Introdução
A análise da grande estratégia da China não é uma tarefa fácil e linear pois Pequim ainda não avançou com uma formulação oficial que a defina taxativamente como tal, bem como dos meios relativos à sua implementação – ainda que tenham sido publicados Livros Brancos sobre as mais diversas políticas e estratégias nacionais1 – pelo que existem acérrimos debates internos entre instituições políticas, governamentais, militares e think-tanks universitários quanto à sua existência, qual a sua denominação, e como deve ser conduzida e ajustada, se necessário, o que nos obriga a um exercício de extrapolação.
Estes debates ilustram a existência de dois campos argumentativos. Um questiona a existência de uma verdadeira grande estratégia com base na argumentação referida anteriormente2, dada a perniciosidade deste conceito (se seguirmos um racional ocidental ocidental e Hartiano, por não a diferenciar entre os tempos de paz e de guerra3, bem como uma metodologia distinta), a que se adiciona a dificuldade existente neste contexto em conciliar a retórica de “ascensão/desenvolvimento pacífico” e de “mundo harmonioso” com a respectiva prática, num sistema internacional percepcionado como anárquico, Lockeano e propenso ao conflito, mas onde a paz e o desenvolvimento ainda são as tendências mais preponderantes4.
O outro campo advoga que ela existe e designa-se por “desenvolvimento pacífico”, alicerçando-se conceptualmente em autores clássicos chineses, militares e cientistas políticos chineses contemporâneos, levando-nos a concordar com a excelente refutação feita por Edward Luttwak a Lidell Hart de que a grande estratégia não pode ser direccionada exclusivamente para a condução da guerra5. Para ele, todos os Estados – consciente ou inconscientemente – têm uma grande estratégia (ainda que nem todas sejam criadas da mesma forma), porque a grande estratégia opera ao nível do conhecimento e da persuasão (informações e diplomacia) e não abdica da possibilidade de emprego da força militar, ainda que em último recurso6. Mais, segundo este racional, a China segue o mesmo procedimento que outros países adoptaram, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, quando a maioria deles substituiu a grande estratégia por um conceito mais nebuloso de estratégia nacional de segurança7.
A análise da grande estratégia (oficiosa) da China deve, pois, ser efectuada de acordo com a aferição de um consenso alargado existente entre a liderança política e diplomática chinesa a qual expressa a importância em equilibrar operacionalmente duas grandes dimensões interdependentes: uma interna e outra externa, ambas com um fio condutor comum, o peso da herança histórica do “século da humilhação”.
Desde 1840, aquando da primeira Guerra do Ópio na qual a China perdeu o seu papel de primazia regional na Ásia, que o país foi forçado a redefinir-se e a adaptar-se a um sistema internacional até muito recentemente dominado por potências ocidentais.
Esta moldura foi reconfigurada substantivamente nos últimos três anos, resultado da percepção de um declínio do Ocidente face ao Oriente e da prefiguração da imagem de uma “grande China” capaz de finalmente preencher um “conceito que estava incompleto” desde o século XIX8, acentuada com a crise financeira de 2008, que potenciou uma nova série de debates internos – que já haviam surgido no início da década – sobre a identidade da China no contexto da sua “ascensão/desenvolvimento pacífico” e qual o seu papel no sistema internacional.
A terceira e mais recente vaga9 teve o seu início há pouco mais de um ano, facilitada por dois acontecimentos relevantes: o facto de a China ter ultrapassado o Japão em termos de Produto Interno Bruto, assumindo-se como a segunda maior economia mundial; e o reajustamento da política e estratégia económica, militar e de segurança dos Estados Unidos face à região da Ásia-Pacífico, visando a salvaguarda de um papel que pretende como liderante (ou de pivot) neste “século do Pacífico”.
Entre 1978 e 2008 a China optou por efectuar um bandwagoning face aos EUA ao abrigo do qual não incrementou substancialmente as suas capacidades militares ou colaborou com outras potências no sentido de condicionar o espaço de manobra estratégico da potência hegemónica. Até ao espoletar da crise financeira, o comportamento de Pequim foi essencialmente de acomodação, mas não de subordinação às preferências dos EUA, esperando através deste processo maximizar os seus ganhos em termos do intercâmbio económico internacional e os benefícios em termos de segurança e de prosperidade conferidos por Washington graças ao seu empenhamento em preservar o controlo dos global commons, fornecendo, e daí retirando, eles próprios benefícios quanto a este “bem comum”10. Esta foi uma opção pragmática, resultado do reconhecimento de que não existiam alternativas viáveis e de que, por enquanto, o fortalecimento do seu poder nacional abrangente era melhor servido através de políticas de não provocação e/ou confrontação dos EUA.
No entanto, o impacto material e perceptivo externo que a crise financeira teve no poder dos EUA poderá ter contribuído em grande parte para uma crescente assertividade geoestratégica regional da China entre 2009 e 201111, particularmente notória no plano das disputas territoriais marítimas com o Japão e com alguns países da ASEAN (Filipinas e Vietname), e no revigoramento no plano político e económico internacional de iniciativas por si apadrinhadas como as reuniões dos BRIC, a reivindicação de uma maior preponderância dos países emergentes (i.e. China) em termos de representação tanto no Banco Mundial como no Fundo Monetário Internacional, e uma oposição aberta às propostas norte-americanas no seio do Conselho de Segurança da ONU, relativamente à intervenção militar da NATO na Líbia, à aprovação de resoluções condenando a Coreia do Norte pelo afundamento de uma fragata sul-coreana e uma preparação de artilharia sobre uma ilhota sul-coreana (ambas em 2010), à condenação do Irão pelo seu programa nuclear, e mais recentemente ao governo Sírio pela sua política de supressão violenta aos seus opositores internos, para além do – numa dimensão diferente e com outro tipo de justificações quanto ao – fracasso do acordo de Copenhaga em 2009 sobre a redução de emissões de gases com efeito de estufa.
Em resultado, inúmeras questões têm sido levantadas quanto ao posicionamento e actuação futura da China neste novo contexto geoestratégico global de transferência de poder do Atlântico para o Pacífico e qual a sua interacção futura com os EUA. Será a grande estratégia de “desenvolvimento pacífico” adequada face à sua nova posição no mundo? Poderá o seu “modelo de desenvolvimento” ter aplicabilidade fora da China? Que tipo de papel desempenhará o país no seio do sistema internacional e na Ásia-Pacífico em particular? Será o “século do Pacífico” efectivamente liderado pelos Estados Unidos ou pela China? Se sim, como e qual será a estratégia da China?
Aqui – ainda que reconhecendo a extrema importância da dimensão interna12 no desenho da grande estratégia da China – centramos a nossa análise na dimensão externa de segurança e defesa, focando-nos em dois grupos de díades de possíveis modalidades de acção: a natureza das relações com outros actores estatais (multilateralismo selectivo vs unilateralismo selectivo); e por inerência o tipo de actuação face à superpotência a longo prazo (balancing positivo militar interno e/ou balancing negativo não militar).
O objectivo passa por apontar uma ou mais linhas de força que podem ser modeladoras da grande estratégia da China a longo prazo, segundo dois cenários de segurança possíveis: manutenção do status quo, ou revisionismo regional asiático limitado (status quo fraco). Daqui extrapolamos um end state desejado pela China e comum a ambos os cenários: a sua preponderância regional face à primazia regional norte-americana13 (figura 1).
Subjacente a esta argumentação está um racional conceptual essencialmente realista, assente na teoria do balance of power – uma das mais velhas formulações das relações internacionais, não isenta, não obstante, de inúmeros debates e críticas14.
Tradicionalmente, o balancing é definido numa perspectiva de emprego ou ameaça de emprego do poder militar por parte de um Estado de uma forma unilateral ou através de alianças, face a ameaças à sua segurança por parte de outro Estado ou coligação de Estados15. O balancing pode ser interno (investimento na modernização do poder militar, com uma inerente corrida ao armamento16) e externo (formação de alianças)17.
No entanto, definições mais recentes de balancing incorporam modalidades de acção por parte dos Estados que vão para além da dimensão militar interna e externa, contemplando a possibilidade de pooling de capacidades ou estratégias indirectas de redução das capacidades do Estado que é percepcionado como uma ameaça à segurança ou aos interesses vitais do outro Estado18.
Figura 1 – Status quo regional asiático, grande estratégia da China e possível end state a longo prazo
É ainda importante considerarmos para efeitos de argumentação que o balancing visa alterar em seu favor o poder relativo de um Estado face ao rival, com o poder aqui a ser entendido numa perspectiva mais holística, agregando tanto a dimensão material (capacidades militares e riqueza económica – hard power) como a dimensão não tangível (influência, cultura, legitimidade – soft power)19. Por fim o balancing, como se depreende, tem sempre um alvo: um Estado rival ou uma ameaça potencial.
O balancing é uma função directa das percepções de ameaças dos Estados conectando a envolvente externa a estes com a sua política externa20. Toda e qualquer estratégia de balancing deve ter dois considerandos em atenção: a sua eficácia e os custos associados. Ou seja os Estados devem aferir e escolher como melhor estratégia aquela que logre neutralizar o mais rapidamente possível as ameaças com os menores custos possíveis para a respectiva segurança, economia e sociedade. Quanto maior for a percepção de ameaças externas maior preponderância é conferida à eficácia da estratégia em detrimento dos custos a ela associados.
Entre os vários conceitos de operacionalização do balancing, adoptamos neste estudo o de Kai He, que divide este conceito em dois tipos de estratégias: de balancing positivo (aumento das capacidades do Estado face ao seu rival) e de balancing negativo (minar o poder relativo do Estado rival que pode ser empregue contra si)21. Cada uma destas estratégias subdivide-se por si no balancing militar e no balancing não militar22 (quadro 1).
Balancing positivo (incremento das capacidades próprias do Estado face ao rival) | Balancing negativo (minar o poder relativo do Estado rival) | ||
Balancing militar | Balancing não militar | Balancing militar | Balancing não militar |
Balancing militar interno (corrida ao armamento, mobilização militar) | Transferência de tecnologia para aliados | Subversão militar | Sanções económicas e embargos |
Balancing militar externo (formação de alianças) | Ajuda económica aos aliados | Venda de armas a Estados inimigos do Estado rival | Não-cooperação estratégica |
Controlo de armamento direccionado ao Estado rival | Constrangimentos institucionais |
Quadro 1 – Estratégias de balancing dos Estados, segundo Kai He
Numa envolvente externa mais ameaçadora, um Estado tende a optar por estratégias de balancing positivo dada a sua maior eficácia apesar dos custos mais pesados. Numa envolvente mais benigna, a opção passa normalmente pelo balancing negativo, pois permite reduzir os custos e as possibilidades de geração de uma espiral de insegurança face ao rival associada a processos de balancing positivo.
Com base em quatro atributos de balancing (comportamento do Estado, segurança como objectivo, alteração de poder como meio, e um alvo bem definido), estabelecemos uma forma de destrinça entre estratégias de balancing e de não balancing por parte da China face ao rival (EUA).
Neste enquadramento, argumentamos que a China tenderá a condicionar a hegemonia/primazia regional asiática dos EUA através da condução de uma política de modernização militar e de associação (não de alianças) a outros Estados que partilhem uma percepção de insegurança face à primazia norte-americana. A sua grande estratégia irá incorporar acções crescentes de balancing positivo militar interno e de balancing negativo não militar, onde a terminologia “desenvolvimento pacífico” representa a não desejabilidade de ocorrência de qualquer provocação ou confrontação militar com qualquer país da região asiática (multilateralismo selectivo), sem no entanto descurar uma adequada capacidade de dissuasão. Se a dissuasão for credível será possível preservar a paz e a estabilidade entre a potência que detém a primazia regional e a potência em ascensão que detém objectivos revisionistas limitados geograficamente, ao abrigo dos quais poderá recorrer a acções unilaterais selectivas (e.g. Taiwan).
A longo prazo o objectivo passa por incrementar a sua segurança e condicionar as acções da potência hegemónica através da obtenção de uma preponderância militar regional numa área geográfica bem delimitada (em princípio ao longo da primeira cadeia arquipelágica do Pacífico – Japão, Filipinas, Sul do Mar da China), ao longo da qual tem disputas territoriais com países vizinhos, na sua maioria aliados dos EUA. Se Washington vir a sua capacidade de intervenção e de dissuasão militar convencional erodida ao longo desta linha geográfica, poderá obrigar os seus aliados regionais, que se situam ao longo da mesma, a reconsiderarem as suas opções estratégicas. Se a ambição chinesa for mais ampla e esta linha se estender até à segunda cadeia de ilhas do Pacífico (Malásia e Indonésia), a posição norte-americana sairá ainda mais enfraquecida pois só terá como ponto de apoio e de projecção de poder militar a ilha de Guam.
Esta possibilidade resulta da percepção por parte da China de que existem constantes ameaças externas à sua sobrevivência como Estado e à sua integridade territorial especialmente na dimensão marítima, que tendem a ser maximizadas com o recente redireccionamento das prioridades geoestratégicas norte-americanas para a Ásia-Pacífico.
Objectivo de Médio Prazo: Continuação do seu “Desenvolvimento Pacífico”
Hu Angang e Meng Honghua elaboraram em 2002 uma das melhores sistematizações dos sub-objectivos de médio/longo prazo da grande estratégia da China, derivados do grande objectivo de continuação do seu “desenvolvimento pacífico”. Com base numa projecção a vinte anos, estabeleceram seis sub-objectivos: “elevado crescimento económico, maior poder nacional, população mais qualificada, segurança nacional, melhoria da competitividade internacional e desenvolvimento sustentável”23.
O produto interno bruto (PIB) da China deverá quadruplicar até 2020, de acordo com uma média de crescimento anual de 7 por cento entre 2001 e 2020, agregando um quinto do PIB mundial. O país será a segunda maior economia mundial, reduzindo a diferença em termos de poder nacional para os EUA em cerca de um terço.
O índice de desenvolvimento humano per capita da China passará de medíocre para um nível intermédio, à medida que se construirá uma sociedade mais próspera (xiaokang).
A segurança e defesa nacional continuarão a ser enfatizadas através da continuação da modernização do Exército Popular de Libertação (EPL). O orçamento de defesa anual deverá aumentar de forma sustentada até um máximo de 2,5 % do PIB.
O seu lugar no ranking na competitividade global deverá aumentar do quadragésimo para se situar entre os dez primeiros. Será essencial continuar com a reforma progressiva do sistema financeiro nacional. O crescimento da população deverá ser estabilizado, a cobertura florestal nacional deverá aumentar até 23,4 % (contra os 16,3% de 2002), e o investimento em energias renováveis triplicar. O país deverá acelerar o investimento na aquisição de recursos estratégicos (minerais, energia, tecnologia) fora da China, materializando-se como uma grande potência económica mundial. Por fim, Pequim deve investir no desenvolvimento do seu soft power, apoiando a difusão da cultura, da língua e da imagem positiva da China no sistema internacional24.
Este road map elaborado por dois dos mais conceituados e influentes economistas e cientistas políticos chineses releva uma elevada consonância com o programa do governo chinês e o preceituado nos últimos dois planos quinquenais, reflectindo um consenso alargado de que a ascensão da nação chinesa ao estatuto de grande potência mundial a longo prazo (até meados do século XXI) é uma necessidade imperiosa e só pode continuar se se mantiver uma envolvente internacional relativamente estável e pacífica a curto e médio prazo. Para tal, é essencial mitigar o mais possível o renovado enfoque estratégico norte-americano no país, particularmente sobre as suas capacidades político-militares (tarefa cada vez mais difícil); condicionar o desenvolvimento de estratégias destinadas a contrabalançar a sua ascensão na direcção de uma preponderância militar regional (uma missão delicada); e desencorajar a coordenação de respostas regionais à sua ascensão regional em termos de poder político, económico e militar25. Tal requer a combinação de instrumentos de balancing negativo militar interno e balancing positivo não militar.
No plano interno, o crescimento económico juntamente com apoio a um nacionalismo assertivo sustentado na defesa da integridade e soberania territorial, constituem dois dos pilares de legitimidade do Partido Comunista Chinês (PCC), numa Era em que a ideologia comunista perdeu bastante do seu apelatividade entre a população e se torna imprescindível a preservação de uma estabilidade interna no plano social, que é primordial para esta ascensão.
As Duas Dimensões do Balancing Game da China para a Consecução do Objectivo de Longo Prazo: a Preponderância Regional
“O século XXI será um século de competição pela supremacia no Pacífico porque é a região onde ocorrerá o maior crescimento económico… Se não se marcar posições no Pacífico não se poderá ser um líder mundial.”
Lee Kuan Yew (ex-Primeiro Ministro de Singapura)26
“A melhor estratégia é atacar a estratégia do adversário.”
Sun Zi
A actual grande estratégia da China, se contextualizada na teoria realista e na história chinesa, pode ser explicada com base na sua fraqueza relativa face aos Estados Unidos. No entanto, e no futuro, à medida que for acumulando mais poder, poderá ser tentada a recorrer a meios não pacíficos em prol da salvaguarda dos seus interesses nacionais vitais.
A China tenderá a efectuar um cada vez maior balancing face ao poder dos EUA através do fortalecimento interno e externo do seu poder. Dificilmente recorrerá a um balancing positivo militar externo através de alianças ou coligações (algo que refuta terminantemente e é um dos seus princípios de política externa), por ser demasiado arriscado e ter custos não justificá-
veis, mas continuará a não abdicar de um balancing positivo militar interno, assente na contínua modernização das suas forças armadas.
A contradição estrutural subjacente a esta grande estratégia a longo prazo numa envolvente de anarquia é óbvia: a aspiração da China em poder vir a alcançar uma preponderância na região asiática entra em confronto com um dos objectivos da grande estratégia dos EUA que é evitar a perda da sua primazia regional a favor de outras potências em ascensão.
Se os EUA concederem uma oportunidade que seja para a China fragilizar a sua presença na região, Pequim vai aproveitá-la. A China não deverá querer manter o actual status quo regional se o seu poder relativo continuar a aumentar, dadas as disputas territoriais que tem com outros países, particularmente na dimensão marítima (Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas, Vietname, Malásia).
Neste enquadramento é incontornável assumirmos uma perspectiva analítica essencialmente “realista” ainda que defensiva no que concerne à ascensão da China27.
Para a China ser capaz de proteger os seus interesses terá de incrementar o seu poder político, económico e militar: ou seja, terá de ser mais forte. Mas quão forte?
O discurso do “ grande rejuvenescimento da nação Chinesa” (zhonghua minzu weida fuxing), formulado por Jiang Zemin, em 2002, aquando do 16º Congresso do PCC não responde a esta questão, tal como discursos posteriores de Hu Jintao e Wen Jiabao. Quererá a China recuperar o seu estatuto de potência preponderante na Ásia?
É possível que sim. Desejavelmente, e para Pequim, de acordo com uma configuração mais actualizada e informal do sistema tributário imperial (versão 2.0), potenciando a criação de uma “esfera de deferência” regional, de onde ficarão excluídos fisicamente os EUA28.
A grande questão que se coloca a Pequim é como maximizar o seu poder relativo, garantindo que este processo de transição de poder regional seja conduzido de forma pacífica. A resposta implica o desenvolvimento crescente de capacidades económicas e militares, mitigando as percepções negativas e as suspeitas regionais quanto a esta ascensão na escala de poder29.
Como os Estados Unidos são o país com maior capacidade para obstar a tal desiderato, acabam por ocupar um papel fulcral na formulação da grande estratégia da China, porque esta tornou-se o “principal adversário” (zhuyao duishou) à continuação da implementação da estratégia de Washington para a Ásia (evitar a ascensão de um rival regional), e porque a ascensão de Pequim desafia a actual primazia regional, ainda que o Zhongnanhai entenda que não se prefigura no médio prazo como uma ameaça à segurança e aos interesses vitais dos EUA.
A “arte e o engenho” dos estrategistas chineses está e estará assim na forma como conseguirão fazer com que o país prossiga no caminho da prosperidade e do desenvolvimento sem hostilizar em demasia a ainda existente hegemonia global e a primazia regional asiática norte-americana30. Para contrariar esta preponderância de poder norte-americano vigente no sistema internacional (na perspectiva chinesa ainda unipolar mas caminhando irreversivelmente no sentido de uma multipolaridade – duo jihua), a salvaguarda e prossecução do superior interesse nacional passa por desenvolver e implementar uma estratégia de balancing of threat31 face à primazia regional dos EUA32, segundo duas dimensões concatenantes, de acordo com o objectivo de longo prazo da sua grande estratégia: balancing positivo militar interno e balancing negativo não militar33.
Empiricamente, a China procura estabelecer um delicado equilíbrio entre “tofu e canhões” (doufu he qiangzhi) através do reforço do seu poder nacional abrangente (zhonghe guoli), conduzindo segundo as palavras de Harold Lasswell mais um balancing of power do que um balance of power ante os EUA34.
A existência de uma linha de conflitualidade que parte do Leste do Mar da China e termina no Sul do mesmo mar, onde se sobrepõem reivindicações territoriais entre a China e a maioria dos países asiáticos com os quais tem fronteira marítima – muitos deles aliados ou com parceria no plano da segurança e defesa com os Estados Unidos – agudiza um dilema de segurança regional através de uma corrida ao armamento assente em estratégias de balancing positivo militar interno de vários países (ora face aos EUA, ora face à China), sendo actualmente a Ásia a região do planeta que registou maiores despesas na aquisição de sistemas de armas em 2011-2012, destronando o Médio Oriente35.
Balancing positivo militar interno
O primeiro pilar da grande estratégia da China assenta neste vector interno. Porque o external balancing clássico é difícil de implementar num sistema ainda unipolar, os principais meios de que Pequim dispõe para reduzir a décalage de poder entre si e Washington é através da potenciação das suas capacidades internas, ao abrigo da qual a continuação de um robusto desenvolvimento económico e o reforço de um programa de modernização militar que privilegia o aperfeiçoamento de capacidades assimétricas, permitir-lhe-ão obstar à preponderância de poder militar dos EUA em caso de conflito (não desejado) com estes.
Para militares como o Tenente-General Liu Yazhou, “ainda que a diplomacia tenha primazia sobre o combate, a primeira deve atender à preservação e potenciação do poder e do interesse nacional, referencial incontornável para qualquer grande estratégia da China, na qual o EPL tem um papel primordial a desempenhar”36.
Assim, nas últimas três décadas, Pequim implementou um ambicioso programa de modernização militar (balancing positivo militar interno) que foi acelerado a partir da década de noventa do século XX, pois a política mais assertiva e por vezes unilateral dos EUA que levou, entre outros casos, ao alargamento da NATO, ao aprofundamento das alianças com o Japão e a Coreia do Sul, a uma política de maior apoio a Taiwan com a aprovação de sucessivos pacotes de vendas de armamento, ao desenvolvimento e posterior implementação de um sistema nacional e regional de defesa anti-míssil, e à manutenção de um embargo da venda de armamento à China iniciado em 1989, fez aumentar o sentimento de insegurança e a percepção de que as capacidades de dissuasão então existentes não eram suficientes para deterem eventuais tentações intervencionistas dos EUA na região asiática e nos assuntos internos da China (i.e. Taiwan), tentações essas que visavam – no seu entendimento – conter o seu crescimento em termos de poder.
Esta sintomatologia de insegurança continua omnipresente nas percepções chinesas, tendo sido recentemente agravada ante o “regresso dos EUA à Ásia” e o seu conceito de “Asia pivot”, moldando cada vez mais a política de defesa nacional e definindo as prioridades da modernização militar em curso, com ênfase nas forças navais e aéreas, nos sistemas de mísseis balísticos, nos mísseis anti-navio, nos sistemas C4ISR, ao abrigo de uma mediatizada – mas não reconhecida oficialmente – estratégia de negação de acesso das forças militares norte-americanas à primeira cadeia de ilhas do Pacífico37.
Ainda que o discurso oficial chinês garanta que a sua modernização militar em curso tem intuitos puramente defensivos, torna-se difícil avançarmos com uma verificação empírica deste internal balancing, porque é não é fácil efectuar uma destrinça entre o que são aquisições militares normais (com intuitos de auto-defesa) e processos de modernização militar com eventuais intuitos de balancing positivo militar interno38, agravado ainda mais pelo facto de ser cada vez mais difícil estabelecer uma diferenciação entre o que é armamento defensivo e ofensivo, dadas as características tecnológicas e capacidades de emprego dual dos mesmos, o que nos leva necessariamente para o campo das percepções de mútuas de (in)segurança39.
Para mitigar esta dimensão de insegurança regional, o EPL tem vindo a desenvolver um impressionante plano de cooperação bilateral com as forças armadas de bastantes países, bastando para tal visitar a sua página web para constatarmos que raro é o dia em que uma delegação militar estrangeira não visita a China ou vice-versa40.
O EPL ainda tem uma capacidade expedicionária incipiente, mas está a incrementá-la rapidamente de acordo com o promulgado por Hu Jintao, em 2004, como sendo as “Missões históricas das forças armadas chinesas na nova etapa do século XXI” (Xin shiji xin jiedauan wojun lishi shiming), que reflectem uma alteração do conceito tradicional de defesa territorial para um de protecção do interesse nacional, que, como se referiu, abrange áreas geográficas cada vez mais distantes do território chinês. Também denominadas de “uma missão, três tarefas”, descrevem-se como:
• Garantir a continuidade do poder do Partido Comunista Chinês;
• Garantir uma segurança robusta que salvaguarde o desenvolvimento nacional durante o importante período de oportunidade estratégica (até 2020);
• Apoiar a salvaguarda e a defesa dos interesses nacionais;
• Desempenhar um papel importante na salvaguarda da paz mundial e na promoção de um desenvolvimento comum41.
A consecução da última tarefa é efectuada através de três tipos de actividades: operações de paz da ONU42; exercícios conjuntos com forças militares de outros países; condução de grandes operações de não-guerra (bi zhanzheng deng zhongda xingdong) como o socorro de emergência43, busca e salvamento, etc.
Por fim, e no plano da gestão das percepções externas44, o país desenvolveu, desde 2004, um acentuado esforço no plano dos media e da propaganda (xuanchuan)45 realizando anualmente um curso de formação alargado para diplomatas, militares e jornalistas, tendente a uniformizar as técnicas de comunicação perante audiências estrangeiras, procurando clarificar os objectivos da sua diplomacia pública e de segurança e defesa46.
Balancing negativo não militar (soft balancing)
O soft balance de Robert Pape insere-se no balancing negativo não militar de Kai He, (ou no balance of influence47 ou no bargaining48). O objectivo é sempre o de condicionar a liberdade de acção da potência dominante (EUA) ante a comunidade internacional e regional, conduzindo a resultados que são distintos dos almejados por Washington e que de outra forma não poderiam ser alcançados49.
As estratégias de soft balancing50 assentam fundamentalmente na criação de coligações informais e pontuais e em negociações diplomáticas no seio das instituições internacionais e regionais, podendo assumir a forma de não cooperação estratégica e restrições à actuação da superpotência em instituições multilaterais internacionais e regionais. Representam uma forma não-militar de oposição, sendo que ocorrem quando os Estados mais fracos (China) decidem que as acções e influência do Estado mais forte (EUA) podem ser vulnerabilizadoras dos seus interesses, frustrando e impondo custos às acções desenvolvidas pelo Estado dominante. O objectivo passa por tornar mais difícil a utilização do poder do Estado mais forte contra o Estado mais fraco, a qual pode em última análise ser contrária à defesa dos interesses nacionais deste último. Não desafia a preponderância militar dos EUA, mas pretende-se que esta seja de certa forma constrangida51.
Pape definiu quatro indicadores de aferição de uma estratégia de soft balancing: a negação de território que pode reduzir a capacidade de condução de acções militares ofensivas; uma diplomacia multi-direccional destinada a reduzir a legitimidade internacional e interna de acções ofensivas; uma diplomacia económica que vise a exclusão de um Estado das estruturas regionais, pois poderá condicionar negativamente o seu poder económico no futuro; e sinalização quanto à determinação em obstar às intenções da potência dominante através da insinuação de no futuro a poder vir a incorporar elementos de balancing positivo militar interno e externo (maior incremento do poder militar e/ou constituição de alianças militares). Em todas eles o país tem vindo paulatinamente a consolidar as suas capacidades e poder52.
Concomitantemente, a China tem desenvolvido e aperfeiçoado mecanismos institucionais multilaterais e multidimensionais cooperativos capazes de assegurar às outras potências que o seu crescimento e ascensão tem intuitos pacíficos, mas sem abdicar da defesa do superior interesse nacional, por intermédio de um denominado balancing negativo não militar apoiado no desenvolvimento e reforço da sua influência, meios e liberdade de acção, enquanto prossegue com o seu crescimento económico como facilitador da manutenção e reforço do actual estatuto de grande potência regional (percepcionada como tal), ainda que por enquanto não no plano mundial.
A sua diplomacia omnidireccional como instrumento de balancing negativo não militar passou a ter um quarto pilar – as organizações multilaterais – a somar aos pilares das relações com as grandes potências, ao das relações com os países vizinhos, e ao das relações com os países em desenvolvimento53.
Este ponto é enfatizado por Jianwei Wang, ao afirmar que “A China tornou-se mais sensível à apreensão crescente de vários países da Ásia-Pacífico, relativamente ao crescimento do seu poder. Uma eventual recusa em se envolver em mecanismos de segurança e cooperação multilateral no plano regional e global seria encarada como um péssimo sinal e reforçador de potenciais intenções de cariz unilateral. Assim a participação neste tipo de mecanismos de segurança e de cooperação alargada e multidimensional, pode ser uma forma mais eficaz de reduzir as percepções relativas a uma ‘ameaça chinesa’, em vez de reiterar sistematicamente princípios retóricos relativos às suas ambições não hegemónicas para a região”54 (figura 2).
Figura 2 – Mapa do multilateralismo cooperativo pan-regional da diplomacia omnidireccional chinesa
Fonte: Subrata Saha (2012). China’s Grand Strategy: from Confucius to Contemporary. Carlisle: U.S. Army War College, p. 20. Disponível em www.dtic/mil/cgi-bin/GetRDoc?AD=ADA518303
O balancing negativo não militar da China pretende implementar e reforçar um discurso associado à inevitável evolução e virtudes “democráticas” de um sistema internacional multipolar, onde o “desenvolvimento pacífico” do país é consolidado através do reforço das suas relações bilaterais com outras potências por intermédio das “parcerias estratégicas” (zhanlue huoban guanxi) já anteriormente referidas, e do seu envolvimento em processos de cooperação multilateral de segurança regional (ASEAN+3 – China, Japão e Coreia do Sul; Asian Regional Forum; Shanghai Cooperation Organization; Six Party Talks e East Asia Summit) – destinados a cooptar os países vizinhos e a reduzir o espaço de influência e de preponderância regional dos EUA –, mas enfatizando simultânea e instrumentalmente o papel incontornável das Nações Unidas e da comunidade internacional como actores capazes de moderarem as intenções norte-americanas de constrangerem a ascensão global e regional da China55.
Em finais de 2010, a China fazia parte de mais de 130 organizações intergovernamentais e de largas centenas de organizações não-governamentais internacionais, sendo signatária de mais de 300 Tratados, Convenções, Acordos e Protocolos multilaterais internacionais (contra os 159 em 1989) nas mais diversas áreas (política, segurança e defesa, economia, cultura, etc.)56. O país tem relações diplomáticas com 171 Estados e resolveu as questões associadas com a delimitação da sua fronteira terrestre com 13 dos 14 Estados vizinhos (a excepção é a Índia), optando na frente marítima por “congelar” as suas reivindicações (ainda que estas sejam geograficamente maximalistas no que concerne ao Sul e ao Leste do Mar da China e esteja preparada para reinterpretar unilateralmente ou ignorar selectivamente algumas das Convenções por si assinadas – e.g. Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, especialmente quanto à liberdade de navegação na sua Zona Económica Exclusiva).
Este é, pois, um processo perfeitamente racional, de respostas ponderadas face aos constrangimentos impostos pela superpotência e à “teoria da ameaça chinesa”, existindo a consciência de que existe um período de oportunidade estratégica (xhanlue jiyu qi) – que não se prolongará para além de 2020 – que deve ser explorado em proveito próprio57, enquanto Washington não optimiza o seu “revitalizado” sistema de “hub and spokes” asiático, como forma de obviar a uma certa sintomatologia de “declínio elegante” que começa a ser percepcionada em algumas regiões do planeta, mais notoriamente na Ásia58.
Assim, para além da dimensão diplomática em cima descrita, a China não descurou a dimensão económica e militar no plano cooperativo internacional, ao mesmo tempo que procura gerir adequadamente as percepções derivadas desta sua política externa mais assertiva.
Quanto à primeira, houve uma alteração, desde 2001, no paradigma inicial de “captação de investimentos externos” em prol de um modelo misto que contempla a aquisição de activos no estrangeiro por parte de empresas chinesas (“estratégia de ida para fora” – zouchuqu zhanlue)59. A linha comum a estas duas faces do paradigma é a obtenção de tecnologia, matérias-primas, e know-how em termos de gestão e de conhecimento científico60.
Adicionalmente, foi apoiada a criação, em 2004, de Institutos Confúcio – que actualmente são mais de 350 em 106 países61 –, tendo-se assistido a uma profusão na publicação e divulgação de Livros Brancos62 sobre as mais diversas áreas temáticas, a um boom no número de websites oficiais em língua inglesa, à publicação de jornais em língua inglesa (Global Times, China Daily e Liberation Army Daily), e a uma cada vez maior profusão de artigos e livros académicos publicados em língua inglesa por parte de investigadores chineses, graças ao apoio estatal (e.g. China Security, Chinese Journal of International Politics).
Quanto à segunda, Pequim desenvolveu um conjunto de iniciativas no plano da política externa destinadas a assegurar aos países vizinhos que era um actor responsável (fuzeren de liyu xiangguanzhe) e disponível para participar em mecanismos de cooperação internacional e regional, tanto ao nível da segurança como da economia. Daí o incremento da participação e por vezes do patrocínio da China de mecanismos de cooperação multilateral regional como a Organização de Cooperação de Xangai, as Six Party Talks, a ASEAN+3, a ARF, a APEC, e ainda, mas não menos importante, o papel primordial desempenhado por Pequim aquando da crise financeira asiática de 1997 ao optar por não desvalorizar o yuan, o que lhe valeu os mais elevados encómios por parte dos países mais afectados.
Adicionalmente, aprofundou os esforços tendentes ao estabelecimento de várias parcerias bilaterais (mais ou menos “estratégicas”)63 de modo a impedir que a associação cooperativa de algumas potências fosse prejudicial para os seus interesses, enfatizando no processo os benefícios económicos e comerciais que estas daqui poderiam retirar ao cooperarem com Pequim, por comparação aos EUA. Numa só frase, e no contexto regional asiático, a China procurou e irá continuar a fazê-lo: estabilizar o ocidente, confiar no norte, e competir por influência no sudeste.
Em resumo, esta grande estratégia expressa o reconhecimento tácito dos enormes desafios que a China enfrenta como um Estado com debilidades internas (crescentes assimetrias sociais entre litoral e interior e entre as elites e os camponeses, corrupção, poluição, tendências secessionista tibetanas e uighures), mas cujo crescendo de poder (percepcionado) e das aspirações na arena internacional potencia algumas suspeitas e receios noutros actores, particularmente no plano regional asiático. Ou seja, a combinação destas políticas destinadas a cultivar a reputação da China como um “actor responsável” no plano internacional e regional visa a preservação de uma envolvente de estabilidade externa ao país que é primordial para a continuidade do seu processo de modernização, que por sua vez é essencial para o desiderato de poder vir a ser uma “verdadeira grande potência” (actualmente apenas o é no campo perceptivo, não no campo das diversas dimensões caracterizadoras do poder efectivo de um Estado).
Conclusões e Observações Prospectivas
A condução de uma política de acumulação de poder, ainda que de forma “pacífica” é um facto inquestionável e subjacente à grande estratégia da China64. Num sistema internacional anárquico, a China encara os EUA como a maior ameaça à sua segurança e integridade territorial, porque estes estão a reforçar a cooperação de segurança e os mecanismos de aliança regional65 de que dispõem com o intuito de cercar geoestrategicamente a China, tanto no plano marítimo como continental66, pelo que só podem ser contrabalançados se esta “não cair nesta armadilha de cerco americano” (meiguo de baoweiquan)67 e se tornar a longo prazo na grande potência regional com uma primazia no contexto asiático, em detrimento óbvio dos interesses, presença e influência dos EUA68.
Tal implica uma acção externa assente numa postura estratégica defensiva, mas que não abdica de manter a iniciativa de forma a rentabilizar oportunidades que surjam ao nível táctico. A sua estratégia tem sido essencialmente a de balancing positivo militar interno, face a uma percepção de ameaça por parte dos EUA, mas se esta percepção aumentar para níveis elevados, em virtude do papel e acção cada vez mais assertiva de Washington na Ásia, que incorpora e aplica em simultâneo as quatro dimensões de balancing face à China (balancing positivo militar interno e militar externo, balancing negativo militar e não militar), é provável que esta passe a contemplar de forma progressiva e mais incremental a combinação de vectores operacionais de balancing positivo não militar e um maior reforço do actual mas limitado balancing negativo não militar (quadro 2).
Subjacente a estas opções está, e estará, sem dúvida, a forma como a China se percepcionará na escala de poder relativo, quais serão os seus objectivos a longo prazo no plano regional (preponderância ou primazia), e como percepcionará a continuação, ou não, da primazia dos EUA no sistema internacional e na Ásia em particular69.
A China é uma grande potência ainda sem uma preponderância militar regional alargada, mas com uma crescente influência política e económica global70.
Tipo de balancing | Balancing positivo (incremento das capacidades próprias do Estado face ao rival) | Balancing negativo (minar o poder relativo do Estado rival) | ||
Balancing militar | Balancing não militar | Balancing militar | Balancing não militar | |
China | Interno (sim) [modernização militar, estratégia de negação de acesso] | (não) | (não) | Não cooperação estratégica (sim) [CS da ONU – programa nuclear do Irão e guerra civil na Síria, Conferência de Copenhaga] |
Externo (não) [sem alianças militares] | Constrangimentos institucionais (sim) [ASEAN +3, Six Party Talks, East Asia Community] | |||
EUA | Interno (sim ) [modernização militar, doutrina Air-Sea Battle e Prompt Global Strike] | Transferência de tecnologia para aliados (sim) [Taiwan, Japão, Coreia do Sul] | Venda de armas a Estados com disputas com o Estado rival (sim) [Taiwan, Filipinas, Japão, Coreia do Sul, Tailândia] | Sanções económicas e embargos (sim) [embargo de venda de tecnologia dual à China] |
Externo (sim) [aliança com Japão, Coreia do Sul, Austrália e Taiwan] |
| Controlo de armamento direccionado ao Estado rival (sim) [embargo de venda de armas à China] | Não-cooperação estratégica (sim) [disputas no âmbito da OMC] | |
Constrangimentos institucionais (sim) [criação da Trans-Pacific Partnership] |
Quadro 2 – A actual estratégia de balancing mútuo China-EUA
A China é uma grande potência ainda sem uma preponderância militar regional alargada, mas com uma crescente influência política e económica global71.
Este incremento de poder tanto (auto)percepcionado como efectivo, trazer-lhe-á responsabilidades adicionais, o que implicará a assunção e/ou a criação de prescrições de políticas globais alternativas que possam ir para além da retórica “algo espiritual” de uma visão estratégica de um “mundo harmonioso”, que se assemelha mais a uma panaceia do que a uma visão concreta que vise a redução de hostilidades que estruturalmente começam a ser induzidas à sua ascensão, com os perigos que daqui possam advir, não apenas para Pequim como para a estabilidade do sistema internacional72.
O princípio “mini-max” (em que a China se define como um país em desenvolvimento, mas que deve ter o estatuto de grande potência) tem repercussões ambivalentes em termos de segurança e defesa através daquilo que Swaine e Tellis designam como uma “estratégia híbrida de segurança de um Estado forte-fraco”, ou de uma “estratégia calculista de maximização constrangida”73.
Não obstante este dualismo, não é expectável que a China venha a secundarizar a sua dimensão de desenvolvimento interno em prol de aventuras militares expansionistas no sentido clássico do termo, ainda que Taiwan possa ser a excepção.
Para a China, a dificuldade estará cada vez mais em saber como pode contribuir para a manutenção de um tão delicado, quanto importante, equilíbrio entre o desenvolvimento global e a permanente gestão de uma conflitualidade tão latente quanto sistémica; entre a sua ascensão e o declínio relativo de outros actores; entre a sua crescente confiança e as expectativas e ansiedades que gera, principalmente no plano regional asiático – área geográfica cada vez mais determinante para a segurança e estabilidade do sistema internacional.
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1 Disponíveis em http://english.peopledaily.com.cn/whitepaper/home.html. Para os publicados em 2011, nomeadamente sobre a Defesa Nacional; Ajuda ao Desenvolvimento; Desenvolvimento Pacífico da China; Políticas e Acções para Fazer Face às Alterações Climáticas; Comércio Externo; e Programa Espacial em 2011 ver http://news.xinhuanet.com/english/china/2012-01/03/c_13.
2 Wang Jisi (2011). Op. Cit., pp. 68-79.
3 Tal como o conceito de “Guerra Total” de Ludendorff. Basil Henry Lidell Hart (1991). Strategy (2nd revised edition). Toronto: Meridian, pp. 321-22. Em 1963, Andre Beaufre, reformulou o conceito de grande estratégia em estratégia total, por oposição ao de “Guerra Total” de Ludendorff, mas contemplando ao contrário dos antecessores o conceito de “manobra exterior” (entendido como comunicação estratégica no plano internacional).
4 Alexandre Carriço (2012). Os Livros Brancos da Defesa da República Popular da China, 1998-2010: Uma Desconstrução do Discurso e das Percepções de (In)segurança. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional, p. 138.
5 Ye Zicheng (2011). Op. Cit.
6 Edward Luttwak (2001). Strategy: The Logic of War and Peace. Cambridge: Belknapp Press of Harvard University Press.
7 Sobre este debate interno ver Alexandre Carriço (2013). “China: Cinco Debates, uma Grande Estratégia”. Nação e Defesa nº 134 (no prelo).
8 Sobre a diferença entre poder percepcionado e poder real ver William Wohlforth (1987). “The Perception of Power: Russia in the Pre-1914 Balance”. World Politics nº 3, pp. 353-381. Sobre a dimensão psicológica deste “conceito incompleto” ver Robert Jervis (1968). “Hypotheses on Misperception”. World Politics nº 3, pp. 454-479.
9 As duas primeiras foram as associadas ao conceito de “ascensão pacífica” (2002-2005) e à crise financeira internacional (2008-2010).
10 Para as duas melhores análises contemporâneas sobre o controlo dos global commons pelos EUA, leia-se Barry Posen (2003). “Command of the Commons: The Military Foundation of US Hegemony”. International Security nº1, pp. 5-46. Abraham Denmark e James Mulvenon (eds) (2010). Contested Commons: The Future of America Power in a Multipolar World.
Center for a New American Security. Disponível em http://www.cnas.org/files/documents/publications/snas_contested_commons_1.pdf.
11 David Shambaugh (2010). “The Year China Showed its Claws”. Disponível em http://www.brookings.edu/opinions/2010/0216_china_shambaugh.aspx
Michael Swaine (2011) “China’s Assertive Behavior, part I”. China Leadership Monitor nº 34. Disponível em http://www.carnegieendowment.org/files/CLM34MS_FINAL.pdf. Michael Swaine e Taylor Fravel (2011) “China’s Assertive Behavior, part II”. China Leadership Monitor nº 35. Disponível em http://www.carnegieendowment.org/files/CLM35MS_FINAL.pdf. Michael Swaine (2011) “China’s Assertive Behavior, part III”. China Leadership Monitor nº 36. Disponível em http://www.carnegieendowment.org/files/CLM36MS_FINAL.pdf
12 Abdicando por razões de natureza editorial de outras duas dimensões igualmente importantes – a narrativa associada à identidade do Estado chinês (introversão vs extroversão e particularismo vs universalismo). Para excelentes análises sobre estas dimensões ver Jonathan Unger (ed) (1996). Chinese Nationalism. Armonck: M.E. Sharpe. Yongnian Zheng (1999). Discovering Chinese Nationalism in China: Modernization, Identity, and International Relations. Cambridge: Cambridge University Press. Suisheng Zao (2004). A Nation State by Construction: Dynamics of Modern Chinese Nationalism. Stanford: Stanford University Press. Peter Hayes Gries (2005). China’s New Nationalism: Pride, Politics, and Diplomacy. Berkeley: University of California Press. Christopher Hughes (2006). Chinese Nationalism in the Global Era. London: Routledge. Martin Jacques (2009). When China Rules the World: The End of the Western World and the Birth of a New Global Order. London: Penguin.
13 Distinguimos primazia de hegemonia e de preponderância. A primeira assenta no emprego dos recursos materiais nacionais disponíveis. Robert Jervis (1993). “International Primacy: Is the Game Worth the Candle?”. International Security nº4, p. 52. A segunda acrescenta a esta dimensão uma componente de “legitimidade e persuasão”, podendo ser definida como o exercício do poder militar, económico e político sobre outros de forma a fazer com que estes queiram o que a potência hegemónica quer. John Agnew (2005). Hegemony: The New Shape of Global Power. Philadelphia: Temple University Press, pp. 1-2. A terceira é a condição para um balance of power (militar) face aos EUA, essencial para a defesa da integridade e soberania territorial da China. Stephan Fruehling (2011). “The Problem with Primacy”. The Interpreter, Lowy Institute for International Policy. Disponível em http://www.lowyinterpreter.org/post/2011/07/01/The-problem-with-primacy.aspx.
14 Balance of power tanto pode ser uma situação, uma política ou um sistema. Aqui consideramo-lo como uma política ou uma estratégia do Estado num contexto de anarquia do sistema internacional.
15 Colin Elman (2002). “Introduction: Appraising Balance of Power Theory” em John Vasquez e Colin Elman (eds), Realism and the Balancing of Power. New York: Prentice Hall, p. 8.
16 Levy e Thompson realçam que é difícil efectuar uma verificação empírica do internal balancing porque é não é fácil estabelecer uma destrinça entre o que são aquisições militares normais e processos de modernização militar com intuitos de balancing. Jack Levy e William Thompson (2005). “Hegemonic Threats and Great Power Balancing in Europe, 1495-1999”. Security Studies nº1, p. 14, nota 39.
17 Kenneth Waltz (1979). Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley. Randall Schweller (2004). “Unanswered Threats: a Neoclassical Realist Theory of Underbalancing”. International Security nº2, p. 166.
18 Daniel Nexon (2009). “The Balance of Power in the Balance”. World Politics nº2, p. 344. Para um panóplia das inúmeras estratégias de balancing, desde as mais conhecidas como formação de alianças, modernização militar, chain-ganging, buck-passing, soft balancing, embargo económico, bandwagoning, omni-balancing, hedging até às menos conhecidas como hiding, distancing, bloodletting, wedging, leash-slipping, binding, strategic non-cooperation, etc. ver tabela 1, Kai He (2012). “Undermining Adversaries: Unipolarity, Threat Perception, and Negative Balancing Strategies after the Cold War”. Security Studies, nº2, pp. 164-165.
19 Ainda que reconheçamos a importância do argumento de Nye sobre soft power, focamos a nossa análise no hard power, pois o exercício de soft power não é uma estratégia de soft balancing ou das suas subdivisões em balancing negativo ou positivo. Joseph Nye (2004). Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs.
20 A aferição das percepções é uma questão delicada em termos de relações internacionais. Pode ser efectuada através da disparidade de poder militar, proximidade geográfica, comparação do crescimento económico, e diferenças ideológicas. Também se pode aferir as crenças dos líderes políticos através da análise das suas declarações e discursos. Alexandre Carriço (2012). Os Livros Brancos da Defesa da República Popular da China, 1998-2010: Uma Desconstrução do Discurso e das Percepções de (in)segurança. IDN Cadernos nº7. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional, pp. 19-28.
21 Kai He (2012). Op. Cit., p. 167
22 O balancing não militar inserido no balancing negativo é considerado por Kai He como sendo o soft balancing de Robert Pape e T.V. Paul. Estes defendem que não existem estratégias de balancing não militar dos Estados, mas não identificam os limites e os atributos do balancing. O soft balancing combina elementos das teorias de Stephen Walt e de Kenneth Waltz, reflectindo incentivos sistémicos no sentido de um reequilíbrio de poder bem como um imperativo de prossecução da segurança sob uma envolvente internacional essencialmente anárquica. Kenneth Waltz (1979). Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley. Refira-se que Waltz e alguns dos seus seguidores argumentam que a sua teoria explica os resultados do balancing sem prever necessariamente estratégias de balancing dos Estados. Kenneth Waltz (1996). “International Politics is Not Foreign Policy”. Security Studies nº1, pp. 54-57. Stephen Walt (1987). The Origin of Alliances. Ithaca: Cornell University Press. Voltaremos mais à frente a esta questão. Kai He (2012), Op. Cit. p. 167.
23 Hu Angang e Meng Honghua (2002). The Rising of Modern China: Comprehensive National Power and Grand Strategy, p. 30. Hu Angang (2011). China in 2020: a New Type of Superpower. Washington: Brookings Institution Press.
24 Hu Angang e Meng Honghua (2002). Op. Cit, pp. 31-34.
25 Jonathan Pollack (2005). “The Transformation of the Asian Security Order” em David Shambaug (ed), Power Shift: China and Asia’s New Dynamics. Berkeley: University of California Press, p. 330.
26 Entrevista a Charlie Rose em 22 de Outubro de 2009. Disponível em http://www.charlierose.com/download/transcript/10681.
27 Tang Shiping (2010). A Theory of Security Strategy for Our Time: Defensive Realism. London: Palgrave Macmillan.
28 Apesar de o discurso político-diplomático chinês refutar a criação de esferas de influência. Evelyn Goh (2007). “Great Power and Hierarchical Order in Southeast Asia: Analyzing Regional Security Strategies”. International Security nº32, pp. 113-157. O sistema tributário chinês pode ter sido hegemónico, mas não era baseado em coerção ou expansionismo, assentando na combinação de relações de deferência, interdependência económica, protecção e segurança, asimilação cultural dos conceitos Confucianos, ritualismo político, e governação benevolente. David Shambaugh (2004). “China Engages Asia: Reshaping the Regional Order”. International Security nº4, p. 95. Disponível em http://www.brookings.edu/views/articles/shambaugh/20050506.pdf. David Kang argumenta que os asiáticos têm uma predisposição cultural para a coexistência pacífica colectiva baseada no conceito Vestefaliano de soberania, desenvolvimento material e rejeição de normas neoliberais ou de convergência política com base em sociedades abertas. David Kang (2009). China Rising: Peace, Power, and Order in East Asia. New York: Columbia University Press. No entanto esta versão benevolente do sistema tributário tende a subalternizar as escolhas dos Estados asiáticos vizinhos da China e saber se estes preferem o bandwagoning ou o bargaining ao modelo histórico de “balancing europeu” que só tem paralelismo no caso da China com o período dos Estados Guerreiros ou com as guerras Sino-Japonesas de 1894-1895 e de 1937-1945. Samuel Huntington (1996). The Clash of Civilizations na the Remaking of World Order. New York: Simon and Schuster, p. 234. Esta é uma escolha que nenhum preferirá efectuar, optando por conviver com ambas as potências e rentabilizar em proveito próprio esta rivalidade dentro de uma estabilidade regional. Martin Jacques (2009). When China Rules the World: The End of the Western World and the Birth of a New Global Order. London: Penguin. Aaron Friedberg (2011). A Contest for Supremacy: China, America, and the Struggle for Mastery in Asia. New York: Norton, pp. 200-201.
29 Alexandre Carriço (2013). “As Percepções de (In)segurança Sino-Americanas: Causas e Impacto no Contexto Asiático”, em Isabel Nunes (ed), Perspectivas sobre a Segurança Internacional. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional, Imprensa Nacional Casa da Moeda (no prelo).
30 Yan Xuetong e Sun Xuefeng (2005). Zhongguo Jueqi Jiqi Zhanlue (A Ascensão da China e a sua Estratégia). Beijing: Beijing Renmin Chubanshe.
31 O balancing face aos EUA depende não apenas do poder destes mas também das suas intenções, que se reflectem no comportamento dos outros Estados. Stephen Walt (1987). The Origin of Alliances. Ithaca: Cornell University Press.
32 Steve Chan (2012). Looking for Balance: China, the United States and Power Balancing in East Asia. Stanford: Stanford University Press. Yan Xuetong (2000). Meiguo Baquan yu Zhongguo Anquan (A Hegemonia dos Estados Unidos e a Segurança da China). Tianjin: Tianjuing chubanshe. Liang Fang, Feng Zhaoju e Wang Xixin (eds). Meiguo Endezhu Shijie Ma? (Podem os Estados Unidos Segurar o Mundo?). Beijing: Guofang daxue chubanshe.
33 Kai He (2012). Op. Cit., pp. 154-191.
34 Harold Lasswell (1965). World Politics and Personal Insecurity. London: Collier-Macmillan.
35 International Institute for Strategic Studies (2012). The Military Balance 2012 – Press Statement. Disponível em http://www.iiss.org/publications/military-balance/the-military-balance-2012/press-statement/
36 Liu Yazhou (2004). Da Guoce (A Grande Estratégia Nacional). Disponível em http://www.yannan.cn/data/detail.php. Liu Yazhou, comissário político da Universidade de Defesa Nacional, foi promovido a General em Julho de 2012, havendo indícios aquando elaboração deste artigo (Julho-Agosto de 2012) de que após a realização do 18º Congresso do PCC em Outubro/Novembro de 2012, possa vir a assumir um cargo de maior preponderância – eventualmente como Director do Departamento Geral de Política.
37 Anthony Cordsman e Nicholas Yarosh (2012). Chinese Military Modernization and Force Development: a Western Perspective. Center for Strategic & International Studies, p. 13. Disponível em http://www.csis.org/publication/120727_Chinese_Military_Modernization_Force_Dvlpment.pdf. Aaron Friedberg (2011). A Contest for Supremacy: China, America, and the Struggle for Mastery in Asia. New York: Norton, pp. 216-232.
38 Jack Levy e William Thompson (2005). “Hegemonic Threats and Great Power Balancing in Europe, 1495-1999”. Security Studies nº1, p. 14, nota 39.
39 Alexandre Carriço (2012). “As Percepções de Insegurança Sino-Americanas”. Relações Internacionais nº34, pp. 39-60.
40 Alexandre Carriço (2010). “A Cooperação Militar Chinesa”. Relações Internacionais nº26, pp. 25-37. Disponível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ri/n26a02.pdf. O site institucional do EPL está disponível em http://english.chinamil.com.cn/.
41 James Mulvenon (2009). “Chairman Hu and the PLA ‘New Historic Missions’”. China Leadership Monitor nº27. Disponível em http://media.hoover.org/sites/default/files/documents/CLM27JM.pdf. Peng Guangqian, Zhao Zhiyin e Luo Yong (2010). China’s National Defense. Singapore: Cengage Learning Asia, pp. 67-68.
42 Desde meados da década de noventa que o EPL começou a participar em missões de paz da ONU, no entanto nos últimos oito anos assistiu-se a um incremento substancial desta participação. Das 10 missões que tinha desde o início dos anos 90 assumiu mais 14, empenhando mais 10 mil efectivos por ano. Zhang Qingmin (2011), Op. Cit., p. 3.
43 Alexandre Carriço (2010). “O Exército Popular de Libertação em Operações de Socorro e Emergência: O Caso dos Nevões de Janeiro/Fevereiro de 2008”. Nação e Defesa nº125, pp. 129-155.
44 Denominada oficial e literalmente por “trabalho publicitário”, isto após um debate interno similar ao ocorrido com o conceito de “ascensão pacífica”, o que espelha uma elevada acuidade face à necessidade de modelar correctamente as percepções externas, particularmente na Ásia.
45 O significado geral de gestão das percepções é enquadrado no contexto chinês no âmbito da definição de decepção estratégica (zhanlue qipian). Esta encontra-se indissociavelmente ligada ao conceito de estratagema (moulue) e de operações psicológicas (xinli zuozhan). Peng Guangqian e Yao Youzhi (2005). Op. Cit., p. 135 e pp. 362-371.
46 O Ministério da Defesa passou a ter um porta-voz permanente em Maio de 2008. Yang Jiechi (2011). “China’s Public Diplomacy”. Qiushi nº3. Disponível em http://english.qstheory.cn/international/201109/t20110924_112601.htm. Xinhua (2012). “China trains government sopkesmen”. Disponível em http://english.peopledaily.com.cn/90785/7875512.html.
47 T.V. Paul (2005). “Soft Balancing in the Age of U.S. Primacy”. International Security nº1, pp. 46-71.
48 Stephen Brooks e William Wohlforth (2005). “Hard Times for Soft Balancing”. International Security nº1, pp. 72-108.
49 Robert Pape define o soft balancing como “implicando uma reacção de balancing que se aproxima de alianças formais. Ocorre quando os Estados desenvolvem ententes limitadas no plano da segurança para fazerem face a um Estado encarado como uma ameaça ou a uma potência em ascensão. É empregue em processos de corrida ao armamento de dimensão limitada, exercícios militares cooperativos ad hoc, ou através da colaboração com organizações regionais e internacionais; estas políticas podem posteriormente converter-se em estratégias abertas de hard balancing se e quando a competição de segurança se torna intensa e os Estados mais poderosos se tornam ameaçadores”. Robert Pape (2005). “Soft Balancing against the United States”. International Security nº 1, pp. 7-45. Meng Honghua (2003). “Lengzhan Hou Meiguo Dazhanlue De Zhengming Ji Qi Qishi Yiyi” (Debates sobre a Grande Estratégia da América após a Guerra Fria e suas Implicações”. Taipingyang xuebao nº2 (Jornal do Pacífico), pp. 18-26. Para uma análise crítica do conceito de soft balancing veja-se Stephen Brooks e William Wohlforth (2005). “Hard Times for Soft Balancing”. International Security nº1, pp. 72-108. Keir Lieber e Gerard Alexander (2005). “Waiting for Balancing: Why the World is Not Pushing Back”. International Security nº1, pp. 109-139. Para uma reformulação do mesmo conceito ver Kai He e Huiyun Feng (2008). “If Not Soft Balancing, then What? Reconsidering Soft Balancing and US Policy Toward China”. Security Studies nº2, pp. 263-295.
50 O soft balancing combina elementos das teorias de Stephen Walt e de Kenneth Waltz, reflectindo incentivos sistémicos no sentido de um reequilíbrio de poder bem como um imperativo de prossecução da segurança sob uma envolvente internacional essencialmente anárquica. Stephen Walt (1987). The Origin of Alliances. Ithaca: Cornell University Press. Kenneth Waltz (1979). Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley. Refira-se que Waltz e alguns dos seus seguidores argumentam que a sua teoria explica os resultados do balancing sem prever necessariamente estratégias de balancing dos Estados. Kenneth Waltz (1996). “International Politics is Not Foreign Policy”. Security Studies nº1, pp. 54-57.
51 T.V. Paul (2005), Op. Cit., p. 59.
52 Ver Qian Qichen (2006). Ten Episodes in China’s Diplomacy. New York: Harper Collins. Zheng Yongnian e Lye Liang Fook (2010). “The International Financial Crisis and China’s External Response” em Zheng Yongnian e Sarah Tong (eds), China and the Global Economic Crisis. London: World Scientific Publishing Company. Zhu Feng (2008). “China Rise Will be Peaceful: How Unipolarity Matters” em Robert Ross e Zhu Feng (eds), China’s Ascent: Power, Security and the Future of International Politics. Ithaca: Cornell University Press, pp. 34-54. Marc Lanteigne (2007). China and International Institutions: Alternate Paths to Global Power. London: Routledge. Ni Jianmin e Chen Zhishun (2003). Zhongguo Guoji Zhanlue (Estratégia Internacional da China). Beijing: Renmin Chubanshe. Ma Zhengang (2007). “The Increasingly Eminent ‘China Factor’ in the International Framework” em Wang Zhongchun e Chen Selin (eds), World Security Environment. Beijing: National Defense University, PLA, pp. 25-30. Jianwei Wang (1999). “Managing Conflict: Chinese Perspectives on Multilateral Diplomacy and Collective Security” em Yong Deng e Fei-Ling Wang (eds), In The Eyes of the Dragon: China Views the World. Lanham: Rowman & Littlefield, pp. 73-96. Fei-Ling Wang (2005). “Preservation, Prosperity and Power: What Motivates China’s Foreign Policy?”. Journal of Contemporary China nº45, pp. 66-94. Steve Chan (2005). Soft Deterrence, Passive Resistance: American Lenses, Chinese Lessons. Disponível em http://www.isn.ethz.ch/isn/Digital-Library/Publications/Detail/?ots591=0c54e3b3-1e9c-be1e-2c24-a6a8c7060233&lng=en&id=21245. François Godement (2011). China Analysis: China Debates its Global Strategy. European Council on Foreign Relations. Disponível em http://www.ecfr.eu/page/China%20Analysis_China%20debates%20its%20global%20strategy_April2011.pdf. Bates Gill (2010). Rising Star: China’s New Security Diplomacy. Washington: Brookings Institution Press. David Lampton (2008). The Three Faces of Chinese Power: Might, Money, and Minds. Berkeley: University of California Press.
53 Kai He (2009). Institutional Balancing in the Asia-Pacific: Economic Interdependence and China’s Rise. London: Routledge.
54 Wang Jianwei (1999). “Managing Conflict: Chinese Perspectives on Multilateral Diplomacy and Collective Security” em Yong Deng e Fei-ling Wang (eds), In The Eyes of the Dragon: China Views the World. Lanham: Rowman & Littlefield, p. 84.
55 David Shambaugh (2004). “China Engages Asia: Reshaping the Regional Order”. International Security nº3, pp. 64-99. Shulan Ye (2010). China’s Regional Policy in East Asia and its Characteristics. Discussion Paper nº66. Nothingham: The University of Nothingham, China Policy Institute. Disponível em http://www.nottingham.ac.uk/cpi/documents/discussion-papers/discussion-paper-66-china-regional-policy-shulan-ye.pdf. Ann Kent (2010). Beyond Compliance: China, International Organizations, and Global Security. Stanford: Stanford University Press. Xiao Dong (2011). “Zhuanjia: Zhongguo Ying yi ‘ruan Zhiheng’ Yingdui Meiguo de ‘ruan azhi’” (A China deve efetuar um soft balancing perante o soft containment dos EUA). Zhangguo xinwen (Imprensa da China). Disponível em http://politics.people.com.cn/GB/70731/16672314.html.
56 Zhang Qingmin (2011), Op. Cit., p. 43.
57 Xia Liping (2004). “Lun Zhongguo Guoji Zhanlue Zhong de Xin Anquangang” (Estudo do Novo Conceito de Segurança na Estratégia Internacional da China) em Chen Peiyao e Xia Liping (eds), Xin Shiji JIyuqi yu Zhongguo Guoji Zhanlue (O Período de Oportunidade no Novo Século e a Estratégia Internacional da China). Beijing: Bei chubanshe, p. 58.
58 Yang Jiemian (2003). “Zhongyao Zhanlue Jiyu Yu Zhongguo Waijiao De Lishi Renwu” (Período Importante de Oportunidade Estratégica e de Missão Histórica para a Diplomacia Chinesa). Mao Zedong, Deng Xiaoping Itlun Yanjiu nº4 (Estudo das Teorias de Mao Zedong e Deng Xiaoping), pp. 60-67. Liu Bin (2003). “Shilun Ershi Nian De Guoji Zhanlue De Zhengming Ji Qi Qishi Yiyi” (Sobre Duas Décadas do Período Internacional de Oportunidades Estratégicas). Guoji Gunaxi Xueyuan Xuebao nº6 (Jornal da Universidade de Relações Internacionais), pp. 19-21.
59 Ainda mais vincada desde 2008 com a crise financeira nos EUA e na União Europeia.
60 Nargiza Salidjanova (2011). Going Out: an Overview of China’s Outward Foreign Direct Investment. U.S.-China Economic and Security Review Commission. Disponível em http://www.uscc.gov/researchpapers/2011/GoingOut.pdf. François Godement (2012). “Facing the Risks of the Going Out Policy”. China Analysis. Disponível em http://www.ecfr.eu/page/-/
China_Analysis_Facing_the_Risks_of_the_Going_Out_Strategy_January2012.pdf. Frederich Wu (2005). “The Globalization of Corporate China”. NBR Analysis nº3. Disponível em http://www.nbr.org/publications/nbranalysis/pdf/vol16no3.pdf. Huang Wenbin e Andreas Wilkes (2011). Analysis of China’s Overseas Investment Policies. Working Paper nº79. CIFOR. Disponível em http://www.cifor.org/publications/pdf_files/WPapers/WP-79CIFOR.pdf.
61 “China says U.S. directive on Confucius Institutes may harm friendship”. Disponível em http://news.xinhuanet.com/english/china/2012-05/24/c_123187293.htm.
62 Ver http://english.gov.cn/links/whitepapers.htm.
63 Segundo Ning Sao, a China tem quatro tipos de parcerias estratégicas (zhanlue huoban guanxi): (1) “parcerias estratégicas” como a que tem com os EUA e que reflectem tanto uma vertente de competição como de cooperação com base em três elementos (os países são parceiros, não rivais; a relação baseia em considerações estratégicas gerais; e a relação é construtiva, não sendo direccionada a terceiros); (2) “parcerias estratégicas consultivas” (zhanlue xiezuo huoban guanxi), como as que tem com a Rússia, a França, o Reino Unido, a UE e o Japão, e que apesar de apresentarem denominações distintas destinam-se a promover a multipolaridade e obviar a aspectos negativos das relações sino-americanas; (3) “parcerias de boa-vizinhança” (mulin huoban guanxi) como as que tem com a ASEAN e alguns países desta organização, e que se destinam a promover a confiança mútua e o desenvolvimento bilateral, especialmente na área económica e de segurança; e (4) “parcerias básicas” (jiben hezuo huoban guanxi), como as que tem com países em desenvolvimento. Rex Li (2009). A Rising China and Security in East Asia: Identity Construction and Security Discourse. London: Routledge, pp. 181-182. A parceria que a China tem com Portugal insere-se nesta última categoria. No entanto a proliferação de “parcerias estratégicas” acabam por desvalorizar o conceito. Actualmente, qualquer parceria que a China assine com outro Estado, se não tiver o epíteto de “estratégica” poderá ser ilustrativa de uma secundarização da relação entre a China e esse Estado. Daí o facto de ser cada vez mais importante em termos semânticos ter em consideração as expressões empregues por Pequim e que vêm a seguir à expressão “parceria estratégica”.
64 Kuo Shuyong (2005). “Lun Zhongguo Jueqi Yu Shijie Zhixu De Guanxi” (Sobre a Relação entre a Ascensão da China e a Ordem Mundial”. Taipingyang xuebao nº6 (Jornal do Pacífico), pp. 3-11.
65 Assente nas suas alianças com o Japão, Coreia do Sul, Austrália e Taiwan e nas relações de cooperação de segurança com as Filipinas, Indonésia, Singapura, Tailândia, Índia e Vietname e no plano continental através da sua presença militar na Ásia Central. Em 2007, e pela primeira desde a Guerra Fria, 60% dos meios navais norte-americanos passaram a estar afectos à Esquadra do Pacífico (6 dos 11 porta-aviões; a maioria dos destroyers e cruzadores da classe Aegis e 26 dos 57 submarinos de ataque – em 2012 passaram a ser 36 entre 60 submarinos) enquanto que a Força Aérea reforçou o números de esquadrões de aviões F-22, bombardeiros B-2 e UAV’s Global Hawks sediados em bases aéreas na região. Aaron Friedberg (2011). Op. Cit., p. 103.
66 Yang Jiemian (2005). “Shilun Zhonhmei Zonghe Guojia Anquan Hudong Guanxi” (Sobre a Relação Interactuante na Segurança Abrangente Sino-Americana”) em Ni Shixiong e Liu Yongtao (eds), Meiguo Wenti Yanjiu nº4 (Estudos sobre Assuntos Americanos), pp. 141-142. Ni Shixiong (2002). “Meiguo Duihua Xin Zhanlue ji Zhongguo dui mei Zhanlue Tiaozheng” (A Nova estratégia dos Estados Unidos face à China e o Ajustamento Estratégico da China”. Zhongguo pinglun nº56 (Revista da China), pp. 73-77.
67 Meng Honghua (2003). “Bian Beidong Wei Zhudong Mouhua, Weihu he Tuozhan Guojia Zhanlue Liyi” (Alterar uma resposta passiva num plano activo, protegendo e desenvolvendo o interesse estratégico nacional) em Hu Angang (ed), Zhongguo da Zhanlue (A Grande Estratégia da China). Hangzhou: Zhejiang renmin chubanshe, p. 86.
68 Esta percepção de um permanente containment dos EUA à China é visível nos sectores mais conservadores do pensamento estratégico chinês, ainda que se forem confrontados com a contra-argumentação de que nenhum outro país contribuiu tanto para o crescimento do poder e da influência da China nos últimos trinta anos, se remetam a respostas pouco consubstanciadas, deixando transparecer nalguns casos uma visível frustração, se se insistir em esclarecimentos adicionais (notas do autor com base em entrevistas pessoais e questões colocadas em diversas palestras e conferências a que assistiu na China).
69 Major-General Li Erbing (2004). Zhongguo 21 Shiji Qianqi Duiwai Zhanlue de Xuanze (Escolhas de Política Externa da China no Início do Século 21). Beijing: Bei chubanshe, pp. 10-11.
70 Ye Zicheng (2003). Zhongguo Dazhanlue (A Grande Estratégia da China). Beijing: Zhongguo shehuishexue chubanshe, p. 117.
71 Ye Zicheng (2003). Zhongguo Dazhanlue (A Grande Estratégia da China). Beijing: Zhongguo shehuishexue chubanshe, p. 117.
72 A sua política externa evoluiu. Está cada vez mais assente numa lógica de “defesa dos interesses nacionais, evitando males” (qiu li bihai), quando há dez anos atrás, na realidade tinha como “objectivo primário o evitar males” (yi bihai weizhu), promovendo os seus interesses nacionais”.
73 Michael Swaine e Ashley Tellis (2000). Op. Cit., p. 113.
Tenente-Coronel de Infantaria. Assessor do Instituto da Defesa Nacional. Vogal da Direção da Revista Militar.