No respeito pela Constituição da República, as Forças Armadas, que têm na condição militar, na hierarquia e na disciplina, as bases da sua organização e estrutura de comando, são o garante da defesa militar da Pátria; além disso, têm como missão, a incumbência de satisfazer os compromissos internacionais assumidos, ser instrumento da política externa, incluindo as ações de cooperação técnico-militar, bem como garantir as outras missões de interesse público, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e na melhoria da qualidade de vida das populações.
É decorrente deste contexto que os militares cumprem as missões que lhes são determinadas e para as quais têm de ponderar o sistema de forças, incluindo necessariamente os sistemas de armas, considerando os prováveis cenários de emprego, tendo presente, a evolução dos elementos essenciais de combate ao longo da História – o homem, o fogo, o choque, o movimento e a protecção. A insuficiência de qualquer um destes elementos não vaticina o sucesso e, também, não há bom desempenho operacional, sem treino e preparação adequados.
A afirmação pública de apologia do engenho e arte do soldado português, desvalorizando a necessidade de meios de equipamento, designadamente veículos com protecção blindada e helicópteros, justificando-se as opções pelas dificuldades financeiras, só pode contribuir para fragilizar o moral da força e a sua capacidade operacional efectiva.
Importa salientar que a capacidade operacional das forças armadas resulta de uma modernidade e tecnologia que permitam o seu funcionamento sistémico e que daí resultem sinergias operacionais que garantam o êxito da campanha. Uma primeira constatação quando se analisam os programas de equipamento concretizados ao longo da última década, é a de que o planeamento estratégico de defesa parece ter uma visão de grande potência para a Marinha e para a Força Aérea e, ainda, de vocação colonial para o Exército.
Perder de vista um conceito de desenvolvimento tecnológico e de modernidade, harmónico e equilibrado, que de forma coerente favoreça a eficiência e a eficácia operacional das Forças Armadas, é caminhar para uma força inapta para participar nos grandes acontecimentos da Segurança e da Defesa, que são a realidade da conjuntura estratégica internacional actual, no seio da OTAN, da EU e das NU e, igualmente redutora no quadro da Cooperação Técnico-Militar com os PALOP, Timor e da CPLP.
Os exércitos são hoje Ramos extremamente complexos, em que a capacidade efetiva e a sua operacionalidade decorrem da modernidade, da eficácia, da coerência, da compatibilidade, da sincronia e das sinergias dos sistemas de armas e das tecnologias de informação que servem o Comando e o Controlo, a Manobra, o Apoio de Fogos, o Apoio de Combate e o Apoio de Serviços; os sistemas de armas e demais equipamento, embora operados por alguns, destinam-se a servir todos e, pelo contrário, a sua lacuna pode comprometer o funcionamento do todo.
É o conhecimento do ambiente operacional, em que as forças irão actuar e do nível de violência com que irão ser confrontadas e não quaisquer outras razões de índole pessoal, que determinam o armamento, o equipamento e o treino de que necessitam para sobreviver e ter sucesso nas operações militares em que são empregues.
Não é demais recordar que constitui responsabilidade inalienável do Estado garantir, em particular às Forças Nacionais Destacadas (FND) em Teatros de Operações (TO) diversificados, cumprindo os compromissos internacionais assumidos, o treino que é devido às tropas e os meios de armamento e de equipamento indispensáveis à sua sobrevivência e protecção, garantindo condições para o êxito das missões atribuídas, prestigiando o país.
Infelizmente a nossa história militar recente tem dois episódios em que esta responsabilidade foi esquecida ou mal considerada. As condições em que o I CEP combateu na Flandres não permitiram que o heroísmo colmatasse as inaceitáveis e irresponsáveis carências operacionais e logísticas, com que se viu confrontado. Mal armados e mal equipados, foi então necessário fazer chegar tamancos e safões, durante o Inverno, para que os nossos militares pudessem suportar o frio e a chuva nas trincheiras.
Em relação aos militares da Índia, deixados naquele território, sem armamento adequado e as necessárias munições, esperava o poder político da altura que uma evidente fraqueza militar inibisse uma ação ofensiva e considerava, ainda, que deveriam deixar-se matar, aquando da invasão indiana, para que um clamor internacional pudesse vir a servir as intenções do regime.
Na atualidade, também não se compreende que se continue a adiar projectos estruturantes, diretamente relacionados com missões desempenhadas pelas FND, concretamente no Afeganistão, onde as nossas tropas continuam a operar, com material emprestado, primeiro pelos espanhóis e atualmente pelos americanos; poderá ser uma opção económica, mas certamente não prestigiante para o país.
Não parece consistente estabelecer apenas como opções alternativas o “soldo” e o “equipamento”, pois seria estranho que o orçamento contemplasse apenas despesas com pessoal e que deixasse de considerar o seu funcionamento e quaisquer investimentos em termos de armamento e equipamento; estabelecer prioridades é também encontrar soluções, entre cancelar ou prolongar calendários de projectos estruturantes para as Forças Armadas, negociando e adequando temporalmente os correspondentes encargos, às disponibilidades financeiras possíveis, tendo também presente o que é indispensável às missões que as FND desempenham na atualidade. Tal opção não parece ser uma visão consentânea para um país membro fundador da OTAN, com FND nos TO mais exigentes e com a conflitualidade com que nos confrontamos.
Continua omissa qualquer orientação estratégica que nos permita entender as decisões que, em termos organizacionais, têm vindo a ser tomadas relativamente às Forças Armadas, quer na saúde, no ensino, no apoio social, quer em relação a promoções, efetivos e ao reequipamento; as decisões tomadas nestes domínios foram aleatórias, pontuais, sem sustentação institucional e apenas decorreram de uma visão economicista.
Esperemos que, de corte em corte, não se configure a desarticulação de uma instituição com raízes nas origens da nacionalidade, que a torne ineficaz e irrelevante, quer para o cumprimento das funções de soberania do Estado, quer em termos de afirmação do interesse nacional, implicando assim que o país assuma, de forma definitiva, a condição de estado exíguo.
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* Presidente da Direção da Revista Militar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.