo o primeiro impulso sido assumido por Gustavo Adolfo com o estudo da balística, sendo considerado pioneiro da moderna arte da guerra, aquele que recriou a guerra sistemática e intelectual, despindo-a dos seus piores horrores. Em 1611 começou o seu reinado estando a Suécia em guerra com a Dinamarca, a Rússia e a Polónia, tendo decidido concluir cada uma isoladamente e à vez, o que realizou metodicamente, conseguindo pazes sucessivas. O êxito do rei Gustavo Adolfo baseava-se na amplitude dos planos, constância perante o trabalho intenso e na sua capacidade de adoptar correctamente a intrepidez ou a prudência, consoante as circunstâncias.
Gustavo Adolfo mostrou ao mundo (para meditar na actualidade em ambiente de terrorismo globalizado) que a guerra podia fazer-se dentro dos limites dos ensinamentos cristãos; que o fogo posto, o assassínio, a rapina não eram necessariamente inerentes a uma guerra hábil ou bem sucedida; que não havia necessidade de agravar o já inevitável sofrimento provocado por qualquer luta armada, infligindo às populações inocentes o que deveria ser suportado apenas pelos exércitos.
FREDERICO
(1712/1786)
O “Grande”, ou “Único”, foi rei da Prússia de 1740 a 1786, tendo sido brilhante estudioso de história, nomeadamente das proezas dos grandes comandantes onde se aprende a arte da guerra, evitou ser moldado segundo o rígido padrão de um granadeiro escolhido pelo seu pai, assumindo uma postura de rapaz inteligente, atraente, espirituoso e imaginativo que lhe permitiu ascender ao trono como rei de corpo inteiro. Frederico revelou-se como táctico na forma de defender o seu território, embora mantendo a iniciativa. A sua vivência junto das tropas deu-lhe força que aliada a forte determinação lhe permitiu constante actividade. Mesmo com 73 anos e doente (sofria de gota) continuou o árduo trabalho diário para o bem da Prússia. Como os romanos estabeleceu uma regra: nunca esperar pelo ataque do adversário, mesmo na defensiva manter carácter ofensivo. Frederico é o primeiro escritor da arte militar, as suas Instruções são marco da maior importância, nelas dizia: vai sempre para o campo antes do inimigo. As suas proezas guerreiras ficaram a dever-se à capacidade mental e à persistência, perigos e infortúnios não dificultavam a sua capacidade de raciocínio e decisão.
Nos 46 anos de reinado acrescentou sessenta por cento de território ao domínio prussiano, duplicou a população e criou excelentes tropas, transformando a Prússia num estado respeitado na Europa.
NAPOLEÃO
(1769/1821)
Napoleão Bonaparte, imperador dos franceses, coroou-se na Igreja de Notre-Dame em 1804, na presença do Papa Pio VII, estudou em escolas militares de 1779 a 1785 com auxílio duma bolsa conseguida pelo pai. As suas campanhas contribuíram com material para Jomini trabalhar a guerra na perspectiva científica.
A carreira de Napoleão mostra a conveniência na interligação entre intelecto, carácter e oportunidade para produzir êxitos na guerra e revela que a sua força cresceu na primeira metade e caiu na segunda, mas o seu poder intelectual manteve-se sempre. Quando, aos 27 anos, foi escolhido para comandante do Exército de Itália enfrentou olhares de soslaio dos competentes e experientes oficiais que duvidavam do pequeno, pálido e inexperiente comandante-chefe, mas Napoleão em breve demonstrou a sua superioridade todos reconhecendo nele a mão de um mestre.
Os êxitos de Napoleão basearam-se no estudo da situação, tendo sempre conhecimento pormenorizado dos factos, que avaliados por invulgar poder de raciocínio permitiam conhecer aquilo que o inimigo estava apto a fazer, mas sem a arte o estudo seria inútil, não podendo a arte existir separada do estudo.
Napoleão valorizava as comunicações a todos os níveis; o segredo da guerra reside no segredo das comunicações, preservarmos as nossas e atacarmos as do inimigo (nesta parte referindo-se a meios rodoviários e ferroviários), mas também, “Os seus exércitos aumentavam de tamanho e os caminhos-de-ferro e os telégrafos (rede de semáforos ópticos como se pode estudar na Guerra Peninsular) nessa época não tornavam o transporte de tropas e de informações mais rápido.”
A história, os factos relativamente recentes (duzentos anos), dizem-nos que o poder de Napoleão residia no seu olhar lúcido perante os factos, na sua mente positiva, mas o Napoleão de Waterloo não era tão grande como o de Austerlitz. “Napoleão eleva-nos ao plano mais alto do génio, do poder e do êxito e depois declina, Começamos por sentir que temos aqui o maior dos comandantes e acabamos a reconhecer que não desempenhou o seu papel até ao fim.”, mas, por certo, podemos considerá-lo como o líder que mais ensinamentos nos deixou dos tempos modernos.
Este sumário duma obra maior que os seis comandantes merecem que seja estudada mostra que, por uma ou outra razão, mudaram o curso da história, daqui a importância do seu estudo na perspectiva das ciências militares não só aplicadas nas práticas bélicas, mas também nos mundos empresarial, político, e, também, no sofisticado ambiente desportivo actual.
A Revista Militar agradece a “Edições Sílabo”, colecção “Clássicos do Pensamento Estratégico”, o exemplar enviado para a sua Biblioteca e felicita a Editora por mais esta contribuição para “A Estratégia ao serviço da política, da guerra, das empresas”, protagonizada com este clássico do pensamento estratégico.
Coronel António de Oliveira Pena
Sócio Efectivo da Revista Militar