Capítulo I - Introdução
Em Dezembro de 1987, foi assinado o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio - Tratado INF - entre os Estados Unidos da América, EUA, e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS. O tratado resultou de seis anos de negociação entre as mais altas patentes dos dois Estados. O objectivo principal do Tratado era a eliminação total dos mísseis de médio alcance (FAS, 2005).
Desde 1945 que os dois Estados se encontravam em estado de “guerra fria”, que começou com a preocupação americana com o alargamento das fronteiras soviéticas depois da II Guerra Mundial. Outras questões como a Guerra de Coreia e várias divergências na redacção de inúmeros tratados contribuíram para o agravamento de relações entre os EUA e a URSS. A partir desse momento o mundo assiste expectante e receoso, à poderosa corrida de armamento nuclear, que começou com uma “demonstração” por parte dos americanos, aquando da aniquilação das cidades japonesas: Hiroshima e Nagasaki. Desde aí que os dois Estados passam a empregar todas as forças no desenvolvimento e construção de armas nucleares (Kissinger, 1994: 626-627).
Esta era uma guerra de onde não podiam sair vencedores. Quando os americanos e soviéticos chegam à conclusão do “monstro” que têm entre mãos, começa uma série negociações e tratados para reduzir ou mesmo eliminar determinado número de armas de parte a parte. Desde o Presidente Richard Nixon, que iniciou as negociações do Acordo SALT1 - Strategic Arms Limitation Treaty - até ao Abril do ano de 2010, data em que os Presidentes russo e americano assinaram novo acordo sobre as armas nucleares em Praga, há uma série de acordos e tratados entre os dois países, ao longo de quase quarenta anos (Kissinger, 1994: 626-627; FAS, 2005; BBC, 2010).
O interesse deste trabalho prende-se com o facto de análise não incidir só na assinatura do tratado em si, mas nos acontecimentos anteriores, ou seja, no longo processo negocial que tinha como objectivo a liquidação das armas nucleares e toda a complexidade de relações entre os dois Estados mais poderosos de então. Pretende-se com este estudo de caso demonstrar que por vezes uma mudança de líder de um Estado é crucial para saída de um impasse nas negociações, como neste caso.
Neste trabalho foi utilizado o testemunho de pessoas que fizeram parte de todo o processo negocial, entre os quais se destacaram as memórias do General russo Serguei Akhromeev e do conceituado Diplomata Gennady Kornienko no seu livro “Pelos olhos de General e Diplomata. Olhar crítico para a política externa da URSS antes e depois de 1945” 2. Cabe ainda relevar a importância do relato do Conselheiro do então Presidente americano, Henry Kissinger. Sobre um dos autores mais importantes deste processo negocial - Mikhail Gorbachev - escreve o seu assistente pessoal Andrei Grachev, no seu livro “Gorbachev, o homem que queria o melhor...”3. Depois de analisar trabalhos de vários autores, como Paul Warnke e Amy Woolf, entre outros, foi possível concluir que o processo de negociação aparece muitas das vezes separado em duas fases: antes de Mikhail Gorbachev e/ou durante a sua permanência no poder. Com este trabalho pretende-se mostrar todo o processo negocial que durou seis anos. Assim, no segundo capítulo é possível ficar a par do processo de pré-negociação, que se iniciou com o Tratado SALT de 1979, do qual deriva o Tratado INF. O terceiro e quarto capítulos abordam com mais precisão todo o processo negocial e por fim é dada a conhecer a fase da pós-negociação.
Capítulo II - Do SALT para o INF
Em 1979 a URSS faz entrada das suas tropas no Afeganistão, o que deu uma excelente oportunidade aos EUA para acelerar ainda mais a corrida do armamento. Ronald Reagan, Presidente dos EUA nos anos 1981-1989, rotula a União Soviética de “o império do mal”. A própria União Soviética ainda se encontra assombrada por “um espectro do comunismo4”. Prolifera por todo o mundo a propaganda antisoviética. A ameaça de não ratificação do acordo SALT, assinado por Leonid Ilitch Brezhnev, Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética e Jimmy Carter, Presidente dos Estados Unidos, torna-se realidade. Acordo este, que embora não tenha sido ratificado, foi na sua maioria respeitado e cumprido por ambas as partes (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 2; Whitehouse, 2010).
Foi na Cimeira da North Atlantic Treaty Organization, NATO, em Dezembro de 1979 que os aliados chegaram à conclusão da necessidade de um novo acordo (Kornienko, 2003). Define-se assim a fórmula imediata, que deriva do acordo já existente, SALT, em forma de tratado, apenas ajustando as suas necessidades a um ponto específico, ou seja, a redução de armas nucleares de médio alcance. Segundo William Zartman e Maureen Berman,
“Formula is best characterized as a shared perception or definition of the conflict that establishes terms of trade, the cognitive structure of referents for a solution, or an applicable criterion of justice” (Zartman e Berman, 1982: 95).
O Oeste chegou à ideia de que se a União Soviética “abrisse as cartas”, ou seja, não instalasse os seus mísseis5, então a Europa deixaria de se preocupar com isso, assim como com a instalação dos mísseis americanos, Pershing. Foi escolhido o “mensageiro” para transmitir a decisão da NATO aos soviéticos - Helmut Schmidt, Chanceler Alemão. As intenções da NATO foram transmitidas na conversa informal no aeroporto de Moscovo, onde o Chanceler parou de propósito quando ia a caminho de Tóquio para conversar com Kornienko (Kornienko, 2003, cap. 11).
Conta o próprio Kornienko, que transmitiu a conversa que teve com Schmidt a Leonid Brezhnev, na altura Secretário Geral do Partido Comunista Soviético, que esta era a oportunidade real de se chegar a um compromisso com americanos. Contudo, esta proposta foi rejeitada. Kornienko conta que a URSS terá cometido vários erros - de não se sentar à mesa de negociações até a decisão da NATO sobre a instalação do Pershing na Europa ser revogada, já que a instalação do mesmo na Europa era muito preocupante para os soviéticos, visto que o míssil chegava às bases da URSS somente em seis minutos e o posterior “bater com a porta” nas negociações (Akhromeev e Kornienko, 1992: cap. 2; Kornienko, 2003, cap. 11; Woolf et al. 2010:6-8).
As preparações das negociações do novo acordo decorriam sempre ao mais alto nível. Para além da presença óbvia de Brezhnev, também participaram na preparação das directivas Gennady Kornienko, conceituado diplomata, na altura vice-Ministro de Negócios Estrangeiros, Vldimir Kryuchkov, vice-Director do KGB, assim como o General Akhromeev. Papéis importantes também foram desempenhados por Andrei Gromyko, Ministro de Negócios Estrangeiros da União Soviética e por parte americana, George Shultz, na altura Secretário de Estado, assim como Paul Nitze, chefe de delegação americana (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 2).
Capítulo III - O Jogo dos Grandes
Com a vitória de Ronald Reagan nas presidenciais de 1981, este viu uma possibilidade de se chegar a um acordo com a URSS, até porque, segundo Kissinger, “Reagan acreditava que as relações com a União Soviética melhorariam se conseguisse que ela partilhasse o seu receio do holocausto nuclear” (Kissinger, 1994:671).
A negociação formal do Tratado INF teve o seu início em 30 de Novembro de 1981, em Genebra. Estados Unidos de América procuravam atingir o “zero-zero”, proposto por Reagan, através da eliminação das armas Pershing e Tomahawk por parte dos americanos, se a URSS concordasse em desmantelar os seus mísseis6 (Warnke, 1988: 18-20; Djik, 2008: 440-442; FAS, 2010). Observa-se aqui uma proposta de concessão, já que cada uma das partes deveria abdicar de algo, caso quisesse chegar a um acordo (Zartman e Berman, 1982: 166).
Foi Paul Nitze que apresentou a proposta aos soviéticos para considerações formais. Contudo, esta proposta foi recusada pela URSS, por acreditarem que a eliminação das respectivas armas seria injusta. (FAS, 2010). Esta situação é definida academicamente como uma paridade nuclear (MAD)7, que também é um indicador claro de simetria das negociações. Isto porque, com a posse de armamento nuclear por ambos os países, havia plena consciência de que a utilização de pelo menos de uma das armas levaria a uma destruição sem precedentes, assim como estavam em condições perfeitas de fazer exigências (Battilega, 2004: 156; Zartman e Rubin, 2000: 271-273).
Por essa altura, Yuli Kvitsinski, diplomata, chefe da delegação soviética e Nitze, seu homónimo americano, tinham desenvolvido uma forte relação de trabalho, já que fizeram parte de todo processo negocial, chegando mesmo a agendar uma série de encontros informais. Um destes encontros aconteceu em 16 Julho de 1982 na fronteira franco-helvética. Esta conversa ficou conhecida como “Walk in the Woods”8. Durante este encontro Nitze apresentou uma proposta com uma série de concessões das partes. (Djik, 2008:44; AA, 2010). Estas seriam: nível igual nos lançadores de mísseis, já que os EUA tinham quatro ogivas nucleares e a URSS três; não instalação de Pershing II por parte dos americanos; limite de instalação de 20 unidades SS-20 pela URSS na Ásia soviética (FAS, 2010). As partes adoptam assim em todo o processo negocial, o modelo teórico de redução de alternativas, já que as mesmas apresentaram várias propostas que no final permitem um acordo entre as partes (Gestoso, 2007:90).
Depois de efectuar algumas alterações pouco significativas, Kvitsinski garantiu a Nitze que o acordo seria aceite pelos seus colegas. De regresso a Nova Iorque, Nitze consegue convencer o Presidente Reagan que a proposta “Walk in the Woods” seria a solução ideal para se chegar finalmente à assinatura do Tratado INF. A mesma sorte não teve Kvitsinki, já que lhe tinha sido ordenado não dar quaisquer concessões até que os mísseis franceses e britânicos fossem incluídos na contagem. Assim o pacote “Walk in the Woods” é rejeitado pelos soviéticos em Setembro de 1982 (Djik, 2008: 440-442).
Em Fevereiro de 1983, os EUA reiteraram a sua posição e apresentaram a seguinte proposta: igualdade de direitos e dos limites entre os Estados Unidos e a União Soviética; exclusão de terceiros países (França e Grã-Bretanha) da discussão nuclear e de qualquer acordo; limites acordados para aplicação na base global; sem alteração nos mísseis de médio e longo alcance dos soviéticos na Ásia da URSS; não enfraquecimento das forças convencionais da NATO; medidas de verificação eficazes (FAS, 2005). Em contrapartida, a URSS manteve a sua posição de recusa e, embora considerasse algumas medidas favoráveis - tal como a de não alteração nos mísseis asiáticos - as demais não atendiam às suas ambições.
Os dias 22 e 23 de Novembro de 1983 são um marco na história do Tratado INF, já que é aprovada a instalação do Pershing II. Depois da chegada do primeiro míssil dos EUA à Europa, a Delegação da União Soviética abandona as negociações em Genebra (FAS, 2005).
Depois da morte de Brezhnev em 1982 foram feitas várias tentativas por parte dos EUA para continuar com negociações, contudo o sucessor de Brezhnev, Yuri Andropov, manteve-se rígido na sua decisão de não continuar as conversações com os americanos. A mesma posição de recusa manteve o seu sucessor Konstantin Chernenko. (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 2).
Capítulo IV - Novo Líder - Nova Esperança
O ano de 1985 foi um ano histórico não só na história da URSS, como também um marco na mudança das suas relações com os EUA. Desde a chegada de Gorbachev ao poder foi manifestada a vontade dos líderes dos dois Estados de realizar um encontro. A tensão permanente em que viviam os dois Estados à época da “guerra fria” começou lentamente a dissipar-se. O mundo assistia a um lento processo de degelo, cujo primeiro passo foi a carta de Reagan endereçada a Gorbachev, aquando do funeral de Chernenko. A carta convidava Gorbachev para visitar Washington, assim que lhe fosse favorável. Na resposta de Gorbachev, dirigida a Reagan, foi manifestada a vontade de realização de um encontro. Segundo os intervenientes em todo o processo negocial General Akhromeev e o Diplomata Kornienko, pelos motivos formais e protocolares os americanos pretendiam que o encontro entre os dois líderes se realizasse no território dos EUA. Era notório que a chegada do novo líder soviético podia ser um pretexto válido para que as duas potências pudessem finalmente chegar a um acordo. (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 2).
Dado o estado em que se encontravam relações EUA-URSS naquele momento, não era de todo aceitável a deslocação de Gorbachev a Washington que, aliás, foi comunicado a Reagan, que aceitou encontrar-se em Genebra no mês de Novembro. Desde o início era claro que as conversações em Genebra não seriam fáceis. Contudo, aconteceram várias trocas de cartas entre os dois líderes nas quais o assunto repetente era a prevenção da guerra nuclear, que partia pela redução do armamento (NSA, 2005). Até a realização do encontro não fora preparada a versão final dos acordos. Ambas as partes estavam expectantes de obter cedências de parte em parte, durante os seus encontros pessoais (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 2).
Andrei Grachev, na altura Conselheiro e Secretário de Imprensa de Gorbachev, afirmava que Gorbachev previra a dificuldade nas conversações com Reagan e ainda em Moscovo “ensaiava” o seu discurso com os membros da Delegação. A escolha dos membros da Delegação fora muito ponderada e nada foi deixado ao acaso. A mesma foi composta por mais diversos especialistas: Anatoli Dobrinin - Diplomata, na altura Embaixador da URSS nos Estados Unidos, Gennady Kornienko - Conceituado Diplomata da URSS, Georgi Arbatov - Cientista político, Conselheiro de Gorbachev, assim como Eduard Shevarnadze na altura Ministro de Negócios Estrangeiros e, Yakovlev - na altura Director do Instituto das Relações Internacionais, um dos principais ideólogos da Perestroika, assim como e os académicos especialistas em física e matemática Evgeni Velikhov e Roald Sagdeev. Da parte americana estiveram presentes o diplomata Henry Kissinger, Secretário de Estado, George Shultz, Embaixador, Maynard Glitman, um dos principais negociadores do processo INF. Os mesmos participaram em várias alturas da negociação. (DSB, 1987; Grachev, 200, cap. 5).
Segundo o mesmo Conselheiro,
“uma das intenções de Gorbachev era convencer Reagan que ele não está perante um robô, mas sim, um ser humano, que representa um mundo diferente, mas aberto ao diálogo e disposto à negociação” (Grachev, 2001).
O objectivo principal da União Soviética era: conseguir o entendimento de forma a evitar a guerra nuclear; e que não poderia haver uma supremacia militar; nenhuma das partes iria intervir nos interesses legais de segurança. Ou seja, conseguindo esse entendimento era politicamente importante que as partes conseguissem chegar à confirmação de vontade de tomar medidas materiais na redução de armamento, cessação de corrida de armamento na Terra e a não permissão da proliferação da corrida de armamento para o Espaço, confirmando assim o acordo entre Ministros dos dois países que aconteceu em Janeiro do mesmo ano. A oportunidade de Genebra não podia assim ser desperdiçada (Grachev, 2001, cap. 5).
Grachev afirma que Gorbachev sentia-se ansioso com a perspectiva do encontro com Reagan, “... do rumo que pudessem tomar as negociações dependiam também em larga escala as perspectivas da Perestroika dele”. Era também importante tentar chegar ao acordo pelo menos em algumas questões-chave, tais como proibição de armamento espacial em conjunto com a redução de 50% de armas nucleares, chegando às seis mil unidades para cada uma das partes. Estas foram linhas-guia para a orientação dos soviéticos nos contactos com americanos na preparação do encontro, assim como durante o encontro em si (Grachev, 2001, cap. 5).
O primeiro encontro entre os dois grandes líderes, Gorbachev e Reagan acontece em Novembro de 1985 em Genebra, já que tinha sido acordado por Gromyko e Shultz, em Genebra em Janeiro de 1985. Para esse encontro Gorbachev tinha estabelecido o “mínimo absoluto”9, ou seja, ele estava determinado em conseguir um acordo de redução de armamento nuclear de médio alcance e para isso estabeleceu parâmetros dos quais não pretendia abdicar. Foi proposta e conseguida a redução de armamento em cinquenta por cento e eliminação de armamento espacial. Contudo, as partes não conseguiram chegar ao entendimento quanto a experiências nucleares no espaço, por parte dos americanos, agendando um novo encontro em Reiquejavique para o ano seguinte, 1986. (Akhromeev e Kornienko, 199, cap. 2).
Para a cimeira em Reiquejavique a parte soviética preparou a seguinte proposta: 50% de redução total em armamento de todos os níveis; acordo sobre armas estratégicas de 1972, S.A.L.T.I deveria ser mantido em condições em que foi assinado, e também a destruição de mísseis de alcance médio. Segundo o General Akhromeev a parte soviética fez concessões consideráveis, já que algumas armas soviéticas eram muito mais poderosas que americanas e não havia sequer armas correspondentes da parte dos EUA. As delegações de ambos os países continuavam com os mesmos membros de encontro de Genebra. Contudo há uma curiosidade, o tradutor da parte soviética era russo Fyodor Popov, mas da parte americana era um eslavo também, Piter Afanasenko, cujos pais eram de origem ucraniana. Esta plataforma cultural comum permitiu um trabalho coeso e coordenado. (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 3).
Mais também estas negociações não chegaram a bom porto. Os americanos não concordaram com o ponto número dois, pois pretendiam desenvolver mais armas estratégicas, previstas no acordo de 1972 e também não aceitaram a nova proposta de “três zeros” do Gorbachev, que consistia na eliminação total dos três tipos de armas mais perigosas. Mas tinham chegado a acordo em relação à redução de 50 por cento em todo o armamento e também no ponto de misseis de alcance médio. Mais um encontro que não resultou em assinatura do tratado (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 3; Kissinger, 1994:684).
Contudo, segundo Henry Kissinger, “Reiquejavique foi um passo para o condomínio americano-soviético, que tanto os aliados como países neutros haviam receado durante tanto tempo” (Kissinger, 1994: 684). O General Kornienko partilha da mesma opinião dizendo,
“No geral, a importância do encontro em Reiquejavique é muito grande. Pela primeira vez desde 1945 as partes tentaram livrar-se de todo o peso da desconfiança, que se acumulou durante décadas e começar trabalhar de uma forma eficiente sobre o assunto da redução de armamento nuclear. Esta tentativa, embora desta vez não fosse bem sucedida, não foi em vão” 10 (Gorbachev apud Akhromeev e Kornienko, 1992).
Em Julho de 1987 a URSS fez a sua última concessão de retirada de todas as forças nucleares de alcance médio, caso mísseis Pershing fossem incluídos no tratado. Em Novembro de 1987 esta cláusula foi incluída na versão final do Tratado, quando Shevarnadze e Shultz se encontraram em Genebra nos dias 25 e 27 de Novembro. Também é nessa altura agendada a Cimeira de Washington onde o Tratado seria assinado nos dias 7-10 de Dezembro de 1987. (Akhromeev e Kornienko, 1992, cap. 3).
Assim, no dia 8 de Dezembro chegava-se finalmente a assinatura do acordo sobre a redução do armamento até seis mil unidades de mísseis de alcance de 500 a 5.500 quilomentros, eliminação total de mísseis de alcance intermédio para cada uma das partes e medidas de verificação eficazes, tais como inspecções bilaterais no que concerne a locais de produção nuclear. Este tratado viria a ser ratificado pelo Senado Americano e Soviete Supremo.
Capítulo IV - Conclusão
Em finais de Abril, inicios de Maio de 1987 na sequência do Tratado INF foram eliminados os últimos mísseis americanos. O último míssil soviético SS-20 foi eliminado em 11 de Maio do ano 1991 (DOS, 2005).
Podemos assim concluir que, embora tenha sido difícil e moroso, o Tratado INF revelou ser um Tratado eficaz. Até mesmo no seu cumprimento verificou-se o respeito pelas datas previstas. No total foram destruídas 1.750 mísseis soviéticos e 846 mísseis americanos (Woolf, et all., 2010: 6-8)
Embora não tenha sido o primeiro a ser realizado entre os dois países, este Tratado é um exemplo claro de boa vontade e do factor humano nas negociações. Muito depende da personalidade dos intervenientes no processo de negociação. Conforme se pôde ler no Capítulo IV deste trabalho, o facto de Gorbachev “ensaiar” o seu discurso antes do primeiro encontro com Reagan, demonstra uma preocupação e empenho genuíno do líder em conseguir um acordo. Dificilmente alguém que não tivesse essa preocupação teria um comportamento desses. O Conselheiro do Gorbachev escreve que já na Primavera de 1985, num guardanapo que este tinha mostrado a um dos seus membros do pessoal, tinha escrito: “acabar com a corrida do armamento”, “sair do Afeganistão” e “melhorar relações com EUA e China”. Ou seja, mesmo fora de obrigações profissionais, na sua hora de almoço, Gorbachev continuava preocupado com as relações exteriores e a guerra nuclear (Grachev, 2001: cap.5).
Vimos aqui neste trabalho que, enquanto se mantiveram no poder pessoas com alguma idade e fortes convicções idealistas, como Brezhnev, Andropov e Chernenko e mesmo Nixon e Carter, foi difícil, ou mesmo impossível de chegar a um acordo. No entanto, com o aparecimento em cena de Gorbachev um líder revolucionário e carismático, que soube gerir bem a diversidade ideológica e até cultural em vários aspectos de negociação11, fazendo uma série de concessões, assistimos a um lento processo de entendimento que, por fim, converge num acordo favorável a ambos os Estados.
Bibliografia:
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* Frequenta o 3º ano do Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).
1 O Tratado SALT II foi assinado em 1979 (Kissinger, 1994).
2 No original: “Глазами маршала и дипломата. Критический взгляд на внешнюю политику СССР до и после 1985 года». Akhromeev e Kornienko (1992). Moscovo: Mezhdunarodnie otnosheniya. N.B.: esta e outras traduções de língua russa, constantes na obra, são da autoria da própria.
3 No original: “Горбачев, человек, который хотел как лучше». Grachev, Andrei (2001). Moscovo: Vargius.
4 Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels, 1974).
5 Mísseis SS-20, SS-4 e SS-5 (Kornienko, 2003).
6 SS-20, SS-4 e SS-5 (FAS, 2010).
7 MAD - Mutual Assured Destruction (Battilega, 2005).
8 Esta conversa ficou conhecida como “Walk in the Woods”, já que decorreu de uma forma descontraída e aconteceu durante o passeio pelo bosque na fronteira franco-helvética (Djik, 2008:440).
9 Definição do mínimo absoluto: Livingston Mershand apud Zartman, William e Berman, Maureen (1992), 166-170.
10 No original em russo: В целом значение встречи в Рейкьявике очень велико. Впервые после 1945 года стороны попытались сбросить с себя тот груз недоверия, которое десятилетиями копилось друг против друга, и начать по-деловому работать над сокращением ядерных вооружений. И эта попытка, хотя на этот раз и не привела к успеху, не пропала даром” (Akhromeev e Kornienko, 1992).
11 Gestoso, Carlos Guillén (2007) Estratégias de Negociação. Edições Pedago, Lda,