Um Debate que Deve Ser Iniciado
Numa sociedade em profunda mudança como aconteceu noutras épocas da História, as interrogações sobre onde nos conduzirá a mudança e que caminhos serão os mais ajustados para percorrer este tempo de incertezas merece reflexão. No denominado mundo ocidental, que durante séculos ditou leis e regras a outras partes do mundo, tenta defender-se um estilo de vida que tem sido suportado por recursos fictícios e agora os ricos pedem dinheiro aos pobres e fazem protestos de indignação para manter esse estilo de vida. Os clássicos factores produtivos de terra, capital, trabalho e inovação tecnológica encontram-se desajustados no seu equilíbrio e será preciso imaginação para não se continuar a recorrer a modelos do passado para encontrar novos equilíbrios.
O “Estado herói” e as suas instituições também se encontram em mudança, tentando ajustar-se a novos conceitos de soberania na ordem externa e a novos ordenamentos jurídicos que satisfaçam os cidadãos. Uma das instituições que está em discussão, e será aceleradamente discutida em futuro próximo, é a Instituição Militar. Há vozes crescentes que questionam a sua exclusividade na produção de força militar, a condição militar e o seu sistema enquadrante, como o comando e a disciplina e os seus sistemas diferenciados de ensino, de saúde e de retribuições. Os modelos de prestação de serviço militar vão-se alterando, as missões da força militar procuram justificação na utilidade de serviço público e os orçamentos para produzir e manter força militar vão-se deteriorando.
No seu discurso numa sede da Instituição Militar, no Instituto de Estudos Superiores Militares, no dia 23 de Novembro, o Primeiro-ministro de Portugal expressou a sua visão política sobre as Forças Armadas:
“As nossas Forças Armadas foram, são e serão um elemento agregador da nossa vontade colectiva. Representam inquestionavelmente um pilar fundamental da afirmação da nossa soberania, da nossa independência e da nossa identidade…
… Por fim, precisamos de umas Forças Armadas ágeis no uso dos seus recursos humanos e eficientes na aplicação dos seus recursos materiais em todas as actividades, segundo uma lógica de não duplicação dos meios do Estado, e sem perder de vista a disciplina orçamental que, nos nossos dias e em virtude da grave situação que o País atravessa, é pedida a todas as esferas da sociedade portuguesa…
… A reforma e reestruturação das Forças Armadas também apontam para uma estrutura de comando mais reduzida e mais eficiente.
Apontam para a clarificação, num contexto de graves restrições financeiras do Estado e da economia, de quais são os meios e equipamentos militares essenciais, e recomenda a desactivação de tudo aquilo que for acessório e dispensável.
Apontam para o fortalecimento da componente operacional e para a atribuição de efectivos poderes ao general CEMGFA para o seu exercício.
Apontam para a coordenação e exploração das sinergias entre o MDN, o EMGFA e os Ramos.
Apontam para a partilha de tudo o que é, e deve ser, comum, e para a eliminação das duplicações desnecessárias ou eventuais disfunções de sistema.
Apontam para a promoção do reagrupamento geográfico de unidades e comandos.
Apontam para o aperfeiçoamento da prontidão, da capacidade de projecção e da sustentação das capacidades dos meios e dos equipamentos.”
Das palavras do Senhor Primeiro-ministro adivinham-se mais reorganizações nas Forças Armadas, por força da conjuntura, que colidem com a sua visão do que a Instituição Militar, e as Forças Armadas que gera, representam para a Nação.
Pensamos ter chegado o tempo, em Portugal, para uma profunda reflexão sobre a Instituição Militar na Nação, que saia das continuadas reorganizações e adaptações, procurando esconder-se o grande problema de fundo que compete aos portugueses discutirem, na sede do poder que os representa que é a Assembleia da República. Debate que poderá ser preparado pela Universidade com o apoio do saber feito na Instituição Militar.
Começando pelo princípio convirá perguntar se a Nação portuguesa necessita de força militar para assegurar a sua soberania e se a missão constitucional das Forças Armadas (a defesa militar da República, art.º 275º da Constituição da República), entendendo-a na sua ambiguidade como a defesa do espaço nacional, da sua população e do interesse nacional, continua a ter sentido ou é só uma figura de retórica. Isto porque o actual modelo das Forças Armadas de Portugal, em recursos humanos e equipamentos, mesmo inseridas num contexto de defesa colectiva, pouco podem assegurar para essa defesa. Duvidamos mesmo que num contexto de conflito regional ou global assegurem a função de “cordão de tropeçar” para que outros mecanismos de defesa funcionem. Para não falar de responsabilidades próprias e em tempo para assegurarem as capacidades militares necessárias a uma defesa que a repartição do espaço nacional requer.
Respondida a esta questão poderemos parar ou prosseguir. Se progredirmos, convirá ir formulando questões sucessivas. Deverão as Forças Armadas continuar a ser uma Instituição, com uma autonomia própria nos seus elementos estruturantes, onde sobressaem o comando e a disciplina próprias e os sistemas funcionais que daí derivam, e que devem responder no seu emprego, funcionamento e responsabilidade perante a Nação (Assembleia da República, a quem compete, de acordo com o art.º 164º da Constituição da República, legislar sobre a organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas) ou devem evoluir para mais um organismo do Estado que responde perante o executivo para além da responsabilidade administrativa (art.º 199º da Constituição)? E sobre a condição militar? As suas bases gerais foram aprovadas pela Lei nº11/89, de 1 de Junho, mas a Lei nunca foi regulamentada. É para manter ou os militares passam a funcionários públicos?
Há, na realidade, indefinições e atropelos à legislação que urge clarificar. A Revista Militar, estará sempre disponível para debater estes assuntos. Apresenta como créditos cerca de cento e sessenta anos de existência e de publicação contínua, encontrando-se nas suas páginas muito do pensamento militar da Nação sobre a Defesa Nacional e a Instituição Militar.
* Presidente da Direcção da Revista Militar.