Introdução
No contexto da delicada situação económico-financeira que o País atravessa, a qual impôs a necessidade de severos cortes nos serviços do Estado e fez emergir a urgência de racionalizar a despesa pública, não causou grande estranheza o despacho de 5 de Agosto de 2011, do Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional (SEADN), encarregando a Direção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar (DGPRM) da elaboração de um estudo sobre a sustentabilidade dos estabelecimentos militares de ensino não superior (EME) – mais concretamente, do Colégio Militar (CM), do Instituto de Odivelas (IO) e do Instituto dos Pupilos do Exército (IPE).
Da primeira fase deste estudo – que envolveu uma série de visitas aos EME e a análise de vários dados relativos ao parque escolar, aos recursos humanos que lhe estão atribuídos e à respetiva situação financeira, assim como a aplicação de questionários a docentes e a encarregados de educação – resultou um relatório que a equipa técnica chefiada pelo Professor Eduardo Marçal Grilo apresentou em Maio de 2012.
Com base neste relatório, sobre cujas conclusões nos debruçaremos mais adiante, o Ministro da Defesa Nacional aprovou os pressupostos subjacentes à proposta de plano de reestruturação para os estabelecimentos militares de ensino não superior e as medidas deles resultantes (Despacho nº 11863/2012, de 29 de Agosto), das quais se destacam:
Estas medidas que, na prática, conduzem à extinção efetiva do Instituto de Odivelas e à limitação do IPE à sua componente de ensino profissional, deveriam ser postas em prática até ao início do ano letivo 2015/2016, ficando a sua implementação efetiva a cargo de uma Comissão Técnica de Acompanhamento (CTA), composta por representantes do MDN e do Exército[1]. Ficou também definido que, a partir do final de 2012, a Direção de Educação do Exército (DE) implementaria os cargos de Coordenador Pedagógico, a quem caberia a responsabilidade de definir, desenvolver e coordenar o projeto pedagógico harmonizado dos EME, e de Coordenador Administrativo-financeiro, para desenvolver de forma centralizada a gestão administrativa daqueles estabelecimentos.
Por fim, em Março de 2013, o Ministro da Defesa Nacional, determinou, em despacho[2], a constituição das turmas para os três EME, com o IO já sem admissões no 5º ano – considerando o seu próximo encerramento –, e o início do processo de transferência para o CM do ensino regular, mantendo, no entanto, o IPE as admissões no ensino básico e secundário em regime de transição para o ensino profissionalizante.
Antes, porém, de prosseguirmos, manda o Princípio da Honestidade Intelectual que, à semelhança do que fizeram outros autores que abordaram esta temática, seja tornada pública uma declaração de interesses: o signatário deste texto é um antigo aluno do IPE, embora – por opção pessoal que nada tem a ver com a qualidade do ensino ali ministrado –, não tenha nenhum dos seus descendentes – ou outros familiares – a frequentar aquele estabelecimento, ou qualquer um dos EME seus congéneres.
Poderão, assim, surgir algumas referências mais explícitas à realidade do IPE, que é aquela que o autor melhor conhece, mas sempre como exemplo ilustrativo e sem jamais deixar de se apreciar a missão e o desempenho dos EME no seu conjunto.
Conclusões do relatório técnico[3]
Não nos competindo comentar decisões de nível político, as quais pressupomos seguirem, por norma, a melhor opção face à informação disponível, debrucemo-nos um pouco sobre o relatório que forneceu as bases ao processo de reestruturação em curso.
Este relatório, não deixando de reafirmar a mais-valia que os EME constituem para a Sociedade, nomeadamente na partilha e disseminação dos valores inerentes à Instituição Militar, considera que a manutenção do ensino militar não superior apenas faz sentido se este puder manter um elevado nível de qualidade. Por outro lado, considera que “o momento que o país vive” torna premente a reorganização e a gestão integrada dos três estabelecimentos, tendo em vista a otimização de recursos. No limite, poder-se-ia mesmo considerar a hipótese de fusão das três instituições numa só, sendo o Colégio Militar aquela que reuniria as melhores condições para absorver as valências – e os alunos – das outras duas. Esta escolha deve-se ao facto de o CM ter sido considerado o estabelecimento com maior capacidade em termos de instalações e melhores recursos de formação, distinguindo-se dos restantes “pela sua génese, pela sua história e pelo seu prestígio”.
Naturalmente, o relatório não deixa de mencionar as previsíveis problemáticas relacionadas quer com a coexistência de internatos feminino e masculino quer com a transferência do ensino técnico-profissional do IPE para o CM, embora remeta essa preocupação para a subsequente fase de implementação.
Pelo caminho tece considerações de ordem variada que permitem, supostamente, identificar as fragilidades do modelo até agora seguido, das quais se destacam:
Não contestando a validade das conclusões nem dos considerandos a elas associados, importa, porém, contextualizar devidamente alguns deles e, sobretudo, desmistificar algumas ideias preconcebidas que, nos últimos anos, se têm vindo a enraizar na Sociedade e que parecem ter, até um certo ponto, influenciado o parecer vertido no relatório que acabamos de abordar. É, justamente, o que faremos nos próximos parágrafos.
Equívocos, mitos e imprecisões
O relatório atrás abordado começa por enfermar de um vício inicial que é o de, logo na introdução, condicionar a análise subsequente pelo “momento que o país vive”. Quando se decide o futuro de três instituições centenárias, com um longo historial de valiosos serviços prestados a Portugal há que pensar sempre a longo prazo e nunca em termos do momento presente, a menos que esteja em causa, no imediato, a própria sobrevivência do País, o que, como adiante veremos, não é o caso. Por outro lado, qualquer mudança radical que inclua a completa reformulação (se não mesmo destruição) de um modelo profundamente enraizado e, de resto, longamente testado, há que ter a certeza de que os estudos em que se baseia são suficientemente sólidos e consistentes, sem esquecer a necessidade de se garantir uma correta, aberta e efetiva comunicação em termos de contexto e de conteúdo, assim como um imprescindível período de discussão que não deixe quaisquer dúvidas sobre a legitimidade e a transparência do processo.
Mas abordemos, uma a uma, algumas das principais conclusões que, na nossa opinião, se baseiam em ideias feitas que importa enquadrar no seu devido contexto, se não mesmo desmistificar:
- O número de alunos dos EME tem decrescido de modo preocupante nos últimos 10 anos
Se nos debruçarmos sobre as estatísticas apresentadas no Relatório Técnico atrás referido, que analisam a variação do número de alunos dos EME nos últimos 6 anos (2006/2012), temos alguma dificuldade em compreender como se chegou a uma conclusão tão perentória. Analisemos os dados:
Ano Letivo | CM | IO | IPE | TOTAL |
2006/07 | 386 | 273 | 134 | 793 |
2007/08 | 407 | 265 | 147 | 819 |
2008/09 | 403 | 259 | 151 | 813 |
2009/10 | 379 | 297 | 143 | 819 |
2010/11 | 369 | 327 | 137 | 833 |
2011/12 | 356 | 257 | 140 | 753 |
Quadro 1 – Variação anual do número de alunos dos EME (Relatório Técnico)
Na verdade, a tendência global entre os anos letivos 2006/07 e 2010/11 é até de um ligeiro crescimento, apenas contrariado no último ano letivo considerado. E mesmo assim, o decréscimo em relação ao total do primeiro ano letivo considerado é apenas de 5%. Como podemos, então, ser tão conclusivos? Só se nas médias da última década foi contabilizado o facto de o IPE não ter praticamente registado admissões no Ensino Básico e Secundário em 2001 e 2002, o que se deveu exclusivamente a um despacho do Chefe do Estado-Maior do Exército – eventualmente conduzindo à sua progressiva extinção –, situação que apenas foi ultrapassada no ano seguinte, por decisão do Ministro da Defesa Nacional. Naturalmente, esta quebra artificial (que em 2013 se repete, desta vez no IO) – e toda a incerteza a ele associada – influenciou negativamente as médias, o que poderá, eventualmente, levar a conclusões precipitadas se não for tido em conta o contexto em que surgem os números apresentados.
Gráfico 1 – Variação anual do número de alunos dos EME
E já que falamos do IPE, convém referir que o relatório já não refere alguns importantes desenvolvimentos posteriores, como o facto de esta escola ter registado, em 2012, o maior número de admissões no Ensino Básico e Secundário (90) dos últimos 36 anos e a terceira maior desde a sua criação. Curiosamente – ou talvez nem tanto –, um fenómeno semelhante sucedeu, nesse ano, no IO, com um pico de 82 admissões, o maior número desde 1974 e também um dos maiores de sempre.
No mínimo, seria de esperar um pouco mais de estudo antes de se proporem medidas que poderão ser irreversíveis. Por outro lado, não deixa de causar alguma estranheza o facto de, tendo sido, bem ou mal, identificado um problema relacionado com o alegado decréscimo do número de alunos, não se ter procurado identificar as deficiências a corrigir ou soluções tendentes a controlar – se não mesmo solucionar – essa evolução negativa antes de se tomarem opções mais drásticas.
- Os três EME concorrem entre si
Sem fazer uma abordagem histórica exaustiva, comecemos por rever, muito sucintamente, os objetivos de cada uma destas escolas aquando da sua criação:
Quando foi criado, em 1803, no quartel da Feitoria, em Oeiras, pela mão do comandante daquela unidade, coronel Teixeira Rebelo, o então designado Colégio de Educação do Regimento de Artilharia da Corte, futuro Colégio Militar, destinava-se a prover às necessidades educativas dos filhos dos militares que ali prestavam serviço.
Já no ano de 1900, o Instituto Infante D. Afonso, embrião do instituto de Odivelas, destinava-se a acolher e educar as órfãs de oficiais mortos no Ultramar.
Não obstante a existência destas duas instituições, em 1911, o então Ministro da Guerra, general António Xavier Correia Barreto, concebeu a criação do Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar, na altura orientado pela missão genérica de “formar cidadãos úteis à Pátria”, como uma necessidade decorrente dos ideais educativos da Primeira República.
Nos anos que se seguiram à sua fundação, tanto o CM como o IO vieram a alargar as respetivas populações-alvo, mantendo ambos, no entanto, o modelo educativo de internato (mais tarde alargado à modalidade de externato) militar, respetivamente, masculino e feminino, sempre pautado por elevados padrões de qualidade e de exigência. Sobre a pertinência da manutenção deste modelo falaremos mais adiante.
Já o IPE, inicialmente orientado para os descendentes das categorias de sargentos e praças e, de um modo geral, para os educandos socialmente mais desfavorecidos, acabou por ser o estabelecimento que mais mudanças sofreu ao longo da sua existência. Sendo, no fundo, a Flexibilidade uma das suas imagens de marca, teve na formação profissional a sua principal vocação, primeiro nos cursos médios de Comércio e de Indústria, mais tarde nos bacharelatos de Contabilidade, Eletrotecnia, Eletrónica e Mecanotecnia e, por fim, no ensino secundário de caráter técnico-profissional. Por outro lado, se, de certa forma, concorreu durante muito tempo com o CM em termos de internato masculino, abriu, entre 1977 e 2004, os seus cursos superiores a alunos “não-
-oriundos” (i.e. externos) de ambos os sexos, em regime de semi-internato (sem pernoita). Na altura em que estes cursos foram extintos e se passou para o ensino secundário profissionalizante, o Instituto abriu as suas portas a alunos de ambos os sexos, quer na modalidade de internato quer na de externato.
Pelo atrás exposto se torna claro que, ao invés de concorrerem entre si, os três EME apresentam projetos educativos distintos abertos a públicos-alvo de diferentes características.
– O modelo da segregação de géneros está ultrapassado
Em pleno Séc. XXI, falar de ensino segregado por géneros soa a anacronismo, mas talvez não seja despropositado rever de uma forma frontal e descomplexada aquilo que já se tornou um verdadeiro preconceito.
Na verdade, são os próprios alunos que o praticam, a lembrar-nos as vantagens deste modelo, nomeadamente[4]:
Será, talvez, politicamente incorreto, nos dias de hoje, apresentar argumentos baseados nas diferenças de género, mas se até as campanhas publicitárias recorrem a diferentes abordagens consoante se dirijam a um público feminino ou masculino[5], não será, decerto, descabido o ensino fazer uma distinção semelhante. Afinal, também a atividade educativa procura fazer passar uma mensagem para um determinado “público” no sentido de obter dele uma determinada resposta.
Por fim, a frieza e a clareza dos números: segundo o relatório de 2008 da European Association Single Sex Education (EASSE), 81 das 100 melhores escolas do Reino Unido utilizavam o modelo de educação segregada. E na Nova Zelândia, tal como na África do Sul, na Coreia do Sul e no Japão o número de escolas diferenciadas no setor público é, inclusivé, significativamente maior do que no setor privado[6]. Outros povos e outras mentalidades? Ou a postura descomplexada – e prática – que diferencia os países desenvolvidos dos restantes?
A separação de géneros não será contraproducente – muito pelo contrário! – se os jovens puderem usufruir de outras ocasiões para conviver entre si. O mais importante aqui será marcar claramente a diferença entre os períodos de convívio e os de estudo, de modo a tornar o trabalho mais produtivo.
Seguindo este raciocínio, concluímos que os modelos educativos segregados do CM e do IO estão longe de perder a sua validade. Não admira, assim, que, contrariamente ao que poderíamos supor, tenham vindo dos antigos alunos do CM, o estabelecimento que seria o grande “beneficiado” pela fusão, as mais acesas críticas àquilo que será, no fundo, a descaracterização da sua Escola. E, como é do conhecimento geral, a perda de identidade é, muitas vezes, o primeiro passo para a extinção.
Já o IPE, para além do seu projeto educativo caracteristicamente profissionalizante, constituiria uma alternativa para quem, sem querer abdicar de um ensino de qualidade, preferisse optar pelo modelo misto, no quadro de diversidade de oferta que atrás abordámos.
Este raciocínio acaba, de certa forma, por nos levar a abordar a questão do internato, que, à partida, parece não ser problemático nesta discussão. No entanto, nunca é demais afirmar que esta opção – porque é de escolha voluntária que falamos – deve permanecer aberta sem jamais ser posta em causa, pois, além de constituir uma fonte de coesão entre os alunos e de criar um ambiente mais propício à transmissão dos valores militares e à educação para a cidadania, é um garante de que a oferta educativa dos EME se mantém aberta aos jovens de todo o País e não apenas aos da região da Grande Lisboa.
Tendo em conta as várias especificidades que acabamos de abordar, será de refletir se uma única infraestrutura terá capacidade para acomodar todas as necessidades educativas e logísticas de um projeto verdadeiramente abrangente no âmbito do ensino militar não superior.
– Os EME geram poucos voluntários para ingresso nas Forças Armadas
Aqui está outro equívoco bastante frequente. De facto, se analisarmos a história dos três EME, rapidamente verificamos que a geração de voluntários para as fileiras nunca foi a sua missão (excetuando um par de referências pontuais ao “despertar da vocação militar” na legislação produzida logo após a Segunda Guerra Mundial[7]). De um modo geral, o objetivo que norteou a sua criação foi, sim, o de assegurar uma educação digna, norteada por princípios éticos e com qualidade, aos descendentes dos militares, tendo em conta, sobretudo, os constrangimentos decorrentes das imposições do serviço.
No entanto, uma rápida análise estatística facilmente nos levará a concluir que a percentagem de antigos alunos alistados nas Forças Armadas e de Segurança sempre foi significativamente mais elevada do que nas restantes escolas, excluindo, naturalmente, o IO, cujas alunas só muito recentemente – e, de resto, de modo bastante expressivo – têm vindo a ingressar numa profissão tradicionalmente masculina. Apresentamos o exemplo do IPE, em relação ao qual dispomos de dados mais completos, que nos mostra que aquele estabelecimento deu às forças militares e de segurança cerca de 12% do total de alunos admitidos nos últimos 100 anos[8]. Se tivermos em conta que falamos de uma escola que desde sempre ofereceu aos seus alunos saí-
das profissionais para o mercado de trabalho, teremos de admitir que se trata de uma percentagem consideravelmente elevada.
– O ensino militar não superior perdeu importância no âmbito da Ação Social das Forças Armadas
Quando se aponta a reduzida proporção de alunos provenientes de famílias de militares ou militarizados – que, apesar de tudo, não deixa de ser significativa (cerca de um terço) – há que ter em devida conta que a redução de efetivos, que nas últimas duas décadas se verificou nas Forças Armadas, não podia deixar de se fazer sentir no universo de potenciais candidatos aos EME. Mas, independentemente da necessidade de se alargar, cada vez mais, o universo de “recrutamento”, será que o apoio à Família Militar ainda é um argumento de peso a favor destas instituições?
O fim do “ciclo do Império” é, desde há muito, apontado como argumento para afirmar que a Ação Social das Forças Armadas ao nível do ensino deixou de fazer sentido. De facto, hoje em dia, os militares já não são enviados a prestar serviço – durante dois ou mais anos – em longínquas províncias ultramarinas.
Contudo, as missões internacionais em que Portugal se tem envolvido nos últimos anos, continuam e continuarão, seguramente, a determinar, com uma certa frequência, o seu envio para teatros operacionais no exterior. E se estes destacamentos não ultrapassam, em regra, os seis meses, não é invulgar um militar cumprir duas ou mais comissões desta natureza, registando-se, agora, casos em que os dois membros do casal são militares (ou militarizados) e, como tal, ambos suscetíveis de participar neste tipo de missões.
Por outro lado, a Condição Militar continua a implicar uma contínua disponibilidade para o serviço e a permanente mobilidade dentro do território nacional, do Minho ao Algarve e do continente às Ilhas (sem falar no preenchimento de cargos internacionais), sendo, muitas vezes os EME a melhor – se não mesmo a única – alternativa para proporcionar aos descendentes alguma estabilidade em termos educativos.
Os números justificam-no? Depende do ponto de vista e, sobretudo, do grau de importância e de reconhecimento que se quer dar a quem ainda se sujeita à Condição Militar (ou militarizada) para servir o País.
– Os EME custam muito dinheiro ao Estado
O mais forte argumento até agora apontado para justificar a “reforma” dos EME tem sido o do seu elevado custo face ao sistema público de ensino. No entanto, se tomarmos como ponto de partida as despesas globais das três esco-
las indicadas no Relatório Preliminar e lhes descontarmos o valor total das propinas pagas pelas famílias dos alunos, verificamos que os custos não cobertos constituem apenas 0,64% do orçamento global do Ministério da Defesa Nacional para 2013[9] (2% da parcela do Exército) e 0,27% da verba que o Ministério da Educação destina às escolas do ensino básico e secundário. Quanto às despesas com o pessoal que, segundo o referido relatório, constituem o encargo mais pesado, não ultrapassam os 0,7% dos gastos com o pessoal do Exército, valor que desce para 0,22% se tomarmos como referência o total das Forças Armadas e 0,12% se nesta relação incluirmos as Forças de Segurança.
E já que se fala no “elevado peso da estrutura militar”, sobretudo no CM e no IPE, convém não esquecer que é justamente nestas duas escolas que a componente da formação militar é mais forte e constitui uma das maiores “imagens de marca”. E, curiosamente, não se referiu no relatório que no IPE, aquela que das duas teria a estrutura militar mais “pesada”, funcionam, em acumulação, os Cursos de Formação de Sargentos do Serviço de Material de Eletrónica e de Mecânica do Exército, os quais justificam, por si só, a manutenção da infraestrutura, do pessoal militar e dos serviços de apoio, cuja rentabilização só tem a ganhar com a permanência dos alunos do ensino básico e secundário.
Mas não deixa de ser errado encararmos o investimento nos EME como gastos de Defesa/Segurança, onde a lógica da “rentabilização” se tem resumido a cortes na despesa. Basta ver que a projetada fusão dos três estabelecimentos é facilmente enquadrável no sonante e já mítico racional da concentração “de três em um” atualmente em curso na edificação do Hospital das Forças Armadas. Não faria mais sentido abordar o assunto no âmbito do panorama educativo português?
O que, no fundo, está aqui em causa é a manutenção de três estabelecimentos dentro do parque escolar nacional, três escolas de excelência onde se formam elites e se constituem referências para a Educação em Portugal.
Hoje, mais do que nunca, o nosso País necessita de referências e de elites dirigentes. Estes benefícios não justificam largamente os custos a eles associados?
Conclusão
Não é objetivo deste artigo apresentar soluções de gestão destinadas a melhorar a sustentabilidade económica dos EME, para as quais não faltarão, decerto, opiniões mais abalizadas e que justificarão a redação de um artigo mais extenso e exclusivamente dedicado. No entanto, não deixa de ser pertinente debruçarmo-nos sobre algumas ideias que, se forem devidamente exploradas, deitarão por terra, de uma vez por todas, o mito da insustentabilidade daqueles estabelecimentos de ensino.
Naturalmente, não questionamos a necessidade de melhorar a eficiência da organização e, sobretudo, de rentabilizar o número de alunos nas três escolas, procurando, antes de mais, quebrar, de algum modo, o ciclo vicioso entre os elevados valores das propinas e o “baixo” número de admissões. Mas isso só será possível se for feita uma clara opção de continuar a apostar na excelência do ensino militar não superior, na sua caraterística diversidade e numa perspetiva de utilidade pública. Acabar de vez com a incerteza que nos últimos anos tem, ciclicamente, pairado sobre o futuro destas instituições será o primeiro passo para fazer inverter as tendências negativas mais recentes. Depois disso, decerto não faltarão soluções.
Abstemo-nos também de comentar o seu atual modelo de tutela, partindo do princípio que a ligação ao Exército tem um peso histórico muito significativo e raízes bastante profundas, embora nos pareça pertinente incentivar uma participação mais ativa por parte dos outros Ramos. Será, porém, menos descabido avaliar a eventual atribuição ao Ministério da Educação de maiores responsabilidades e maior poder de decisão nesta problemática, para que a missão educativa dos EME não seja cronicamente relegada para os “excessos dos gastos da Defesa”.
Mas, a tutela por parte do Exército tem outras vantagens, nomeadamente a de facilitar a gestão integrada dos recursos humanos, financeiros e materiais, otimizando a logística, o apoio e até a contratação e o recrutamento. Não temos dúvidas de que a solução passa por trabalhar em rede, garantindo a circulação e a partilha de meios e recursos (partilha de professores, organização conjunta de eventos e de exercícios de campo) e de uma estrutura de gestão comum que centralize políticas e procedimentos, de modo a beneficiar da economia de escala resultante.
Dirão alguns que toda esta argumentação não passa de resistência à mudança e de obstrução ao progresso por parte de um pequeno grupo de pressão. Algo de semelhante poderá ser dito, nos meios internacionais, sobre um pequeno e periférico país que teima em ser independente há quase novecentos anos.
Fontes e bibliografia
Fontes Impressas
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2013), Diário da República 1ª série, nº 252 de 31 de Dezembro de 2012
EQUIPA TÉCNICA, Proposta de um Plano de Reestruturação para os Estabelecimentos Militares de Ensino Não Superior (Relatório Final), 30 de Maio de 2012 [distribuição limitada]
EXÉRCITO, COMANDO DA INSTRUÇÃO E DOUTRINA, DIREÇÃO DE EDUCAÇÃO, Relatório Anual de Atividades de Educação do Exército, Lisboa, 3 de Setembro de 2012 [distribuição limitada]
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, Despacho de 5 de Agosto de 2011 do SEADN
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, Despacho nº 11863/MDN/2012, de 29 de Agosto, Diário da República 2ª série nº 173 de 6 de Setembro de 2012
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, Despacho (interno) nº 264/MDN/2012, de 5 de Novembro
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, Despacho nº 4785/MDN/2013, de 25 de Março, Diário da República 2ª série nº 68 de 8 de Abril de 2013
Referências computorizadas (informação geral)
COLÉGIO MILITAR, http://www.colegiomilitar.pt
INSTITUTO DE ODIVELAS, http://www.institutodivelas.com
INSTITUTO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO, http://www.pupilos.eu
Bibliografia
ASSOCIAÇÃO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO, Boletim da Associação dos Pupilos do Exército, nº 227, Outubro-Dezembro de 2012
BORGES, Liliana Pascoal, “Quando os Rapazes e as Raparigas não se Encontram nos Corredores da Escola”, Público, 2 de Janeiro de 2013 (http://org-www.publico.pt/sociedade/noticia/o-futuro-do-ensino-esta-em-aulas-separadas-para-raparigas-
e-rapazes-1579013)
Agradecimentos
Ao Sr. Almirante Gonçalves de Brito, ao Sr. Doutor Américo Ferreira, aos Srs. Comandantes Valentim Rodrigues e Pestana Malhado, e à Sra. Tenente Queirós Cardoso pelas oportunas críticas e sugestões;
À Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, à Direção do Instituto de Odivelas, na pessoa do Sr. Coronel José Serra, à Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas e à Associação dos Pupilos do Exército pelos dados fornecidos
[1] Despacho (interno) nº 264/MDN/2012, de 5 de Novembro.
[2] MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, Despacho nº 4785/MDN/2013, de 25 de Março, Diário da República 2ª série nº 68 de 8 de Abril de 2013.
[3] EQUIPA TÉCNICA, Proposta de um Plano de Reestruturação para os Estabelecimentos Militares de Ensino Não Superior (Relatório Final), 30 de Maio de 2012 (distribuição limitada).
[4] Liliana Pascoal Borges, “Quando os Rapazes e as Raparigas não se Encontram nos Corredores da Escola”, Público, 2 de Janeiro de 2013 (http://org-www.publico.pt/sociedade/noticia/o-futuro-do-ensino-esta-em-aulas-separadas-para-raparigas-e-rapazes-1579013).
[5] Idem, ibidem.
[6] Idem, ibidem.
[7] A. Ribeiro da Silva, “Reflexões Sobre a Agora tão Propalada Missão do IPE no Despertar da Vocação Militar”, Boletim da Associação dos Pupilos do Exército, nº 227, OUT-DEZ2012. No caso particular do IPE, estas referências surgiram apenas em 1948 e em 1959.
[8] Idem, ibidem. Esta percentagem ascende a 17% se tivermos em conta apenas o universo dos alunos que frequentou o Instituto durante pelo menos 4 anos, prazo considerado razoável para despertar vocações.
[9] ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2013), Diário da República 1ª série, nº 252 de 31 de Dezembro de 2012.