“…necessidade de alcançar um maior reconhecimento e
apreciação pública das Forças Armadas e, em especial, da Força Aérea, através da promoção de uma imagem de inovação, proficiência, profissionalismo e desenvolvimento tecnológico.”
Excerto do Despacho 01/2008 do CEMFA
Introdução
Existem artigos, nomeadamente ao nível da imprensa, onde se argumenta que a reputação não é importante e que o sucesso dos negócios reside em produzir os melhores produtos e serviços. Segundo o Reputate Institute (2012), esta visão ignora o conceito de reputação, na medida em que não coloca o foco naquilo que as pessoas esperam das organizações. Reforça a ideia de que a reputação vai para além dos produtos e dos serviços, ou seja, relaciona-se com a comunicação honesta e aberta, com o papel ativo das organizações na sociedade, com a liderança e a governança, com o bom desempenho.
A observação quotidiana leva-nos a reconhecer que existem empresas que, de forma persistente, têm melhor desempenho do que outras. O já mencionado Reputate Institute desenvolve estudos anuais (participam mais de 2000 empresas, de 25 indústrias, em 40 países) sobre a reputação das empresas, disponibilizando essa informação sob a forma de rankings. No âmbito da Gestão Estratégica é importante perceber o que origina e suporta esse desem-
penho capaz de as diferenciar.
O objeto de estudo do presente artigo é a “reputação”, aplicando-o à organização militar a que o autor pertence: Forças Armadas Portuguesas (FA). Das FA fazem parte a Marinha, o Exército e a Força Aérea. À data deste trabalho pertencem a esta organização cerca de 40000 militares, havendo 1,3% do PIB (2010) de despesas com a Defesa Nacional (MDN, 2010, p. 16). O objetivo principal deste ensaio consiste em perceber a relação do constructo reputação com as FA.
Partimos de um ponto em que temos conhecimento da organização que queremos estudar e que sabemos não ter como ambição o lucro. Com base no artigo 6.º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas afirmamos que essa organização deve gerir com eficiência e eficácia os seus recursos, por forma a cumprir a missão que lhe estiver atribuída.
Resultante da incursão bibliográfica realizada no primeiro capítulo, não encontrámos na literatura portuguesa ou estrangeira qualquer publicação que explorasse a “reputação” segundo esta perspetiva militar. Apenas foram identificados artigos científicos que estudaram a reputação no setor público, nomeadamente, na Finlândia; e um trabalho que explora a questão da imagem militar, relacionando-a com a opinião pública e a reputação. Este vazio poderia ser indicativo de não relevância, contudo parece-nos merecer alguma reflexão no sentido em que, nos países democráticos, a perceção da opinião pública sobre as FA é importante (Santos, 2012, p. 112) e, como veremos, a reputação trata de perceções.
No âmbito deste ensaio, aspiramos perceber se é adaptável às FA a metodologia desenvolvida por Fombrun, inicialmente o “Reputation Quotient” (RQ), para medir a reputação corporativa de uma organização a partir das seis dimensões (ou sete, no novo modelo[1]): impacto emocional, produtos e serviços, visão e liderança, ambiente de trabalho, desempenho financeiro e responsabilidade social e ambiental.
Revisão Bibliográfica
Fombrun (2005) propõe que a sobrevivência e a rentabilidade de uma empresa depende da sua capacidade de obter maior atenção e apoio que os seus competidores a partir de quatro fornecedores chave de recursos: funcionários, clientes, investidores e sociedade. Se, por um lado, os funcionários têm de ser convencidos a “ligarem-se” à empresa e a produzir para ela; por outro, os clientes têm de ser induzidos a comprar os produtos e serviços daquela empresa; os investidores têm de ser persuadidos a fornecer crédito e financiamento de capital; e a sociedade tem de “acolher” a empresa no seu meio. Conseguir perceções favoráveis da empresa através destes quatro fornecedores de recursos é decisivo para a empresa construir e manter uma vantagem competitiva no mercado (Rindova e Fombrun, 1999). Assim, as empresas competem não só no mercado dos produtos, do capital e do trabalho, mas também no mercado da reputação (Fombrun, 2005).
Nos últimos anos tem sido explorado por diversos autores o constructo reputação. Tonello, em 2007 (p. 5), para evidenciar o aumento, desde 2000, do número de trabalhos cujo título ou o resumo tinham as palavras “corporate reputation” e “reputation risk”, referencia um estudo conduzido pelo “the conference board business information service” (Figura 1).
Figura 1 – Número de publicações associadas aos termos “corporate reputation” e “reputation risk”. Fonte: (Tonello, 2007, p. 5)
No Oxford Handbook sobre reputação corporativa reconhece-se que embora tenha havido, nos últimos anos, um aumento acentuado de estudos sobre reputação corporativa, isso não significa que esteja a ser compreendida. Acrescentam que não é possível desenvolver o trabalho de outros quando se tem por base um projeto ou uma conceção diferente (Barnett e Pollock, 2012,
p. 3). Anteriormente, Barnett et al (2006, p. 28) avançavam com a ideia de que uma possível razão para esta barreira na criação de uma visão comum poderia estar relacionada com a confusão entre os conceitos identidade, imagem e reputação. Os mesmos autores explicitam que, para Fombrun e van Riel (1997, p. 10), a imagem e a identidade são os componentes básicos da reputação. Na perspetiva integrada destes dois autores, a identidade é visualizada como a perceção que os funcionários e os gerentes (o olhar de dentro) têm sobre a sua empresa; em contraste com a imagem que é associada à perceção que os observadores externos (o olhar para dentro) têm da empresa.
A reputação
No sentido comum, a reputação consiste num conjunto de crenças, associadas a uma caraterística da organização, que estão de certa forma generalizadas e difundidas num certo meio (Barron e Rolfe, 2011, p. 5). A reputação é construída ao longo dos anos e tem como base as ações e os comportamentos da organização (Balmer e Greyser, 2003).
Mas, a reputação também pode ser estudada como um processo competitivo no qual uma empresa sinaliza as suas principais características para maximizar o seu estatuto social (Spence, 1974 apud Fombrun e Shanley, 1990, p. 234). Para Fombrun e Shanley (1990), apesar da maioria dos sinais que passam para os constituintes estarem sob controlo das empresas (resultados financeiros, atividade social, publicidade), outros provêm de observadores externos (analistas externos, credores e investidores).
Em 1990, num estudo produzido por Fombrun e Shanley, constatava-se que os economistas propunham modelos dinâmicos para explicar por que razão as empresas investem na construção de reputação. Ao fazerem isso negligenciavam o contexto social onde a reputação se desenvolve e, por isso, não consideravam o papel central desempenhado pelas empresas, pelos seus constituintes e pelos media na forma como influenciam o contexto informacional onde os julgamentos sobre a reputação têm lugar.
Como fazem notar Fombrun e Rindova (2001), citados por Fombrun (2005), a reputação desenvolve-se a partir de três processos de natureza social que ligam as empresas e os seus intermediários aos seus fornecedores:
1. Shaping process, ligado aos esforços estratégicos da empresa em influenciar os seus fornecedores. Para desenvolver impressões favoráveis, as empresas envolvem-se em atividades como publicitação de imagem, desenvolvimento de logos, ligações a grupos de natureza não lucrativa, comunicados de imprensa, e trabalho voluntário.
2. Refraction process, assente na interpretação efectuada por determinados intermediários, como jornalistas e analistas financeiros e nas opiniões que estes emitem.
3. Assessment process, que agrega o julgamento de empresas e as compara entre si.
A reputação, segundo Dowling (2001), representa um dos principais ativos de uma empresa. O seu processo de construção é lento mas, quando a reputação está consolidada, estabelece-se como vantagem competitiva para a empresa em relação aos seus concorrentes.
Para a empresa construir e manter uma vantagem competitiva no mercado, deverá conseguir obter perceções favoráveis por parte dos stakeholders[2] (Rindova e Fombrun 1999). E a reputação associa-se às perceções que os stakeholders têm das empresas.
Rao (1994) aborda a reputação como resultado de um processo de legitimação, sugerindo, naquele artigo de 1994, que as vitórias em concursos de certificação dão às empresas uma forma de reputação associada à competência. Reputação e legitimidade necessitam de ser vistas não como caraterísticas concorrentes na identidade de uma organização, mas sim complementares no processo de criação da identidade de uma organização. Se a reputação é baseada em sinais e a legitimidade deriva de símbolos, então, tanto os sinais como os símbolos são necessários para criar uma determinada impressão nas diversas audiências (Goffman, 1969; Feldman and March, 1981 apud Rao, 1994).
Bromley (2002) e Sandberg (2002) (apud Helm, 2007, p. 22) entendem a reputação corporativa como sendo uma perceção social comum, ou um consenso sobre o desempenho da organização. Roberts e Dowling (2002, p. 1078) sugerem que a reputação é um atributo genérico, criado ao longo do tempo, que reflete o modo pelo qual os stakeholders veem a empresa.
Schwaiger (2004) defende que a reputação corporativa deve ser tratada como uma atitude em relação a uma empresa e é crítico relativamente à definição dada por Fombrun em 1996[3]. Schwaiger considera que este vê a reputação com um constructo puramente afetivo. Também crítica Gray e Ballmer (1998) por a sua definição excluir completamente elementos afetivos. Neste caso, Schwaiger argumenta que a reputação deve ser interpretada como uma construção de atitudes. Um corolário importante disto é que reputação é concetualizada como tendo componentes cognitivos e afetivos (Schwaiger, 2004, p. 6).
Na literatura encontram-se associações da reputação à imagem, sendo que em alguns casos essa associação parece fundir-se. Davies et al (2003) distinguem afirmando que a reputação é constituída por duas perspetivas: uma interna – visão dos colaboradores – associada à identidade; e uma externa – clientes – associada à imagem.
Como fazem notar Cable e Turban (2001, apud NATO, 2007, p. 4A-10), a construção da reputação organizacional está intimamente relacionada com a construção da imagem organizacional, mas há duas diferenças importantes a considerar: primeiro, a imagem não inclui um componente afetivo avaliativo enquanto a reputação inclui; em segundo, a imagem refere-se a crenças de uma pessoa sobre a organização, enquanto a reputação se refere à avaliação das pessoas sobre como os outros (público em geral) avaliam a organização em relação a outras organizações (Dutton et al, 1994).
Associadas aquelas duas, imagem e reputação, ainda temos a identidade. Segundo Marziliano (1998, apud Thornborrow, 2005, p. 44), a identidade responde à questão “Quem é que nós acreditamos ser?”; a imagem responde à questão “Quem é que os outros pensam que nós somos?” e a reputação responde à questão “O que é que nós sabemos sobre o que é que os outros sabem sobre nós?”.
Barnett et al (2006) propõe um referencial com três abordagens diferentes. Numa primeira, a reputação corporativa é visualizada como sendo um ativo intangível detido por uma organização; numa segunda, a reputação é considerada como um produto da avaliação moral dos stakeholders; numa terceira, remete-se para o campo das perceções, ou seja, associada à forma como público entende a organização.
Reputação – Vantagem competitiva
A “resource-based theory” sugere que é possível desenvolver uma teoria de desempenho superior persistente, usando os recursos da empresa como unidade de análise. Segundo Rindova e Martins (2012, p. 17), esta é a teoria cujo quadro teórico melhor explica a reputação como um recurso intangível capaz de conferir vantagem competitiva. Ou seja, é um recurso raro, de difícil imitação e deve ser explorado pelos processos da empresa. Para Barney e Arikan (2001), os recursos são os ativos tangíveis e intangíveis que uma empresa utiliza para conceber e implementar as suas estratégias. Estes autores veem a reputação como um recurso estratégico.
Como recurso estratégico ficou comprovado por Fombrun e Shanley (1990) que, do ponto de vista dos stakeholders, uma reputação favorável significa que uma organização é mais atrativa relativamente a outras. Nesta perspetiva, a reputação está associada às perceções que os diferentes interessados desenvolvem (desde os participantes na empresa até aos clientes). Então, é necessário que as empresas consigam obter perceções favoráveis por parte dos stakeholders, de forma a que as empresas construam e mantenham uma vantagem competitiva no mercado (Rindova e Fombrun, 1999). Em alguns casos, esta tarefa não é simples de se conseguir, mas é inegável, e é reconhecido, que a reputação é um instrumento de diferenciação das organizações (cf. Dolphin, 2004).
Fombrun (1996) defende que uma reputação favorável, por exemplo, permite que uma organização possa praticar preços mais elevados, pague menos pelas suas compras, atraia novos candidatos, obtenha maior lealdade por parte dos interessados, adquira maior estabilidade financeira. No mesmo artigo, Fombrun introduz o conceito de Capital Reputacional como sendo um ativo com valor gerado, ao longo do tempo e por acumulação.
Esta visualização da reputação como um recurso intangível tem sido estudada por autores como Deephouse, Rao, Roberts e Dowling, Rindova et al, tendo gerado alguns estudos (Rindova e Martins, 2012, p. 17) que demonstram o efeito, no desempenho das firmas, da reputação. A dificuldade tem estado em compreender os atributos que tornam a reputação de uma firma num recurso.
Diferentes visões para estudar a reputação por Fombrun e Van Riel
Como observámos anteriormente, a reputação pode ser analisada sob várias perspetivas que se complementam. Essas perspetivas relacionam-se, primariamente, com a determinação de quem é o público-alvo (i.e., investidores, empregados, comunidades). Fombrun e Van Riel, em 1997, desenvolveram um artigo que congregou as cinco visões existentes no meio académico e científico: visão económica, estratégica, sociológica, marketing e organizacional. No final, propõe uma definição integrada que sugere que as reputações são subjetivas e que possuem as seguintes caraterísticas: são ativos económicos; e são caraterísticas derivadas de um sistema social que cristaliza o estatuto emergente de uma empresa num meio institucional de fornecedor de recursos e intermediários institucionais.
Acrescentam que as reputações resultam das avaliações dos stakeholders a performances anteriores, ou seja, estes avaliam a capacidade de uma empresa em satisfazer os seus critérios de natureza social e económica. Conciliam a multiplicidade de imagens externas de uma empresa passando a sua atratividade geral a empregados, clientes, investidores e sociedade em geral. Encarnam os múltiplos julgamentos da efetividade de uma empresa em fornecer valor aos seus fornecedores chave de recursos. Concretizam os esforços estratégicos que as empresas fazem para comunicar o seu propósito central e identidade aos fornecedores de serviços.
Como resultado desta reflexão, Fombrun e Van Riel propõem a seguinte definição para reputação:
“uma representação colectiva das acções e resultados passados da empresa, que descreve a capacidade da empresa de entregar valor a vários stakeholders. Afere a situação relativa da empresa a nível interno com os colaboradores e a nível externo com os stakeholders, tanto no seu ambiente competitivo como no institucional” (1996, apud Fombrun e Van Riel, 1997, p.10).
Mensuração da reputação
A mensuração da reputação tem sido estudada ao longo dos últimos anos, havendo diferentes métodos de medição, a maioria das quais a dependerem da opinião de um determinado público (Barron e Rolfer, 2011, p. 13). Berens e Van Riel (2004) identificam três ideologias principais:
1. Uma associada às expetativas sociais e onde está presente o Quociente da Reputação (Fombrun et al, 2000);
2. Uma segunda agregada à personalidade corporativa, utilizando-se a Escala da Personalidade da Marca (Aaker, 1997) e a Escala de Carácter Corporativo (Davies et al, 2003);
3. Por último aquela que se associa à confiança e que utiliza a Escala de Credibilidade Corporativa (Newell e Goldsmith, 2001 apud Berens e Van Riel, 2004).
Neste artigo apenas se abordará uma evolução da primeira ideologia, pois é aquela que engloba as “percepções de múltiplos grupos de stakeholders” e estabelece “a multidimensionalidade do construto” (Fombrun et al, 2000, p. 254).
Em 2000, Fombrun e Gardberg (2000) desenvolveram a metodologia – Quociente de Reputação – que permite analisar seis dimensões da reputação: apelo emocional (emotional appeal), visão e liderança (vision and leadership), desempenho financeiro (financial performance), ambiente de trabalho (workplace environment), responsabilidade social (social responsibility) e Produtos e Serviços (Products and Services). Esta metodologia possibilita, a partir de vinte atributos, a avaliação de como determinados stakeholders entendem a organização. O resultado é aquilo a que os autores denominam por Quociente de Reputação que permite compreender os motivos da popularidade de uma empresa, examinando como um grupo representativo de stakeholders perceciona empresas (Fombrun e Gardberg, 2000; Fombrun et al, 2000).
Em 2006, um novo modelo RepTrakTM (Figura 2) foi reconhecido e aceite pela comunidade profissional depois de ter sido utilizado num estudo multinacional (Aleknonis, 2010). O RepTrakTM tem sete dimensões e um total de 23 atributos (Tabela 1).
Figura 2 – Modelo RepTrakTM
Neste modelo, e comparativamente com o de 2000, observam-se algumas diferenças, nomeadamente: o atributo “apelo emocional” sai da esfera dos atributos e acrescem a Inovação e a Governança.
DIMENSÕES | ATRIBUTOS |
Produtos e Serviços | Alta qualidade |
Relação Custo-benefício | |
Garantia a produtos e serviços | |
Atende as necessidades do cliente | |
Inovação | Estímulo a novas ideias |
Pioneirismo no mercado | |
Agilidade para adaptação às mudanças | |
Ambiente de Trabalho | Recompensa os empregados de forma justa |
Preocupa-se com a saúde e o bem-estar dos empregados | |
Promove oportunidades iguais | |
Governança | Abertura e transparência |
Comportamento ético | |
Justiça na condução de negócios | |
Cidadania | Responsabilidade ambiental |
Apoia causas sociais | |
Contribui para o desenvolvimento social | |
Liderança | Bem administrada |
Liderança carismática | |
Excelência do corpo gerencial | |
Visão clara de futuro | |
Desempenho | Retorno do investimento |
Resultados financeiros sólidos | |
Perspetivas de crescimento |
Tabela 1 – Quadro Modelo RepTrakTM
Fonte: Adaptado de Reputation Institute, 2
Reputação na Administração Pública
O século XXI trouxe para as organizações do setor público o mote da eficiência. Embora seja importante medir a eficiência e o sucesso da organização, é um desafio medir os produtos intangíveis proporcionados pelos serviços públicos (Luoma-aho, 2009, p. 2). Segundo Luoma-aho (2007), uma forma de resolver esse desafio é medindo as experiências e as expetativas do utilizador final desses bens e serviços públicos. A reputação, neste caso, está associada a um entidade que é criada pelos stakeholders com base nas ações desenvolvidas pela organização (Bromley, 1993 apud Luoma-aho, 2009, p. 2). A questão é que os stakeholders são de variadíssimos tipos, com experiencias e expetativas muito díspares e a reputação é a soma dessas diferentes perceções. Este facto é bastante percetível se considerarmos que, como fez Luoma-aho (2007, p. 126) num seu estudo sobre a reputação no setor público da Finlândia, os stakeholders desse setor são, de uma forma genérica, qualquer pessoa que tenha qualquer coisa a ver com o mesmo. Em concreto, por exemplo, quem vota, quem paga impostos, quem utiliza os serviços. Nos órgãos públicos, o conceito de reputação está assim associado aos cidadãos. Os gestores públicos estão conscientes desse público e sabem que estão a ser por eles monitorizados. Contudo, aquilo que o público observa não é a pura realidade, mas uma imagem que incorpora incerteza e ambiguidade (Gioia, Schultz e Corley, 2000). Sendo os stakeholders os cidadãos, então as organizações do setor público devem legitimar as suas atividades, a fim de preservar a sua existência (Cinca et al, 2003, Tyler, 2006, apud Luoma-aho, 2007, p. 125). Em contextos democráticos, a administração pública não pode operar num vácuo organizacional. As agências governamentais operam num ambiente político que é composto por diversos públicos, incluindo os que foram eleitos, os clientes, os meios de comunicação, os cidadãos comuns, entre outros (Carpenter e Krause, 2012).
Carpenter e Krause (2012) referem no seu estudo que, na literatura sobre motivação do serviço público, existem evidências empíricas de que é mais provável os membros de uma organização pública estarem motivados para o bem maior da agência (e o serviço público em geral), quando há um forte comprometimento organizacional ou identidade (Romzek, 1990), quando o valor intrínseco da missão da agência é considerado válido (Wright 2007; Wright e Pandey, 2008), quando há claras linhas hierárquicas de autoridade e de procedimentos internos que capacitam o pessoal (Moynihan e Pandey, 2007).
Já foi mencionado que a reputação pode estar associada à criação de vantagem competitiva. Este ponto parece intuitivo quando a associamos, por exemplo, à venda produtos. Mas, nas organizações do setor público, salvo algumas exceções, esse princípio não é claro, na medida em que pode não existir concorrência. Eventualmente, poder-se-á debater se, em certa medida, as organizações desse setor não competem entre elas na atribuição de recursos financeiros do estado. Mesmo a questão relativa aos recursos intangíveis pode ser discutida, na medida em que, para o setor público, segundo Luoma-aho (2007, p. 136) esses recursos servem para permitir melhorar o funcionamento dos serviços públicos e não contribuir para os lucros.
Num trabalho publicado no International Public Management Journal (Wæraasn e Byrkjeflot, 2012, p. 188) são distinguidos os cinco problemas que as organizações públicas enfrentam na procura da construção de reputação: política (associado à dependência), consistência (associado à diversidade no meio público), carisma (nem sempre é possível recorrer ao apelo emocional), singularidade (a procura da identidade) e excelência.
Após uma breve incursão bibliográfica, onde apenas nos detivemos nos aspetos mais relevantes, passamos em seguida a uma análise da reputação desta feita justaposta às FA.
O conceito de reputação nas Forças Armadas
Generalidades
Observámos anteriormente que há um certo consenso em considerar a reputação como um recurso intangível, mas que tem sido difícil perceber que atributos lhe dão essa caraterística. Observámos ainda que as organizações precisam de se diferenciar das suas concorrentes, a fim de se distinguirem no mercado atual. Essa distinção não é apenas resultado de produtos diferentes, mas é também resultado de uma imagem de ética, de credibilidade e de honestidade. Neste particular, relevamos que, no caso das Forças Armadas, e como analisaremos em seguida, a diferenciação poderá estar mais relacionada com a imagem que passa para a sociedade e menos com a concretização dos seus produtos e serviços (principalmente a defesa do país, mas também ações de ajuda humanitária, busca e salvamento, ajuda às populações (em situação de catástrofe) que os cidadãos quase nunca experienciam, pelo menos de forma consciente.
Esta perceção, de que há diferenças substanciais na abordagem deste tema pelo prisma militar, leva-nos por um caminho cujo estudo poderá interessar, não no sentido de favorecer a venda de um determinado produto ou serviço, mas, por exemplo, na questão relacionada com o recrutamento (NATO, 2007), ou, talvez mais importante, na questão relacionada com o entendimento, por parte da sociedade civil, de que as FA são necessárias. Num estudo realizado por Fombrun (2005), ele reconhece que uma reputação favorável melhora a capacidade da empresa em recrutar pessoal de topo para os seus quadros, tornando-a uma empresa apetecível para quem queira ser recrutado. Identifica ainda que uma boa reputação leva a um tratamento mais favorável por parte dos media.
Numa perspetiva internacional, a reputação das Forças Armadas foi (é) útil em negociações, nomeadamente, na candidatura a membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Segundo Maria do Céu Pinto (2012, p. 74), que secundamos, a participação das FA em operações multinacionais, em particular nas Operações de Apoio à Paz, para além de fortalecer a credibilidade e a visibilidade de Portugal, tem igualmente proporcionado argumentos favoráveis à afirmação do país em fora internacionais e contribuído para que diplomatas e militares portugueses sejam escolhidos para cargos de relevo a nível internacional.
Neste contexto militar, faz então sentido explorarmos aquilo que os cidadãos esperam da organização. De facto, vimos anteriormente que ao falarmos de reputação falamos em perceções. E essas perceções são importantes na medida em que vão influenciar a opinião geral das pessoas acerca do todo. Esta ideia é corroborada num estudo realizado pela UkRepTrakTM, em 2012[4], onde se concluiu que 69% das pessoas que dizem bem de uma organização são influenciadas pela perceção que têm dessa organização e apenas 31% são influenciadas pelos produtos e serviços (RI, 2012).
Forças Armadas e a Administração Pública
No caso da Administração Pública (AP), será legítimo afirmar que os resultados não se exprimem em valor para os acionistas, mas antes em serviços prestados à sociedade.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) identifica concretamente a finalidade da AP quando diz que “(...) visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
A CRP torna claro que as FA situam-se na Administração direta do Estado e que o Governo é o seu órgão superior de administração. O círculo legislativo fecha-se com a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA) que no seu artigo 35.º, n.º1 estatui o seguinte: “As Forças Armadas inserem-se na administração directa do Estado através do Ministério da Defesa Nacional”. Esta legislação mostra que as FA são AP, ainda que a CRP reserve um título especial para a Defesa Nacional, onde incluem as FA, o título X, separado do título IX relativo à AP.
A situação das FA, entidade pública, tem o seu enquadramento legal e a sua missão superiormente definidos, sendo claro pela constituição, que “Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República” (CRP, 2005, p. 9).
A organização militar produz, no caso português, Defesa[5], ainda que haja autores que defendem que as FA produzem efeitos (Meilinger, 2007). Tal como uma empresa, tem clientes externos (genericamente todas as atividades que as FA realizam, em qualquer das vertentes da sua missão, contribuem diretamente para os fins últimos do Estado) e clientes internos (no limite, todos os membros da organização). Também se preocupa com a eficiência, mas não ambiciona o lucro, apenas a redução dos custos, salvaguardando o cumprimento, em segurança, das suas missões.
Numa investigação realizada para uma tese de mestrado (Oliveira, 2011, p. 69), na Academia da Força Aérea, considerou-se que os Clientes das FA são os Cidadãos de Portugal, o Governo Português e os Países e Organizações Aliadas. Concluiu-se, no mesmo estudo, que, para suprimir as necessidades dos seus clientes, as FA devem gerar Confiança e Segurança nos cidadãos; Sucesso Operacional e Organizacional para o Governo; e ser um Aliado Reputado e Cooperante dos Países e Organizações Aliadas.
Estudos efetuados
A situação atual do país tem levado a que, nos últimos meses, se tenham perspetivado restruturações nas FA, ao mesmo tempo que se estuda um novo conceito estratégico de Defesa Nacional, onde se procuram umas FA “com melhor estrutura e capacidade de resposta” (MDN, 2012).
Para um estado democrático é importante o que pensam os seus cidadãos sobre as FA, na medida em que poderão questionar, por exemplo, se estas são necessárias ou o que fazem pela comunidade (Santos, 2012, p. 12). Com esse intuito, ou outro, nos últimos anos têm sido desenvolvidos estudos no sentido de perceber o que o público em geral pensa sobre as FA.
Desde 2004 que, em Portugal, e depois de ter terminado o serviço militar obrigatório, arrancou a implementação do Dia da Defesa Nacional. Este dia “visa sensibilizar os jovens para a temática da defesa nacional e divulgar o papel das Forças Armadas, a quem incumbe a defesa militar da República”[6]. Para monitorizar a aceitação, por parte dos jovens, do Dia da Defesa Nacional e perceber a relação que os jovens estabelecem com as FA, a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, em parceria com o Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, criou nesse ano um grupo de estudo sobre os “Jovens e as Forças Armadas”.
Na última apresentação de resultados[7], que secundamos, contatou-se que “as Forças Armadas gozam de uma boa imagem junto da população, uma vez que todos os indicadores que foram utilizados apresentam valores amplamente positivos” (Cardoso et al, 2012, p. 7), destacando-se o item mais valorizado “As Forças Armadas são necessárias para a segurança do país”. Ainda neste inquérito procurou-se aferir que motivos justificam o ingresso dos jovens na instituição militar. Embora haja diferenças entre os Ramos, o item mais valorizado é “atividades e missões das Forças Armadas”, seguido de “desafios e aventura” (Cardoso et al, 2012, p. 17). Mas este estudo conclui, por comparação com os últimos três anos, “que a profissão militar está a perder atractividade junto de uma população cada vez mais escolarizada” (Cardoso et al, 2012, p. 19).
No estudo efetuado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho, dirigido e apresentado por Helena Carreiras (2009), desenvolveu-se um inquérito à população portuguesa sobre a Defesa e as FA. O inquérito (1535 entrevistas) teve como público-alvo os indivíduos com quinze ou mais anos, residentes em Portugal Continental. De relevo para a presente investigação, retira-se:
– 83,2% dos inquiridos acham que as FA são necessárias;
– 82,6% dos inquiridos reconhecem que as FA são importantes para a defesa nacional;
– “Em termos gerais, os inquiridos consideram as forças armadas muito necessárias, atribuem elevada importância ao seu papel para a defesa nacional, referindo-a como a instituição em que mais confiam. Consideram que as forças armadas cumprem eficazmente as suas missões e que contribuem para o prestígio internacional do país” (Carreiras, 2009, p. 49).
Podemos concluir desse estudo que a população portuguesa vê as FA de modo positivo, inclusivamente 88,8% da população é da opinião que estas contribuem muito para o prestígio internacional do país.
Em 2008-2009, a nível interno, no âmbito de um curso de promoção a oficial superior (Vaz, 2009), foi desenvolvido um trabalho sobre a imagem da Força Aérea Portuguesa onde se recorreu à análise de 180 inquéritos dirigidos aos jovens que se deslocaram ao Centro de Recrutamento para prestarem provas de seleção num determinado período. Dos inquiridos, 59,2% eram do sexo masculino e 40,8% do sexo feminino, verificando-se que os fatores (sugeridos 46) que mais pesaram na decisão de concorrer à Força Aérea, e por ordem decrescente de importância, foram: profissionalismo, espírito de corpo, disciplina, proficiência, apoio aos outros, prestígio da instituição.
Relativamente à relação das FA com os media, existem alguns trabalhos, salientando-se apenas um por ser aquele que faz a ligação à reputação. Naquele trabalho defende-se a necessidade de existência de uma “estratégia de comunicação focalizada no aumento da reputação” (Coelho, 2012, p.7). O autor conclui da sua investigação que ter um sistema capaz de identificar e preparar respostas adequadas em situações de crise “a par de uma Comunicação Externa e Comunicação Interna bem implementadas são a chave para uma reputação elevada” (Coelho, 2012, p.48).
Aplicabilidade do modelo RepTrakTM
Em Portugal, o modelo RepTrakTM tem sido utilizado, pelo Reputation Institute, para estabelecer os rankings das empresas a operar no nosso país[8]. Em resultado da pesquisa bibliográfica pudemos constatar que também não existem estudos, nacionais ou internacionais, sobre a reputação das FA. Inclusivamente, não há estudos nacionais que reconheçam a importância da reputação militar como recurso intangível. A título de exemplo, referimos Santos (2012, p. 17) que identifica como principais fatores intangíveis das FA o conhecimento e o sentimento nacional/sentido de destino, não fazendo referencia à reputação.
Aquando da apresentação do modelo RepTrakTM (Tabela 1), ficou percetível que este poderia ser adaptado ao caso militar, ainda que seja uma instituição distinta das organizações que visam o lucro. A aplicação efetiva do modelo não é exequível num trabalho deste tipo, pois implicaria ações que requerem tempo de observação, nomeadamente lançamento de questionários para o público interno e externo. Em seguida, apresentamos uma proposta de adaptação, analisando cada uma das dimensões e sugerindo as respetivas variações.
i) Produtos e Serviços (Products/Services)
A instituição militar não tem como objetivo a venda de um produto à população (salvo raras exceções em que existe pagamento, por parte de outros ministérios, em troca de um determinado serviço). Neste caso o que se pode procurar avaliar é se os serviços prestados atendem as expetativas dos stakeholders.
ATRIBUTOS ADAPTADOS |
Perceção da qualidade do serviço prestado (ex. participação em missões no estrangeiro ao serviço da ONU, OTAN; busca e salvamento; transporte de feridos; transporte de VIP) |
Relação Custo-benefício |
Atende as necessidades do cidadão |
ii) Inovação (Innovation)
Esta caraterística tem aplicabilidade nas FA e são inúmeros os exemplos de inovação. Não deixará de ser interessante perceber se a perceção do público externo é condicente com esta realidade.
ATRIBUTOS |
Estímulo para novas ideias |
Pioneirismo no mercado |
Agilidade para adaptação às mudanças |
iii) Ambiente de trabalho (Workplace)
Esta dimensão trata da perceção que os stakeholders têm, por exemplo, relativamente ao local de trabalho, ou seja, se tem boas condições para desempenhar as suas funções, se os colaboradores são os adequados, se são recompensados pelo seu trabalho. Num estudo que fosse elaborado sobre este assunto teria que se considerar os teatros externos em que as FA operam, uma vez que, na maior parte das situações (i.e., International Security Assistance Force, no Afeganistão, ou European Naval Force, na Somália), não são semelhantes aos ambientes internos (i.e., bases navais, quartéis, bases aéreas).
ATRIBUTOS |
Recompensa os empregados de forma justa |
Preocupa-se com a saúde e o bem-estar dos empregados |
Promove oportunidades iguais |
A hierarquia é sentida e respeitada |
O formalismo é sentido |
Existe profissionalismo |
iv) Cidadania (Citizenship)
Esta é uma dimensão que, ao tratar-se de uma organização pública, poderá parecer evidente, mas é importante perceber o que os stakeholders pensam a respeito da responsabilidade ambiental, do desenvolvimento social e do apoio às causas humanitárias. No estudo de Carreiras (2009), por exemplo, a questão do acesso das mulheres ao meio militar tem sido escrutinada, sendo os resultados indicativos da forte concordância (7,59 em 10) dos portugueses relativamente a esta matéria.
ATRIBUTOS |
Responsabilidade ambiental |
Apoia causas sociais |
Contribui para o desenvolvimento social |
Desigualdade de género |
Desigualdade de raça |
Corrupção |
v) Governança (Governance)
A governança está relacionada com a forma como a organização é dirigida e controlada, ou seja, está associada não só à legislação (i.e. leis, regulamentos), mas também aos costumes e, consequentemente, ao comportamento daqueles que dela fazem parte.
ATRIBUTOS |
Abertura e transparência |
Comportamento ético (i.e., utilização dos recursos) |
Justiça |
vi) Liderança (Leadership)
A liderança é tipicamente associada ao meio militar. A falta dela poderia perigar operações militares, mas é necessário avaliar como os líderes são percebidos e qual a sua importância.
ATRIBUTOS |
Bem administrada |
Tipo de Liderança |
Excelência |
Visão clara de futuro |
vii) Desempenho (Performance)
A associação do desempenho às caraterísticas financeiras (retorno para os investidores, resultados financeiros e perspetivas de crescimento) poderia afastar esta dimensão de uma organização pública que, como vimos, não visa o lucro. Mas seria redutor na medida em que se pode analisar, e é isso que se sugere, o desempenho operacional.
ATRIBUTOS |
Aplicação do dinheiro público |
Missões executadas (cumprimento da missão) |
Participação em missões no estrangeiro |
viii) Apelo emocional
Esta dimensão fazia parte do modelo inicial de 2000, tendo sido excluído do modelo de 2006, mas Ponzi et al (2011) reutilizam esta dimensão porque através dela é possível medir que tipo de reputação existe na organização (favorável ou desfavorável).
ATRIBUTOS |
Simpatia e estima |
Admiração e respeito |
Boa reputação geral |
No hipotético prosseguimento deste estudo, dever-se-ia utilizar, para medir a reputação, o modelo apresentado tendo como público-alvo o interno e o externo. A escala a utilizar, à semelhança de outros trabalhos, deverá ser de 7 pontos, com a seguinte designação: 1 – Discordo totalmente; 2 – Discordo; 3 – Discordo mais do que concordo, 4 – Não concordo, nem discordo; 5 – Concordo mais do que discordo; 6 – Concordo; e, 7 – Concordo totalmente. Como referência, considerar que, para índices maiores ou igual a 5, a reputação será favorável (positiva), enquanto índices menores ou igual a 3 remetem a uma reputação desfavorável (negativa).
Uma visão da reputação nas Forças Armadas
Chegámos ao ponto do ensaio em que é necessário fazer um balanço sobre o que é de facto a reputação para o meio militar. De que forma é que as Forças Armadas entendem a reputação? Da revisão bibliográfica efetivada, conclui-se que a reputação se enquadra no âmbito daqueles recursos que são fonte de valor, ou de vantagem competitiva para as organizações (Barney, 1991). Segundo a teoria baseada em recursos, a reputação tem as caraterísticas definidoras de um recurso fonte de vantagem ou desvantagem, ou seja, é um recurso valioso, raro, de difícil imitação e deve ser explorado pelos processos da empresa. A reputação tem vantagem competitiva se for capaz de criar mais valor económico do que o seu concorrente, relativamente a um determinado produto/mercado (Peteraf e Barney, 2003). Segundo Fombrun e Shanley (1990), uma firma constrói a sua reputação não só pelas palavras, mas também por aquilo que faz.
Verificou-se que, nos últimos anos, tem sido dada relevância à questão da imagem, e essa imagem, como vimos, está associada à reputação. Parece existir uma certa consciência que esse recurso é fonte de vantagem. Como fazem notar Fombrun e van Riel (1997), as vantagens competitivas sustentáveis são resultado da existência de uma diferença de capacidades relevantes que estão associadas a recursos intangíveis tais como a reputação. Nesse sentido, e se observarmos os dados recolhidos no estudo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho (2009), relativamente a “Como é que avaliaria o prestígio das seguintes profissões?”, onde a profissão militar se situa a meio da tabela (6ª. entre 12), poderemos admitir uma possível vantagem, por exemplo, no recrutamento. Concluímos que a reputação tem valor para as FA, ainda que não seja determinante como instrumento de diferenciação das organizações, uma vez que se trata de uma organização sem fins lucrativos onde aquilo que interessa é o cumprimento eficiente da missão. Idealmente, será mais satisfatório se essa missão for aceite pelos cidadãos. Para Adler (1999, p. 9), nas organizações sem fins lucrativos, uma das formas de gerar confiança é a partir de uma reputação favorável, o que, pelos resultados apresentados no mesmo estudo, assim parece acontecer:
“em termos gerais, os inquiridos consideram as forças armadas muito necessárias, atribuem elevada importância ao seu papel para a defesa nacional, referindo-a como a instituição em que mais confiam. Consideram que as forças armadas cumprem eficazmente as suas missões e que contribuem para o prestígio internacional do país”.
Conclusões
Neste ensaio comprometemo-nos a estudar a reputação nas FA por se considerar, neste particular, haver uma lacuna de conhecimento que esperamos ter ajudado a mitigar. A reputação tem sido estudada ao longo dos últimos anos por diversos autores, havendo várias abordagens ao tema dependendo, por exemplo, da identificação de quem é o público e o que é que ele espera. Vimos, ainda que, resumidamente, Fombrun e van Riel identificaram na literatura cinco abordagens possíveis: a dos economistas, a dos estrategas, a dos sociólogos, a dos profissionais de marketing e a dos teóricos das organizações. A definição com que nos identificamos é aquela que associa a reputação à avaliação que os stakeholders fazem das organizações em termos de afeto, estima e conhecimento, ou seja, associada às perceções. Sendo que os stakeholders das FA são, genericamente, todos os cidadãos portugueses. Entendemos, também, que é um recurso intangível que faz parte dessa entidade e que a pode diferenciar das outras.
As FA são uma organização sem fins lucrativos, mas têm objetivos concretos de fazer bem aquilo para que foram incumbidas. Reconhecem a “necessidade de alcançar um maior reconhecimento e apreciação pública das Forças Armadas” que se pode traduzir em reputação. Nesse âmbito, têm sido desenvolvidos estudos internos e externos, baseados em questionários que aferem diversos pontos relacionados com as FA, nomeadamente: a predisposição dos jovens para o ingresso, a opinião sobre a sua existência e importância.
No entanto, nenhum destes estudos compreende as sete dimensões (ou as oito, se considerarmos o apelo emocional proposto por Ponzi et al) utilizadas pelo RepTrakTM – desempenho, produtos e serviços, inovação, ambiente de trabalho, governança, cidadania e liderança – que permitiria, por exemplo, perceber a efetividade e o relacionamento das FA com os cidadãos, à semelhança do que já é feito com empresas e com países. No setor empresarial esses estudos vão mais longe nos seus resultados, na medida em que permitem perceber o ponto de vista do público relativamente aos seus produtos e serviços. Para as FA, os resultados que forem obtidos com a aplicação daquela ferramenta poderão contribuir para um conhecimento aprofundado acerca da perceção dos cidadãos relativamente à sua atuação e existência. A reputação como recurso estratégico, sendo favorável, traduz-se numa organização mais atrativa aos olhos dos stakeholders. No imediato, poder-se-á dizer que essa reputação permitirá às FA recrutarem para os seus quadros os melhores recursos.
Para além da já sugerida aplicação da metodologia RepTrakTM, surgem outros possíveis caminhos de investigação, numa área ainda deficitária de conhecimento, que consideramos poder ainda ser explorados:
De que forma está associada a reputação à “opinião pública” em instituições sem fins lucrativos?
Qual a influência da reputação das FA no processo de recrutamento?
Em situações de paz, onde não há uma ameaça militar direta ao país, é fundamental que os cidadãos compreendam a necessidade de manter umas FA e, consequentemente, que percecionem o retorno do investimento que fazem nas FA através dos seus impostos. Desta forma, e considerando a definição proposta por Fombrun e Van Riel, a reputação é “uma representação colectiva das acções e resultados passados da empresa, que descreve a capacidade da empresa de entregar valor a vários stakeholders”, sendo importante perceber o seu mecanismo para dele retirar as maiores vantagens.
As oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas.
Sun Tzu “A arte da guerra”
* Este ensaio é parte de um trabalho realizado no âmbito da unidade curricular de “Tópicos de Gestão Estratégica” do Doutoramento em Gestão do Instituto Superior de Economia e Gestão.
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[1] Products/Services, Innovation, Workplace, Citizenship, Governance, Leadership, and Performance.
[2] Partes interessadas.
[3] Fombrun define reputação como a estimativa global de uma empresa pelos seus stakeholders, que se expressa pelas reações afetivas líquidas de clientes, investidores, funcionários e público em geral (Schwaiger, 2004, p. 49).
[4] De um total de 35908 avaliações, relativas a 300 companhias.
[5] “A defesa nacional tem por objectivos garantir a soberania do Estado, a independência
nacional e a integridade territorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a protecção dos valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça externas.” (Lei Orgânica, 2009, p. 4541).
[6] Sítio http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-da-defesa-nacional/quero-saber-mais/sobre-o-ministerio/dia-da-defesa-nacional/dia-da-defesa-nacional.aspx, acedido em 20 de dezembro de 2012.
[7] Em junho de 2012 foram apresentados os resultados relativos ao período entre setembro de 2010 e maio de 2011. Estes resultados basearam-se em 96557 inquéritos dirigidos aos indivíduos que participaram no Dia da Defesa Nacional, naquele período. De relevar que todos os inquiridos tinham 18 anos ou completavam-nos nesse ano.
[8] Em 2012 foi apresentado o ranking das trinta organizações com melhor reputação em Portugal (Global Trak Pulse Portugal, 2012).
Licenciada Engenharia Aeronáutica. Mestre em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Atualmente é a Subdiretora-geral de Política de Defesa Nacional.