Nº 2520 - Janeiro de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Papel do Parlamento no Envolvimento de Contingentes Militares e de Forças de Segurança no Estrangeiro
Dra.
Maria João Godinho
I cannot think of any circumstances in which a government
can go to war without the support of Parliament.”
Tony Blair
 

Introdução

No actual ambiente estratégico internacional, a fronteira entre ameaças internas e externas esbate-se e as ameaças à segurança e defesa alteraram-se radicalmente a ponto de se poder dizer que já não há uma clara demarcação do que é a guerra e do que é a paz. Do mesmo modo, a solução dos conflitos deixou de ser exclusivamente militar e a defesa passou a ter um carácter mais político e a requerer novas formas de relacionamento entre o civil e o militar. Há uma necessidade crescente de desenvolver políticas de prevenção colectivas e de encontrar novas respostas multilaterais, em face dos novos desafios, num mundo cada vez mais global.
 
Para fazer face às formas de conflitualidade actual, os Estados são cada vez mais chamados a participar em missões internacionais. Os interesses de um Estado já não se defendem nas suas fronteiras geográficas, mas muitas vezes a muitos milhares de quilómetros de distância.
 
Este novo ambiente estratégico obrigou à procura de novas respostas e conduziu a uma alteração de paradigma das Forças Armadas: a defesa do Estado não é já (apenas) a defesa territorial e as suas Forças Armadas têm de tornar-se expedicionárias, aptas a responder aos desafios que se colocam longe do seu território nacional.
 
Nas democracias ocidentais, os Parlamentos, eleitos directamente pela população, estão no centro do próprio sistema político; a eleição directa dos seus membros confere legitimidade às decisões tomadas; a forma como os Parlamentos funcionam é garantia de transparência. Num tempo em que o cidadão está cada vez mais atento, tem maior acesso à informação sobre as decisões que são tomadas pelo poder político e exige mais respostas, e numa matéria em que está em causa o gasto de dinheiros públicos e, sobretudo, a potencial perda de vidas humanas, o papel dos Parlamentos cresce em importância, pela garantia de legitimidade, transparência e controlo democrático que fornecem.
 
No entanto, sendo a generalidade das missões internacionais decididas no âmbito de organizações internacionais, a questão da legitimidade democrática ganha uma crescente relevância, visto que nelas têm assento representantes dos Executivos, não dos Parlamentos. Esta é uma questão especialmente pertinente no tocante às missões no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), relativamente à qual muitos autores falam da existência de um «duplo défice democrático», isto é, ao nível europeu e ao nível nacional. O reforço do papel dos Parlamentos nacionais nesta matéria tem sido apontado como uma possível forma de fazer face a este problema.
 
A realidade mostra que o papel dos Parlamentos relativamente ao envolvimento de contingentes nacionais em missões no estrangeiro varia grandemente de país para país, mesmo quando existem grandes afinidades do ponto de vista do sistema jurídico-constitucional, cultural, histórico, etc. No seio da União Europeia, há, num extremo, casos em que se exige autorização prévia do Parlamento e, no outro, casos em que não há qualquer tipo de intervenção ao nível parlamentar, co-existindo ainda muitas outras modalidades intermédias. Por outro lado, os regimes também podem diferir consoante se trate de missões militares ou civis.
 
O presente trabalho visa analisar o papel do Parlamento português no envolvimento de contingentes portugueses em missões no estrangeiro, identificar possíveis lacunas ou dificuldades e apontar para eventuais soluções. Para tanto, incluem-se referências comparadas de alguns Estados da União Europeia (Espanha, Reino Unido, Alemanha, França e Dinamarca), cujas diferentes soluções permitem uma reflexão sobre as vantagens ou desvantagens de introduzir alterações no regime vigente em Portugal. A escolha destes países prendeu-se com a tentativa de analisar igual número de casos em que é necessário algum tipo de consentimento ou autorização do Parlamento (Espanha, Alemanha e Dinamarca) e outros em que o Parlamento não é chamado a intervir, pelo menos com carácter deliberativo (Reino Unido, França e, claro, Portugal). No entanto, a pesquisa levada a cabo veio demonstrar haver alterações muito recentes (em França) ou em preparação (no Reino Unido), em ambos os casos no sentido do reforço do papel dos respectivos Parlamentos.
 
Ao longo deste trabalho utilizar-se-ão indiferentemente as expressões “missões” ou “operações”, “internacionais” ou “no estrangeiro” e ainda envio de “forças” ou de “contingentes” e “forças nacionais destacadas”, sempre tendo em vista a mesma realidade: a participação de elementos das Forças Armadas ou das forças de segurança no exterior do território nacional, independentemente da sua exacta natureza e sem entrar em questões conceptuais a esse nível, seguindo, assim, a terminologia da Constituição e da legislação portuguesas. Exceptua-se, obviamente, o caso de guerra clássica, uma vez que a declaração formal de guerra está, pelo menos no caso português, previsto em sede autónoma e com regras próprias, como, aliás, se refere no texto.
 

Capítulo I - Caracterização da situação em Portugal

1.1. Enquadramento constitucional

A competência da Assembleia da República no âmbito do envolvimento de contingentes militares em missões no estrangeiro foi pela primeira vez consagrada na Constituição da República Portuguesa (CRP) aquando da 4.ª Revisão Constitucional, em 19971.
 
Passou a constar da então alínea j) do artigo 162.º (Competência quanto a outros órgãos), com a seguinte formulação:
 
Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização:
(…)
 
j) Acompanhar, nos termos da lei e do Regimento, o envolvimento de contingentes militares portugueses no estrangeiro.”
Foi, na altura, amplamente discutida a formulação a adoptar, tendo inclusive sido apresentadas propostas no sentido de se atribuir ao Parlamento a competência para deliberar sobre a matéria, as quais foram afastadas por se ter considerado que se trata de decisões essencialmente de política externa, que competem ao Governo, e que atribuir competências deliberativas à Assembleia poderia gerar sobreposição de competências. Outra opção sobre a qual se ponderou passava pela seguinte formulação: «Pronunciar-se sobre o envolvimento dos contingentes militares portugueses no estrangeiro». Todavia, esta redacção também viria a ser afastada, para dar lugar ao termo «acompanhar», mais ambíguo, remetendo-se para a lei a sua densificação2, por se considerar que a previsão normativa ficava, assim, mais próxima de outras competências semelhantes em matéria de política externa, como o envolvimento de Portugal no processo de construção europeia.
 
Em 2004, no âmbito da 6.ª Revisão Constitucional, alterou-se a redacção do preceito para:
“Compete à Assembleia da República, relativamente a outros órgãos:
(…)
i) Acompanhar, nos termos da lei, o envolvimento de contingentes militares e de forças de segurança no estrangeiro.”3
Ou seja, alargou-se o âmbito desta competência da Assembleia aos contingentes de forças de segurança envolvidos em missões no estrangeiro, pelo facto de se ter constatado que o envolvimento em missões internacionais era já muitas vezes assegurado por forças de segurança e não exclusivamente por contingentes militares. Muito embora até se pudesse entender que a Guarda Nacional Republicana (GNR) já estaria abrangida pela redacção de 1997, a intenção do legislador constituinte de 2004 foi, muito claramente, a de abranger as Forças Armadas, a GNR e a Polícia de Segurança Pública (PSP)4.
1.2. A lei que regula o acompanhamento, pela Assembleia da República, do envolvimento de contingentes militares portugueses no estrangeiro
 
Face ao teor do texto constitucional e à importância da matéria, foi considerado pela generalidade das forças políticas representadas na Assembleia que era necessário regulamentar detalhadamente a intervenção do Parlamento nesta matéria.
 
Assim, em 2003, no decurso da IX Legislatura, foi aprovada a Lei n.º 46/
/2003, de 22 de Agosto, que regula o acompanhamento, pela Assembleia da República, do envolvimento de contingentes militares portugueses no estrangeiro.
 
Muito embora houvesse perspectivas diferentes quanto à concretização do texto constitucional, a lei em causa acabou por colher consenso, sendo aprovada, em votação final global, com os votos a favor de todos os grupos parlamentares, à excepção do Bloco de Esquerda5.
 
Esta lei foi aprovada no intervalo de tempo decorrido entre as duas revisões constitucionais acima mencionadas, tendo, pois, como base a redacção constitucional de 1997, que consagrava como competência do Parlamento o acompanhamento dos contingentes militares, apenas.
 
Nos termos da Lei n.º 46/2003, a Assembleia deve ser informada pelo Governo da decisão de envolver contingentes militares no estrangeiro, previamente à tomada dessa decisão (a não ser que a natureza da missão justifique que tal só ocorra depois de terminado o período de segurança requerido pela acção em causa). A lei estipula ainda que elementos devem integrar essa informação: os pedidos que solicitem esse envolvimento e respectiva fundamentação; os projectos de decisão ou de proposta do envolvimento; os meios militares envolvidos ou a envolver, o tipo e grau dos riscos estimados e a previsível duração da missão, bem como os elementos, informações e publicações oficiais que sejam considerados úteis e necessários.
 
Para além disso, o Governo deve apresentar ao Parlamento um relatório semestral circunstanciado sobre as várias missões, podendo ainda ser chamado a prestar informações pontuais ou urgentes. No prazo de 60 dias após o final de cada missão, deve o Governo apresentar um relatório final sobre a mesma.
 
A lei estipula ainda que o acompanhamento pela Assembleia desta matéria é efectuado pela Comissão de Defesa Nacional.
 
Quanto ao tipo de missões abrangidas, a lei contém uma enumeração meramente exemplificativa:
 
- Missões humanitárias e de evacuação;
 
- Missões de construção e manutenção da paz;
 
- Missões de restabelecimento da paz ou de gestão de crises;
 
- Missões decorrentes de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português no âmbito militar.
 

1.2.1. Antecedentes Parlamentares

A Lei n.º 46/2003, de 22 de Agosto, foi aprovada na sequência da apreciação de três iniciativas legislativas:
 
- O Projecto de Lei n.º 52/IX/1, apresentado pelo PS - Regula o acompanhamento, pela Assembleia da República, do envolvimento de contingentes militares portugueses para o estrangeiro;
 
- O Projecto de Lei n.º 62/IX/1, apresentado pelo CDS-PP - Estabelece a fiscalização da Assembleia da República na intervenção de forças militares portuguesas no estrangeiro;
 
- O Projecto de Lei n.º 72/IX/1, apresentado pelo PSD - Intervenção de forças militares portuguesas no estrangeiro6.
No entanto, já na anterior Legislatura tinha sido iniciado processo legislativo parlamentar sobre esta matéria, com a apresentação e apreciação, na generalidade, das seguintes iniciativas legislativas:
 
- Proposta de Lei n.º 61/VIII/2, apresentada pelo Governo - Regula o acompanhamento, pela Assembleia da República, do envolvimento de contingentes militares portugueses para o estrangeiro;
 
- Projecto de Lei n.º 352/VIII/2, apresentado pelo PSD - Intervenção de forças militares portuguesas no estrangeiro;
 
- Projecto de Lei n.º 379/VIII/2, apresentado pelo CDS-PP - Reforça a fiscalização da Assembleia da República na intervenção de forças militares portuguesas no estrangeiro7.
Estas últimas iniciativas foram amplamente discutidas, no decurso da VIII Legislatura (1999-2002), tendo inclusive sido realizadas audições com especialistas na matéria8, mas acabaram por caducar com o fim antecipado da Legislatura, em Março de 2002.
 
Em todo o caso, estes trabalhos preparatórios da VIII Legislatura, nomeadamente as referidas audições com especialistas, foram depois tidos em conta durante o processo legislativo da IX Legislatura, que conduziu à aprovação da lei em vigor.
 
Uma das principais questões então em cima da mesa passava pela concretização do termo «acompanhar», adoptado na Constituição e considerado ambíguo, o que implicava definir o momento do acompanhamento (antes, durante ou depois), da forma do acompanhamento (deliberar? apreciar? como?), da entidade competente para o acompanhamento (o plenário ou uma comissão especializada? e, neste caso, qual?) e do tipo de missões abrangidas.
 
As respostas a estas questões são as que foram consagradas na lei actualmente em vigor e que estão referidas acima, em 1.2., na breve síntese da mesma.
 
Em todo o caso, trata-se de uma questão que recorrentemente é debatida no Parlamento. Contudo, nenhuma das iniciativas legislativas apresentadas ao longo dos anos sobre esta matéria foi aprovada.
 
Na IX Legislatura (2002-2005) - a mesma em que a Lei n.º 46/2003 foi aprovada - o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o Projecto de Lei n.º 375/IX9, com o qual pretendia que fosse regulado o acompanhamento, pela Assembleia da República, do envolvimento de contingentes de forças de segurança no estrangeiro em moldes muito semelhantes aos já previstos para os militares. Este projecto de lei foi motivado pela decisão então tomada de enviar um contingente da GNR para o Iraque, mas acabou por nunca ser agendado para discussão e votação em Plenário, caducando com o final da Legislatura.
 
Na X Legislatura (2005-2009) foi apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda um projecto de lei sobre o “condicionamento da intervenção das forças militares, militarizadas e de segurança portuguesas no estrangeiro” (Projecto de Lei n.º 179/X/1)10, em que se propunha, nomeadamente, a autorização prévia da Assembleia da República e a possibilidade de o Parlamento reapreciar os planos de intervenção militar “quando o seu desenvolvimento evidencie mudança substancial das condições que levaram à sua aprovação, dos meios empregues ou dos respectivos custos”. Este Projecto de Lei também não chegou a ser discutido e votado na generalidade no Plenário e caducou com o fim da X Legislatura11.
 
Também aquando da apreciação da Proposta de Lei n.º 243/X/4, que conduziu à aprovação da nova Lei de Defesa Nacional12, foram apresentadas propostas de alteração no sentido de atribuir ao Parlamento competência deliberativa nesta matéria13.
 
Na XI Legislatura (2009-2011), o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou nova iniciativa sobre a matéria - o Projecto de Lei n.º 97/XI/114. De teor idêntico ao projecto apresentado pelo mesmo grupo parlamentar na Legislatura anterior, teve também o mesmo destino (caducidade, com o fim antecipado da XI Legislatura, em Junho de 2011, sendo apenas apreciado na generalidade pela Comissão de Defesa Nacional).
 
O mesmo aconteceu à iniciativa apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP na XI Legislatura que visava regular o processo de decisão e acompanhamento do envolvimento de contingentes das Forças Armadas ou de Forças de Segurança Portuguesas em operações militares fora do território nacional (Projecto de Lei n.º 143/XI/1)15. Pretendiam os proponentes atribuir à Assembleia da República competência para aprovar o envolvimento de militares portugueses no estrangeiro e ao Presidente da República competência para tomar a decisão, sob proposta do Governo. Por outro lado, propunha-se também que o Parlamento dispusesse das mesmas competências relativamente ao envolvimento de contingentes de forças de segurança.
 
Alguns destes projectos apontam igualmente para a inclusão, nos elementos a submeter à Assembleia, de uma estimativa dos custos envolvidos.
 

1.2.2. A prática

Na prática, a Comissão de Defesa Nacional acompanha o envolvimento de militares portugueses em missões no estrangeiro essencialmente através de audições com o Ministro da Defesa Nacional, realizadas a solicitação do próprio ou da Comissão, e dos relatórios semestrais a que alude o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 46/2003. As audições têm decorrido sempre à porta fechada e os relatórios são classificados como reservados ou confidenciais. Estes relatórios conheceram ao longo dos anos um certo aumento da complexidade da informação neles contida, muito por insistência de Deputados membros da Comissão, e atendendo a que a própria lei refere expressamente que devem ser “circunstanciados”.
 
Outras informações escritas sobre as forças nacionais destacadas são pontualmente enviadas à Comissão pelo Governo, quando há alterações da participação portuguesa em missões internacionais.
 
Embora não seja regularmente cumprida a obrigação de envio de um relatório final das missões concluídas, no prazo de 60 dias (n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 46/2003), tal é por vezes feito em audição.
 
O Governo envia também todos os meses relatórios com informação estatística das forças nacionais destacadas, o que não é obrigatório face ao quadro legal descrito.
 
Note-se que nos relatórios referidos vem incluída informação detalhada dos militares envolvidos em operações de cooperação técnico-militar.
 
A Comissão também tem vindo a exercer esta competência de acompanhamento através de visitas aos locais onde decorrem as missões, como foi o caso, em 2006, da visita de uma delegação da Comissão aos militares portugueses destacados na Bósnia e no Kosovo e, em 2008, no Afeganistão e no Líbano, desta feita com a participação do então Presidente da Assembleia da República.
 

1.3. A questão das Forças de Segurança

Face ao enquadramento legal e constitucional acima descrito, uma das questões que de imediato se coloca, quanto ao papel do Parlamento português nesta matéria, prende-se com o envolvimento de forças de segurança em missões no estrangeiro. Constata-se, desde logo, que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 46/2003. Se dúvidas houvesse, a Revisão Constitucional de 2004 viria resolvê-las: tendo o legislador constituinte sentido necessidade de claramente acrescentar a referência às forças de segurança, na actual alínea i) do artigo 163.º, tal significa que não estavam, até aí, abrangidas. E não estando abrangidas na redacção saída da revisão constitucional de 1997, também não estavam na da lei que regulamenta a competência aí prevista.
 
Assim, coloca-se, na prática, a questão de saber como será feito esse acompanhamento por parte do Parlamento.
 
Há, contudo, uma especificidade no que toca à GNR, já acima aflorada, e que se prende com o facto de esta ser uma força de segurança de «natureza militar»16. Referindo-se a lei a «contingentes militares» e não a «contingentes das Forças Armadas»17, não se vê razão para não estar incluída. A prática tem, aliás, mostrado que a participação da GNR em missões no estrangeiro é por vezes referenciada nos relatórios enviados pelo Governo à Assembleia da República, ao abrigo da Lei n.º 46/2003, mas a distribuição de competências, quer ao nível do Governo, quer ao nível das Comissões Parlamentares Permanentes, cria algumas dificuldades. Recorde-se que a GNR está sob a tutela do Ministério da Administração Interna18, cujo trabalho é acompanhado pela Comissão Parlamentar com competência em matéria de administração interna19 e não pela Comissão de Defesa Nacional, que tem competências nas áreas tuteladas pelo Ministério da Defesa Nacional.
 
A questão é um pouco mais complicada no tocante à PSP, que claramente fica fora do âmbito de aplicação da Lei n.º 46/2003.
 
Parece, pois, ser urgente a regulamentação do acompanhamento pela Assembleia da República do envolvimento de forças de segurança em missões no estrangeiro. Embora a Assembleia possa sempre fazê-lo, no âmbito da sua competência genérica de fiscalização da actividade do Governo e da Administração, a verdade é que, não estando esta competência expressamente regulamentada, corre-se o risco de não a ver devidamente exercida (na medida em que não se estabelecem obrigações concretas ao Governo de informar a Assembleia, com prazos, procedimentos, etc.). Na prática, essa competência não é exercida regularmente, o que é tanto mais preocupante quanto a participação de forças de segurança em missões no estrangeiro tem vindo a ganhar relevo nos últimos anos.
 
Urge, pois, eventualmente numa próxima revisão da Lei n.º 46/2003, acautelar um efectivo e profundo acompanhamento das missões em que são envolvidas forças de segurança, designadamente clarificando as obrigações do Governo face ao Parlamento nesta matéria.
 
Será, então, necessário definir como e por quem deve ser feito esse acompanhamento. Numa perspectiva de intervenção mínima no regime já estabelecido, a solução a consagrar poderia ser muito semelhante à ora vigente para os contingentes militares, limitando-se a alargar o âmbito de aplicação da Lei n.º 46/2003.
 
No entanto, e pelas razões já acima referidas relativamente à tutela das forças em causa e a distribuição de competências entre as comissões parlamentares, poderia haver alguma dificuldade no tocante à definição da entidade competente, dentro da Assembleia.
 
Ora, poderia haver vantagens em atribuir também essa competência à Comissão de Defesa Nacional, uma vez que, quando envolvidas em missões no estrangeiro, as forças de segurança não desempenham as suas tradicionais missões no estrito âmbito da segurança interna, contribuindo, tal como as Forças Armadas, para a segurança internacional e para acautelar os interesses de Portugal, nos moldes em que o actual ambiente estratégico exige que sejam defendidos.
 
Seria uma solução estabelecida quase que por analogia com que o acontece com o comando operacional das forças de segurança no caso de guerra ou de estado de sítio e de emergência, que é unificado sob o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas20. Sendo, neste caso, a natureza das missões idêntica, seria vantajoso que fosse a mesma entidade, dentro da Assembleia, a efectuar o seu acompanhamento.
 
Mas muitas outras possibilidades existem, como por exemplo uma comissão de composição mista, com membros permanentes e não permanentes em função dos pontos constantes da ordem de trabalhos (possibilidade criada pelo Regimento da Assembleia da República com a reforma do Parlamento de 2007 mas nunca posta em prática), ou mesmo simplesmente o exercício destas competências de forma articulada, ou mesmo conjunta, pelas duas comissões parlamentares que tradicionalmente têm competências nas duas áreas em causa. Também se poderá equacionar a hipótese de envolver neste processo a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Mas mais importante do que questionar qual/quais da(s) comissão(ões) deve ter as referidas competências é assegurar que existem mecanismos que as permitem exercer de forma efectiva .
 

1.4. Acompanhar/autorizar/aprovar

Uma outra questão de fundo que se levanta a propósito desta matéria tem a ver com o tipo de papel assumido pela Assembleia, que é de “acompanhamento” das decisões do Governo e do desenrolar das próprias missões.
 
De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, um dos significados de “acompanhar” é “observar, manter a atenção ou o interesse voltado para algo (algo ou alguém que está em movimento, em desenvolvimento, mudança, acção ou actividade) durante um período de tempo e, eventualmente, participar do processo ou interferir nele (…); tomar conhecimento ou consciência de (…); presenciar, assistir a (…)”. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) define “acompanhar” como “dar atenção; manter-se informado; estar ao corrente; seguir o andamento”.
 
“Autorizar” significa “tornar lícito; permitir (…); dar permissão a (…); possibilitar (…); tornar válido, abonar, justificar, validar” (Houaiss), “dar poderes, consentimento ou permissão, deixar fazer ou concordar que se faça algo (Dicionário da ACL).
 
“Aprovar” é “achar bom, justo, acertado, adequado; ser favorável a, concordar com (…); autorizar, consentir (…); dar consentimento legal a; sancionar” (Houaiss), “achar bem, estar de acordo; exprimir concordância” (Dicionário da ACL).
 
A questão terminológica foi largamente discutida aquando da introdução desta competência na Constituição, em 1997, e, posteriormente, no âmbito do processo legislativo parlamentar conducente à aprovação da Lei n.º 46/2003. Mas, como resulta da apresentação de iniciativas tendentes a conferir à Assembleia competência deliberativa, há quem entenda que o termo “acompanhar” é suficientemente amplo para permitir que o seu desenvolvimento, em sede de legislação ordinária, consubstancie um poder de autorização ou aprovação.
 
Mesmo sendo o termo “acompanhar” algo dúbio, de facto, não parece que o legislador possa consagrar, em lei, a necessidade de autorização do Parlamento para o envolvimento de contingentes nacionais em missões no estrangeiro. Este é um passo que, a ser dado - e salvo melhor opinião -, só o poderá ser em sede de revisão constitucional.
 
Há, desde logo, um argumento de ordem sistemática: é que o preceito em causa está inserido no artigo que regula as competências da Assembleia relativamente a outros órgãos e não as suas competências próprias, políticas ou de fiscalização.
 
Por outro lado, há outros exemplos no texto constitucional em que se estatui expressamente a competência para autorizar (a declaração do estado de sítio e do estado de emergência, ao Governo para contrair e conceder empréstimos que não sejam de dívida flutuante ou ao Presidente da República para declarar a guerra e fazer a paz). Esta diferença de redacção, mesmo remetendo-se a regulamentação do “acompanhamento” para termos a definir em lei, não parece deixar margem para dúvidas. Para além disso, a consulta dos trabalhos preparatórios, quer das revisões constitucionais, quer da Lei n.º 46/2003, é também bastante esclarecedora quanto à intenção do legislador.
 
Efectivamente, as decisões de envolver contingentes nacionais em missões no exterior do território nacional são consideradas decisões de política externa, e esta é tradicionalmente vista como uma competência exclusiva do poder executivo. Embora a realidade demonstre que elas são cada vez mais decisões estratégicas com reflexos directos sobre a segurança e defesa do Estado e dos cidadãos, que são decisões que afectam não apenas os interesses nacionais mas a própria identidade e cultura de uma nação e a legitimidade dos governos democraticamente eleitos21, seria de constitucionalidade muito duvidosa uma lei que consagrasse a necessidade de autorização do Parlamento para a decisão de envolver militares ou forças de segurança em missões internacionais. Essa é, nos termos constitucionais actuais, uma competência do Executivo e a Assembleia acompanha o seu exercício, segue o seu andamento, toma conhecimento do seu desenvolvimento, e faz a sua apreciação política das decisões tomadas pelo Governo.
 
Diferente é a questão de saber se, numa próxima revisão constitucional, este regime deverá ser alterado. Isto é, se a «melhor» solução, para Portugal, é manter o regime vigente ou se o papel do Parlamento deverá ser reforçado.
 
A evolução do conceito de guerra obrigará provavelmente a repensar, no futuro, o quadro constitucional português de competências nesta matéria. Recorde-se que a declaração de guerra e a feitura da paz são competências do Presidente da República, mediante autorização da Assembleia22. Mas não há declarações formais de guerra desde a 2.ª Guerra Mundial; as intervenções armadas têm sido feitas com invocações de legitimidade muito variadas, não com declaração de guerra23. Em especial desde o final da Guerra Fria, assiste-se àquilo a que alguns autores chamam “novo intervencionismo”24, sendo os Estados cada vez mais chamados a participar em missões internacionais. Isso levanta obviamente a questão de saber como é que essas decisões são tomadas e legitimadas e justifica um maior envolvimento dos Parlamentos, como instituições que representam a identidade das nações e os interesses dos cidadãos, cujas opiniões e sentimentos reflectem muito directamente25.
 
A uma solução como a da lei portuguesa pode apontar-se, como fragilidade, o que se perde em termos de legitimação das decisões, que existiria por via da participação das várias forças políticas na tomada de decisão e da transparência e publicidade próprias do processo parlamentar. Mas há quem considere, por outro lado, que assim são decisões tomadas de forma mais célere, flexível e sigilosa.
 
Por outro lado, a generalidade das missões em causa são realizadas no âmbito de organizações internacionais, o que é apontado como uma dificuldade para um papel mais interventivo por parte do Parlamento, visto que é o Governo que toma parte do processo de decisão no seio dessas organizações. Há quem entenda que as assembleias parlamentares das organizações internacionais podem ter aqui um papel importante a desempenhar, como influenciadoras de opiniões, quer no seio dessas organizações, quer nos próprios países de onde são oriundos os seus membros, e cujas opiniões públicas melhor espelham visto serem eleitos directamente para os respectivos Parlamentos26.
 
Mas esta é uma questão que se prende com a ideia de défice democrático ao nível das organizações internacionais, que se coloca com particular acuidade no tocante à PCSD, e que justificaria por si só um trabalho de investigação final.
 
 

Capítulo II - Perspectivas Comparadas27

2.1. Espanha

Tal como acontece em Portugal, a Constituição atribui ao Chefe de Estado o poder de declarar a guerra e fazer a paz, com prévia autorização das Cortes Generales28-29. No entanto, a Constituição nada dispõe sobre a participação de forças espanholas em operações no estrangeiro.
 
Esta matéria vem regulada na Ley Organica 5/2005, de 17 de Novembro, “de la Defensa Nacional”, nos termos da qual o Governo tem de consultar previamente o Congresso dos Deputados e necessita da sua autorização para enviar militares para missões no estrangeiro. Para além disso, deve realizar-se um debate parlamentar anual sobre a evolução das operações internacionais em que as Forças Armadas espanholas estejam envolvidas30.
 
Esta é uma exigência introduzida pela referida lei, na sequência do envolvimento de Espanha na guerra do Iraque, em 2003, e do tenso ambiente político e social que então se viveu pelo facto de a intervenção militar ter sido iniciada sem mandato das Nações Unidas.
 
Espanha tem, assim, um dos regimes mais exigentes da União Europeia no que se refere à intervenção parlamentar no envolvimento em missões internacionais. No entanto, note-se que estas exigências apenas se aplicam às Forças Armadas, pelo que ficam de fora todas as missões civis, nomeadamente aquelas em que intervenha a Guardia Civil. Esta é uma questão que ganha particular acuidade no âmbito das missões PCSD: sendo na sua maioria missões civis, ficam fora do regime estabelecido na Ley Organica 5/2005.
 
Refira-se ainda que estão excepcionados deste procedimento de consulta e autorização prévia os casos em que esteja em causa a defesa do país ou de interesses nacionais. Por outro lado, está prevista a possibilidade de procedimentos de urgência, quando os compromissos internacionais exijam uma resposta rápida ou imediata, e mesmo a intervenção ex post do Congresso, com a ratificação da decisão do Governo por razões de máxima urgência.
 
Uma das críticas que tem sido feita a este regime prende-se com o facto de a consulta e autorização serem por vezes requeridas após a assumpção do compromisso pelo governo espanhol junto das organizações internacionais, na medida em que isso deixa muito poucas possibilidades ao Parlamento de influenciar a posição do governo31, podendo, pois, levar a um esvaziamento dos poderes parlamentares nesta matéria.
 
Note-se, finalmente, que, ao contrário do que acontece no caso português, esta competência do Congresso não está regulamentada, isto é, a lei não estabelece que tipo de informação sobre a operação em causa deve ser prestada pelo governo nem a quem compete tomar a decisão - se ao Plenário, se a uma Comissão e qual. Isto tem conduzido, na prática, a procedimentos diversos em relação à participação de contingentes das Forças Armadas espanholas em diferentes operações32.
 

2.2. Reino Unido

No Reino Unido, de acordo com a “prerrogativa real”33, o envio de contingentes para o estrangeiro, em qualquer circunstância, é competência exclusiva do Governo, não tendo o Parlamento34 qualquer papel formal nesta matéria.
 
No entanto, os sucessivos Governos britânicos têm tomado medidas para manter o Parlamento informado, tanto das decisões de uso da força como do progresso das campanhas militares35. Veja-se o que em aconteceu em 2003: o então Primeiro-Ministro Tony Blair decidiu consultar o Parlamento sobre a decisão de envolver o Reino Unido no conflito no Iraque, e obteve o apoio da Câmara dos Comuns, em votação de 18 de Março de 200336.
 
A “prerrogativa real” e a inexistência de uma obrigação legal de envolvimento do Parlamento no envio de militares para operações no estrangeiro é há muito criticado e considerado como traduzindo uma ausência de “democratic accountability” relativamente a uma das mais importantes decisões que o Governo pode tomar. Justamente a questão do Iraque, em 2003, é considerada como sendo um dos factores que mais contribuiu para chamar a atenção para esta problemática37.
 
Os poderes do Parlamento em matéria de envolvimento de forças britânicas em conflitos, seja com declaração formal de guerra ou não, têm, pois, estado no centro do debate político naquele país, no âmbito de uma reforma constitucional em discussão, que também tem implicações noutras áreas, nomeadamente na aprovação de tratados.
 
Parece ser consensualmente adquirido que é necessário reforçar o papel do Parlamento nesta matéria, mas a forma exacta como tal deverá ser feito não está ainda concretizada. Já anteriormente houve projectos de lei visando este reforço38, mas não foram aprovados. O Governo britânico liderado por Gordon Brown lançou, em Julho de 2007, o livro verde The Governance of Britain, sobre a reforma constitucional e em que esta é uma das questões centrais; procedeu a uma consulta pública sobre War Making Powers and Treaties: Limiting Executive Powers, e, em Março de 2008, publicou um livro branco com as suas propostas de revisão constitucional, em três volumes39.
 
Neste momento, parece estar em cima da mesa a aprovação de uma “war powers resolution”, que provavelmente será apresentada pelo Governo ao Parlamento no próximo Outono40,, que estatua a necessidade de aprovação do Parlamento antes do envio de tropas para o estrangeiro.
 
Algumas questões importantes a concretizar passam, por exemplo, pela necessidade ou não de definir «conflito armado», Forças Armadas, as circunstâncias excepcionais em que a consulta ao Parlamento é feita a posteriori e consequências da não aprovação pelo Parlamento nesses casos, o que acontece se o Parlamento não estiver em funcionamento no momento de envio das tropas, qual a informação a fornecer ao Parlamento e em que fase deve ser consultado, qual o papel da Câmara dos Lordes e qual a comissão especializada competente.
 
Há quem entenda que o que está subjacente a este debate é a opção de fundo entre eficiência operacional e o controlo democrático e que a solução em discussão no Reino Unido pode até contribuir para “sabotar” o controlo democrático, pela própria forma de funcionamento do sistema político, que permite que o Governo controle a maioria parlamentar41. Mas esta é, no fim de contas, uma crítica que pode ser apontada a qualquer sistema de governo de base parlamentar.
 
Note-se, contudo, que é feito escrutínio de algumas missões no âmbito da PCSD, tanto civis como militares, pela Comissão de Assuntos Europeus da Câmara dos Lordes42. Isto porque, nos termos da Scrutiny Reserve Resolution, de 6 de Dezembro de 199943, o Governo britânico deve aguardar pela finalização do escrutínio parlamentar antes de aprovar iniciativas legislativas no Conselho de Ministros da União Europeia. No entanto, na prática esse escrutínio acaba muitas vezes por ser feito a posteriori, por razões que se prendem com o processo de tomada de decisões a nível europeu e com a necessidade de celeridade nas mesmas44.
 

2.3. Alemanha

Na Alemanha, qualquer envolvimento de forças militares no estrangeiro tem de ser previamente autorizado pelo Parlamento45.
 
As regras relativas a esta matéria derivam da Constituição, da jurisprudência do Tribunal Constitucional, da lei sobre a participação do Parlamento na decisão de enviar militares para missões no estrangeiro (Parlamentsbeteiligungsgesetz), de 18 de Março de 2005, e da prática do próprio Bundestag.
 
A questão do uso de forças militares alemãs no estrangeiro tem sido muito debatida, ao longo dos anos, por razões que se prendem com a história do país no século XX. As Forças Armadas da República Federal da Alemanha (Bundeswehr) só foram criadas em 1956, com uma revisão da Constituição de 1949, que aditou o artigo 87a, o qual estipula, para além da criação de Forças Armadas para efeitos de defesa, que as Forças Armadas só podem ser usadas para outros fins conforme previsto na Constituição, como é o caso dos estados de excepção ou de desastres naturais.
 
Durante anos, a Constituição alemã foi interpretada no sentido de proibir a participação de militares alemães em operações no estrangeiro. Mas o aumento do número de operações de apoio à paz, no início da década de 90, acabou por conduzir a uma mudança de posição.
 
A Alemanha tinha uma participação muito significativa no Airbourne Warning and Control System (AWACS) da NATO, quando, em 1993, a NATO decidiu usar este sistema na Bósnia. A não retirada, por parte do governo, das tropas alemãs que participavam no mesmo gerou grande oposição interna, por se entender que violava a Constituição. O Tribunal Constitucional foi então chamado a apreciar a questão e concluiu, em 12 de Julho de 199446, que a Constituição não proibia o envolvimento de tropas alemãs no estrangeiro desde que cada operação fosse precedida de aprovação pelo Parlamento, pois o uso das Forças Armadas não se encontra exclusivamente na discrição do executivo. Esta noção é sintetizada na ideia da Bundeswehr como Parlamentsarmee, isto é, um exército parlamentar, que faz parte da ordem democrática constitucional.
 
Esta posição do Tribunal Constitucional acabou por ter um efeito pacificador da opinião pública de então, justamente por estabelecer formas de controlo democrático do uso das Forças Armadas no exterior, muito embora fosse além do texto constitucional, que não previa expressamente a necessidade de aprovação parlamentar para cada operação. A possibilidade da participação alemã em intervenções militares no exterior foi fundamentada no artigo 24.º da Constituição, que prevê que a Alemanha pode integrar sistemas de segurança colectiva.
 
O Tribunal Constitucional também considerou que o Parlamento deveria regulamentar esta competência, o que só viria a acontecer em 2005, com a aprovação da lei que regula a participação do Parlamento no envolvimento das Forças Armadas em operações armadas no estrangeiro, em 18 de Março de 2005.
 
Em 2001, teve lugar outra importante decisão do Tribunal Constitucional, a propósito do conceito estratégico da NATO de 1999 (que abriu caminho às chamadas missões «não artigo 5.º»), embora aparentemente em sentido inverso à de 1994, ao estabelecer a não necessidade de aprovação daquele conceito estratégico pelo Parlamento. Também em 2007, a decisão a propósito do uso da aeronave alemã Tornado, no Afeganistão, pareceu apontar para uma tendência de não reforço dos poderes do Parlamento nesta matéria.
 
Em 18 de Março de 2005, o Bundestag aprovou a lei que regula a participação do Parlamento no envolvimento das Forças Armadas em operações armadas no estrangeiro (Parlamentsbeteligungsgesestz47). Nos termos desta lei, o envolvimento de Forças Armadas alemãs em operações militares no estrangeiro necessita da aprovação prévia do Parlamento, com exclusão das medidas preparatórias dessas operações e das missões humanitárias nas quais seja envolvido armamento apenas para efeitos defensivos.
 
A lei clarifica quando deve ser requerido o consentimento do Parlamento (atempadamente, antes do envio das tropas), que elementos devem ser-lhe fornecidos e refere expressamente que o Bundestag apenas pode dar ou recusar a aprovação, não lhe cabendo modificar os termos do pedido do Governo. Compete também ao Bundestag aprovar a extensão da duração das missões.
 
Entre os elementos a fornecer pelo governo federal, contam-se: o mandato e base legal para o envio de tropas, a área das operações, o número máximo de militares a envolver, as capacidades das forças militares em causa, a duração prevista da missão e uma estimativa dos custos envolvidos.
 
É previsto um procedimento simplificado para missões de baixa intensidade ou importância: o Governo deve justificar por que se trata de missão de baixa intensidade ou importância e é distribuído um documento aos Deputados com as informações sobre a missão; se no prazo de sete dias não for requerido um processo de aprovação formal, por pelo menos 5% dos membros do Parlamento, a missão é considerada aprovada.
 
Por outro lado, está prevista a possibilidade de dispensa de consentimento prévio quando seja necessária acção imediata, mas o Governo deve fornecer toda a informação ao Parlamento logo que possível e requerer a aprovação a posteriori. O Governo tem também a obrigação de informar regularmente o Parlamento sobre as operações em curso.
 
A aplicação desta lei tem sido relativamente pacífica, até porque veio consagrar aquela que já era a prática parlamentar. No entanto, esta lei tem sido criticada por não clarificar suficientemente alguns aspectos, como o conceito de operações armadas, considerado demasiado lato, ou o de missões de baixa intensidade ou importância, considerado demasiado vago. Como tal, ela tem de ser interpretada à luz das decisões do Tribunal Constitucional e da própria prática do Bundestag.
 
Nos termos da prática parlamentar, cabe à Comissão de Negócios Estrangeiros analisar os pedidos do governo federal de envio de tropas para o estrangeiro, preparando a votação em Plenário. A Comissão de Defesa tem também um importante papel no acompanhamento destas questões, nomeadamente através de audições com os membros do governo responsáveis pela área da defesa, havendo mesmo alguma sobreposição de competências entre as duas Comissões48.
 
Em 7 de Maio de 2008, o Tribunal Constitucional alemão tomou nova decisão relevante nesta matéria, tendo como base o envio de aeronaves AWACS, no âmbito da NATO, para a Turquia, em Março de 2003. Esta decisão não tinha sido levada ao Parlamento, tendo o Governo considerado que se tratava de mera operação de rotina, que não implicaria o envolvimento num conflito armado. A questão foi então suscitada junto do Tribunal Constitucional, tendo sido interposta uma providência cautelar para a realização de uma votação no Parlamento. A decisão final só foi tomada em 2008, mas logo na altura, em 2003, a providência cautelar foi recusada, tendo o Tribunal considerado que, face à situação política complicada que então se vivia, seria mais prejudicial submeter a questão a votação no Parlamento, que poderia decidir pela não aprovação da missão já em curso, assim colocando graves problemas ao executivo no âmbito da condução da política externa.
 
Em 2008, na decisão da questão de fundo, o Tribunal Constitucional veio pela primeira vez examinar questões como as de saber se, quando e porquê deve haver consentimento do Bundestag para o envolvimento das Forças Armadas no estrangeiro. No caso concreto, tratava-se de saber se era necessário o consentimento do Parlamento para utilização do avião naquela missão, quando é que esse consentimento deveria ser dado e por que é que era necessário preservar os poderes do Parlamento, quando parecia caminhar-se para uma «desparlamentarização» da questão, face às decisões do Tribunal Constitucional de 2001 e 2003 acima referidas.
 
O Tribunal Constitucional concluiu pela protecção dos poderes do Parlamento, como forma de compensar a sua perda de influência face ao crescente papel do executivo na tomada de decisões no seio da NATO. Entendeu que, havendo uma certa probabilidade de que as tropas alemãs se venham a envolver em operações armadas, deve o consentimento do Parlamento ser requerido o mais cedo possível, para que permita influenciar a decisão, para além de considerar que tal também é do interesse do próprio governo, pois evita possíveis recusas de aprovação pelo Parlamento, com todas as implicações que isso tem na política externa49.
 
Na Alemanha, o debate sobre esta questão tem-se centrado muito na necessidade de assegurar o controlo democrático sobre a utilização das Forças Armadas no estrangeiro e, por outro lado, na necessidade de não pôr em causa a sua participação empenhada nas organizações internacionais no âmbito das quais decorrem as operações.
 
Ora, como resulta do acima referido, as missões civis estão excluídas do quadro constitucional, legal e jurisprudencial exposto. No seio do Bundestag, cabe à Comissão de Administração Interna acompanhar os assuntos relativos à participação da polícia em missões no estrangeiro, mas o facto de também as polícias estaduais participarem em missões no estrangeiro, designadamente no quadro da PCSD, dificulta o escrutínio parlamentar sobre estas questões (uma vez que o controlo parlamentar ocorre também a nível estadual). Refira-se contudo que a lei confere ao Parlamento o direito de ser informado sobre o envolvimento da polícia federal (Bundespolizei) em missões no estrangeiro, bem como o de lhes pôr fim50. Mas há manifestamente um défice na informação que é dada nesta matéria ao Parlamento alemão51.
 

2.4. França

Nos termos do actual artigo 35.º da Constituição francesa52, o Executivo deve informar o Parlamento53 sobre a decisão de fazer intervir as Forças Armadas no estrangeiro pelo menos três dias após o início da intervenção, dando conta dos objectivos a prosseguir. Esta informação pode dar lugar a um debate, mas sem votação.
 
Caso seja necessário prolongar a duração da intervenção para além de quatro meses, o governo deve solicitar autorização do Parlamento para tal, podendo solicitar à Assembleia Nacional que decida em última instância. Prevê-se ainda que, se tal ocorrer durante a interrupção dos trabalhos parlamentares, o Parlamento se pronuncie aquando da reabertura dos trabalhos.
 
Este regime foi introduzido pela Lei Constitucional de 23 de Julho de 2008 - até aí, não havia na Constituição francesa qualquer referência ao papel do Parlamento no envolvimento de forças nacionais em operações no estrangeiro.
 
No entanto, esta era uma questão muito debatida na sociedade francesa, tendo estado até na origem de uma moção de censura ao Governo, apresentada pelo Partido Socialista, e que viria a ser rejeitada em 8 de Abril de 2008. Esta moção de censura54 teve como questão de fundo a decisão do Presidente Sarkozy de reforçar os meios militares franceses envolvidos no Afeganistão, tomada sem qualquer intervenção do Parlamento. Aliás, o Primeiro-Ministro francês François Fillon tinha, em discurso na Assembleia Nacional de 1 de Abril de 200855, defendido tratar-se de uma decisão exclusiva do poder executivo - concretamente do Presidente da República, como chefe supremo das Forças Armadas. Considerou, nomeadamente, que o Parlamento não tinha qualquer responsabilidade na decisão de utilização das Forças Armadas, pois a Constituição não o requeria. E defendeu inclusive que o artigo 35.º da Constituição (que à data apenas estipulava a necessidade de autorização do Parlamento para declarar a guerra) tinha caído em desuso, por não se coadunar com as formas modernas de guerra. Por outro lado, deu exemplos de situações precedentes semelhantes em que não tinha sido consultado o Parlamento, nomeadamente a intervenção inicial no Afeganistão (quando o Primeiro-Ministro era Lionel Jospin e o Presidente era Jacques Chirac).
 
A verdade é que houve consenso quanto à necessidade de reforçar o papel do Parlamento no envio de forças nacionais para operações no estrangeiro e a Constituição veio a ser alterada, logo em Julho do mesmo ano, nos termos acima expostos. Muito embora não ponha em causa a prerrogativa presidencial da decisão inicial, o estabelecimento de uma obrigação de informação ao Parlamento e, sobretudo, da necessidade de autorização parlamentar para missões que se prolonguem por mais de quatro meses, constitui sem dúvida um importante sinal daquele reforço.
 
Logo após a entrada em vigor deste novo regime, a Assembleia Nacional foi chamada a pronunciar-se sobre o prolongamento da participação francesa na missão no Afeganistão, em 22 de Setembro de 2008, que aprovou, com 343 votos a favor e 210 contra56. Em 28 de Janeiro de 2009, a Assembleia aprovou o prolongamento de cinco intervenções das Forças Armadas no estrangeiro (Costa do Marfim, Kosovo, Chade, Líbano e República Centro-Africana)57.
 
Após aprovação pela Assembleia, estes prolongamentos são depois submetidos à apreciação do Senado (embora a decisão vinculativa acabe por ser a da câmara baixa).
 
O regime acima exposto apenas se refere às Forças Armadas. Relativamente às missões civis, designadamente no âmbito PCSD, há a considerar que o artigo 88-4 da Constituição francesa obriga à consulta do Parlamento antes de o governo aprovar a adopção de acções comuns, no Conselho de Ministros da União Europeia, o que permite o escrutínio parlamentar destas iniciativas, muito embora o mesmo seja considerado deficitário58.
 

2.5. Dinamarca

A Constituição dinamarquesa estipula, no seu artigo 19, 2.º parágrafo59, que o executivo só pode usar a força militar contra outro Estado com o consentimento do Folketing (Parlamento)60, a não ser que se trate de defesa contra um ataque armado ao reino ou às forças dinamarquesas. Naquele caso, qualquer iniciativa deve ser de imediato submetida ao Parlamento, que será imediatamente convocado.
 
Este artigo tem sido interpretado no sentido de o Governo apenas poder usar a força militar, sem consentimento prévio do Parlamento, para repelir ataques, no imediato, tendo, para acções posteriores de obter aquele consentimento61.
 
No que se refere ao aspecto objecto do presente estudo, é, pois, entendido que a Constituição exige o consentimento prévio do Parlamento. No entanto, também tem sido entendido que esse consentimento não é necessário para o envio de pequenos contingentes de observadores.
 
O assunto é primeiramente analisado pela Comissão de Política Externa (Foreign Policy Committee), que não é uma comissão parlamentar “normal”, mas tem competências e regras de funcionamento específicas62. O Governo deve consultar esta comissão sobre todas as decisões importantes relativas à política externa e é também através desta Comissão que são apresentadas as questões para as quais seja constitucionalmente exigido consentimento parlamentar, como é o caso do envolvimento de forças militares no estrangeiro. Embora o Governo não fique obrigado a seguir as opiniões da Comissão, elas permitem perceber se a decisão em causa terá ou não o apoio da maioria dos Deputados. Trata-se de uma Comissão que funciona à porta fechada, rodeada do maior sigilo, e que visa essencialmente o estabelecimento de consensos.
 
A votação relativa à participação de forças dinamarquesas em missões no estrangeiro é depois realizada em sessão plenária, dando lugar, no caso de ser aprovada, a uma resolução.
 
Há nestes processos de tomada de decisão na Dinamarca uma grande influência do Parlamento pela necessária busca de consenso, que bem se compreende pelo facto de os governos serem em regra minoritários. No entanto, aquando da tomada de decisão de fazer participar forças dinamarquesas na guerra do Iraque, em 2003, o Governo, então liderado pelo Primeiro-
-Ministro Anders Fogh Rasmussen, foi acusado pela oposição de os confrontar com um facto consumado, assim violando a Constituição63. Apesar disso, e da forte oposição pública que então existia, o Parlamento aprovou a participação naquela missão64.
 
Recorde-se, finalmente, a decisão da Dinamarca de opt-out da cooperação europeia em assuntos com implicações na defesa, na sequência do referendo que recusou a ratificação do Tratado de Maastricht, em 1992.
 
 

Considerações Finais

O caso português - as forças de segurança
 
Da análise do caso português resulta claro, logo à partida, haver uma lacuna no acompanhamento do envolvimento de forças segurança em missões no estrangeiro. A alteração constitucional de 2004, no sentido de acrescentar a competência parlamentar neste âmbito, evidencia a necessidade de haver alguma intervenção do Parlamento também neste aspecto, o que bem se compreende pelo crescente número de missões no estrangeiro em que participam forças de segurança. Contudo, mais de sete anos decorridos após aquela alteração constitucional, esta competência não foi ainda regulamentada.
 
Obviamente, a Assembleia não fica inibida de fiscalizar a acção do Governo no tocante ao envolvimento das forças de segurança no estrangeiro. Mas o mesmo se poderia dizer se também o acompanhamento do envolvimento dos contingentes militares não estivesse regulamentado ou, mais ainda, se nem sequer estivessem, quer um quer o outro, autonomizados na Constituição. No âmbito das suas competências de fiscalização da acção do Governo e da Administração, o Parlamento pode sempre proceder às diligências que considere necessárias, nomeadamente chamando os membros do Governo responsáveis pela área para audições, pedindo esclarecimentos por escrito, visitando os locais, etc. Mas a não regulamentação destas competências leva a que, na prática, acabem por não ser devidamente exercidas, com a regularidade e profundidade que os assuntos exigem.
 
Parece, pois, ser urgente a aprovação de legislação nesta matéria.
 
Quanto à forma como tal pode ser efectivado, uma das questões que desde logo deve ser equacionada é a da definição da entidade competente. Para o acompanhamento dos contingentes militares atribuiu-se competência directamente à Comissão de Defesa Nacional, mas qual deverá ser a solução para as forças de segurança? No âmbito da repartição de competências entre as comissões parlamentares permanentes, as matérias relativas às forças de segurança têm sempre cabido à comissão que acompanha os assuntos de administração interna (no caso da Legislatura em curso, é a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, através da sua Subcomissão de Administração Interna). Mesmo no caso da GNR, que tem natureza militar, só pontualmente tem havido alguma intervenção da Comissão de Defesa Nacional.
 
As comissões parlamentares permanentes tendem, até certa medida, a reflectir a organização do Executivo, abrangendo uma ou mais áreas de governação, justamente porque são comissões especializadas em função da matéria e assim melhor fiscalizam a acção governativa em cada área. Tendo isso em mente, pareceria, pois, natural que se atribuísse à comissão com competências na área da administração interna a competência para acompanhar o envolvimento de forças de segurança no estrangeiro. No entanto, isso poderia conduzir a uma visão espartilhada daquilo que é, no fim de contas, a mesma realidade: a participação de Portugal em operações internacionais.
 
Nesse sentido, a necessidade de uma abordagem integrada, do ponto de vista parlamentar, parece antes aconselhar a que seja a mesma comissão a acompanhar todo o envolvimento de forças portuguesas, militares ou de segurança. Sendo esta uma competência já exercida pela Comissão de Defesa Nacional, quanto aos militares, não se vê razão para que não seja simplesmente alargado o âmbito de aplicação da lei em vigor, mantendo-se esta como entidade competente, no seio da Assembleia. Tal corresponde, aliás, a uma visão mais global, e actual, da defesa nacional, que não se reduz às Forças Armadas.
 
Note-se que, na generalidade dos países da União Europeia, todas as missões no estrangeiro tendem a ser vistas como competência das comissões de defesa, não desempenhando as comissões de administração interna qualquer papel neste âmbito65.
 
Uma nota ainda para sublinhar o seguinte: dos seis casos analisados no presente trabalho, Portugal é o único que consagrou em sede constitucional a necessidade de participação parlamentar no envolvimento de forças de segurança em missões no estrangeiro. No entanto, como vimos, essa questão tem também vindo a ser suscitada noutros países, como acontece em Espanha.
 
Refira-se, a este propósito, que na Alemanha se fala já da criação de uma “arquitectura da política de segurança”, que reflicta os complexos desafios da segurança e defesa, com uma visão alargada e integrada da segurança, visando uma cooperação interdepartamental das áreas da defesa, administração interna, negócios estrangeiros e desenvolvimento, combinando e integrando o civil e o militar66 - trata-se obviamente de uma questão muito mais abrangente do que a das missões no estrangeiro, mas certamente também se reflectirá nelas e, sobretudo, permite ilustrar como a compartimentação e o tratamento diferenciado das missões civis e militares estão desajustados da realidade.
 
Esta é uma tendência que se faz também sentir ao nível da União Europeia. Já em 2008 a revisão da Estratégia Europeia de Segurança apontou nesse sentido67 e o Tratado de Lisboa veio implicar a reorganização das estruturas de apoio à PCSD e uma maior cooperação das várias envolventes na gestão de crises. Em Janeiro de 2010 foi criada a Direcção da Gestão de Crises e Planeamento (Crisis Management and Planning Department), que é responsável pelo planeamento político-estratégico nas operações civis e militares e em que foram integradas a anteriores DG8 (militar) e DG9 (civil). Esta direcção veio depois a ser integrada no Serviço Europeu de Acção Externa, em Janeiro de 2011.
 
O Conselho tem, de resto, vindo a realçar a importância de se desenvolverem sinergias entre o desenvolvimento das capacidades civis e militares da União Europeia68. Como se pode ler nas conclusões do Conselho de 1 de Dezembro de 2011, em matéria PCSD, o Conselho considera que «para que a PCSD seja mais eficaz, é necessário melhorar também substancialmente o desempenho da UE em matéria de planeamento e condução das missões civis e das operações militares, designadamente através do reforço dos conhecimentos especializados no domínio civil e de uma maior integração das dimensões civil e militar (…)» e sublinha a necessidade de um «esforço mais amplo de desenvolvimento de sinergias entre as vertentes interna e externa da segurança». Além disso, «A fim de obter uma maior eficiência e melhores sinergias entre o planeamento civil e militar, adaptando a PCSD à nova realidade institucional resultante da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho convida a Alta Representante a propor que se revejam os procedimentos da UE no domínio da gestão de crises, que data já de 2003.»
 
O caso português - que tipo de papel para a Assembleia da República?
 
Ao Parlamento português cabe, pois, nos termos da Constituição, um papel de “acompanhamento” do envolvimento de contingentes nacionais no estrangeiro. Esta expressão um pouco dúbia foi propositadamente escolhida para deixar margem ao legislador, em sede de regulamentação, para definir em que é que esse acompanhamento efectivamente se traduzia. Mas, face aos registos dos debates realizados na Assembleia da República aquando da Revisão Constitucional de 1997, que pela primeira vez inseriu esta competência na Constituição, será certo afirmar que não se pretendia que significasse a competência parlamentar para autorizar ou aprovar, mas apenas para se inteirar e apreciar esse envolvimento. Como tal, qualquer tentativa de dar ao Parlamento português competências deliberativas nesta matéria parece pressupor a necessidade de uma alteração constitucional e a vontade política para a fazer.
 
Certo é que da pesquisa efectuada para o presente trabalho resulta uma tendência para o reforço dos Parlamentos dos países em questão: tanto a Espanha como a Alemanha aprovaram legislação nesse sentido em 2005 (muito embora na Alemanha já anteriormente se exigisse autorização do Parlamento para o envolvimento de forças militares no estrangeiro); França, que tradicionalmente via estas questões como função exclusiva do Executivo, alterou, em 2008, a sua Constituição no sentido de passar a consagrar a obrigação de o Governo informar o Parlamento das decisões de enviar tropas francesas para o exterior e de obter a sua autorização para prolongar missões para além de quatro meses de duração; o Reino Unido, em que mesmo a declaração formal de guerra sempre foi tida como integrando a “prerrogativa real”, tem em curso uma reforma constitucional que, tudo aponta, tornará obrigatória a autorização prévia do Parlamento para o envolvimento de forças militares no estrangeiro69.
 
Esta tendência poderá ser uma reacção a uma outra tendência: a da multiplicação do número de operações militares internacionais desde o final da Guerra Fria. De facto, dois terços de todas as missões internacionais desenvolvidas no âmbito da Organização das Nações Unidas tiveram lugar após 199070. As decisões de efectuar operações internacionais - como, de resto, a maior parte das decisões de política externa - são hoje em dia cada vez mais tomadas através de organizações multilaterais, como a União Europeia, a NATO ou as Nações Unidas, e isso torna os processos de decisão mais complexos, opacos e de difícil escrutínio parlamentar e público. Fala-se a este nível da existência de um “duplo défice democrático” e há quem aponte o reforço do papel dos Parlamentos nacionais como uma das formas de o combater71.
 
O “défice democrático” das organizações internacionais é um conceito que surgiu muito associado ao processo de evolução da União Europeia e significa, de uma forma genérica, o excesso de complexidade e burocracia e a distância que separa os cidadãos de quem toma as decisões.
 
A discussão sobre o controlo (accountability) democrático da política externa europeia iniciou-se há muitos anos, com a Cooperação Política Europeia, em 1969. Mesmo antes ser um órgão eleito por sufrágio universal e directo, o Parlamento Europeu considerava que a natureza estritamente intergovernamental e confidencial da Cooperação Política Europeia erodia as fundações da democracia parlamentar72.
 
Desde então o Parlamento Europeu tem visto as suas competências acrescidas, mas muitos consideram que há um vazio no que toca ao escrutínio parlamentar da Política Externa e de Segurança Comum, uma vez que têm aumentado muito as competências da União Europeia ao nível da política externa, sem o correspondente reforço das competências do Parlamento Europeu a este nível. E esta é uma questão que ganha especial relevância no âmbito da PCSD, pela relutância dos Estados em transferir competências nesta área para as instâncias comunitárias, mantendo-as, assim, no foro intergovernamental e, portanto, de mais difícil escrutínio pelo Parlamento Europeu.
 
A questão do “défice democrático” tem sido apontada à generalidade das organizações internacionais, nomeadamente o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio. Como entidades intergovernamentais, apenas são responsáveis - accountable - perante os Governos dos respectivos Estados-membros. Com a agravante de nem sequer disporem, como a União Europeia, de assembleias parlamentares directamente eleitas73.
 
Há quem entenda que as assembleias parlamentares das organizações internacionais podem ter aqui um papel importante a desempenhar, como influenciadoras de opiniões, quer no seio dessas organizações, quer nos próprios países de onde são oriundos os seus membros, e cujas opiniões públicas melhor espelham, visto serem eleitos directamente para os respectivos Parlamentos.
 
Alguns autores referem que nas questões de segurança e defesa, em particular no que se refere à PCSD, há um “duplo défice democrático”74 - duplo porque existe tanto ao nível internacional (porque são tomadas ao nível intergovernamental) e nacional (pelo reduzido ou inexistente papel que os parlamentos têm, ao nível interno, e pela dificuldade ou mesmo impossibilidade de obter informações das instâncias internacionais)75-76.
 
O reforço do papel dos parlamentos nacionais é uma das vias apontadas para fazer face a esse “duplo défice democrático”. E há mesmo quem considere que o processo de integração europeia acabará por ajudar a conduzir a esse reforço, pela criação de regras mínimas comuns a todos os parlamentos nacionais dos Estados da União Europeia77.
 
Particularmente no tocante à PCSD, também o reforço das competências do Parlamento Europeu é considerada por alguns uma via para reduzir o “duplo défice democrático” nesta área. Muito embora o Tratado da União Europeia não preveja uma obrigação de consulta prévia ao Parlamento Europeu antes de uma acção do Conselho no campo da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e da PCSD - o que leva muitos autores a falar da sua frágil posição de escrutínio sobre estas políticas - a verdade é que o Parlamento Europeu conseguiu alargar as suas competências através de acordos inter-institucionais com o Conselho e a Comissão, nomeadamente quanto a disciplina orçamental e gestão financeira. Há quem entenda que o Tratado de Lisboa também contribui para o reforço do seu papel, ao prever que receba informação mais cedo e de forma mais fluida, para além de conferir ao Alto Representante a obrigação de consultar regularmente o Parlamento sobre desenvolvimentos ao nível da PESC/PCSD e de assegurar que as posições deste são levadas em conta, para além de elevar o número de debates anuais no Plenário sobre PESC/PCSD para dois78.
 
O Parlamento Europeu pode, pois, ter também um contributo importante a dar para combater o “défice democrático” na segurança e defesa, nomeadamente no controlo orçamental79 ou quanto ao comportamento ético dos elementos das Forças Armadas e das forças de segurança que participam nas missões80. Esse contributo será necessariamente de natureza diferente do dos Parlamentos nacionais, pois há que não esquecer que as missões são da União Europeia, mas as forças militares ou os elementos civis são dos países e estes são soberanos quanto às decisões de as enviar ou não para missões no estrangeiro - estamos longe de um “Exército europeu”81.
 
Mas há que não esquecer que a PCSD mantém natureza intergovernamental, pelo que é primacialmente ao Parlamento de cada Estado que compete fazer o escrutínio das decisões que o seu Executivo toma neste âmbito. No entanto, é reconhecida pela generalidade dos Parlamentos Nacionais dos Estados-membros da União Europeia a necessidade de encontrar uma forma de articulação entre todos com vista à efectivação de um escrutínio mais eficaz82.
 
Na definição, ou redefinição do papel de um Parlamento no envio de forças nacionais para missões no estrangeiro, muitos são os factores a pesar, e procurou-se chamar a atenção para alguns deles neste trabalho. O conceito de guerra, a condução da política externa e a percepção que os cidadãos têm hoje em dia de decisões que tradicionalmente lhes eram distantes têm mudado muito nos últimos anos e obrigam por vezes a reajustar os quadros institucionais. Os Parlamentos são a expressão mais directa da democracia e, por isso, são o melhor garante de controlo democrático das instituições e órgãos públicos. A decisão de enviar forças nacionais para operações no estrangeiro, que por vezes são guerras de facto, é talvez das mais importantes que hoje em dia os Governos podem tomar. O envolvimento dos Parlamentos nestas tomadas de decisão não só contribui para lhes dar legitimidade democrática como é também uma forma de garantir o apoio da opinião pública e de criar consensos, a nível nacional, sobre decisões que afectam toda a sociedade. Mas há outros factores a ponderar, como o facto de a cada vez maior necessidade de flexibilidade e rapidez na resposta às solicitações internacionais, por força da natureza das actuais ameaças à segurança e defesa, obrigar a processos de tomada de decisão também eles rápidos e flexíveis e por vezes sigilosos, até para protecção dos próprios elementos destacados. E há formas diferentes de reforçar o papel dos Parlamentos nesta matéria, e assim aumentar a legitimidade democrática das decisões tomadas, como vimos nos países analisados83.
 
Não há, como vimos por este limitado estudo comparado, uma solução única. Cada país tem a sua história, a sua cultura, a sua vivência, e tudo isso afecta o papel que o seu Parlamento tem no envolvimento de elementos das suas forças nacionais no estrangeiro. Mas independentemente de tudo isso, verificou-se haver nos países analisados uma tendência para reforçar o papel dos respectivos Parlamentos.
 
Num estudo realizado pelo Geneva Centre for the Democratic Control of the Armed Forces84, Portugal foi classificado como tendo “baixo” peso parlamentar. Talvez a tendência que se verificou existir em alguns dos nossos parceiros da União Europeia seja um sinal de que há que repensar o papel da Assembleia da República nesta matéria.
 
 

Bibliografia

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 *     O presente trabalho foi apresentado ao Instituto de Defesa Nacional em 2009, para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do Diploma do Curso de Defesa Nacional; foi realizado sob a orientação científica do Major-general Carlos Branco e aprovado em provas públicas em Novembro de 2009. A introdução, o capítulo I (caracterização da situação em Portugal) e as considerações finais foram revistos e actualizados em Janeiro de 2012; o capítulo II (perspectivas comparadas) reflecte a realidade dos países analisados aquando da apresentação do trabalho, em 2009.
 
______________
 
**     Licenciada em Direito (1989/94, Faculdade de Direito de Lisboa); Auditora de Defesa Nacional (Curso de 2008/2009); Assessora da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional.
 
______________
 
 1 Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.
 2 Vide actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional dos dias 23 de Outubro de 2006 e 18 e 19 de Junho de 1997, publicadas nos Diários da Assembleia República II Série-RC, n.os 44, 105 e 106, respectivamente.
 3 Artigo 163.º da Constituição, nos termos da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho.
 4 Vide actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional dos dias 13 de Janeiro, 17 de Fevereiro e 16 de Abril de 2004, publicadas nos Diários da Assembleia da República II Série-RC, n.os 2, 7 e 9, respectivamente.
 5 Ou seja, votaram a favor PSD, PS, CDS-PP, PCP e Os Verdes.
 6 O processo pode ser consultado em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=19066.
 7 Processo disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=5747.
 8 Caso dos Prof. Doutores Adriano Moreira, Jorge Miranda, Bacelar Gouveia, Marques Guedes, Freitas do Amaral e Luís Nunes de Almeida, em audições realizadas em sede de Comissão de Defesa Nacional nos dias 16, 18 e 23 de Maio de 2001.
 9 Consultável em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=19934.
10 Consultável em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=21082.
11 Tendo contudo sido apreciado na generalidade por duas comissões parlamentares: a de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e a de Defesa Nacional.
12 Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho.
13 O Grupo Parlamentar do PCP propôs que fosse atribuída à Assembleia competência para “Aprovar a participação de destacamentos das Forças Armadas em operações militares no exterior do território nacional; “. O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propôs a seguinte redacção: “Autorizar e acompanhar a participação de destacamentos das Forças Armadas ou de outras forças militarizadas em operações militares no exterior do território nacional”. Ambas as propostas foram rejeitadas na votação na especialidade.
14 Consultável em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=34969.
15 Consultável em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35056.
16 Cfr. Lei Orgânica da GNR, aprovada pela Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro.
17 Diferentemente da solução consagrada na nova Lei de Defesa Nacional: o artigo 11.º, que enumera as competências da Assembleia da República em matéria de defesa nacional, contém uma redacção que pode ser considerada mais restritiva, visto referir «destacamentos das Forças Armadas», o que de alguma maneira se pode considerar traduzir uma visão mais redutora da defesa nacional, para além de ter ficado desconforme com o enquadramento jurídico-constitucional.
18 Cfr. n.º 1 do artigo 2.º da Lei Orgânica da GNR.
19 A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que em algumas Legislaturas criou uma subcomissão para as questões da administração interna.
20 Cfr.Lei Orgânica da GNR, artigo 2.º/2, artigo 11.º ,n.º 1, alínea x) da Lei Orgânica e de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de Julho.
21 Dietrich, Hummel e Marshall, 2008.
22 Vide artigos 135.º, alínea c), e 161.º, alínea m) CRP.
23 A este nível tem também sido levantada a questão de um certo esvaziamento dos poderes do Presidente como Comandante Supremo das Forças Armadas, tendo a nova Lei de Defesa Nacional consagrado a obrigação de o Primeiro-Ministro fazer comunicação fundamentada ao Presidente da República previamente ao emprego de Forças Armadas em operações militares no exterior do território nacional.
24 Stedman, John, The New Interventionists: A New Foreign Policy Doctrine, in Foreign affairs 72, 1993; Chesterman, Simon, Just War or just peace? Humanitarian intervention and international law, Oxford University Press, 2001; Chandler, David, the responsibility to protect? Imposing the “Liberal Peace”, in International Peacekeeping 11, 2004.
25 Também a favor do reforço do papel do Parlamento português nesta matéria, veja-se Correia, José de Matos, Direito das Relações Externas: o «parente pobre» da Constituição de 1976?, Pólis, Revista de Estudos Jurídico-Políticos, n.º 7/8, 1999, Edições Universidade Lusíada, páginas 17 a 22, em que o autor distingue as missões de peace enforcement das missões de peace keaping, considerando que esse reforço deve ser feito relativamente às primeiras por estarem «materialmente mais próximas da guerra do que dos contornos da manutenção da paz» e as quais não podem ser vistas apenas como uma questão de política externa, sendo também ,«em simultâneo, um problema de defesa nacional».
26 Há delegações de Deputados portugueses junto das Assembleias Parlamentares da NATO, da OSCE, do Conselho da Europa e da CPLP.
27 Reporta-se a Novembro de 2009.
28 Recorde-se que Espanha tem um sistema bicameral: as Cortes são compostas pelo Congresso dos Deputados e pelo Senado.
29 Artigo 63, n.º 3 da Constituição.
30 Vide o n.º 2 do artigo 4.º e os artigos 17.º e 18.º da Ley Organica 5/2005.
31 Surralés.
32 Por exemplo, no caso da operação Atalanta, da União Europeia, foi o plenário a deliberar, em 21/01/2009; já no caso do reforço da missão ISAF, foi a Comissão de Defesa a deliberar, em 17/06/2009 (processos consultáveis em http://www.congreso.es/portal/page/portal/Congreso/Congreso/Iniciativas.
33 Este é um conceito de difícil definição, mas que pode ser entendido como a porção remanescente da autoridade original da Coroa, o nome que é dado ao que resta do poder discricionário deixado em qualquer momento nas mãos da Coroa, seja exercido pelo próprio monarca ou pelos seus ministros - “The remaining portion of the Crown’s original authority, and it is thereforethe name for the redidue of discrecionary power left at any moment in the hands of the Crown, whether such power be in fact exercised by the King himself or by his Ministers” - Dicey, A. V., Introduction to the Study of the Law of the Constitution, 10.ª edição, 1959, p. 424.
34 Tal como Espanha, também o sistema britânico é bicameral: o Parlamento é composto pela House of Commons e a House of Lords.
35 Cfr resposta ao questionário para o relatório bianual da COSAC 2008.
36 Disponível no jornal oficial da Câmara dos Comuns - Hansard - em http://www.publications.parliament.uk/pa/cm200203/cmhansrd/vo030318/debtext/30318-48.htm#30318-48_div118.
37 Taylor, Claire.
38 Como o private Member’s bill (Bill 31) de Neil Gerrard, em 2004, o Armed Forces (Parliamentary Approval for Participation in Armed Conflict) Bil (Bill 16), apresentado pela Deputada e anterior Secretária de Estado para o Desenvolvimento Internacional Clare Short, em 2005, ou o Waging War (Parliament’s Role and Responsibility) Bill (Bill 34), apresentado por Michael Meacher em 2006, consultáveis em http://www.publications.parliament.uk.
39 The Governance of Britain - Constitutional Renewal (the White Paper); The Governance of Britain - Draft Constitutional Renewal Bill; The Governance of Britain - Analysis of Consultations.
40 Hansard, 20 de Julho de 2009, column 105WS, disponível em: http://www.publications.parliament.uk/pa/cm200809/cmhansrd/cm090720/wmstext/90720m0004.htm.
41 Jenkins, David, Efficiency and Accountability in War Powers Reform, Journal of Conflict and Security Law, 2009, 14.
42 Através da Subcommittee C - Foreign Affairs, Defence and Development Policy.
43 Disponível em http://www.parliament.uk/documents/upload/EU ToR.doc.
44 Born, Dowling, Fuior e Gavrilescu, p.46.
45 Tal como os países anteriormente referidos, a Alemanha tem um sistema bicameral. Só a intervenção da câmara baixa - o Bundestag - é necessária.
46 Bundeswehreinsatz, 90 BVerfGE, 286, 106 ILR 320.
47 Disponível em http://bundesrecht.juris.de/bundesrecht/parlbg/gesamt.pdf.
48 Informação sobre o trabalho realizado pelas comissões nesta matéria pode ser consultada em http://www.bundestag.de/htdocs_e/bundestag/committees/a03/index.html e http://www.bundestag.de/htdocs_e/bundestag/committees/a12/index.html.
49 Aust e Vashakmadze.
50 Vide artigo 8.º da Bundespolizeigesetz, disponível em: http://bundesrecht.juris.de/bundesrecht/bgsg_1994/gesamt.pdf.
51 Born, Anghel, Dowling e Fuior, p. 21-23.
52 Disponível em http://www.assemblee-nationale.fr/connaissance/constitution.asp#titre_5.
   Na redacção anterior, este preceito da Constituição limitava-se a atribuir ao Parlamento competência para autorizar a declaração de guerra.
53 Tal como os países anteriormente mencionados, também o sistema francês é bicameral - Senado e Assembleia Nacional. No caso francês, ambas as câmaras estão envolvidas no processo.
54 Processo consultável em http://www.assemblee-nationale.fr/13/dossiers/motion_censure_avril2008.asp.
55 Consultável em: http://www.assembleenationale.fr/13/cra/2007-2008/126.asp.
56 A transcrição integral do debate pode ser consultada em http://www.assemblee-nationale.fr/13/cri/2007-2008-extra2/20082001.asp#P94_5554.
57 Transcrição deste debate em http://www.assemblee-nationale.fr/13/cri/2008-2009/20090140.asp#P262_53642.
58 Born, Dowling, Fuior e Gavrilescu, p. 30-33.
59 Versão em língua inglesa disponível em: http://www.folketinget.dk/pdf/constitution.pdf
60 O sistema dinamarquês é unicameral.
61 Nolte, Georg (ed.), European Military Law Systems, 2003, De Gruyter Recht, Berlim.
62 Com consagração constitucional no referido artigo 19 e regulamentação na Lei n.º 54, de 5 de Março de 1954, ao contrário das comissões parlamentares permanentes, como a dos Negócios Estrangeiros e a de Defesa, por exemplo, que se regem pelas regras regimentais do Parlamento.
63 Houben, 2005.
64 Hummel, Dietrich e Marshall, p. 21.
65 Born, Anghel, Dowling e Fuior, p. 36-37.
66 Drent, Margriet e Volten, Peter, p. 33.
67 Relatório sobre a execução da Estratégica Europeia de Segurança - Garantir a segurança num mundo em mudança, Bruxelas,11 Dezembro 2008, disponível em: http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/reports/104638.pdf.
68 Vejam-se, por exemplo, as Conclusões do Conselho de 21 de Março de 2011 e de 1 de Dezembro de 2011.
69 A informação relativa ao Reino Unido reporta-se a 2009.
70 Hänggi, p. 3.
71 Born, 2004; Dietrich, Hummel e Marschal, 2008.
72 Barbé e Herranz,
73 Algumas dispõem de assembleias parlamentares, como a NATO ou a OSCE, por exemplo, mas os seus membros não são eleitos directamente para aqueles fins mas antes representantes dos respectivos parlamentos nacionais.
74 Born, Hänggi, 2004
75 Para detalhes sobre o processo de tomada de decisão ao nível da PCSD, ver, entre outros, Born, Anghel, Dowling e Fuior, 2008.
76 Sobre a questão do “duplo défice democrático” ver Born e Hänggi, 2004
77 Dietrich, Hummel e Marschal, 2008.
78 Antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa só era obrigatório um.
79 Dos custos comuns (o que passa pela revisão do mecanismo Athena), pois recorde-se que em relação à participação dos Estados continua a vigorar a regra «costs lie where they fall».
80 Obviamente sem prejuízo da competência disciplinar dos respectivos países.
81 Schmidt-Radefeldt.
82 Está presentemente em discussão, em sede de Conferência de Presidentes dos Parlamentos Nacionais dos Estados-Membros da União Europeia, do Parlamento Europeu e dos Parlamentos dos países candidatos a institucionalização de uma estrutura interparlamentar para escrutínio da PESC e da PCSD, que reúna, designadamente, representantes das comissões de negócios estrangeiros e defesa dos vários Parlamentos. Esta necessidade é sentida de forma mais premente desde o fim da UEO e a consequente cessação das actividades da sua Assembleia Parlamentar, em Junho de 2011, a qual era vista por muitos como o principal fórum interparlamentar de apreciação da política de segurança e defesa na Europa. Espera-se que na próxima Conferência de Presidentes de Parlamentos, a realizar em Maio, na Polónia, seja possível obter consenso quanto a todos os aspectos da estrutura a institucionalizar. Esta não deverá afastar-se muito do modelo já existente ao nível das comissões de assuntos europeus (COSAC), e substituirá as já actualmente existentes conferências de presidentes de comissões de defesa e de negócios estrangeiros, congregando as duas e, sobretudo, dando-lhe carácter de regularidade (uma reunião por cada presidência rotativa, o que não tem acontecido no caso da defesa).
83 Num tempo em que as questões económico-financeiras são tão relevantes, a consagração da obrigação de informação ao Parlamento sobre os custos envolvidos em cada missão, por exemplo, poderia ser uma delas, no caso português.

84        Wagner, 2005, p.5

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