Durante a Guerra Fria, a perceção de uma ameaça bem caraterizada na Europa tornava claro que, para lhe fazer face era indispensável que, quer a Aliança Atlântica, quer cada um dos seus países membros, dispusessem das adequadas capacidades militares, respondendo os orçamentos de defesa a essa intenção, inclusive o acordo a nível OTAN de que essas despesas fossem da ordem dos 2% do PIB.
Com a queda do Muro de Berlim e a dissolução do Pacto de Varsóvia, rapidamente ganhou expressão a perceção política da ausência de ameaças, da exploração dos, então, tão referidos “dividendos da paz” e a defesa e os gastos militares passaram a ser providos, em termos de recursos financeiros, num quadro de prioridades, em que a visão dos Ministérios das Finanças passou a ser determinante.
Acontece que, nos países europeus, nas duas últimas décadas, os gastos com a defesa diminuíram cerca de 20%, em termos globais e, desde 2008, por força da crise económica e financeira os cortes nesta área foram drásticos. Pela primeira vez, em 2012, os gastos na defesa e equipamentos militares foram superiores na Ásia do que na Europa. Apesar de, no quadro europeu, o Reino Unido e a França serem tidos como dois países que encaram com seriedade a problemática da defesa e dos gastos militares, só o primeiro e a Grécia, cumprem o compromisso dos 2% do PIB para a Defesa.
Perante esta realidade, a par do facto de os EUA terem passado a assumir de 50% para 75% a sua comparticipação nos gastos da OTAN, não sendo previsível que isso vá continuar, fruto quer de uma orientação estratégica mais virada para o Pacífico, quer da nova política orçamental americana, o Secretário-geral da Aliança, A. Rasmussen, declarava recentemente em Munique que, para se estar devidamente preparado e em condições de se confrontar e vencer as novas ameaças, são necessárias capacidades militares.
Foi um discurso para uma plateia política apática, não disponível para novos investimentos e que, na atualidade, anseia pelos “dividendos do pós-Iraque e pós-Afeganistão”, em que as políticas de austeridade alimentam a complacência e que acreditam na ilusão de que a sobrevivência e a garantia da soberania se fazem através do “pooling” de capacidades e do “sharing” de informações ou de modelos militares que favoreçam economias de custos. Isto como se, depois do Iraque e do Afeganistão, ficassem de vez garantidas a paz e a estabilidade internacionais. Foi uma audiência alheada das ameaças atuais e previsíveis para a próxima década, designadamente a situação de instabilidade e tensão no Médio Oriente, em particular a guerra civil na Síria, que ameaça a estabilidade de toda a região, a postura estratégica do Irão em relação ao nuclear, que pode levar a uma confrontação, quer com Israel, quer com caráter mais global, comprometendo o abastecimento energético à Europa, o extremismo jihadista, que se está a espalhar pelos países africanos, com especial incidência no Sahel, a par da proliferação nuclear, do terrorismo internacional e comportamentos desviantes como sejam a pirataria, o tráfico de drogas e pessoas e a grande criminalidade e as máfias internacionais.
De salientar, ainda, o futuro posicionamento estratégico da China e o ambiente de tensão com os vizinhos, que pode igualmente ameaçar a segurança e liberdade de navegação, da qual dependem a circulação económica e comercial europeia, assim como a atitude internacional da Índia, da Coreia do Norte e da própria Rússia, que tem vindo a aumentar os gastos com as suas capacidades militares; quanto às novas ameaças, importa ter em conta as que se poderão desenvolver no ciberespaço, que acrescentaram um novo conceito de perturbação – a disrupção maciça dos sistemas de informação.
Para todas estas situações continua a ser necessária a defesa coletiva, expressa no art.º 5º da Carta da Aliança e uma presença ativa dos EUA; contudo, do outro lado do Atlântico algo está a mudar, por exemplo, convém recordar que embora relativamente ao apoio de reabastecimento aéreo aos franceses, na operação do Mali, por parte dos americanos, o mesmo acabasse por ser incondicional, começou por ser na perspetiva de que os encargos financeiros seriam suportados pela França. Por outro lado, em termos políticos, quer na Casa Branca, quer no Congresso, são cada vez mais as vozes que criticam o alheamento e a parcimónia europeia em questões de defesa e a sua permanente inabilidade, para não dizer incapacidade, para atuar operacionalmente por si própria.
Vivemos hoje na Europa uma crise económica e financeira, que é cada vez mais política e social e que constitui também um desafio geopolítico para os europeus, pois esta situação de incerteza e instabilidade pode ter consequências internacionais. A defesa, quer queiramos quer não, constitui como que um interface entre as evidências da crise, nos seus aspetos políticos, económicos e sociais e as potenciais implicações geopolíticas, pouco configuradas ainda, mas que se pressentem na proximidade geográfica do Bacia Sul do Mediterrâneo, no Médio Oriente e no Sahel africano, todas elas com consequências, quer para a segurança quer para a economia, quer ainda para a garantia do normal fluxo de recursos energéticos.
É uma crise também de valores e princípios, em que um discurso político algo tenso, entre o norte e o sul da UE, tem trazido para as opiniões públicas o sentimento de que a tão apregoada solidariedade europeia, está longe de ter sido adquirida e, pelo contrário, tornam-se evidentes velhos “antis” e ressuscitam-se latentes e antigos ressentimentos; tudo isto não são boas notícias, quer para a coesão europeia, quer para a OTAN, porque também nesta, alguns países membros preferem fazer o “acompanhamento” das situações e não, o seu empenhamento nas mesmas, o que mina a coesão da Aliança, nos seus pilares fundamentais, o “burden sharing”, a solidariedade política e o cometimento de forças militares nas operações assumidas.
Reduzir a capacidade europeia de defesa, por pressão da componente económica, é correr o risco coletivo de fazer perder à Europa uma parte da sua liberdade de ação política internacional, privando-a dos instrumentos indispensáveis para intervir a favor dos seus interesses internacionais, e de ser um participante ativo na garantia da segurança e da paz.
A situação será tanto mais complexa, quanto maior for o número de situações de tensão ou de conflitos internacionais, onde a Europa tem interesses e tiver de ser confrontada com a necessidade de empregar Forças Armadas e não as ter; esta insuficiência começa em cada um dos países europeus e, quando se improvisa nesta matéria ou irresponsavelmente se assumem responsabilidades, para as quais não existem as competências adequadas, quem paga o preço, são os nossos soldados, potencialmente com as suas vidas.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.