Família
– Nasceu em Monsanto, Idanha-a-Nova (Castelo Branco), em 16-11-1889;
– Filho de António José Catana e de Maria Cândida;
– Casou em 16-7-1921, com Maria do Rosário Pinheiro, na freguesia de Arroios (Lisboa);
– Descendência, uma filha, Maria do Rosário Pinheiro Henriques (17-4-1922);
– Faleceu na Freguesia da Lapa, Lisboa, em 8-3-1979.
Foto 1: António Joaquim Henriques (1889-1979), Capitão
Carreira Militar
– Alistado como voluntário no RI nº 16, sendo incorporado em 17-1-1907;
– Alferes para o RI nº 28 (decreto de 30-12-1916), contando a antiguidade desde 2-12-1916, ficando supranumerário em todos os postos;
– Tenente (decreto de 31-5-1919) – Ordem do Exército nº 14, 2ª série, de 28-6-1919;
– Capitão (decreto de 3-9-1927);
– Segundo-comandante interino do Bata1hão de Ciclistas nº 21, em Estremoz (1937-1938);
– Colocado na situação de reserva, em 22-2-1938, nos termos da alínea b) do artigo 31º do decreto-lei n.º 28.402, de 31-12-1937, alterado pelo decreto-lei nº 28.484, de 1-2-1937, devendo ser considerado nessa situação desde 31 de Dezembro findo, para efeito de vencimento (43 anos de serviço;
– Passou à situação de reforma, em 29-6-1940, por ter sido julgado incapaz do serviço de reserva, pela Junta de Saúde da Caixa Geral de Depósitos.
Cursos militares e cargos
– Curso da Escola Central de Sargentos (em 1916);
– Premiado no tiro com espingarda em uso no Exército e Atirador Especial (em 1909);
– Curso de Escola de Metralhadoras Ligeiras em Marthez, França (em Março-Abril 1917);
– Curso da Escola de Granadeiros no Infantary School XI Corps em Inghen, França (1918);
– Comandante do 2º Grupo do VII Contingente do 2º BI, de (17-1-1919 a 25-2-1919);
– Ajudante-de-Campo do General Luiz Augusto Ferreira de Castro;
– Secretário do Conselho de Administração da Fraternidade Militar (26-6-1920);
– Presidente do Conselho de Administração da Fraternidade Militar (de 19-1-1924 a 8-9-1931).
Participação na I Guerra Mundial
– Fazendo parte do Corpo Expedicionário Português (CEP), embarcou para França, em 22-2-1917, desde quando conta 100% de aumento no tempo de serviço;
– Frequentou o Curso da Escola de Granadeiros no XI Corps School, em Inghen, concluindo-o em 13-11-1918;
– Promovido a Tenente, regressou a Portugal em 5-7-1919.
Condecorações
– Medalha Comemorativa com a legenda “França 1917-1918” (em 30-4-1919);
– Medalha de Ouro de Comportamento Exemplar (em 15-10-1937);
– Medalha de Prata de Comportamento Exemplar (a 21-10-1919);
– Medalha da Vitória (em 11-11-1919);
– Cruz de Guerra de 4ª Classe (em 14-9-1920);
Louvores:
– Louvado pela elevada compreensão dos seus deveres como comandante de pelotão na defesa da Sapa Duche-Bille, em 15-12-1917, repelindo o ataque das forças inimigas em elevado número, lançado em seguida a um violento bombardeamento de morteiros, dando ainda ao seu inteligente e resoluto procedimento o acertado complemento da constituição imediata de uma patrulha de sargentos para a exploração do terreno de combate (Ordem de Serviço da Brigada de Infantaria nº 230, de 16-12-1917;
– Louvado, tendo como consequência a condecoração da Cruz de Guerra de 4ª Classe, porque comandando uma patrulha na noite de 15-12-1917, no CEP, e tendo notado que um posto que se achava próximo estava sendo atacado por uma patrulha inimiga, para lá se dirigiu imediatamente com grande coragem e decisão, debaixo de forte bombardeamento, socorrendo as praças que tinham sido feridas (Ordem do Exército nº 15, 2ª série, de 14-9-1920);
– Louvado pelo Presidente do Conselho de Administração da Fraternidade Militar, General Luiz Augusto Ferreira de Castro, pelo zelo e dedicação que consagrara às funções de secretário deste Conselho de Administração (Ata do Conselho nº 1063, de 7-3-1935);
– Louvado pela muita dedicação, zelo e lealdade patenteada no desempenho das funções de segundo-comandante interino do Batalhão de Ciclistas nº 1 (em Estremoz, Ordem Regimental nº 94, de 4-4-19381).
As «Memórias» manuscritas do Capitão António Joaquim Henriques, não são mais, segundo a autor das mesmas, que apontamentos sobre a 1ª Grande Guerra (1914-1918) e a acção do Regimento de Infantaria n.º 16, na revolução de 5 de Outubro de 1910, em que foi proclamada a República. Terão sido elaboradas após 1940, pois nestas mesmas já o dito oficial se encontrava na reforma.
Não pretendemos fazer sequer um enquadramento histórico da participação do Corpo Expedicionário Português na Grande Guerra, tema sobejamente conhecido dos leitores desta publicação. O objectivo é, sim, dar a conhecer mais uma vivência, entre tantas outras, de um oficial português no conflito mundial.
Ao lermos estas «Memórias» fazemos uma viagem “com os olhos” do capitão António Joaquim Henriques, que nos narra episódios que o marcaram neste conflito. Temos ainda o bónus de uma narrativa in loco do desenrolar da revolução do 5 de Outubro, nomeadamente no quartel de Infantaria n.º 16, em Campo de Ourique (Lisboa). Assim, parece-nos pertinente que seja o autor a contar o seu percurso. O nosso principal trabalho consistiu em compilar e, algumas vezes, decifrar o seu manuscrito que esperamos traga, como ele gostaria, algo de novo ao que é do conhecimento geral.
A transcrição deste diário foi efectuada de forma tão fiel quanto possível. A única alteração foi a actualização dos termos do português da época para o português actual. Quanto a nós, essa alteração não retirou em nada o texto trabalhado. Sem mais delongas, vamos entrar na viagem pessoal que nos leva desde a implantação de República, à sua mobilização para França, até à frente de batalha e, finalmente, ao seu regresso a Portugal. Por isso, o presente artigo será dividido em três partes:
– A Revolução de 5 de Outubro de 1910 (I);
– A participação na I Guerra Mundial (II e III).
Em 1910, pertencia ao RI nº 16, onde teve inicio o primeiro acto da revolução e, por isso, fui envolvido nesse histórico acontecimento, tendo por conseguinte ocasião de presenciar o que se passou no quartel desse regimento na madrugada de 5 de Outubro de 1910, e que bem merecia ser divulgado para melhor conhecimento da história da proclamação da República.
Mas até hoje ainda não vi que alguém, dos que tiveram também oportunidade de assistir aquele episódio, se desse ao cuidado de publicar a audaciosa proeza que ali ocorreu, e da qual certamente resultou o triunfo da revolução, ou para isso contribuiu grandemente.
Esta [é] uma razão que me leva a descrever esses acontecimentos e interessantes factos, embora apenas para conhecimento de um restrito número de pessoas, pouco mais que os familiares, e se uns [factos] foram de natureza criminosa, bem escusados, revoltantes e dignos de reprovação, outros houve de coragem e abnegação que davam o direito ao respeito e justiça em quem tão injustamente foi tratado a ponto de o condenarem à morte como o pior dos criminosos. E é pena não serem expostas com uma eloquência e brilho que não estão ao meu alcance, mas têm ao menos a virtude da verdade.
Nos primeiros dias de Outubro, vivia-se num ambiente carregado de boatos de toda a espécie e as tropas da guarnição de Lisboa estavam de prevenção. A minha companhia era a 3ª do 2º Batalhão, comandada pelo bondoso homem que era o Capitão Miguel Augusto de Sousa Cerejeira, tendo como subalternos o tenente César Olegário Augusto Nunes e o correcto e gentil alferes Freitas Teixeira e sargentos o puritano e ilustre José Rodrigues dos Santos, natural de Castelo de Paiva, actualmente capitão residente em Penafiel, que homem mais justo e recto nunca vi, e segundos-sargentos, eu, o Costa e o Cartaxo, todos bons camaradas.
Na madrugada de 5 de Outubro, os revolucionários civis de conivência com alguns soldados do regimento, aliciados pelo oficial de Marinha Machado dos Santos, no jardim da Parada em Campo de Ourique, introduziram-se no quartel pelas cavalariças que tinham entrada pela Travessa de Baixo dos Quartéis e, servindo-se de um alçapão do tecto que vinha a ser o sobrado da arrecadação regimental, que tinha porta para a parada, alcançaram assim facilmente o interior do quartel, ficando a poucos metros da casa do comandante.
Chegados ao interior do quartel, formaram uma espécie de linha de atiradores com a frente para a casa do comandante e sala de oficiais, ouvindo-se gritos como este “Ó Costa sai cá fora”. O Comandante, coronel Celestino da Costa, homem bastante disciplinador, parece não se ter atemorizado e enfrentando os revoltosos, foi por eles alvejado, indo cair morto numa cama de soldado da caserna mais próxima da 3ª Companhia, do 3º Batalhão. Estava fardado e deitado de costas.
Outra vitima que ficou ao alcance dos revoltosos foi o capitão Barros, comandante da 15ª Companhia, do 1º Batalhão, que foi morrer entre duas camas no quarto dos sargentos da sua companhia. Estava na estranha posição de cócoras entre as duas camas, onde se apoiava com os cotovelos, um em cada cama e em camisa, parecendo que foi morto ali antes de vestir o dólman ou então tirou-o com a aflição causada pelos ferimentos. Foram feridos o tenente-coronel Borges e o primeiro-sargento Januário Joaquim Lopes de Sousa, comandante da guarda do quartel instalada junta à casa do comandante.
Os oficiais que estavam no quartel, incluindo o oficial de serviço capitão José Vicente de Freitas, ficaram encurralados na sua sala, nada podendo fazer e com sorte andaram em se ter livrado dum mau bocado bem eminente, pois os revoltosos faziam fogo a torto e a direito. O major Gutierrez Dias, homem extremamente grado e talvez por isso, se livrou de boa e nada lhe aconteceu, o que ele próprio não esperasse: não foi molestado, pois ninguém lhe fez mal.
Logo a seguir a esta investida e tudo foi rápido como não podia deixar de ser, como boa táctica ouviu-se um toque a formar companhias que se julgou ser da parte legal, começando por isso os soldados dirigidos pelos graduados, a formarem na frente das suas casernas. Já a minha companhia, que era a 3ª do 2º Batalhão, tinha bastantes homens em forma, quando o tiroteio vindo do lado dos revoltosos, matou os soldados nº 62 e 63 e feriu o segundo-sargento Costa e, como o fogo continuasse, a formatura desmantelou-se ficando tudo desorientado.
Pode-se estranhar que ninguém respondesse a este fogo como represália e em legítima defesa; isso não era de aconselhar, a não ser que se dessem tiros ao acaso, matando quem calhasse, pois na parada bastante comprida e mal iluminada havia enorme confusão e nela se encontravam tanto revoltosos como soldados fiéis. E também parece que faltava o espírito ofensivo dos defensores do quartel.
Soube-se depois que o toque de formar companhias tinha sido da parte revolucionária. E com que fim? Seria para melhor alvejarem e desmoralizarem a tropa fiel? É o que se pode concluir porque os revoltosos estavam todos no extremo sul do quartel e por conseguinte os tiros não podiam atingir os seus, mas sim os que obedecendo ao toque de formar constituíam um bom alvo em frente das suas casernas ao longo da parada até ao extremo norte, por julgarem que o toque tinha sido ordenado pelo comandante do regimento.
Seguidamente a estes rápidos e surpreendentes sucessos – entrada dos civis no quartel, toque de formar, assassinatos e tiroteios – pois que tudo se passou em poucos minutos, e certamente aproveitando a desorientação de momento e até para não dar tempo a qualquer reacção da parte dos elementos fiéis, surge o Homem, de pistola em punho, de cara bem levantada, imponente no seu uniforme com dragonas, para que fosse bem visto, rodeado apenas, por um pequeno grupo de revolucionários civis e militares, arvorando um deles um pano verde e vermelho a fazer de bandeira e avançando pela parada do quartel em direcção ao portão norte por onde saiu a caminho da Rotunda do Parque Eduardo VII, gritava “rapazes vamos embora”!
Às vezes até chego a pensar se aquela empolgante atitude foi uma verdade e não fruto de um sonho, porque rasgos de coragem como aquele que os meus olhos tiveram ocasião e o privilégio de ver são raríssimos, parecendo mais uma visão ou lenda do que uma realidade! Porque há que ver, que a disposição do quartel é uma espécie de arruamento ainda assim bastante comprido, com casernas de um lado e doutro onde havia bastantes militares que não estavam comprometidos com a revolta, e por certo alguns contra ela, pois a um simples cabo da 1ª Companhia do 2ª Batalhão que ficava em frente da minha companhia, na ocasião do tiroteio, ouvi eu lastimar-se para seus soldados, todo indignado e em voz alta, por não terem quem os comandasse.
Foi na verdade uma temeridade o acto praticado por aquele homem destemido, porque estava sujeito a ser alvejado de qualquer ponto, mas parece que a própria coragem e desprezo pela vida hipnotizou e desarmou todos que o presenciaram, porque ninguém o hostilizou, o que seria fácil, mas também não deixaria de ser uma desumanidade, atentar contra tão elevado exemplo de abnegação e arrojo.
Houve ainda outra personagem do grupo que merece especial referência por se tratar dum homem conhecido pelas suas convicções. Despertou atenção não só pelo seu aprumo como revolucionário, como também pelas suas longas barbas. Acompanhava o grupo, mas um pouco destacado, qual raposa matreira, numa espécie de guarda de flanco de espingarda em riste, observando atentamente as portas e janelas das casernas do lado nascente, não viesse dali alguma surpresa desagradável, o que mostrava bem os seus conhecimentos de táctica revolucionária.
Este cavalheiro barbudo, devia ser o republicano histórico Américo de Oliveira, respeitado com fama de homem decidido. E digo que devia ser ele o mesmo que em 1912, acompanhou o RI nº 16 ao Norte, por ocasião da incursão monárquica, e num caminho perto de Cabeceiras de Basto, ao verificar que um pobre homem por ignorância, com certeza, não se descobriu à passagem da bandeira do regimento, tirou-lhe o chapéu da cabeça e deu-lhe uma bofetada. Este precipitado e escusado procedimento praticado por um homem com fama de recto, apenas se pode explicar pela indignação que causou aos republicanos, a revolta dos monárquicos daquela região, em que mataram alguns republicanos, entre os quais o administrador de Cabeceiras de Baixo, Dr. João Augusto de Mendonça Barreto.
Não há dúvida que a alma e o triunfo da revolução se deve a Machado dos Santos, que com os poucos militares e civis que o acompanharam, desde a arruada vitoriosa do quartel e com outros a que se juntou na Rotunda, se mantiveram sempre corajosamente firmes, defendendo o seu ideal com convicção, até à vitória final, que teve lugar logo no dia 5.
Pouco depois de Machado dos Santos ter saído do quartel com o seu grupo a caminho da Rotunda, houve outro toque de formar companhias ordenado por oficiais que lá se encontravam no quartel. Fomos então por ordem superior guarnecer o Palácio das Necessidades onde se encontrava o rei D. Manuel, sendo o meu pelotão comandado pelo Alferes Freitas Teixeira. O Palácio estava sendo bombardeado pelos navios de guerra e atacado pelos marinheiros que faziam fogo de vários pontos, ruas, varandas, janelas e telhados de casas particulares e do telhado do seu quartel, ao que o 16 respondia. Mau agoiro foi uma granada deitar abaixo o mastro do pavilhão real. Parece incrível mas foi assim mesmo.
No interior do palácio não havia sinais de vida parecendo mais um convento abandonado, sem qualquer motivo que merecesse aquela aparatosa defesa. Se lá estava o rei, devia estar abandonado, como de facto parece que estava. A certa altura do dia 5 o rei abandonou o palácio e então nada mais havia a fazer que aderir. E foi isso mesmo que aconteceu por ordem superior, sendo esta recebida pela maioria mais como um alívio, que com a contrariedade que uma derrota poderia causar. E tanto assim, que desde este momento, todos os adesivos ficaram republicanos de gema e até alguns perigosos, e então por ordem superior já republicana também, fomos guarnecer o Largo do Rato, porque constava que por ali ainda resistiam alguns indomáveis polícias monárquicos, que era preciso liquidar e com gana! Um regimento para uma hipotética esquadra de polícia não era muito! À Rotunda não chegámos a ir por não serem precisos os nossos serviços.
Depois desta missão cumprida, o Regimento regressou ao quartel onde nos foi comunicado pelo tenente ajudante Júlio José Domingues, que não haveria represálias, que o governo da República não transferia ninguém o que tranquilizou todos.
Considerado já o regimento de confiança, seguiu-se o patrulhamento da cidade, o que se cumpria rigorosa e republicanamente, o que era bem atestado pelos lacinhos de cor verde e vermelha que quase todos colocavam no ombro, por causa das dúvidas… De onde partiu a ordem ou ideia não sei. O que é certo é que era um distintivo de reconhecida utilidade e garantia, em que ninguém se atrevia a tocar, e que o diga um capitão que teve a coragem de recalcitrar com eles. Foi uma revolução que na verdade parecia estarem todos de acordo, todos do mesmo lado, o que em rigor não era bem assim.
Logo o RI nº 16 não era republicano, ao contrário do que se possa imaginar. É certo que alguns elementos tinham sido considerados republicanos, como os tenentes Pinto Garcia, filho do coronel Augusto Garcia, que tinha sido comandante do regimento, e que segundo constava dizia que era mais franquista que João Franco, tenente Quaresma Vitorino Guimarães (do Conselho Administrativo), e capelão João Lopes Soares e segundo-sargento Jorge das Neves Larcher.
Mas nenhuns destes oficiais, que não estavam no quartel, acompanharam os revoltosos para o Parque Eduardo VII. O segundo-sargento Larcher estava no quartel, mas não se manifestou e até me perguntou o que era “aquilo”. Ora “aquilo” (tiroteio e bandeirinha na mão dos revoltosos) estava bem claro o que era. O segundo-sargento José Marcelino foi o único sargento que aderiu e acompanhou os revolucionários, quando passaram às Cortes onde ele estava de guarda. Foi promovido a alferes por distinção.
Os soldados aliciados não foram muitos e, como não podia deixar de ser, o recrutamento nos mais decididos e até nos de mau comportamento, porque com anjinhos não se fazem revoluções, e à frente de todos encontrava-se um de apelido Santos, salvo erro era o n.º 8 da 2ª Companhia, do 2º Batalhão, e que foi promovido a alferes por distinção por serviços prestados á causa. Este soldado desempenhou papel importante junto de Machado dos Santos, o que se compreende dadas as suas naturais aptidões revolucionárias e segundo constava, dele dependiam atestados de revolucionários.
A habilidosa propaganda dos republicanos chefiados pelos Doutores Afonso Costa, António José de Almeida e Brito Camacho, com a sua convicção e fé em melhores dias com a proclamação da República, soube tirar partido dos erros e desmandos dos monárquicos, criando um ambiente propício ao triunfo da revolução. Assim, a revolução não foi hostilizada, ninguém se mexeu para lhe fazer frente; apenas o capitão Paiva Couceiro com um pequeno efectivo talvez desmoralizado, atacou a Rotunda onde se encontravam os revoltosos, pela Avenida da Liberdade sem qualquer resultado. Por efeito dessa insistente propaganda contra a monarquia e família Real, nem sempre justa e correcta, e acreditando em melhores dias com a proclamação da República, muitos se tornaram republicanos convictos e sinceros, outros desinteressados, mas também houve quem só pensasse em honrarias e seus interesses pessoais e até aproveitando a revolução para vinganças.
Como prova aí temos as mortes do segundo-sargento Pereira do RI nº 16, assassinado à paulada no Chiado, dum oficial de marinha morto a tiro numa das ruas da Baixa, além do Comandante de infantaria 16, coronel Celestino da Costa e do capitão Barros, mortos no quartel, e outros por toda a cidade como foi do conhecimento geral, que só os maus instintos ou desvairecimento se justificam. À sombra da revolução houve desacatos e ajustes de conta que nada tinham a ver com a política. E com base em hipotéticos serviços confirmados por atestados de revolucionários, conseguidos sabe Deus como, houve recompensas, como despachos para empregos públicos, tendo até mulheres – pelo menos uma – conseguido essa distinção.
Aos que arriscaram a vida e o futuro pelo seu ideal, compreende-se perfeitamente como justíssima a indemnização de prejuízos que a defesa desse ideal lhes causou, como até recompensa que merecessem pelos perigos e prejuízos a que se sujeitaram, mas certos videirinhos que nada fizeram, nada arriscaram e nem sequer republicanos eram, é que a coisa foi injusta e só à benevolência e boa-fé iludida com falsas informações se podem atribuir certas recompensas. Mas ao contrário, houve a injustiça de que gerou o crime ao ponto de, ao pai da revolução, ao herói que tudo arriscou por um ideal e grande amor ao seu país, tão mal compreendido e agradecido foi, que sua própria vida, que deveria servir de precioso exemplo aos seus compatriotas, traiçoeiramente lhe foi roubada pelo desvairamento e ingratidão dos homens. E eu, com testemunha da sua forte personalidade e abnegação, aqui presto a minha homenagem ao brioso patriota, tão cobardemente vítima da inveja e ambição duns pigmeus da sua própria pátria.
Foto 2: Planta do quartel do R.I. n.º 16 em Campo de Ourique, Lisboa, no dia dos acontecimentos de 5 do Outubro de 1910.
– Coronel Celestino da Costa, Comandante (assassinado pelos revoltosos);
– Segundo-comandante Tenente-Coronel Borges (ferido);
– Major Gutierres Dias;
– Capitão Barros (assassinado pelos revoltosos);
– Capitão Adélio Carlos Cruz;
– Capitão Segurado Acheman;
– Capitão José Vicente de Freitas;
– Capitão Miguel Augusto de Sousa e Cerejeiro;
– Capitão Joaquim António Dias;
– Capitão João Pedro de Lemos;
– Tenente Cardoso (o Firme);
– Tenente Aires, Alferes Martins;
– Tenente José Maria Martinho;
– Tenente Castanheira;
– Alferes César Olegário Augusto Nunes;
– Alferes Freitas Teixeira;
– Alferes Vasconcelos;
– Alferes Zaide da Fonseca e Almeida;
– Alferes Magalhães Martins;
– Alferes Reis;
– Tenente Pinto Garcia;
– Tenente Quaresma;
– Tenente da Administração Militar Vitorino Guimarães;
– Capelão João Lopes Soares;
– Tenente Ernesto Duval Pestana Lopes;
– Tenente Bívar de Sousa Dores;
– Tenente Salgado;
– Alferes Monção Soares;
– Alferes Celestino Soares;
– Sargento-Ajudante Joaquim dos Santos;
– Primeiro-sargento Magro;
– Primeiro-sargento Januário Joaquim Lopes de Sousa (ferido);
– Primeiro-sargento Abel Henriques Seco;
– Primeiro-sargento José de Oliveira Belo;
– Primeiro-sargento Augusto de Sousa Medeiros;
– Primeiro-sargento José Rodrigues dos Santos;
– Primeiro-sargento José Manuel Baptista Lopes;
– Primeiro-sargento Virgílio Cipriano de Mendonça;
– Primeiro-sargento Carlos Gomes Fernandes.
Um soldado do RI nº 16 que pelos vistos não era positivamente um “manel”, mas um “marau com a escola toda”, na noite da revolução não teve folego para mais que esconder-se no quarto dos sargentos da 3ª Companhia, do 3º Batalhão, debaixo de uma cama, segundo me informou o primeiro-sargento Carlos Gomes Fernandes daquela companhia, que o fez sair daí. Passado algum tempo, já na “paisana”, tendo conseguido um atestado revolucionário, apresentava-o com certa vaidade. Não contava que em certo dia, junto ao “placard” do Século, quando ele estava com as suas bazófias de revolucionário, o que naquele tempo era moda, um dos presentes lhe falasse na história do quarto. Não se desconcertou e depois de várias evasivas, terminou por dizer com certo ar cómico próprio do feitio dele: “cada um governa-se”!...
Continua …
Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Documentalista e bibliotecário do sector audiovisual.
Licenciado em História pela Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”. Curso de Pós Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Curso de Pós Graduação em Profissionalização de Docentes na Escola Superior de Educação de Lisboa. Professor em Lisboa.