Restrições Orçamentais, Forças Armadas e Prioridades
Políticos e economistas vão apresentando argumentos à Nação para explicar o que já todos sentem. Chegámos aqui gastando mais do que o que produzimos e agora é preciso reduzir na despesa do Estado. Como já afirmamos noutras ocasiões, as Forças Armadas não tencionam ser mais ricas do que a Nação e também terão de racionalizar as suas despesas, o que significa cortar no que não é essencial e manter aquilo que não afecta o moral, a coesão, a motivação e a prontidão da força militar que, a par de outros instrumentos, assegura a salvaguarda do interesse nacional e da soberania. Como já alguém afirmou,”a experiência sugere que é importante ter forças militares que são estáveis durante as crises, sem qualquer sentimento de que devemos usá-las ou ver-nos livres delas”.
O moral e a coesão das Forças Armadas, cimento da sua permanente disponibilidade para o serviço público e do culto das virtudes que as distinguem, onde sobressaem a camaradagem de armas, o patriotismo e a lealdade, passam pelo respeito pelos princípios da organização militar: o comando, a hierarquia, a disciplina, as relações civis-militares numa sociedade em mudança e com conflitos que fogem aos padrões tradicionais, e a condição militar, que hoje assume formas novas com o profissionalismo de homens e mulheres que voluntariamente servem na força militar da Nação. É uma área que tem de ser concebida e dotada de meios que permitam uma administração do pessoal sem incertezas, sobressaltos e mudanças bruscas em carreiras que são reguladas por princípios estatutários e limites de idade para cada posto e que desde há trinta anos, e em duas gerações de militares, assistiram a quatro mudanças mal pensadas nesses limites. O que originou uma política de incerteza ou de azar que não tem permitido regular carreiras, pondo em causa o comando, a disciplina, o moral e a coesão da Instituição Militar. Convirá que a administração de pessoal nas Forças Armadas cuide desta situação, onde a margem para mais cortes nas despesas certas e permanentes com o pessoal é muito escassa, devendo procurar-se soluções de menor despesa, se prementes, nas remunerações eventuais.
O profissionalismo nas Forças Armadas trouxe vantagens e inconvenientes. Cada vez é mais difícil atrair jovens para uma actividade do serviço público onde o juramento de servir pode significar o sacrifício da vida, em que a diversidade e frequência de missões se materializam por ausências prolongadas da família e onde a vivência diária se traduz por grande incomodidade. Já não bastam slogans para atrair jovens, habituados a contabilizar vantagens e certezas. Obter voluntários passa, cada vez mais, pela resolução das variáveis de “recrutar”, “remunerar”, “rejuvenescer” e “restituir à sociedade” jovens com maiores qualificações para o mercado de trabalho. Variáveis onde predomina o factor de motivação que hoje é mais regulada por interesses do que por valores.
Significa isto procurar criar condições atrativas para servir, desenvolvendo políticas de apoio de saúde, educação contínua e preparação para quando terminar o período de contrato. Para desenvolver estas políticas são necessários meios financeiros mas também medidas legislativas, terminando com algumas criadas que se traduziram, por exemplo, com a que regula a atual admissão à GNR e Forças de Segurança. Sem políticas de motivação materializadas por medidas visíveis dentro de pouco tempo não haverá voluntários para servirem nas Forças Armadas.
A prontidão da força militar materializa-se em pessoal, equipamentos e armamentos adequados e a sua instrução e treino permanentes. Depois de uma guerra prolongada e perante um ambiente estratégico internacional em permanente mudança e imprevisível, as Forças Armadas portuguesas encontraram forte motivação no seu emprego pelo Estado em missões de apoio à paz desenvolvidas pela ONU e por outras organizações, como a OTAN ou a UE. Esse emprego conduziu a alguma modernização de armamentos e equipamentos e, acima de tudo, ao treino contínuo e adopção de procedimentos que modernizaram e internacionalizaram a força militar da Nação. Trouxe prestígio para Portugal e para a sua política externa, que motivaram quadros e tropas para se sentirem úteis e prestigiadas. Retirar as Forças Armadas dessas missões por restrições financeiras não será avisado, assim como não será correcto procurar nas missões de interesse público e “no duplo uso” que alguns ramos fomentam (reconhecendo-se a vantagem que traz para o treino e prontidão) a sua razão de ser. A força militar existe, justifica-se e distingue-se por produzir força. E chega.
As restrições orçamentais poderão materializar-se em mais um adiamento na modernização e reequipamento das Forças Armadas, que passará a ter menor prioridade do que as correctas políticas de pessoal e a sua instrução e treino. A História mostra e ensina que quando se atingem níveis mínimos nestas áreas a sua recuperação em tempos de crises graves exige maior esforço do que procurar armamentos e equipamentos que rapidamente estarão disponíveis. Vivemos tempos que exigem estabelecer prioridades e decidir de acordo. E o bem mais precioso das Forças Armadas é o seu pessoal, que deve merecer prioridade na sua motivação e disponibilidade.
* Presidente da Direcção da Revista Militar.