Da Estratégia Aérea – uma abordagem informal é o mais recente contributo de António de Jesus Bispo para a formação, em Portugal, de um pensamento estratégico conceptualmente coerente, devidamente fundamentado e operativo. Tenente-general piloto-aviador e vice-presidente da Assembleia Geral da Revista Militar, tem publicada uma valiosa obra sobre questões relacionadas com segurança, defesa e operações aéreas militares.
Na Introdução, António Bispo declara-se adepto do conceito clássico de estratégia, e explica porquê. Sem devaneios teóricos, apresenta ao leitor os meandros da teoria idealista das Relações Internacionais e das suas mais recentes concepções, desvalorizadoras da existência de opositor e da iminência da coacção e do conflito armado, pondo a nu as razões pelas quais a referida teoria não é a mais adequada à operacionalização da estratégia. Em seguida explica, de forma simples, mas esclarecedora, por que motivo prefere os argumentos da escola realista.
O autor faz questão também de recomendar que não se estabeleçam, para o trabalho estratégico, dois compartimentos estanques, um para os políticos e outro para os militares, visto que, sem prejuízo da prevalência do factor político, ambos os protagonistas, sendo individualmente responsáveis pelo respectivo domínio de actuação, são também responsáveis, de forma solidária, pela coordenação da decisão estratégica.
Na Parte 2, Bispo recorda, com a ajuda dos clássicos, os elementos fundamentais da teoria estratégica, para dar nota de que a sua obra não visa uma abordagem global dos níveis, princípios, regras e medidas da estratégia, mas apenas teorizar sobre comportamentos racionais em situações de confrontação ou conflito. Nesta perspectiva, discorre sobre «uma teoria da dissuasão», sobre a «informação na gestão de crises», sobre o «processo de decisão em situação de tensão, crise ou guerra» e, por fim, sobre o que deve entender-se por «prontidão aérea».
Passando do geral ao particular, afirma que o elemento fundamental da estratégia aérea se materializa na determinação do centro de gravidade do opositor, porque, para o influenciar ou para o derrotar através do poder aéreo, tem que se agir sobre o dito centro, sendo certo que este centro nem sempre é unimodular, podendo ser constituído por diversos segmentos.
Seguidamente, António Bispo revisita Douhet, o mais antigo dos clássicos do poder aéreo. Na verdade, é a partir das suas teorias que melhor se compreendem os modernos conceitos de poder aéreo como um conglomerado de requisitos: forças aéreas, sistemas de armas, meios de defesa aérea, sistemas de informações, infraestruturas e meios de apoio, tudo concorrendo para a formação de um sistema complexo.
Só quando este sistema estiver montado é que se pode pensar nos princípios da estratégia aérea, o primeiro dos quais é a garantia da prontidão do poder aéreo. Outro elemento fundamental é o estado das tecnologias que suportam a acção, as quais, como se sabe, têm evoluído nas últimas décadas a uma velocidade vertiginosa, sendo preciso entender que só a última geração de equipamentos proporciona oportunidades de actuação segura aos meios aéreos. Outro elemento relevante para o sucesso é a existência de uma plataforma terrestre com requisitos específicos, como sejam a capacidade de protecção contra ataques aéreos e os meios de defesa contra ataques aéreos ou terrestres.
Na Parte 3, o autor vai buscar à História alguns exemplos de emprego do poder aéreo, sendo especialmente interessantes os que se referem às Guerras de África nos territórios ultramarinos de Portugal (1961-1974), bem como os que abordam os mais recentes conflitos no Médio Oriente.
Na Parte 4, dedicada ao ambiente estratégico, António Bispo faz notar que a guerra moderna – entendida como a guerra pela consolidação do poder dos Estados e do seu espaço de soberania –, apesar de todas as transformações trazidas pela tecnologia, pela sociologia e pelo Direito Internacional, mantém incólume a sua validade. A guerra assimétrica, em especial nas modalidades de guerrilha e de terrorismo, que muitos autores consideram ser típica da actualidade, é, porém, conforme esclarece o autor, um fenómeno tão antigo que já Sun Tzu teorizou sobre ele no século IV a. C.. O mesmo, em certa medida, aconteceu com a guerra de informação: a despeito do seu apelo modernista, sempre foi um elemento chave para o delineamento das estratégias. O que convém ter presente é que a guerra de informação, “pela natureza dos meios que envolve, constitui, em regra, uma forma privilegiada de guerra assimétrica”. E importa também sublinhar que o desenvolvimento acelerado das tecnologias de informação está na origem de um novo quadro conceptual.
Neste ambiente estratégico, os veículos aéreos não tripulados (UAV) e os veículos aéreos não tripulados de combate (UCAV) são protagonistas de primeiro plano, visto que podem actuar em ambiente contaminado, dispõem de disponibilidade quase ilimitada, têm capacidade para agir de surpresa e com risco físico diminuto em cenários com elevado grau de hostilidade, asseguram capacidade de vigilância permanente e podem ser controlados a milhares de quilómetros do campo de batalha.
São características de valor transcendente numa situação estratégica que, “(…) a nível global, é bastante volúvel, com largas manchas de indefinição, pelo que será arriscado desenhar futuro previsíveis (…)”. Dados relevantes desta indefinição são a querela sobre a prevalência relativa da segurança colectiva versus segurança humana, a dificuldade na aplicação da força – visto que o inimigo não está identificado e vive com frequência dissimulado no seio da população – e a percepção, entre algumas elites do mundo euro-atlântico, de que o confronto militar deixou de ser um instrumento adequado para a resolução da conflitualidade.
Uma abordagem consistente da estratégia aérea na actualidade não pode fazer-se sem ter em conta a problemática do espaço. É certo que este se encontra congestionado, mas tal não obstou a que se tornasse indispensável ao funcionamento de um número crescente de actividades nos domínios mais variados. Para o entender, torna-se necessário estudar as dinâmicas dos objectos em órbita terrestre e, em especial, tudo quanto respeite aos satélites, que são elementos insubstituíveis da implementação das estratégias.
A análise, sucinta, da guerra baseada na rede encerra o conjunto de considerações que vão permitir ao autor enunciar «alguns elementos para a definição das bases da estratégia aérea». Em consonância com as opções assumidas no início do livro, António Bispo divulga agora o que entende por estratégia aérea: a utilização dos meios aéreos para fins políticos, em ambiente de conflitualidade. E, em função desse entendimento, analisa as aplicações do ataque aéreo, tanto em cenários da guerra total como de guerra irregular, tendo em consideração cinco áreas específicas: o ataque aéreo estratégico; o reconhecimento aéreo estratégico; a fiscalização das restrições no e através do espaço aéreo; a projecção estratégica de forças; a acção humanitária.
Finalmente, é tratado o problema dos pequenos países, condenados a buscar alianças com grandes potências, sabendo que, ao fazê-lo, se sujeitam aos condicionamentos imposto pelos interesses daquelas, daí resultando um grau variável de dependência no plano estratégico.
A Revista Militar agradece a oferta do exemplar que integrará o seu acervo bibliográfico, felicitando o autor pela sua publicação.
Sócio da Revista Militar. Vogal da Direcção da Revista.