Nº 2520 - Janeiro de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Guerra Peninsular (1807-1814). Uma Figura dos 1º, 2º e 3º Exércitos Franceses que Invadiram Portugal
Tenente-general
José Lopes Alves
General De Divisão Conde
Louis-Henri Loison (O “Maneta”)
 
Introdução
 
Embora muito se tenha considerado e referido sobre a Guerra Peninsular de 1807 a 1814 (de 1807 a 1812 em território português) nos colóquios, encontros, conferências, visitas de estudo e seminários organizados pelos estados-maiores das forças armadas, academias, institutos, escolas e algumas câmaras municipais para a comemoração do seu bicentenário, quer relativamente a eventos políticos e estratégicos ligados aos três primeiros exércitos franceses invasores, quer quanto aos do Exército Anglo-Luso que se lhes opôs, pouco ou nada se disse especificamente sobre o general de divisão conde Louis-Henry Loison, por alcunha “O Maneta”, o qual, como se pode constar das notas a seguir, foi figura relevante do conflito.
 
Na realidade, ainda que no domínio militar as suas características pessoais e a forma como as utilizou não tivessem agradado inteiramente a Bonaparte e, pelo contrário, fossem por vezes merecedoras de críticas e processos disciplinares, é certo, como se constata das mesmas notas, que, a par de valente e determinado combatente nas três invasões em que sucessivamente tomou parte, foi elemento com mérito destacado no que respeita à guerra irregular que teve de enfrentar e à sua contribuição para o enriquecimento, à custa das invasões, do Estado Francês, do Exército Imperial como um todo e dos seus generais e marechais em particular, o Imperador incluído.
 
Lembre-se desde já que a alcunha “o maneta”, por lhe faltar o braço esquerdo, lhe não adveio de empenhamento de campanha, mas, sim, de acidente com arma de fogo em caçada que, em 5 de Fevereiro 1806, ofereceu ao marechal Ney nas suas propriedades.
 
Escreveu um historiador a propósito das suas características pessoais e do seu comportamento que “os espíritos sensíveis e moralistas podem ficar chocados com a sua descrição”. Julgamos isso um exagero, ainda porque o seu caso, como poderá verificar-se a seguir, é semelhante ao de muitos outros oficiais, marechais e generais, que serviram Bonaparte
 
 
I - Dados Biográficos Gerais
 
O Revolucionário e o Combatente
 
O general de divisão conde Loison nasceu no departamento de Lorena, em Damvillers, no leste da França, em 16 de Maio de 1771, e faleceu em Liège, onde então residia, em 1816, portanto com 45 anos de idade e um ano depois do termo do período de governo napoleónico denominado “dos cem dias” no qual se bateu uma última vez pelo Imperador. Tinha, portanto, 18 anos, impregnados do espírito revolucionário da época, que depois manifestaria, quando em 1789 eclodiu a Revolução e a ela aderiu de imediato. De pequena nobreza, tinha um tio da classe eclesiástica que era o detentor oficialmente reconhecido dos escassos pergaminhos da família e a quem, quando a Igreja Católica, de início banida pela Convenção, foi restabelecida por Bonaparte, conseguiu pela sua influência junto dos altos dirigentes elevar à categoria de bispo da diocese de Bayonne.
 
Ao contrário de grande parte dos generais e marechais que serviram o Imperador e que após o fim do Império se dedicaram a relatar as campanhas em que tinham tomado parte e os acontecimentos que antes as influenciaram e delas decorreram, Loison pouco ou nada terá deixado escrito sobre a sua pessoa ou sobre outros que com ele conviveram e actuaram. Todavia, alguns daqueles escreveram, ainda que não largamente, sobre a sua pessoa e recentemente, em 2003, o jornalista e escritor Henry Jeanpierre elaborou biografia da sua vida que difundiu na Internet e que a seguir fez publicar em pequeno volume. Nesse estudo, baseado nas opiniões de alguns militares e civis que com ele privaram e serviram e no articulado de documentos oficiais, o general é apodado de bravo, valente, irreflectido, insensível, indisciplinado, desumano, de baixo carácter, de trato difícil, falso, ingrato, pouco camarada, ambicioso, avaro, egoísta, sádico, com elevada tendência para a pilhagem, denunciante junto do Imperador e, acrescenta um outro autor, “o exemplo extremo do que se diz serem as características de grande parte dos lorenos, ou seja, as de zombaria, mordacidade e parcialidade”. Conclui-se, contudo, ter sido “homem viril em toda a acepção da palavra, um exemplo característico dos soldados de fortuna que a Revolução criou e o Império espalhou pela Europa e pelo Mundo, alguns dos quais, como é o caso dele, se tornaram valiosos lugares-tenentes de Bonaparte nos seus estados-maiores, nos seus corpos de exército e, mais tarde, como generais e marechais, na corte imperial”.
 
Influência do Ambiente do Exército
 
As características pessoais de Loison, de que ele fez largo uso na Península Ibérica explorando o meio físico e social, a reacção das populações contra as tropas francesas invasoras e, no interior do Exército, o desregrado ambiente de todos os matizes que se verificava entre os seus mais altos quadros e, por decorrência, imitação e aproveitamento, entre grande parte dos graduados e soldados veteranos, encontrarão nas campanhas ambiente favorável para singrar. Na realidade, ainda que sempre imbuídas do espírito revolucionário que espalhavam pela Europa, verificava-se entre as tropas, nomeadamente entre os seus generais e marechais, pela mobilidade, espírito de combate e sacrifícios permanentes que lhes eram exigidos, divergências, indisciplina, discordâncias com o Imperador perante favorecimentos individuais e nomeações, ciúmes e, acima de tudo, o veemente desejo de enriquecerem nas campanhas, obterem promoções e chegarem a título nobiliárquico que, após a constituição do Império em fins de 1804, Bonaparte começou prodigamente a conceder. Pretendia satisfazê-los, aquietá-los, igualá-los a si próprio e aos generais e dignitários estrangeiros que sucessivamente venciam no campo de batalha, dando ao mesmo tempo projecção à nova França e ao próprio Exército. São conhecidos neste âmbito algumas tentativas de sedição verificadas em território francês e em países ocupados, levadas a efeito por elementos grados das populações locais com o patrocínio de militares, e o receio que o Imperador por vezes manifestava da atitude de alguns oficiais que mais proximamente o rodeavam.
 
O restabelecimento em 20 de Março de 1804 da dignidade de marechal, poucos dias depois da sua aclamação como Imperador dos franceses, a consequente nomeação de 18 marechais do Império, 14 efectivos e 4 honorários, (a Convenção tinha autorizado apenas 16) e a cerimónia apressada da sua posse verificada apenas três dias depois na igreja de Nôtre-Dame, em Paris, inscreve-se em todas essas razões.
 
O panorama político e estratégico que estava na base do ambiente referido era, no entanto claro. A ocupação de territórios pelas tropas francesas era sempre acompanhado, como faziam as legiões romanas em relação à sua civilização, da imposição do espírito e dos princípios da Revolução de 1789 e da definição de três níveis de interesses: o característico de todas as ocupações militares em todos os tempos da História, ou seja, domínio e destruição do adversário e seu ulterior aproveitamento na segurança local e na luta lado a lado, o económico-financeiro, no qual se englobavam as indemnizações e tributações lançadas sobre o país vencido, e o relativo à colecta e apropriação de obras de arte.
 
Deixando o nível ocupação militar e outros eventualmente a ele ligados, por demais tratados e conhecidos, vamos referir-nos unicamente aos níveis financeiro e de apropriação de obras de arte, considerando desde já em relação ao primeiro que os generais e marechais faziam, de facto, a guerra para combater e, ao mesmo tempo, para enriquecer. O montante das verbas recebidas, de vencimentos e dotações individuais que o Imperador por vezes concedia perante o seu comportamento nas campanhas e perante os resultados finais nestas obtidos podia ainda ser acrescido de subvenções correspondentes aos títulos nobiliárquicos que o uns e outros iam obtendo1. Tais montantes cresciam rapidamente, dado que havia que fazer face às sucessivas coligações dos Aliados contra a França, permitindo aos beneficiários e familiares montar trens de vida ricos, luxuosos, por vezes espaventosos, e, geralmente, exagerados.
 
Bonaparte, embora desejasse dispor de um naipe de oficiais generais satisfeitos para poder tirara deles o máximo rendimento nos períodos de guerra, criticava muitas vezes a sua ostentação de riqueza. Citam-se como exemplos desta cupidez financeira no âmbito peninsular o general Andoche Junot e o marechal Soult: o primeiro que, por apropriação indevida ou dádiva de D. João VI no termo da sua missão de representante pessoal do Imperador junto da corte portuguesa, em 1805, missão em que substituiu o marechal Lannes, terá saído de Lisboa com elevada quantidade de ouro e diamantes provenientes do Brasil, o mesmo sucedendo em obras de arte, em 1808, na sua retirada após a Convenção de Sintra; o segundo, escreveu-o a duquesa de Abrantes, mulher de Junot, nas suas “Memórias” só aceitou ser comandante-chefe do Exército para a 2ª invasão de Portugal depois de o Imperador lhe atribuir a verba de 200.000 ou 300.000 francos que sua mulher exigiu.
 
Seria na Batalha de Elchingen contra os austríacos, em 14 de Outubro de 1805, que Loison terá tido o seu melhor comportamento de todas as campanhas da Revolução e do Império em que participou.
 
No seu livro L´Époque de Bonaparte”, o escritor e professor da Sorbonne, Jacques-Olivier Bourdon, relaciona os marechais promovidos em 1804 e os 8 outros do total de que até ao termo da era imperial seriam dignificados e indica a sua subvenção anual individual correspondente (se conhecida) que lhes foi atribuída. A diversidade dos montantes da subvenção no seu conjunto dá ideia do desregramento que o Imperador por vezes seguia nas decisões de interesse para os seus próximos colaboradores, contribuindo com tal procedimento para a animosidade, indisciplina e desrespeito que em campanha, como sucedeu em Portugal com o próprio Loison na 2ª invasão e com Ney, Junot e novamente Loison na 3ª, muitas vezes entre eles eclodiam, e para que o último, no uso das suas características de comportamento pessoais, aproveitasse as situações verificadas para as criticar e explorar em seu benefício.
 
Acompanhando com vénia e completando a lista de Bourdon, foram esses marechais e respectiva subvenção anual, em francos, as seguintes:
 
a) Em 1804
- Augereau
- Bernadotte,
- Berthier,
- Bessières,
- Brunne,
- Davout,
- Jourdan,
- Kellermann,
- Lannes,
- Lefevre,
- Massena,
- Moncey,
- Mortier,
- Murat,
- Ney,
- Pérignon,
- Sérurier,
- Soult,
 
80.000,
124.000,
180.000,
53.000,
desconhecido,
40.000,
desconhecido,
desconhecido,
100.000,
100.000,
70.000,
20.000,
desconhecido,
desconhecido,
224.000,
20.000,
20.000,
50.000.
b) Em 1809
- Marmont,
- Macdonald,
- Oudinot,
 
c) Em 1811
- Suchet,
- Victor,
 
d) Em 1812,
- Gouvion-Saint-Syr,
 
e) Em 1813,
- Poniatowski,
 
f) Em 1815,
- De Grouchy,
 
 
24.000,
desconhecido,
desconhecido.
 
 
24.000,
25.000.
 
 
20.000.
 
 
desconhecido.
 
 
10.000.
 
 
 
Estas subvenções eram pagas directamente aos beneficiários ou, o mais normal, através dum intendente encarregado da sua cobrança e constituíam encargo do Estado Francês ou de países conquistados. O reino de Westphália, que o Imperador criou para seu irmão mais novo, Jerónimo, e em 1806 governado por Loison, contribuía com 7 milhões de francos para as subvenções dos marechais (31% do cômputo total dos tributos fixados aos países conquistados que era, então, de cerca de 20 milhões) e o de Hannover com perto de 6 milhões, não constituindo, portanto, surpresa que entre os marechais se desejasse arduamente manter e defender tais conquistas.
 
As subvenções individuais dos possuidores de títulos nobiliárquicos, concedidos pelo Imperador a partir de 1806 - principados, ducados, condados, baronias e outros - eram menores, variando entre 500 e 800.000 francos de renda anual, situando-se a média entre os 2.000 e os 10.000. Estas subvenções, atribuídas a bel-prazer do Imperador, eram extensivas a muitos oficiais e cavaleiros, constituindo naturalmente também encargo dos países conquistados em que se situava o património correspondente ao título atribuído. O título de duque de Abrantes, de Junot, teria constituído excepção ao princípio anterior dado que, queixava-se a duquesa em 1813, ano da sua morte na sequência de ferimentos recebidos em combate (17), a subvenção era atribuída ao marquês da mesma povoação.
 
Colecta e Locupletação de Obras de Arte
 
Continuando a acompanhar Jacques-Olivier Bourdon, é conhecido “que desde a Revolução, os franceses se dedicaram a enriquecer o seu património artístico à custa dos países conquistados”. De acordo com esta política, que Bonaparte desde logo apoiou, foi nomeada em 1802 uma comissão de quatro membros dirigida por um especialista, Vivant Denon, e criado em 1803, integrado no Louvre, o Museu Napoleão. A partir de então, a par dos tributos financeiro impostos aos países conquistados, eram-lhes arroladas, após cuidadas e aturadas pesquisas em que se incluem igrejas, conventos e entidades particulares, todas as obras de arte que tivessem valor e interesse para o referido museu. Era um espólio de guerra.
 
Esta apropriação de bens a título oficial era também seguida a título particular por oficiais e graduados do Exército, como foram exemplo Junot e Soult, à custa de Portugal e Espanha, nomeadamente o marechal, que durante as campanhas em que tomou parte reuniu valiosas colecções de arte. Também a pesada e valiosa “impedimenta” dos franceses de Junot transportada em navios ingleses na sua retirada de Portugal após a assinatura da Convenção de Sintra que pôs termo a invasão, constitui exemplo de apropriações seguida pelas hostes napoleónicas.
 
Embora não se conheça registo das apropriações, colectas e rapinas praticadas por Loison, é certo que nas suas correrias anti-revolucionárias e anti-guerrilha pelo país nas três invasões, foi elemento pesquisador e apropriador de dinheiro e bens, quer em proveito pessoal, como era uso, quer dos organismos oficiais, cooperando então nestes domínios com os especialistas destacados para as campanhas apenas com essa finalidade. No âmbito das suas características pessoais, aliadas à larga experiência da sua utilização, tirava assim proveito de ambiente que com a sua prática ajudava ao mesmo tempo a manter.
 
Adensaram este quadro ambiental de desregramento no seio dos exércitos franceses das 1ª e 3ª invasões na Península Ibérica, dando origem a críticas internas e prejudicando naturalmente o moral das tropas, os seguintes factos ligados às nomeações do general Junot e do marechal Massena para o comando-chefe do exército respectivo.
 
Escreve efectivamente a duquesa de Abrantes nas suas “Memórias, já citadas, que Junot, seu marido, sendo então ajudante de campo do Imperador e governador militar de Paris, não desejava comandar a força destinada a obrigar Portugal a cumprir o seu ultimato, mas que ele lhe impôs o seu comando para o retirar da capital quando soube que mantinha relações íntimas, já de meses, com a princesa e duquesa de Berg, Carolina, sua irmã, casada com o marechal Murat. Relativamente ao marechal Massena, refere que este também não desejava ser nomeado comandante-chefe da 3ª invasão, entre outras razões, por a decisão do Imperador ser criticada por muitos oficias generais, nomeadamente pelo marechal Ney, só aceitando a nomeação quando Bonaparte, saltando sobre sua determinação geral que proibia os generais de se fazerem acompanhar de mulheres nas campanhas, o autorizou a ter permanentemente junto de si na Península um elemento do sexo feminino. Esta senhora, não sua mulher legítima pois ele era casado, era a jovem esposa dum capitão de cavalaria com quem tinha relações íntimas, a qual depois se exibia livremente nos acampamentos fardada de capitão e ostentando as insígnias da Legião de Honra.
 
Estes aspectos constatados na organização preliminar dos dois exércitos de invasão constituíam naturalmente também para Loison desrespeito pelos protagonistas, o Imperador incluído, os quais se agravavam pelas carências de efectivos e meios e pela necessidade permanente de estar atento ao comportamento hostil das populações e de combater uma guerrilha aguerrida e impiedosa, tudo incentivando o seu empenhamento punitivo e anárquico generalizado nas três invasões enquanto permaneceu na Península.
 
Embora não se disponha de elementos que o provem, o general deve ter tido a mesma ou análoga forma de actuação noutras campanhas em que participou no centro da Europa, na Itália e na Rússia, explorando as condições de ambiente físico e populacional locais encontradas e um comportamento profissional do Exército e dos seus chefes, que seria também semelhante. Em Portugal, pelo que já foi considerado e pelo que se pormenorizará a seguir, realizou-se plenamente.
 
 
II - Súmula do Percurso de Loison até Portugal
 
Como já foi aflorado, o general conde Loison, como teria sucedido com todos os da sua idade, teve uma adolescência naturalmente turbulenta na sua integração no período pré-revolucionário, centrada no ódio e oposição a tudo o que expressasse poder real e catolicismo. O termo “patriotismo” tomava então significado revolucionário particular para o qual ele muito contribuía.
 
Encorajado pela família, iniciou a sua carreira militar como voluntário, sistema de acesso ao Exército seguido então por muitos jovens que, em curto período, ascenderiam aos mais altos postos do Exército, alistando-se em 15 de Setembro de 1791 no 2º batalhão do departamento do Mosa, do regimento de infantaria (ex-regimento “Les Dauphines) sediado em Phillipeville. Tinha, então, 20 anos. Sete meses depois, em Abril de 1792, tendo os restantes países da Europa declarado guerra à França para extirpar o perigo que ela representava para as monarquias estabelecidas e havendo necessidade urgente de pessoal no Exército, nomeadamente de sargentos e oficiais, foi, por empenhamento do pai junto do comandante do regimento, promovido a 2º tenente e, poucos meses depois, provada e reconhecida a sua valentia nos combates em que entrou, foi graduado em general de brigada para o comando de uma brigada mista de infantaria e cavalaria com 500 homens.
 
No ambiente anti-religioso que vigorava, o primeiro acto de pilhagem e destruição de relevo levado a efeito por Loison, com forte destacamento de tropas e familiares, indiciando propensão para outros que praticaria no futuro, foi, em 23 de Junho de 1793, o roubo e incêndio da rica e mundialmente conhecida abadia de Orval, dos beneditinos, no norte da França, actual Bélgica, tida como sede de clube de aristocratas contra-revolucionários e apoiantes da fuga de Louis XVI. Loison era já então, como se verifica, general de brigada graduado.
 
Apesar da oposição instalada contra a religião cristã, o seu acto mereceu a repulsa e severas críticas da população local, sendo-lhe por isso instaurado processo-crime que foi julgado em tribunal revolucionário. Contudo, processo e julgamento não lhe acarretariam quaisquer consequências. Os órgãos de justiça locais e o comandante da divisão territorial a que o seu regimento pertencia, considerando a bravura e a valentia por ele já revelados em combate, julgaram a acusação sem fundamento e não o puniram.
 
Retomado dias depois, em Outubro de 1793, o serviço militar normal, de que havia sido suspenso durante o processo, participou nos combates das Ardenas de que resultaria a segunda ocupação da Bélgica, sendo então efectivamente confirmado no posto de general de brigada. Dois anos depois, em 1795, premiando a sua valiosa intervenção, sob as ordens de Massena, na campanha contra as irrequietas populações suíças de origem alemã, é promovido a general de divisão. Tinha, então, apenas, 24 anos.
 
Em meados desse ano recebe ordem para se juntar ao Exército de Itália, aí empenhado na sua 1ª campanha, ordem que não cumpre com o pretexto de que a família necessitava o seu apoio por lhe ter nascido ma filha, sendo desligado do serviço. Retomado o serviço, vive os acontecimentos do 13º Vendimiário (5 de Outubro de 1795), cooperando com Bonaparte, então também readmitido, na repressão da insurreição dos parisienses realistas concentrados na escadaria da Igreja de São Roque, em Paris. O seu comportamento foi tão valioso que o futuro Imperador, figura dominante apoiante da Convenção, tendo de partir para a 2ª campanha de Itália (1796-1799), o encarregou do julgamento dos insurrectos, o que ele fez, diz-se, demagogicamente, mas moralizador, enviando muitos para a guilhotina e para as prisões da capital.
 
Acompanha a seguir Bonaparte e os generais Victor, Duhesm e novamente Massena na campanha de Itália de que resultaria a sua primeira animosidade séria em relação a Bonaparte quando este, regressando a França, entregou o comando do exército ao general de divisão Brun e não a si. A seguir, no entanto, após ter participado no cerco de Colberg, na Prússia, foi nomeado governador do Reino de Westfália que Bonaparte criara para seu irmão mais novo, Jerónimo, revertendo depois para unidades territoriais, em Liège. Receberá aí solenemente, em 19 de Julho de 1801, das mãos de Bonaparte, a espada de general, continuando a ser, no entanto, tão anti-social e anti-clerical como anteriormente.
 
Desde princípios de 1807 até meados de 1811, é comandante de divisão nos exércitos que iriam invadir sucessivamente Portugal em 1807, 1809 e 1810, neles dando a maior expressão às suas características pessoais, nomeadamente as de valentia, dureza, indisciplina, apropriação de bens e desumanidade.
 
Presença na 1ª Invasão (1807/1808), com Junot
 
Loison comanda a 2ª divisão, a 2 brigadas e com 7 batalhões, do exército da Gironda o qual, como 1º Exército de Portugal, recebeu a missão, entre outros aspectos conhecidos, de invasão e ocupação do território continental português, tendo ocupado efectivamente Lisboa em 30 de Novembro de 1807. Duas semanas depois, em 13 de Dezembro e dias seguintes terá tido saliente influência na repressão da primeira revolta conduzida pelas populações na Península contra as forças francesas de ocupação quando o general Junot, durante pomposa cerimónia no Rossio, mandou arrear a bandeira portuguesa no Castelo de S. Jorge e hastear a francesa em seu lugar. A revolta prolongou-se por dois ou três dias com elevado número mortos e feridos de ambos os lados.
 
A sua acção anti-revolucionária torna-se depois mais notória quando, seguindo o exemplo dos espanhóis que se revoltaram contra as tropas francesas em 2 de Maio de 1808 em Aranjuez e Madrid, surgem por todo o País, com início em 6 de Junho no Porto, acções revolucionárias conduzidas por Juntas de Governo estabelecidas em quase todas as capitais de distrito. Já então com pleno conhecimento do ambiente físico e social do Continente e com experiência de luta contra a guerrilha, esta até então não considerada e depois menosprezada pelos exércitos napoleónicos, actua na Estremadura, com destaque para Lisboa e Setúbal e depois, sucessivamente, nas cidades e vilas do Alentejo central e setentrional para onde foi destacado com 7.200 homens. Inicia a sua dura repressão pela região de Évora, onde chega a 29 de Julho de 1808, e implanta uma actuação bárbara e impiedosa que manteve por alguns dias, só a abrandando, embora prosseguindo-a encobertamente, quando o bispo da diocese, Frei Manuel do Cenáculo, o contactou e lhe solicitou o termo da hecatombe.
 
Deslocando-se a seguir para o nordeste alentejano, cujas populações tremiam só ao anúncio da sua aproximação, teve aí comportamento análogo ao verificado mais a sul mas, no entanto, talvez em consequência da intervenção do Bispo, menos duro.
 
Mantendo-se os surtos revolucionários e as guerrilhas por muitas áreas do país, Junot manda-o a seguir comandar a praça de Almeida e pacificar também a região, o que ele faz. E, sendo-lhe depois ordenado que fosse ocupar a cidade do Porto, marchou por Amarante para essa finalidade, tendo sido impedido de prosseguir pelas milícias e guerrilhas do general Silveira instaladas no colo de Teixeira, já na estrada para Mesão Frio, e obrigado a regressar a Almeida, donde partira.
 
Perante esta contrariedade, Loison, fazendo sempre uso das suas características de dureza e espírito de rapina, “não deixou os seus créditos por mãos alheias”, aproveitando os percursos de ida e retorno para martirizar as povoações e populações, nomeadamente as de Lamego e Peso da Régua.
 
O desembarque de forças inglesas na praia de Lavos, a sul da foz do Mondego, leva Junot a deslocar forças para norte e a deslocar o destacamento de Loison para oeste. Este acompanha, então, o movimento do já exército anglo-luso para sul ao longo do litoral e toma parte em meados de Agosto nos combates de Roliça e, após junção com Junot, do Vimeiro. Derrotadas, as forças francesas retiraram por Mafra sobre Lisboa para, a seguir, assinada a Convenção de Sintra, que não agradou a Bonaparte nem ao governo inglês e foi muito prejudicial a Portugal, Junot, Loison e outros oficiais franceses serem evacuados em navios ingleses para La Rochelle, em França, com numerosos e valiosos despojos. Mas terminara ingloriamente o sonho da 1ª invasão.
 
Acrescente-se que, durante a retirada de Junot e Loison para sul, este teve de ser protegido por destacamento permanente visto ter de enfrentar constantes ameaças das populações pelas pilhagens e morticínios que praticara.
 
Presença na 2ª Invasão (1809), com Soult
 
A experiência por ele colhida na 1ª invasão e as suas características pessoais levaram o marechal Soult a incluir Loison no comando da 2ª divisão do seu exército, também ela a 2 Brigadas e a 3 e 4 batalhões, cuja missão, segundo o plano do estado-maior imperial, elaborado com a colaboração do general Thiebault, que tinha sido chefe do estado-maior de Junot, lhe determinava, partindo da Galiza ao longo do litoral, a conquista de Lisboa, depois de tomar sucessivamente o Porto e Coimbra, obrigando consequentemente os ingleses a abandonar Portugal.
 
Rememoram-se os eventos que a história regista. O exército de Soult, não encontrando meios para transposição do Rio Minho na área de Tuy, tanto mais que o seu caudal tinha engrossado com as fortes chuvadas caídas na véspera, bordejou ao longo da sua margem direita para o interior e só pode entrar em território português em 11 e 12 de Março pela brecha de Chaves, cidade fortificada que ocupou sem oposição visto a guarnição, sob o comando do general Silveira, ter retirado para as montanhas próximas, onde se instalou em expectativa estratégica para a retomar.
 
Deixando em Chaves forte destacamento, que seria ponto importante da cadeia logística com território espanhol, o exército segue para o Porto por Salamonde e vale do rio Cávado, tendo Loison ordem de marchar pelo planalto transmontano, a sul, a fim de guardar o flanco esquerdo do exército contra as guerrilhas que desse lado ameaçavam o itinerário de deslocamento. A seguir, tendo ocupado Braga e Guimarães, a coluna de Soult segue para a cidade do Porto, onde entra em 29 de Março perante forte oposição, anarquia popular e medo, entregando-se as suas tropas durante dois dias a completa libertinagem, ou seja, à mesma acção destruidora, de assassinatos e de rapinagem que vinham exercendo desde as terras de Trás-os-Montes e Minho e na qual Loison, cuja fama, já ali chegada do ano anterior, deixaria a sua marca.
 
Durante os motins, a população conseguiu prender o general Foy, despiu-o e, imaginando tratar-se de Loison, quis matá-lo. O general, no entanto, levantou no ar os dois braços, provando que não era maneta.
 
Sossegadas tanto quanto possível as suas tropas e as populações da cidade, o marechal preparou-se de imediato para prosseguir sobre Coimbra e Lisboa, esta o seu objectivo principal. Entretanto, já Loison tinha sido destacado para sudeste com a missão de se apossar da ponte de Amarante, defendida por regulares, milícias e guerrilhas às ordens do general Silveira, e manter aí aberta a linha de comunicações por Chaves. O duro combate pela posse da ponte alongou-se por 11 dias, tendo os franceses conseguido finalmente o objectivo graças a subterfúgio de ataque que aproveitou o espesso nevoeiro que então caíra sobre as margens do rio. As forças de Silveira teriam na defesa da ponte mais de 200 mortos, entre os quais 7 oficiais.
 
A estratégia do marechal Soult, no entanto, cuja acção no Porto se resumiu à ocupação da cidade e de alguns pontos das imediações e à tentativa de evitar que as tropas de Wellington, uma vez ocupada a margem esquerda, pudessem passar para norte do Rio Douro e atacar a cidade, ficaria gorada. Cerca de 80.000 efectivos anglo-lusos, saídos, de facto, de Coimbra, fizeram o percurso de noventa quilómetros até Gaia, onde chegaram a 12 de Maio, não lhe permitindo manter-se a sul do rio. E logo a seguir, em meados desse mês, após mês e meio de ocupação, o marechal, sem os apoios prometidos, retira por Guimarães para a Galiza acossado por guerrilhas que se levantam por toda a parte, abandonando 4.000 feridos e doentes, que serão em grande parte chacinados pelos populares, toda a artilharia, o “tesouro” e todo o equipamento.
 
Segundo Soult refere nas suas Memórias, que, antes de retirar enviou um ajudante de campo a Loison, o capitão Tholossé, que admitia na região de Vila Real, a informá-lo da sua decisão, ordenando-lhe que mantivesse a posse da ponte de Amarante para a hipótese de ter de fazer o movimento por Trás-os-Montes. No entanto, este ajudante de campo ter-se-á cruzado com o ajudante de Loison em que este comunicava também a sua decisão de retirar perante a ameaça anglo-lusa que previa imediata. Tholossé, após grande oposição de Loison à ordem do comandante-chefe, obteve dele promessa de só deixar a ponte na manhã seguinte, promessa que ele, no entanto, não cumpriu pois ordenou a saída de Amarante nessa mesma noite.
 
A decisão de Loison poderia, de facto, ter prejudicado a manobra do comandante-chefe se as guerrilhas lhe barrassem a retirada através do Minho, expondo-o, então, ao avanço dos anglo-lusos e não lhe permitindo, portanto utilizar novamente o caminho de Chaves para reentrar em Espanha. Assim, retirou também sobre Guimarães, onde chegou primeiro que a coluna do comandante-chefe.
 
Diga-se, todavia, que a utilização do itinerário transmontano já era então impossível e, pelo menos, já não seria pacífica. Chaves já havia sido retomada a 26 de Março por Silveira, catorze dias depois da ocupada pelos franceses, em 12, fazendo prisioneiros 25 oficiais, 23 administrativos e 1.300 praças e apossando-se de 12 peças de artilharia.
 
O abandono de Amarante por Loison mereceu severas críticas de Soult e o levantamento de processo por indisciplina, mais um na sua carreira, tendo o general alegado que havia em tempo enviado mensagem para o Porto a dar conhecimento da sua perigosa situação e da decisão de retirar. A mensagem, no entanto, não chegou ao comandante-chefe, alinhando-se três razões possíveis: não foi efectivamente enviada, foi interceptada pelos próprios franceses no âmbito da motivação que é considerada a seguir ou o mensageiro caiu nas malhas das guerrilhas.
 
O processo seguiu os trâmites normais e chegaria semanas depois às mãos do Imperador, o qual, descontente com a actuação de Soult e dos seus generais, nada fez contra Loison.
 
Voltando à possibilidade da intercepção da mensagem de Loison pelos próprios franceses para que o comandante-chefe dela não tivesse conhecimento poderia, de facto, ter-se verificado no âmbito do contexto dum segundo processo, também ordenado por Soult, em que foram arguidos alguns oficiais generais e superiores, entre os quais novamente o próprio general. Propalou-se então, de facto, que a atitude de Loison ao abandonar Amarante se inseria na reacção do Exército contra a pretendida vontade de Soult, como já tinha sucedido com Junot, de se tornar Rei de Portugal. O marechal negou tal disposição da sua parte e mandou levantar esse processo que, na realidade, denunciou a existência de tal movimento, terminando o seu lento desenrolar pela condenação de apenas um coronel do estado-maior do comando-chefe, que mesmo ele, evadindo-se da prisão a que foi condenado, acabaria não ser molestado. Soult julgou sempre que Loison era o chefe da conspiração.
 
Este novo processo, cuja decisão foi demorada, seria para mais um factor negativo para a folha de serviços de Loison conjugado com o correspondente ao abandono da ponte. Todavia, consumada a retirada de Portugal do exército de Soult, o general foi dele desligado e recebeu em 21 de Novembro de 1809 ordem do Imperador para, com a sua divisão a 2 brigadas (generais Simon e Gotier), três regimentos de cavalaria, um deles de lanceiros, polaco, e a sua cavalaria se concentrar em Bayonne em 26 e daí reentrar em Espanha em 29 e assumir em S. Sebastião o comando das três províncias da Biscaia, ficando directamente subordinado ao Rei Joseph Bonaparte, então em Madrid.
 
Esta nova missão de Loison permite concluir que, a final, o seu empenhamento durante a 2ª invasão em algumas áreas em que o prestara e a forma como o fazia mereceram a atenção do Imperador.
 
Presença na 3ª Invasão (1810/1811), com Massena
 
As razões que levaram o marechal Massena a aceitar a nomeação de Loison para o seu exército de invasão de Portugal foram, como na anterior, a experiência colhida no território, as suas qualidades pessoais e, nomeadamente, a admiração que tinha pela sua coragem e capacidade reveladas na libertação da base de Toulon em 1793, na qual, com Bonaparte, Marmont, Junot e outros, ambos tinham participado e, a seguir, na 2ª campanha de Itália, de 1799 a 1803. Massena destinou-o ao comando de uma das divisões do 6º corpo, do marechal Ney.
 
A nomeação do próprio Massena, como já se referiu, é que não teria sido pacífica a ponto de ele se recusar de início a aceitá-la. Na realidade, muitos generais manifestaram a Bonaparte o seu desagrado pela sua nomeação para Portugal logo que conhecida, considerando-o socialmente desregrado, destacando-se nessa posição o próprio marechal Ney e o general Junot, que seriam seus subordinados. Esta situação arrastou-se durante largo tempo, a ponto de Massena só cerca de um mês depois tomar posse do comando e se juntar efectivamente às tropas no terreno em 10 de Maio de 1810.
 
Mas para além da razão de fundo anterior que o levaram a recusar inicialmente a nomeação, o marechal tinhas serias reservas em relação aos três principais generais que Bonaparte colocara sob as suas ordens: julgava o general Renyer, comandante do 2º corpo, homem tímido, de mau relacionamento, cruel e ávido de dinheiro, o marechal Ney, do 6º corpo, seu crítico feroz, orgulhoso e ambicioso e o general Junot, comandante do 8º corpo, pouco consciente das suas responsabilidades, indisciplinado e agitando vaidosamente e em permanência a auréola de ter sido representante pessoal do Imperador na corte de Lisboa em 1805 e de ter sido dois anos depois comandante-chefe do exército da 1ª invasão.
 
Recorde-se, quanto à primeira acção de vulto do 2º exército francês, o ataque à posição do Bussaco, que, agravando o ambiente de animosidade já então existente entre ele e os oficiais generais subordinados, o comandante-chefe decidiu em reunião de 26 de Setembro, apenas com o parecer favorável dos generais Reynier e Lazowski, este comandante da engenharia, atacar frontalmente a posição anglo-lusa com o 2º corpo, o de Reynier, à direita e o 6º corpo, do marechal Ney, à esquerda, mantendo o 8º corpo, de Junot, e a cavalaria em reserva, prontos a seguir ou a apoiar o escalão de ataque. Os restantes quatro generais, entre os quais os dois últimos, seus acérrimos opositores, propuseram que se fizesse o torneamento da posição para seguir depois sobre Coimbra e Lisboa. Massena, no entanto, manteve a sua decisão e fixou o ataque para as 07h00 da manhã imediata.
 
Como é conhecido, o general Reynier, cumprindo a ordem atacou efectivamente à hora fixada, sob denso nevoeiro, sendo repelido com muitas baixas, e Ney, descoordenadamente e de má vontade, só o faria às 08h30, uma hora e meia depois, dando como desculpa do atraso o nevoeiro que continuava sobre a posição anglo-lusa, tendo também sido obrigado a retirar com muitos mortos e feridos. Em consequência, o 8º corpo, de Junot e a cavalaria não se mexeram, assistindo à consumação da derrota.
 
Seguiu-se na tarde e noite de 27 e no dia seguinte a procura de itinerário que permitisse contornar a posição inimiga, residindo o principal problema no deslocamento da artilharia e da volumosa “impedimenta” do exército, que incluía as viaturas ao serviço da companheira do marechal. A salvação surgiria tarde pela voz dum pastor que informou existir caminho à direita da serra na área de Mortágua e Boialvo, que o mesmo ia entroncar na estrada de Tondela para Sardão e que esta se ligava à estrada do Porto para Coimbra.
 
Comentando ulteriormente esta manobra de Massena para marchar a sobre Coimbra, os ingleses apelidavam-na jocosamente de “estratégia do pastor”. Entretanto, para não serem envolvidos, os anglo-lusos haviam retirado da posição sobre Coimbra e foram ocupar em 9 e 10 de Outubro as Linhas de Torres Vedras, cuja forte e inultrapassável implantação tinha à sua frente uma área sem populações e meios de vida que pudessem ser explorados pelo já muito carente exército francês, obrigando Massena a deslizar para o vale do Tejo sobre Santarém e Alenquer.
 
A cidade de Coimbra, também deserta dos seus então 5.000 habitantes, seria duramente saqueada durante dois dias, apesar de o comandante-chefe o ter proibido, pelas tropas do corpo de Junot e dos destacamentos que acompanhavam proximamente o quartel-general francês.
 
No âmbito da missão inicial e das orientações que Bonaparte lhe foi transmitindo, apresentavam-se então a Massena duas modalidades de acção possíveis para prosseguir: continuar com o exército sobre Lisboa pela margem direita do Tejo ou, atravessando este e apoiado por tropas do marechal Soult que então já ocupava a Andaluzia, seguir pela sua margem esquerda até Almada e dispor-se em frente da capital de modo a controlar a sua entrada e a larga bacia do Mar da Palha. Esta segunda modalidade ficou de imediato prejudicada visto Soult não se dispor a cumprir a ordem do Imperador, alegando que necessitava localmente de todos os seus efectivos para combater tropas espanholas associadas a volumosos bandos de guerrilheiros.
 
O exército, no entanto, estava em completa decadência, desfalcado de efectivos e meios de todos os tipos e com o moral e a disciplina em crescente regressão para fazer fosse o que fosse, sempre entregue a todos os processos de coacção e rapinagem junto das populações, que as odiavam, para sobreviver. E a opinião da maior parte dos generais, com destaque para Ney e Junot, era a de não seguirem para Lisboa e reentrarem em Espanha onde a exploração de recursos locais para sobreviver seria mais fácil. Santarém continuaria a ser, entretanto, a base das operações que fosse decidida, uma base todavia fraca em que a administração não funcionava e em cujo quartel-general acorriam a refugiar-se os funcionários administrativos pela insegurança que existia no exterior.
 
Embora não haja depoimentos casuais que o testemunhem, Loison e as suas tropas terão tido acção predominante na tentativa de, a par da luta contra tropas anglo-lusas, milícias e guerrilhas, obterem meios para colmatar as faltas de reabastecimento2.
 
Entretanto, como desde há muitos dias era esperado, chegou à área da fronteira em meados de Dezembro, como aparente reforço, o 9º corpo de exército, a 2 divisões de infantaria e 1 brigada de cavalaria, comandado pelo conde de Erlon. Reforço desde logo, no entanto, na verdade precário em virtude de, certamente industriado pelo estado-maior imperial, o seu comandante se declarar independente de Massena, só se dispondo a fornecer-lhe meios e efectivos ou a actuar operacionalmente a ele ligado quando o julgasse conveniente.
 
Continuavam, todavia, sérias desinteligências, com desrespeito e indisciplina, entre os generais do 3º exército, sendo notórias a verificadas entre o próprio comandante-chefe, Ney e Junot em relação à execução da missão. E, no âmbito desta situação, Loison tornar-se-á, como se verá a seguir pelo decorrer dos acontecimentos, um dos seus elementos mais relevantes, sendo de salientar, como exemplo, o almoço com todos os generais que organizou na Golegã em 18 de Fevereiro de 1811, visando a apreciação dos problemas que os afectavam pessoal e colectivamente e o estabelecimento de concórdia entre eles.
 
O seu bom relacionamento com Massena, que também esteve presente, tornou esta reunião possível, mas dela não resultariam, no entanto, os efeitos pretendidos, prosseguindo as desinteligências.
 
Período Final da 3ª Invasão
 
Embora resumidamente, continuemos a seguir a História. Perante as deficientes condições que se verificavam nos seus corpos de tropas e satisfazendo a vontade geral, o comandante-chefe decidiu finalmente abandonar a conquista do seu objectivo principal, Lisboa, e regressar a território espanhol. A retirada foi fixada para os dias 5 e 6 de Março de 1811, seguiria dum modo geral o vale do Mondego para a Beira Alta e devia guardar-se contra a pressão das tropas de Wellington e das guerrilhas que, como de facto aconteceu, não deixariam de a perseguir e pressionar. Deste modo, após demorado e difícil percurso em que a escassez de reabastecimento e de outros meios, a indisciplina, a descoordenação e a falta de ligação entre os seus generais continuaram a constituir ainda marca dominante, agravando os desaires, o exército foi tomar posição no Rio Ave. E o 9º corpo, que, de acordo com ordens recebidas se propunha agora marchar para Sul, então para reforçar o marechal Soult, foi retido pelo comandante-chefe3.
 
Por essa altura, o ministro da guerra comunicava a Massena por ordem de Bonaparte que “Não se devia permitir que os ingleses pisassem território espanhol. A honra das armas do Imperador exigia que tudo se fizesse para o evitar.”
 
Informado logo a seguir de que efectivamente a manutenção das tropas seria mais fácil no território espanhol mais a sul, encostado ao exército de Soult - o 3º exército tinha então cerca de 40.000 homens - Massena determina a sua marcha para o vale do Tejo e vale do Guadiana, para as áreas de Cáceres, Cória, Palência e Alcântara, em posição de, uma vez reorganizado e reabastecido, poder acorrer tanto a norte como a sul.
 
Deu-se então o estalar da animosidade permanente entre o comandante-chefe e Ney. Ao receber ordem para seguir com 6º corpo para a região de Alcântara e depois de receber a sua confirmação, que pediu, o marechal respondeu: “Nem que com isso perca a cabeça, não seguirei o movimento para Cória e Palência de que me fala, a não ser, repito, que tal me seja ordenado pelo Imperador”. O marechal justificava a sua posição referindo que nada existia nas duas áreas e propunha que o exército acantonasse nas cercanias de Almeida e Ciudad Rodrigo, reforçando esta resposta com carta do general Marchand, do seu corpo, instalado na área de Celorico, cujo contexto, descrevendo a real situação das suas tropas, era o seguinte: “Recebi ordem que me ameaça de passar alguns dias de repouso no deserto em que estamos instalados. Parece-me que tomar tão chocante decisão é querer aniquilar o Exército. As tropas não têm que comer e estão acampadas à chuva sem meios para construir abrigos em lenha para as fogueiras. É nesta situação que lhes oferecem descanso!... Os soldados vem pedir-me pão, mas nem para mim o tenho. Duvido que, pilhando, possa consegui-lo, estando pois reduzidos a morrer de fome. É urgente sair desta situação para uma região onde se possa comer”.
 
Massena pede ainda a Ney para rever a sua posição de indisciplina e, como ele a mantém e diz que vai instalar-se entre Celorico, Freixeda e Almeida, retira-o do comando do 6º corpo e nomeia para o seu lugar o general conde Loison, o mais antigo dos seus comandantes de divisão, nomeação que, no entanto, não acarretaria a sua a promoção a general de corpo de exército.
 
Ao ter conhecimento da sua substituição, Ney ripostou com mensagem em que dizia: “Como foi o Imperador que me nomeou para o comando do 6º corpo, só ele pode retirar-mo. Protesto mais uma vez contra essa disposição mas, se generais de divisão do corpo lhe obedecerem, entregarei o comando e seguirei para Espanha”.
 
De facto, depois de ter tentado que os seus generais e as tropas apoiassem o seu procedimento contra o comandante-chefe, Ney retira efectivamente para Espanha, atitude com que o general Reynier, instalado com o 2º corpo em Sabugal, aplaude, pois também não concordava com o deslocamento do exército para o vale do Rio Guadiana.
 
No período que se seguiu até 10 de Maio, em que se manteve a pressão dos anglo-lusos sobre o exército francês na mira de lhe dificultar a retirada e de o derrotar, três eventos mais importantes se sucederam: a retirada de Reynier de Sabugal após combate que perdeu por ter feito o movimento muito tarde, a defesa infrutífera da Guarda e a batalha de Fuentes de Onõro, tendo o general Loison intervenção nos dois últimos que muito contribuíram para a derrota dos franceses.
 
Entretanto já Massena abandonara definitivamente a ideia da retirada para o vale do Guadiana e, já com o 9º corpo finalmente subordinado, instalou o exército entre as regiões do vale do Rio Águeda e Ciudad Rodrigo, tornando-se Fuentes de Onõro o centro do dispositivo. Iriam depois defrontar-se aí a iniciativa, a valentia e a capacidade de manobra dos dois contendores, devendo acrescentar-se, para melhor compreensão do ambiente final da luta, que o comandante-chefe teria também aí sérias manifestações de indisciplina por parte de alguns dos seus generais.
 
Consideraremos tão-somente a Batalha de Fuentes de Onõro de 2 de Maio, na realidade a última da 3ª invasão francesa de Portugal e a primeira travada contra os anglo-lusos já em território espanhol. Os combates preliminares e a batalha verificaram-se após o abandono e destruição, (aliás apenas parcial), da Praça de Almeida, cuja decisão, depois de alguma correspondência trocada, Bonaparte entregara definitivamente a Massena,
 
Em face do terreno de vale e encostas pedregosas da área, Massena determinou que “Loison (com o 6º corpo, reforçado por unidades do 9º) encosta-se à esquerda do dispositivo de ataque às posições anglo-lusas postadas nas elevações de Fuentes de Onõro para lhe barrar o caminho, beneficiando do impulso da cavalaria do general Montbrun, que atacaria à direita. Mas, Loison, que vinha então cumprindo fielmente as ordens recebidas, em vez de enviar a sua divisão (Mermet) pela esquerda, fê-lo atrasado e pela direita ao mesmo tempo que Montbrun progredia na mesma direcção, ficando ambos sujeitos aos fogos das forças de Wellington aí instaladas. Foi um movimento em que a inteligência de Loison parece ter-se eclipsado”, comentaria depois Massena.
 
Ao observar o desastre que estava a verificar-se o comandante-chefe deu ordem para reforçar a acção e bater os anglo-lusos, mas, “primeiro o erro de Loison, conjugado com a moleza com que, depois de acesa discussão com ele, Montbrun se empenhou, e, a seguir, a falha dos apoios, alguns dos quais se movimentaram lentamente e sem vontade (Solignac) ou se recusaram a marchar (Lecrerc), da Guarda Imperial), conduziram de facto à perda da batalha.
 
Como já tinha sucedido com Junot e Soult nas 1ª e 2ª invasões, Bonaparte, descontente com o comportamento de Massena e dos seus marechal e generais, substituiu em 7 de Maio o general Loison no comando do 6º corpo pelo marechal Marmont, duque de Raguse, regressando aquele à sua divisão, e, em 10, mandou recolher o comandante-chefe a França. Marmont já estava no entanto nomeado desde os fins de Abril para render Massena no comando-chefe, e com ordem para constituir um 4º Exército Francês de Portugal e autoridade plena para substituir todos os oficiais generais e coronéis.
 
De facto, Marmont abdicou de todos os generais do 3º exército, só deixando no quartel-general do comando-chefe um tenente-coronel, Gerard, mesmo esse logo a seguir também afastado por não ter concordado com a opinião do seu marechal num assunto de segurança.
 
A missão do duque de Raguse e do seu 4º Exército, cujo comando assumiria efectivamente em 10 de Maio de 1811, seria em termos gerais a mesma que a dos três comandantes-chefes anteriores: “derrotar o exército anglo-luso e obrigar os ingleses a abandonar Portugal”.
 
Acrescente-se, como curiosidade, que Marmont manteve Ney no comando da Praça de Salamanca, fora, portanto, de qualquer responsabilidade operacional.
 
 
III - Súmula do Percurso de Loison Desde Portugal até ao Fim do Império
 
Não escolhido pelo marechal Marmont para o seu 4º Exército Francês de Portugal, o general Loison passou os meses seguintes em unidades territoriais até ser nomeado em 24 de Maio de 1812 comandante da 34ª Divisão do Grande Exército Francês (678.000 homens e 176.850 cavalos) que iria invadir a Rússia em 24 do mês seguinte. Todavia, a forma como no âmbito das suas características, se desempenharia desse comando nesse período da campanha, não agradou ao Imperador, como o testemunham as duas acções que a seguir se descrevem.
 
Foi a primeira, durante a ofensiva, que visava derrotar o exército russo e obrigar o czar Alexandre I a sentar-se a mesa de conversações (Bonaparte tinha em vista conseguir, nomeadamente, a independência da Polónia), mais concretamente na batalha pela posse de Smolensko, o Imperador pretendeu empregar as suas estratégia e táctica habituais que eram as de fixar o inimigo com uma força e envolvê-lo depois com outra por um dos flancos, geralmente o esquerdo, obrigando o adversário a lutar em duas frentes ou a render-se. Ora, Loison, que fazia parte da força de envolvimento, não cumpriu a tempo a parte da missão que lhe competia, permitindo a retirada das forças russas. Seria, em consequência, severamente admoestado pelo Imperador e, talvez aproveitando o facto de ser deficiente, embora tenha desde sempre participasse em várias campanhas até essa altura, foi destacado com a sua divisão para os escalões recuados.
 
E surge a segunda acção negativa de Loison, semanas depois, na retirada, iniciada em 23 de Outubro, que seria coordenada pelo marechal Ney, quando foi destinado com a sua divisão à cidade de Wilna, na actual Letónia, por onde se processaria a passagem de volumosa coluna de tropas naturalmente afectadas de todos os males da retirada, com a missão de defender a passagem e concentrar no local meios de abastecimento, equipamentos, cavalos e viaturas necessários a essas tropas.
 
Todavia, quando as colunas em retirada chegaram à povoação pouco ou nada encontraram para se reabastecer e cuidar, verificando-se além disso que o general se te tinha ausentado, abandonando a divisão. O Imperador culpou-o de imediato de não ter cumprido a missão e do abandono da unidade e responsabilizou-o pelos prejuízos que da situação adviessem para o conjunto do exército.
 
No processo disciplinar que de imediato lhe foi instaurado, Loison justificou a sua atitude do modo seguinte:
 
“Tinha demorado cinco dias a chegar a Vilna por falta de cavalos;
recebera logo a seguir ordem de Ney para deixar a povoação;
seguira então para Paris a fim de receber novas ordens..E disse
ainda que “se cometeu ulteriormente qualquer falta a mesma
havia sido involuntária, estando pronto a verter a última gota de
sangue por Sua Majestade”.
 
Não desejando menosprezar o marechal Ney no caso de as declarações de Loison serem verdadeiras, o Imperador exarou despacho no processo a que o então ministro da guerra, duque de Massano, deu publicidade nos termos seguintes: “Em 13 de Março de 1813, o Imperador censurou ásperamente Monsieur le Général Conde de Loison por ter abandonado o Exército sem autorização. Por ordem de Sua Majestade, dei conhecimento ao general deste despacho”.
 
A carta do Imperador, de 14 de Abril de 1813, que serviu de base ao ministro da guerra para elaborar o despacho acima era do teor seguinte:
 
Senhor Duque de Feltre:
 
Junto os documentos relativos ao processo do General Loison. Podeis, avaliar por eles o meu descontentamento…Creio, portanto, que lhe devo retirar comando da divisão que lhe atribuí, mas, no entanto, sem esquecer os serviços que me prestou noutras circunstâncias, como deve ser timbre dum General que comanda uma divisão pela qual é responsável. Deste modo, deveis ordenar que sejam arquivados os despachos sobre ele exarados e que o General recolha a sua casa dentro de vinte e quatro horas ou a outro destino que julgueis mais conveniente”.
 
Em consequência do evento, Loison foi, de facto, mandado recolher à sua residência em França a aguardar novo destino, sendo em 18 de Junho de 1813 afecto à 3ª divisão territorial, então sob comando do marechal Davout. Sob o comando deste general tomaria ainda parte na acção de Wismar, na Prússia, em 25 de Agosto seguinte e, em princípios de 1814, nas batalhas de Leipzig e Beutzen, que se saldaram por mais duas derrotas, contra as tropas da 6ª coligação aliada, já então a asfixiar o território francês.
 
Seguiu-se a sua intervenção na ocupação de Hamburgo, onde o exército de Davout ficaria cercado, resistindo heroicamente durante várias semanas e só se rendendo em 6 de Abril desse ano, precisamente no mesmo dia em que o Imperador Bonaparte abdicou e seguia depois em Junho seguinte para a Ilha de Elba.
 
Embora dispondo então de apenas de cerca de 190.000 homens válidos na totalidade das unidades do Exército Imperial e de este ter pela frente cerca de 800.000 coligados, havia ainda, no entanto, alguns generais franceses, dos 2.248 de todos os postos que então existiriam, dispostos a continuar a luta pelo seu Imperador. Loison, no entanto, não pertenceria a esse número. De facto, no âmbito das hesitações pessoais que são admissíveis nos elementos dos exércitos em situação de total descalabro militar e civil, como era então o da França, foi pôr-se imediatamente, nesse mesmo mês de Junho, às ordens do rei Luís XVII, tendo por ele sido nomeado, a 27, cavaleiro da Ordem de S. Luís. e, em 2 de Janeiro de 1815, comandante da 1ª divisão de Ruão.
 
A fuga de Napoleão Bonaparte da Ilha de Elba em Fevereiro de 1815 e a sua tentativa de restaurar o Império, que seria o dos “Cem Dias”, fez Loison, como apenas mais alguns oficiais generais dos muitos que no Império se tinham formado e o tinham servido, mudar novamente de rumo. Assim, acorrendo imediatamente a pôr-se à sua disposição, é por ele nomeado em 28 de Maio inspector das 2ª e 3ª Regiões Militares, daí saindo para tomar parte na Batalha de Waterloo, em 22 de Junho.
 
A derrota do Exército de Bonaparte leva-o a retirar-se para sempre para as suas terras de Chikel, perto de Liège, passando à reserva em 15 de Novembro com o vencimento mensal de 6.000 francos. Deve esclarecer-se, para comparação que um trabalhador do campo francês ganhava no mesmo período cerca de setecentos francos (dois francos por dia de trabalho).
 
 
IV - Notas Finais
 
De Âmbito Geral
 
Relativamente ao precário relacionamento que existia ao nível dos quadros superiores dos três exércitos franceses que estiveram em Portugal, nomeadamente entre os marechais e generais, sobre as quais foram já abordadas algumas razões, é de acrescentar no exército de Massena que entre o marechal Ney e o seu subordinado general de divisão Loison esse relacionamento foi sempre mau. Este queixava-se perante o comandante-chefe de que Ney, amesquinhando-o, lhe atribuía as tarefas operacionais e logísticas menos desejadas e era déspota e pouco acessível, pondo em cheque perante as suas tropas a sua dignidade de general comandante. Por estas razões pediu, mais do que uma vez, que fosse transferido do 6º corpo, a que o comandante-
-chefe nunca acedeu.
 
O seguinte exemplo ilustra esta situação entre ambos:
 
Num movimento de concentração dos três corpos do 3º exército, Ney deu ordem a Loison para que garantisse pessoalmente com um batalhão a segurança avançada da coluna. Considerando a missão inadequada à sua posição de general comandante, Loison queixou-se mais uma vez a Massena que, dando-lhe razão e, para não entrar em conflito com o marechal, determinou a constituição duma vanguarda de nível divisionário, reforçada com uma brigada de artilharia, sob seu comando directo. Terminado o deslocamento, Loison reverteria novamente para as ordens de Ney.
 
De Âmbito Pessoal
 
Empenhando sempre de forma extremada os seus dotes pessoais, positivos e negativos, fosse qual fosse o objectivo visado, tem de admitir-se que o general conde de Loison foi devotado e útil servidor da França nos diversos períodos da Revolução e do Império. Deste modo, sendo um os oficiais mais conhecidos e próximos do Imperador, ainda dos que apenas circulavam nas franjas do Estado-Maior Imperial, pode pôr-se a questão da sua não promoção a general (de corpo de exército) visto ter permanecido durante vinte anos no posto de general de divisão.
 
Verifica-se neste aspecto que teve tratamento semelhante ao que Bonaparte seguiu em relação ao seu muito mais íntimo general Junot, seu ajudante de campo desde Toulon, governador militar de Paris em acumulação e comandante-chefe da 1ª invasão de Portugal e, ainda, seu parente por afinidade, jamais o incluindo nas listas de promoção a marechal e de que resultaria no general permanente amargura, de que em privado se queixava, que o acompanhou até à morte em 1813.
 
Voltando a Loison, Bonaparte sabia-o inteligente, valente, duro, determinado e, como demonstrou diversas vezes, capaz de cumprir a seu modo e, mesmo, de não cumprir as ordens recebidas. Deste modo, embora tirasse proveito da sua bravura em combate e da sua dureza no tratamento das populações dos países a dominar, não confiava nele inteiramente, mantinha-o afastado do grupo restrito de oficiais que, julgava, verdadeiramente o serviam, constituindo-o alvo permanente, como todos os generais e marechais, da sua rede pessoal de informadores
 
Loison, no entanto, também mantinha certa reserva em relação ao comportamento do Imperador, surgida desde que, em Itália, ele o preteriu no comando do exército, atribuindo-o ao general Brun, como se referiu, quando ele e Massena regressaram a França, não reconhecendo os seus serviços. O distanciamento entre o chefe e o subordinado era, portanto, mútuo e, “como a condescendência também não fazia parte das qualidades pessoais de Loison, este passou a arriscar-se o menos possível, utilizando a guerra para satisfazer os seus interesses materiais e financeiros e relegando para segundo plano o interesse nas promoções”. Nas já citadas “Memórias”, que escreveu cerca dos anos trinta do século XIX, a duquesa de Abrantes, referindo-se à mágoa do marido por não ver reconhecidos a sua extrema dedicação e os seus serviços pelo Imperador, comenta deste modo o comportamento deste: “Gostava, como todos os soberanos, de ser amado pelo povo e pelos que viviam na sua proximidade, mas, coisa estranha, nada fazia em geral pelos homens que lhe eram dedicados de coração, que lhe manifestavam uma quase servidão, como sucedia com Junot. E, embora lhes pudesse atribuir recompensas materiais, não pensava que às vezes uma palavra ou uma simples disposição legal, quando já havia tantas, valeriam mais do que todos os benefícios financeiros ou de propriedades que, pudesse conceder”. Havia, no entanto, outro aspecto de grande importância no relacionamento do Imperador com Loison, escreveu Guy Breton: o de aventuras com mulheres fora da corte que Bonaparte praticava sempre que estava em Paris ou, então, em campanha. E cita o caso de, na capital, Loison ter uma ligação amorosa com uma senhora viúva que tinha uma filha solteira, muito bonita, com dezassete anos, de nome Luísa Lebel.
 
Ouvindo-o falar das aventuras extra-conjugais de Bonaparte, a mãe ficou radiante com a hipótese de poder entregar-lhe a filha para a qual previa então um futuro radioso. E não se enganou. O ajudante de campo de Bonaparte, Bausset, que tinha a seu cargo tais relações íntimas do Imperador, acordou com Loison e a senhora o seu encontro com a filha, encetando-se então entre ambos uma relação íntima que se manteve por alguns meses, sempre que o Imperador estava na capital. Luísa Lebel, que lhe foi sempre muito dedicada, recebeu o título de condessa, tendo-o acompanhado no exílio da Ilha de Elba.
 
Remate
 
Voltando ao empenhamento de Loison durante a Revolução e o Império, embora o mesmo não tenha sido para ele inteiramente gratificante do ponto de vista militar, em especial em Portugal onde não soube tirar partido das oportunidades que teve, como a de comandante-chefe do 6º corpo do Exército de Massena, é certo que, no conjunto das suas actividades e funções, para além da promoção a general de divisão, à qual ascendeu logo nos primeiros anos da Revolução, foi julgado merecedor de mais as seguintes distinções no âmbito das honrarias e promoções atribuídas por Bonaparte entre 1804 e 1815:
 
a) Em 5 de Maio de 1803, foi nomeado membro da Legião de Honra e, em Junho seguinte, recebeu o grau de Grande Oficial da mesma Ordem;
 
b) Em 14 de Abril de 1810, foi-lhe atribuído o título de conde com mais 193 titulados (em 987 títulos concedidos a militares e civis) e duas subvenções anuais de 25.000 francos das 53 correspondentes;
 
c) Em 27 de Junho de 1816, portanto já no período da Restauração da monarquia dos Bourbons, é nomeado por Luís XVII cavaleiro da Ordem de S. Luís;
 
d) O seu nome foi inscrito nas placas do Arco do Triunfo, em Paris, entre os marechais e generais que aí são recordados;
 
e) Tendo falecido em 30 de Dezembro de 1816 e sido inumado em Liège, os seus restos mortais foram transladados em 10 de Abril de 1867 para o cemitério de Pére Lachaise, também em Paris, para o talhão de honra dos marechais e generais da Revolução e do Império, aqueles já então considerados, como era tradicional, marechais de França.
Já então deportado na Ilha de Santa Helena, Bonaparte lamentou não ter promovido a generais ou elevado à dignidade de marechal os oficiais generais que, como Loison, estiveram sempre em segundo plano nas suas intenções e que tão bravamente o serviram, substituindo nos cargos e funções os marechais fatigados e desinteressados, que estavam desejosos de fruir em paz e sossego a sua fortuna e as suas honrarias, a maior parte das quais ele lhes tinha concedido.
 
Perdura ainda em Portugal, associada ao seu nome, a alcunha histórica de “O Maneta” pela qual Loison era conhecido. Recordo que em Trás-os-Montes ainda hoje tem uso as expressões “Foi para o maneta” (morreu ou desapareceu), “Vais para o maneta” (como ameaça) e “Se não comes vou chamar o maneta” (esta destinada a meter medo às crianças que, teimosamente, não querem alimentar-se).
 
Mas não é só. A sua má fama mereceu-lhe particular tratamento poético e rimado entre as populações, de que são exemplo os versos seguintes:
 

 

“Entre os títeres generais
Entrou um génio altivo
Que ou era o Diabo vivo
Ou tinha os mesmos sinais…
Aos alheios cabedais
Lançava-se como seta,
Namorava branca ou preta,
Toda a idade lhe convinha,
Consigo três emes tinha:
Manhoso, Mau e Maneta…”
E outros, também, referindo-o:
“Que generais é que devem
Morrer ao som da trombeta?..
Os três meninos da ordem:
Junot, Laborde e Maneta.
O Junot mai-lo o Maneta
Julgam Portugal já seu,
Para o Demo que os carregue
E também a quem lho deu…”

 

 
 
A sua morte prematura, como conclui um historiador, “não lhe permitiu tirar inteiro partido das pilhagens a que durante vinte anos se dedicou sob a capa de general da Revolução e do Império”.
 
 
Bibliografia
 
1) “L´ Epoque de Bonaparte”, Jacques Olivier Bourdon (PUF/2009).
2) “Mémoires de la Duchesse d´Abrantes”, (Ed. Jean Bonnet/1968).
3) “Napoléon et Portugal”, Nicole Gottieri (2006).
4) “Memórias de Massena”, Général Koch (Ed.Horizonte,2007).
5) “Les Maréchaux de Napoléon”, Louis Chardigny (2007).
6) “L´Armée Française”, Edouard Detaille.
7) “Loison,Général Divisionaire Oblié”, Henri Jeanpierre.(2003)
8) “Research Subjects, Biographies”-The Napoléon Series(Wikipedia).
9)    Chronique de la Revolution, 1788-1799”, Larousse (1988)
 
*      Sócio Efectivo da Revista Militar.
 
1 Todas as verbas, naturalmente muito elevadas, que eram obtidas nas campanhas, independentemente das que recolhiam de imediato aos bolsos dos combatentes, eram geralmente canalizadas para três fundos: Fundo do Estado Francês, que era incluído no seu orçamento; Fundo de Defesa, controlado pelo Intendente-Geral do Exército (Mr. Daru) e administrado pelo Ministro da Guerra, destinado a alimentar a guerra em materiais e efectivos e que fugia em regra ao controle do corpo legislativo; “Saco Azul” do Imperador, que ele utilizava em dotações pessoais, servindo-se também ainda por vezes do fundo do ministério.
 
2 Massena usava criticar o Rei José Bonaparte a propósito das faltas de meios para fazer viver as tropas, dizendo, o que também não melhorava o ambiente entre os comandos, que “Esse príncipe, que tombara no mais baixo grau de incapacidade política, tinha no seu meio menos autoridade do que um simples general de brigada francês”.
 
3 De facto, actuando isoladamente ou associados às tropas anglo-lusas, os guerrilheiros do general Silveira muito contribuíram para as dificuldades de reabastecimento dos franceses. Massena, no entanto, menosprezava o seu comandante: “Esse oficial é mais audacioso do que prudente e ainda mais vaidoso do que audacioso”.
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Tenente-general

José Lopes Alves

Ex-Presidente da Direcção e Sócio-honorário da Revista Militar. Falecido em 30 de abril de 2018.

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