IN MEMORIAM
Coronel Carlos da Costa Gomes Bessa
(1922-2013)
Em 1 de Novembro de 2013, com noventa e um anos, feitos em 11 de Agosto, após doença prolongada, decorrente de queda nos degraus de escada de acesso ao Palácio da Independência, em Lisboa, sede de duas prestimosas instituições culturais votadas à História, que ele servia, deixou o nosso convívio o Coronel Carlos Gomes Bessa, cidadão, militar e historiador ilustre que deixou o seu nome e o seu espírito de dedicação e de colaboração ligado a tantas actividades históricas de interesse nacional e internacional, guindando-se a excelso e elevado pilar da sua profissão militar, da Cultura em geral e da História em particular a que só alguns podem aspirar. A vontade de acção que sempre o norteou desde que, em meados de 1945, concluiu o curso de Artilharia da, então, Escola do Exército, não esmoreceu após o acidente que o obrigou a afastar-se das instituições e actividades em que se empenhava. Nos contactos que então pude ter com ele, embora não as pudesse exercer, exibia sempre com determinação a sua vontade de continuar a realizar com entusiasmo as suas qualidades pessoais de profundo interesse pelo serviço, de capacidade de trabalho, competência e organização, de criterioso espírito de justiça, de espírito de sacrifício, de trato, que lhe enriquecia os relacionamentos, de elevada capacidade intelectual e de sensibilidade humana, patentes nos louvores e distinções que lhe foram sendo concedidos. Lembrando as instituições que lhe haviam merecido os seus melhores esforços, nomeadamente, então, a Empresa da Revista Militar, falava em projectos e ideias que desejava levar a bom termo, mesmo nas condições de deficiência física em que se encontrava. Era o militar que falava e desejava impor-se, o lutador persistente de sempre, o cidadão esclarecido e desejoso de ser útil, de continuar com outros a beneficiar tarefas, muitas das quais ele iniciara.
Ao percorrer a sua preenchida “folha” de profissional militar surgem, entre outras actividades e funções, após a sua promoção a oficial: a colocação como subalterno, em 1946, no Regimento de Artilharia nº 2 da Serra do Pilar, a unidade dos consagrados “Polacos da Serra” que, anos depois, em 20 de Novembro de 1972, viria a comandar como Coronel para, durante um ano, “satisfazer esta condição especial de promoção ao posto imediato”; a frequência dos Cursos Geral e Complementar de Estado-Maior e a entrada no Corpo correspondente. No período entre as duas datas verifica-se a sua colocação, em três datas alternadas, na 3ª Direcção-Geral do Ministério do Exército e Estado-Maior do Exército (Rep.Gabinete e 3ª Repartição), na 3ª Região Militar (Tomar), no Comando Militar da Guiné (1956), no Comando Militar de Angola (1961 e 1970-1972), na Direcção da Arma de Artilharia e no Quartel-General do Governo Militar de Lisboa.
Por razões de natureza política que se ligavam ao serviço que prestou na Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, na Metrópole e Província da Guiné, em 8 de Julho de 1974, foi passado compulsivamente à situação de Reserva, data que, por virtude de revisão do seu processo, seria, a seguir, alterada para 10 de Agosto de 1978, o dia anterior ao 56º aniversário do seu nascimento. Passaria, depois, à situação de Reforma, em 15 de Novembro de 1990.
Os relevantes serviços, alguns também considerados extraordinários e distintos, que prestou ao Exército, às Forças Armadas e à Pátria, mereceram-lhe, no âmbito militar, quatro louvores de comandante de regimento, nove de general, três de governador de província ultramarina (dois da Guiné e um de Angola) e quatro de ministro e, no âmbito civil, quatro do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa. Decorrentes destes louvores, e com redacções que, honorificamente, reforçam o seu contexto e, de cero modo, os materializam, o Coronel Carlos Gomes Bessa foi meritoriamente distinguido com as seguintes condecorações:
– Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada;
– Grande Oficial da Ordem de Instrução Pública;
– Oficial e Comendador da Ordem Militar de Avis;
– Duas Medalhas de Prata de Serviços Distintos (c/palma);
– Medalha da Defesa Nacional;
– Medalha de Mérito Militar (2ª. Classe);
– Medalha de D. Afonso Henriques (2ª. Classe);
– Medalha de Ouro de Comportamento Exemplar;
– Medalha Comemorativa das Expedições à Guiné;
– Medalha Comemorativa das Campanhas de Angola;
– Prémio Almirante Augusto Osório da “Revista Militar”.
O Coronel Carlos Gomes Bessa foi, como se conclui, um apaixonado pela História, nomeadamente pela História Militar, servindo prestimosamente a respectiva Cultura, quer em Portugal, quer em países estrangeiros, como Espanha, Brasil, Argentina e Venezuela. A análise desta paixão em que ele escreveu, publicou e ajudou outros, e instituições também, a escrever e a publicar, apresenta duas fases: a primeira, desde que é promovido a Oficial, e até cerca de 1974, em que se revela o cidadão-militar e o historiador; a segunda, após esta última data, em que quatro instituições se enriqueceram com a sua presença, a sua colaboração, a sua cooperação e o seu interesse para fazer progredir a História. São estas instituições, a que ele acedeu apoiado, e apoiando o saudoso General Luis Maria da Câmara Pina: a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, de que foi Sócio Efectivo e secretário-geral; a Comissão Portuguesa de História Militar, de que, coadjuvando o General Manuel Themudo Barata, foi fundador e também secretário-geral: a Academia Portuguesa da História, onde foi académico de número e ainda secretário-geral; e a Empresa da Revista Militar, que o recebeu como sócio efectivo, eleito em 1976, e director-gerente durante dezoito anos, de 1977 a 1995. Surge, ainda, no seu céu de cultura, mas com menor rebate, a Academia das Ciências de Lisboa.
Cometeria, pessoalmente, indesculpável pecado se, nesta curta mas sentida memória dedicada ao Coronel Gomes Bessa, não incluísse referência mais alargada aos encómios que lhe foram dedicados na colectânea de estudos em sua homenagem, constante da cuidada e textualmente diversificada obra literária intitulada “Preito de Reconhecimento”, publicada em 2002, por alturas do seu 80º aniversário, pela Academia Portuguesa da História, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar. No entanto, porque os textos inseridos na obra se encontram já publicados e são conhecidos, e por não desejar quebrar o equilíbrio deste meu próprio escrito, vou apenas citar a contribuição introdutória nessa colectânea da autoria dos digníssimos presidentes das duas instituições culturais, o Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão e o General Manuel Themudo Barata, mas transcrevendo apenas, de cada um deles, um curto parágrafo dos muitos e sapientes que lhe dedicaram.
À guisa de “Introdução”, remataram efectivamente os dois presidentes esse seu primeiro texto comum da colectânea com as seguintes considerações laudatórias: “Saudando o militar que serviu o Exército e a Pátria em missões sagradas; o historiador que abriu novos horizontes para a captação do destino português disperso pelo mundo; o académico que tem honrado as instituições nacionais e estrangeiras para que foi eleito; e o cidadão que em todas as circunstâncias merece ser considerado um Português de Lei – saudamos o Coronel Carlos Gomes Bessa na data do seu jubileu, com os votos de fervor que brotam da gratidão e do afecto”.
Também à guisa, agora de “Preâmbulo”, escreveu para a mesma obra o Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, sob o o título “Carlos Bessa, o Homem e o Historiador”:“Com espírito de profunda lealdade, na ânsia permanente de bem servir, o Coronel Bessa cumpriu bem a tarefa de honrar os vínculos que o prendiam à nossa instituição. Chamei-lhe várias vezes a coluna vertebral da nossa Academia e as razões parecem fáceis de entender, pelas qualidades e grandeza do trabalho que realizou(…) a sua contribuição para a história militar irá um dia ser vista como das mais inovadoras e sólidas que surgiram em Portugal no nosso tempo”. E, de igual modo, escreveu também o General Themudo Barata para a mesma área preambular do livro, sob o título “Carlos Bessa, o Homem e o Militar”: “Até 1974, ocupou Carlos Bessa outros lugares e funções que lhe proporcionaram enriquecimento extraordinário da sua já enorme bagagem de futuro historiador. A partir de então e desligado compulsivamente do serviço militar, Carlos Bessa entra em força a escrever, merecendo aqui uma referência indipensável o papel que desempenhou na “Revista Militar” e a importância que esta teve no seu mergulhar profundo e definitivo no mar largo da História. Daí, e em paralelo com a entrega a esta centenária publicação, pela qual tanto fez e continua a fazer, essa mesma paixão o trouxe à Academia Portuguesa da História e à Academia das Ciências de Lisboa”.
Recordo, com a emoção que a passagem dos anos vivifica, que foi por intermédio do Coronel Bessa, convidado pelo General Câmara Pina, já antigo e venerado Chefe do Estado-Maior do Exército e seu académico de número que, fazendo parte de grupo de jovens oficiais interessados na História Militar, tive pela primeira vez acesso às sessões culturais da Academia Portuguesa da História, então sediada no Palácio da Rosa, como recordo também que, por meados de 2006, recebi do camarada e amigo Coronel Bessa amistosas felicitações por ter sido eleito seu Académico Honorário. Um eterno bem-haja, meu Coronel.
Ao rememorar agora a longa e profícua intervenção do Coronel Gomes Bessa, durante quase vinte anos na “Revista Militar”, devo começar por referir que não se encontram limites para a colaboração assídua que ele prestou ao contexto dos seus diversos números e para exaltar a forma equilibrada, ponderada, experiente e geradora de consensos como exerceu, desde 1977 a 1995, as suas funções de director-gerente, nas quais se conduziu sempre de acordo com as linhas do pensamento seguintes: do Prof. Doutor Aníbal Pinto de Castro, infelizmente já também falecido, que na sessão solene comemorativa do 150º aniversário da Revista, em 2 de Dezembro de 1998, afirmou que ela “se vem inserindo na ordem de preocupações culturais sentidas pela sociedade portuguesa”; nas do seu fundador número um, o General Fontes Pereira de Melo, então tenente, que escreveu na introdução ao seu primeiro número, saído em Janeiro de 1849, que “a posição mais iminente da sociedade é aquela que precisa do estudo para fortificar a inteligência, da inteligência para dirigir a força e que usa a força para defender a pátria e a liberdade”; e, finalmente, na linha de pensamento do princípio que “é dever de todos os seus sócios preservar a manutenção da Revista na sua posição de «segunda publicação periódica mais antiga do País e a mais antiga do mundo em continuidade de publicação»”.
O Coronel Gomes Bessa escreveu para a Revista, geriu-a e administrou-a do ponto de vista literário e cultural durante essas quase duas décadas, tendo como presidentes da direcção, sucessivamente, os Generais Luis Câmara Pina (1976-1980), José Manuel Bethencourt Rodrigues (1981-1990) e, durante cinco anos, de 1990 a 1995, eu próprio, apenas me permitindo destacar, da sua imensa contribuição para as finalidades da Revista:
– a sua participação na elaboração e publicação dos seis volumes dos “Índices da Revista”, abrangentes do seu acervo entre 1849 a 2000;
– a elaboração de cuidadas e poderadas “Crónicas do Mundo Militar”, repositório em todos os números da Revista de notícias, informações e comentários de âmbito político, estratégico e militar de interesse para o Exército, Forças Armadas´e outros departamentos do Estado;
– a cooperação permanente e indispensável na organização e realização, em 1998 e 1999, da “Comemoração do 150º Aniversário da Revista”, tomando ainda a seu cargo a direcção de dois dos onze grupo de trabalho que houve que designar;
– a organização e publicação entusiasta da participada separata “Presença Portuguesa no Oriente”, de 591 páginas, incluída no programa da mesma comemoração;
– a cooperação na organização e realização do “1º Congresso da Imprensa Militar”, incluído também na comemoração – evento que reuniu durante quatro dias, de 13 a 16 de Setembro de 1999, sessenta e sete representantes de revistas de defesa e militares da Europa, Ásia, África e Américas do Norte, Central e do Sul, dezanove dos quais estrangeiros – e na publicação da separata, com 400 páginas, que reuniu todas as intervenções e lhe foi dedicada.
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Consciente de que estas rememorações In Memoriam do Coronel Carlos Gomes Bessa se situam, como escrevi antes, muito aquém do limite que delas seria possível atingir, em nome da Empresa da Revista Militar, do General Pesidente da sua Assembleia Geral, do General Presidente da sua Direcção, dos seus Sócios Honorários e Efectivos e de todos os seus Colaboradores, apresento à Senhora Dona Maria do Céu Gomes Bessa, sua viúva, e à sua excelentíssima família muito atenciosos e sentidos pêsames pela enorme perda sofrida, que também atinge todos nós, muito lamentando que não possa mais realizar-se o voto um dia expresso pelo General Themudo Barata “de que a saúde lhe permitisse cumprir a dívida do muito que, gentes e instituições, ainda dele esperavam”.
Coronel Carlos da Costa Gomes Bessa, continuamos todos presentes!... O meu coronel, camarada, confrade e amigo, no alto lugar que, como preito de agradecimento pelos seus muitos trabalhos e virtudes, Deus lhe destinou... Nós, todos, com emotiva e perene saudade, guardando-o no nosso espírito e nos nossos corações.
Tenente-general José Lopes Alves
Ex-Presidente da Direcção e Sócio-honorário da Revista Militar. Falecido em 30 de abril de 2018.