A Crise
Numa regência académica em que tenho que falar sobre a União Europeia, começo a minha apresentação com um gigantesco ponto de interrogação.
Realmente é nessa posição de perplexidade que a Europa e os europeus se encontram. Numa crise e com grandes dúvidas e inquietações sobre o seu futuro coletivo. O que é desejável que seja? O que pode ser? Como será?
Creio que, sem grande elaboração, todos tomamos como certo que Crise e Segurança e Defesa não são coisas que se conjuguem harmoniosamente e de modo espontâneo. A Crise arrasta instabilidade e incerteza e a Segurança e a Defesa visam criar e garantir o oposto a isso.
O que nos faz perceber que estes dois valores têm o potencial de se agravarem mutuamente. Quanto maior for a Crise, maiores as dificuldades para a Segurança e Defesa, e quanto maiores forem as fragilidades no plano da Segurança e Defesa, mais facilmente a Crise persiste e se agudiza.
Podemos então extrair como uma conclusão positiva que, se cuidarmos satisfatoriamente da Segurança e Defesa, teremos condições mais favoráveis para enfrentar, gerir e superar a Crise.
Daí que, no contexto atual, por exemplo português, seja um enorme erro não cuidar que se evite que, às crises política, económica, financeira e social, se some uma crise da segurança.
Eu não sou, evidentemente, um especialista do tema “crise europeia” mas, como sou um convicto europeísta e um incorrigível homem de esperança, tenho procurado refletir sobre o tema, em particular sobre o que acho que são os seus traços essenciais.
Sendo muito resumido, direi que esta crise, que está muito longe de ser um processo exclusivamente europeu, põe à vista muitas limitações e defi-
ciências da Europa, de que decorrem consequências de vária ordem, incluindo para a Segurança e Defesa.
É a partir dessas limitações e insuficiências, e agindo sobre elas, que se deve intervir.
Penso que, presentemente, a Europa sofre acima de tudo de dois grandes males. Da falta de vontade política própria e da pobreza confrangedora das suas atuais lideranças. E é desnecessário acentuar como uma coisa determina a outra.
Destes dois fatores está a resultar algo de grave, que tenho como inexplicável e muito difícil de aceitar. Refiro-me ao facto da Europa não ter um projeto para si. Não necessariamente, nem principalmente, um projeto sobre como se estruturar e organizar. Mas, sobretudo um projeto quanto ao seu papel e ambição no Mundo.
Como bem sabemos é muito difícil ter objetivos claros e políticas consequentes num quadro de indisponibilidade, de ausência, de um projeto global e abrangente. A área da Segurança e Defesa não escapa a essa consideração e à quase paralisia que dela fatalmente decorre. Bem pelo contrário, a sua relação nuclear com a soberania faz com que a Segurança e Defesa seja porventura das áreas onde isso é mais manifesto.
A questão é: deve a Europa ter esse projeto? E pode tê-lo?
A minha convicção é que sim. Claro! A Europa precisa desse projeto, deve tê-lo e pode tê-lo. Acho, aliás, que um adequado e justo projeto europeu pode representar um considerável benefício para o Mundo.
Tomo quatro fatores como argumentos essenciais para este entendimento. Em primeiro lugar, a responsabilidade que a Europa deve sentir e assumir. Depois, a multidimensionalidade da União Europeia. Em terceiro lugar, uma justa ambição. Finalmente, a globalização.
A Europa é portadora de uma enorme e, eu diria, gratificante, responsabilidade histórica, cultural e civilizacional perante o Mundo. A universalidade do nosso modelo de Estado e o facto de vários dos nossos idiomas serem línguas nacionais, nas mais diversas partes do globo, são manifestações disso mesmo.
Mas há uma outra dimensão mais contemporânea. Apesar de tudo, a Europa continua a ser um espaço de invejável riqueza e desenvolvimento económico e social. E isso define-nos obrigações para com outros, em particular, aqueles que enfrentam maiores e mais graves carências.
Em boa verdade, estas diferentes dimensões, a da História e a contemporânea, adicionam-se para efeitos da definição dessa responsabilidade europeia.
Deve, porém, ser feita uma prevenção. Nas outras partes do Mundo havia, até há pouco, exatamente, essa compreensão e, com ela, uma expetativa positiva em relação à Europa. Hoje, com o nosso auto apagamento e com o nosso aparente caminho para a irrelevância, esse sentimento alterou-se. Sem alguma dúvida na Ásia, na América Latina, no Médio Oriente e na região do Golfo. Ainda é um pouco como era em África, mas também aí se está a esbater. Penso, porém, que tudo isso é suscetível de ser revertido.
Segundo fator, a multidimensionalidade disponível na União Europeia, onde coexistem capacidades de ação nos campos político, diplomático, militar, financeiro, económico, cultural e social num registo integrado que não tem paralelo em nenhuma outra Organização Internacional. Mesmo com a ressalva da capacidade militar não ser excecionalmente exuberante.
Ora, é da boa conjugação dessas capacidades que pode resultar esperança para muitos dos desafios e problemas que o Mundo enfrenta, o que, a acontecer, será bom para os povos e regiões afetadas e será também bom para a Europa.
Terceiro fator, a justa ambição. A Europa tem interesses à escala do planeta, é o maior ator comercial do Mundo, é o maior contribuinte em termos de apoio ao desenvolvimento sustentado. Não é inteiramente razoável que tenha a ambição de, pelo menos, proteger e, se possível, potenciar, esses valores?
A minha resposta é que sim, e que isso é necessário. E talvez não seja errado tomar as maiores economias europeias como as partes que mais têm a beneficiar com um tal projeto.
Quanto ao “como” há múltiplas opções. Mas a inação e a lenta desagregação não integram a lista dessas opções.
Finalmente a globalização. Não vou aqui pretender teorizar sobre o seu curso geral, matéria que, aliás, é apaixonante.
Se não estamos já nesse ponto, caminhamos a passos largos para o que tem vindo a ser designado como um Mundo “pós americano”. Não no sentido de que os Estados Unidos da América (EUA) deixam de ser a grande superpotência, mas no sentido de que deixamos um contexto fortemente unipolar para vivermos uma crescente multipolaridade geopolítica, em que aos EUA se segue a China, por enquanto como uma superpotência menor e, depois, de modos diversos, mas sensivelmente no mesmo patamar, o Brasil, a Índia, a Rússia e, potencialmente, a Europa.
Não basta, porém, enunciar esta aparente hierarquia geopolítica. É indispensável reter que ela é, e será, vivida num Mundo globalizado, muito fortemente interdependente, em que espaço e tempo contam pouco e onde a mudança permanente é, e será, a grande constante.
E talvez valha a pena ter presente que, face aos grandes desafios de interioridade que ainda enfrentam, polos de Poder como o Brasil e a Índia serão certamente ativos na busca de mercados, mas tenderão provavelmente a ser muito moderados quanto a outras intervenções e contributos fora de fronteiras, em particular no que toca à Segurança e Defesa. E mesmo a Rússia, aspirando certamente a ter um papel internacional bem visível e assim reconhecido, em particular em matéria de segurança internacional, será porventura muito seletiva na escolha dos “dossiers” e dos tempos para intervir.
Pode a Europa dispensar-se deste ambiente e deste cenário? A meu ver, não. E se pretendesse fazê-lo isso ser-lhe-ia impossível. O que não invalida que quanto mais tarde a Europa decida fazer o correspondente caminho, mais difícil e mais longa seja a jornada.
Tudo isto tem óbvias implicações para a União Europeia como um todo e para os seus Estados membros individualmente considerados.
E, porque íntima da afirmação soberana dos entes políticos, a dimensão da Segurança e Defesa será parte e parte matricial nesse projeto.
Parece-me excessivo, e até desajustado, pretender conferir à Europa um estatuto de ator global. Mas, vejo claramente a Europa como um ator apto a intervir em qualquer parte do globo, em função dos seus interesses e necessidades. Reconhecendo que tem que haver um limite para o número e escala das suas intervenções simultâneas. Um número para que se deve organizar em termos de Política Externa e de Segurança. O que é inteiramente normal e correto. Nem os EUA podem, ou presumem poder, ser capazes de tudo fazer, em todo o lado, ao mesmo tempo.
Naturalmente que, seja qual for a fórmula concreta deste projeto europeu, ele pressupõe um reforço da proximidade e da partilha política e estratégica dos Estados membros. Porventura, uma maior integração política, o que não implica, por definição, o fim da Europa das nações.
Deve ser matéria de preocupação e desapontamento ver esta questão da maior integração europeia ser tratada e debatida apenas em torno dos mecanismos institucionais, nomeadamente das competências e processos eletivos do Parlamento, do Conselho e da Comissão. Lamentavelmente, é no essencial, assim, que as coisas hoje se passam. O que é mais um indicador da falta de visão e de liderança de que estamos reféns.
Naturalmente que os mecanismos institucionais carecem de ser ponderados, discutidos e melhorados. Mas, sem perder de vista que tudo isso é meramente instrumental. Quem assim não faz coloca-se numa posição de simples “mecânico da integração”. E mostra não perceber que o método funcionalista, que os Pais Fundadores impulsionaram nos primórdios da construção europeia, não é aplicável nem nas atuais condições históricas, nem perante os desafios fortemente políticos que se nos colocam e de que a Política Externa e a Política de Segurança e Defesa são absolutamente paradigmáticas. Interessa pouco conhecer a gramática se não se conhece nem fala a língua.
Para essa integração, e na fase em que já se encontra a construção europeia, o fator decisivo será, inquestionavelmente, o da vontade e do critério políticos. Assim eles existam. Será neles que se inscreverão os objetivos, recursos e linhas de ação da Segurança e Defesa europeias.
Mas há outra dimensão essencial que deve ser abordada. Muito importante no contexto geral e determinante para a Segurança e Defesa da Europa e dos europeus.
Refiro-me à recentragem dos EUA na região da Ásia-Pacífico e às suas consequências para a relação transatlântica.
Estou muito convicto que esta recentragem não inclui, nem necessariamente arrasta, perda de interesse dos EUA no seu relacionamento com a Europa.
Mas estou identicamente convicto que inclui uma mudança muito significativa no modo de entender e materializar essa relação. Porventura valorizando-a.
Nas novas condições, e fazendo a avaliação do potencial europeu, os EUA esperam que a Europa assuma as suas responsabilidades de Segurança e Defesa.
Certamente no que respeita ao nosso próprio continente, mas também no que concerne à nossa vizinhança próxima. Desde já, o Norte de África e, a esse propósito, os recentes processos da Líbia, da Somália e do Mali são eloquentes. Talvez a prazo, mas certamente não tão cedo, também o Médio Oriente, se houver sucesso na acomodação entre israelitas e palestinianos e na regulação do desafio nuclear iraniano.
Nesta questão é facilitador para a Europa que a sua relação com a Maghreb e com o Sahel corresponda a uma natural complementaridade de interesses e de afirmações mútuas. E ajuda também que, na definição de prioridades e de esforços europeus, a fronteira de segurança da Europa passe em larga medida por África, designadamente pela sua parte norte, precisamente pelo Maghreb e pelo Sahel, onde, por via de preocupantes vazios de poder, medram riscos de terrorismo extremista e florescem tráficos ilícitos de pessoas, drogas e armas, com grande impacto real e potencial sobre as sociedades europeias e as suas condições de Segurança.
Se a Europa responder positivamente a este desafio colocado pelos norte americanos, aliás, de modo natural e legítimo, assegurará a relação transatlântica, ao mesmo tempo que se afirmará mais e melhor. Se falhar, ou se pura e simplesmente não o encarar, colocará em risco essa relação e, por essa via, agravará os desafios de Segurança e Defesa que terá que enfrentar.
A Segurança e Defesa
Nesta encruzilhada colocam-se à Europa dois caminhos extremos.
O primeiro, e de todo não desejo sugeri-lo como o mais provável, é o da sua desintegração. Melhor dizendo, o da não assunção de um projeto para a Europa no Mundo e, consequentemente, o seu apagamento perante outros atores e desafios.
Neste cenário, receio bem que se viesse a verificar que a própria ideia de Europa, tal como hoje existe, também implodiria.
Perante essa ausência de visão e de ambição de um destino comum europeu, uma consequência muitíssimo provável seria a “renacionalização” da Segurança e Defesa. O que geraria maior instabilidade intraeuropeia. Eventualmente, o renascimento de margens de conflitualidade entre Estados europeus que julgávamos resolvidas.
Um cenário destes faria ampliar as preocupações de Segurança e Defesa e com isso os correspondentes custos financeiros, num registo de regresso a um passado de tristes recordações para os povos da Europa. Também por estas razões seria um cenário que entendo deplorável.
O outro caminho é o da maior e mais efetiva integração. Repito, sem nenhuma pré definição de modelo, como tem sido aliás uma riqueza do processo europeu.
Numa palavra, o cenário de aprofundamento político da construção europeia. E com ele o desenvolvimento efetivo de uma Política Externa e de uma Política de Segurança e Defesa muito mais europeias, isto é, muito mais comuns. Dando expressão mais plena ao que começou a ser desenhado em Maastricht e nunca foi contrariado, antes pelo contrário foi sempre sendo reafirmado e aprofundado em Amsterdão, Nice e Lisboa.
Devo recordar que, com o Tratado de Lisboa, e entre outras evoluções e medidas nesta área, a Europa instituiu o Serviço Europeu para a Ação Externa.
O seu modelo é inegavelmente interessante. Colocado na dependência do Alto Representante para a Política Externa e de Segurança, tornado simultaneamente Vice-presidente da Comissão Europeia, o que foi julgado ser uma forma muito direta de fazer aumentar o interesse e o compromisso da Comissão nessas áreas, que escapam ao domínio puramente comunitário. Leia-se, uma forma de assegurar a boa disponibilidade da Comissão para encarar os custos da ação externa da União.
Como órgãos principais, esse Serviço integra uma rede de Delegações da União em todo o Mundo, um Estado-Maior Militar, um órgão civil-militar de Gestão de Crises e um Centro de Situação.
De alguma forma, isto prefigura um “Comprehensive Approach Staff”, associando as valências política, diplomática, militar, económica e social, cuja conjugação coerente, concertada e convergente se mostra ser hoje indispensável para pretender enfrentar com sucesso os desafios da Segurança.
Refletindo capacidades que, de modo muito singular e quase único, como já pude referir, a União Europeia detém para agir utilmente no quadro da moderna Segurança Cooperativa e de base Humana, isto é, uma Segurança que toma como preocupações primeiras a proteção das vidas, bens e direitos das pessoas.
Mas, se a conceção é muito interessante e sugeriu ser promissora, a prática tem sido dececionante.
Em larga medida, espelhando a crise da União e, também – e creio não estar a ser injusto –, espelhando igualmente a falta de sentido de liderança e de iniciativa da atual Alta Representante.
Com Javier Solana a União Europeia teve um Alto Representante e a ilusão de uma Política Externa e de Segurança Comum, ainda que sem dispor de um Serviço especialmente orientado para isso. Com Catherine Ashton, a União dispõe formalmente desse Serviço, tem a ilusão de ter um Alto Representante, mas recuou em termos de prática efetiva de uma Política Externa e de Segurança Comum.
Em boa verdade, o Serviço Europeu para a Ação Externa não corresponde hoje a uma estrutura que funcione como um todo organizado e coerente. Infelizmente, não vai muito além de um “conglomerado” de aptidões diversas, sem unidade de propósito e funcionando de modo vago e impreciso.
A crise em que a União Europeia mergulhou, após 2008, exatamente no período pós Tratado de Lisboa, será parte da justificação para a sua postura menos dinâmica, mas não explica, por exemplo, que não se tenham, desde então, criado e desenvolvido os mecanismos para o funcionamento articulado, coerente e orientado do Serviço, como seria necessário.
Para se afirmar uma Política Comum de Segurança e Defesa da União Europeia tem certamente que encontrar-se uma âncora e fundamento em objetivos assumidos pela União de modo comum e determinado. No que as vontades e os empenhamentos inequívocos da Alemanha, da França e do Reino Unido assumem o estatuto de pré-requisito indispensável.
E para essa afirmação, a União tem igualmente que viver uma relação construtiva com a OTAN. Uma relação de verdadeira parceria, cujo conteúdo e expressão terão que ser definidos tendo em linha de conta os propósitos europeus e o que venha ser a visão que a OTAN vá construindo para o seu próprio futuro.
Tem, depois, que fazer funcionar o Serviço Europeu para a Ação Externa como um todo multidimensional, mas absolutamente como um todo, contrariando a tendência simplista, mas castradora, de o resumir a uma vaga rede de representações “para-diplomáticas”. Não há diplomacia sem Política e, para agir no Mundo de hoje, só por exceção se pode aspirar ao sucesso se não estiverem identicamente presentes os aspetos militares, económicos, sociais e culturais.
Mas, naturalmente que uma Política Comum de Segurança e Defesa da União Europeia tem também que encarar a questão dos recursos. É sempre necessário ponderar a equação dos recursos e maximizar esforços de racionalização. Em tempo de crise tudo isso é especialmente exigente.
Uma ressalva para frisar que coisa bem diferente é a tentativa de, a coberto e a pretexto da crise, e na base do puro preconceito e da ignorância, desmantelar os instrumentos da Segurança e Defesa. A isso só se pode chamar leviandade, quando o que se mostra necessário é Política.
Sendo verdade que a Europa precisaria de despender mais, o principal problema não é que a Europa gaste pouco em Segurança e Defesa. A primeira questão é que a Europa tira um rendimento muito pobre daquilo que despende. Não é possível uma comparação inteiramente rigorosa, mas, de modo grosseiro, estima-se que, para o mesmo nível de investimento, o out-put europeu seja cerca de 60% do americano.
A duplicação de capacidades entre os Estados membros é a primeira causa dessa situação desfavorável.
O que nos conduz ao debate sobre especialização. Um debate muito delicado.
Se o propósito for o de especializar os diferentes Estados membros em termos de capacidades operacionais ou de ação, o caminho é muito estreito e não se afigura que a Europa esteja por agora num patamar político que o permita fazer com realismo. O sentimento que prevalece, e que se me afigura razoável, é que, quem se especializa se subalterniza, na medida em que perde capacidades de reação e se torna mais dependente de outros.
Dito isto, não se deve excluir alguma especialização no que se refere a capacidades de ponta, particularmente complexas no plano tecnológico, muito dispendiosas e de reduzida expressão material, como por exemplo navios porta-aviões, artilharia antiaérea de alta e muita alta altitude, bombardeiros estratégicos ou submarinos.
Entra necessariamente neste debate o tema do eventual desenvolvimento pela Europa de capacidades, em que hoje está assumidamente dependente dos EUA, como sejam, entre outras, o transporte estratégico ou a informação estratégica.
Mas há espaço para especialização em matéria de produção de armamentos. Não se encontra nenhum sentido em haver múltiplos países da União a produzir ao mesmo tempo, e em regime de feroz competição entre si, navios, aviões, carros de combate, etc., todos basicamente do mesmo tipo e com capacidades muito análogas.
Sendo uma questão que mais facilmente se inscreve, ou pelo menos mais se aproxima, dos domínios económico e comercial da União, já mais integrados, talvez a sua melhor regulação seja mais facilmente encarável, com a noção clara que nesta duplicação reside muito do desperdício europeu em matéria de recursos afetos à Segurança e Defesa.
A que acresce que ela é também origem de algumas limitações e deficiências em matéria de interoperabilidade. Tanto no plano do emprego dos meios como no plano do apoio logístico de que carecem. O que evidentemente também acarreta custos evitáveis
Para além disso, nestes tempos de acrescidas dificuldades financeiras, a Europa e os seus Estados membros devem evidentemente procurar identificar e promover fórmulas de maior integração e partilha entre as suas Forças Armadas. Aquilo a que presentemente se tem chamado de “pooling and sharing” e que na OTAN encontra paralelo no que se designa como “smart defense”.
O conceito é bom. A sua aplicação encontra porém naturais dificuldades. A mais imediata é que ele é mais fácil entre vizinhos, mas isso no pressuposto de haver entre eles um razoável equilíbrio de Poder. É o que se passa entre os Estados nórdicos, também entre os Estados bálticos e, igualmente, na relação entre a Bélgica e os Países Baixos. Outra fórmula foi a encontrada pelos Países Baixos que, para além da associação bilateral com a Bélgica, promoveram este tipo de relações, simultaneamente com a Alemanha e o Reino Unido, construindo, assim, com os seus vizinhos a Leste a Oeste, um tipo particular de equilíbrio de Poder.
Mas, nas áreas onde a relação de Poder entre vizinhos é muito desequilibrada esta aproximação encontra manifestos e compreensíveis limites. É o caso de Portugal no contexto da Península Ibérica.
O que não elimina duas possibilidades. A primeira é a de uma integração e partilha em base extensamente multinacional. A segunda é que, mesmo a dois, e ainda que haja desequilíbrios de Poder e até sentimentos de reserva, é muito provavelmente possível integrar determinados aspetos setoriais e restritos, por isso menos sensíveis, em particular no domínio da formação de caráter técnico e da manutenção de equipamentos.
Outra conclusão é que, onde a integração e partilha se mostra mais problemática no plano europeu, resulta para os países uma preocupação acrescida em matéria de integração e partilha de âmbito interno, ou seja, entre as estruturas nacionais de Segurança e Defesa. O que, oferecendo vantagens sobretudo internas, não é também indiferente no balanço europeu.
Em termos de Segurança e Defesa europeias há pois um extenso caminho a percorrer. Beneficiará, ou melhor, carecerá, de um projeto e de uma justa ambição para a União Europeia. É um caminho para a criatividade e para a ambição. Mas, para lá das hesitações e das delongas, essas têm sido marcas fortes da construção europeia.
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Intervenção no âmbito do Doutoramento da Academia Militar e do ISCTE em “História, Defesa e Relações Internacionais”, em 30 de abril de 2013.
Nasceu em Lisboa, em 7 de fevereiro de 1946, ingressou na Academia Militar em 14 de outubro de 1963 e passou à situação de Reforma em 7 de fevereiro de 2011, perfazendo mais de 47 anos de serviço efetivo nas Forças Armadas.
Foi promovido ao posto de General em 6 de Agosto de 2003, quando assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército, que exerceu até 5 de Dezembro de 2006, data em que assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, responsabilidade que deteve até à passagem à Reforma.
Presentemente, é Professor Catedrático Convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo investigador em ambas as instituições.