O tema geral do Colóquio, proposto pela Revista Militar, pareceu-me de muito interesse, logo à partida, até pela grave situação que o país atravessa.
Na minha qualidade de Presidente do Conselho do Ensino Superior Militar, o tema do painel, “Universidades e Desenvolvimento”, constituiu-se como uma oportunidade para desenvolver o tema “Ensino Superior Militar e Desenvolvimento”, aproveitando a circunstância para informar a audiência da actual situação do Ensino Superior Militar.
Antes de abordar o tema propriamente dito, tentando uma primeira ligação entre ensino militar em geral e Desenvolvimento, recordei os milhares de portugueses que passaram pelas fileiras das Forças Armadas (FFAA) e que tiveram a oportunidade de frequentar os cursos de natureza técnico-profissional, que os habilitaram a ingressar nas categorias de praça e de sargento, nas diversas classes, armas, serviços e especialidades, em que ocuparam os diversos postos, próprios da categoria respectiva e da forma de prestação de serviço em que ingressaram.
Para muitos destes homens e mulheres, a formação obtida nas FFAA foi-lhes essencial para a construção de um projecto de vida, mesmo após a saída das fileiras. Alguns deles, já com muitos anos passados após o cumprimento do serviço militar, ainda manifestam o seu reconhecimento pela mais-valia que obtiveram nas FFAA, não só pela formação obtida, mas também pela experiência profissional, pelos hábitos de trabalho interiorizados, pelo sentido de responsabilidade e de disciplina que assumiram ao longo da vida.
Recordo ainda o saudoso Centro Naval de Ensino à Distância que, contrariamente ao que a designação indicia, se tratava de um organismo conjunto, responsável pela elevação dos níveis escolares de muitos militares de todos os ramos.
As FFAA arrancaram muita desta gente de situações, por vezes muito problemáticas, e eles não esqueceram.
Mas esquecem-se ou não querem saber os que levianamente consideraram, e alguns ainda consideram, que nas fileiras se passa um tempo perdido e inútil.
Um tempo inútil, por vezes sem norte, sem formação profissional, com dependência da família e dos amigos, sem garra para fazer face à dureza da vida, sem hábitos de trabalho, estas foram as ofertas feitas a uma certa juventude pelos que preferiram eliminar o serviço militar obrigatório e que com isto acabaram, sem qualquer espécie de dúvida, com um factor de socialização de importante efeito integrador ao nível da Sociedade.
O serviço militar nunca foi, nem nunca será, uma panaceia para resolver todas as situações, designadamente ao nível da educação, da formação profissional e da apresentação de índices de emprego aceitáveis, mas que ajudou a resolver muitas vidas, na plena acepção da palavra e que por este motivo foi, e é, factor de Desenvolvimento do País, lá isso parece-me indiscutível.
No âmbito do Sistema de Formação Militar em geral, o retorno do investimento que se faça, em termos do País, parece-me muito significativo. Fala-se pouco disto e por isso me lembrei do assunto.
Por vezes ouvimos falar de existir em Portugal uma Universidade fechada sobre si própria, tratando de assuntos muito estimulantes do ponto de vista intelectual, mas sem grande aderência às necessidades concretas do País.
Mas também nos vão chegando notícias de abertura da Universidade à Sociedade, em concreto, do estreitamento da cooperação entre a Universidade e as empresas, já com excelentes resultados obtidos, resultados que, por vezes, até nos surpreendem, no meio da ladainha tantas vezes superficial, irresponsável e catastrofista dos protagonistas da omnipresente crise.
O Ensino Universitário Militar é o contrário de um ensino universitário fechado sobre si mesmo. Por muito que isto surpreenda alguns, menos familiarizados com o meio militar. O Ensino Universitário Militar é o saber e saber fazer, num dos graus mais puros do nosso Ensino Superior.
O Ensino Universitário Militar não pode ser um sistema fechado, porque vivemos em grande incerteza estratégica. O mundo sempre viveu com esta incerteza mas, na atualidade, ela é especialmente vincada, fruto da globalização, da disputa pelas fontes de energia e matérias primas, das questões religiosas e culturais, da problemática financeira, das dificuldades económicas, da tecnologia, tudo provocando surpreendentes evoluções das diversas sociedades e unidades políticas.
E a incerteza estratégica só se pode contrariar com Conhecimento, que passou a ser uma das melhores armas dos soldados. A doutrina, procedimentos pré-planeados, pessoal motivado e equipamento adequado, continuam indispensáveis, mas não chegam. É preciso saber pensar, mesmo em situações limite.
As situações político-militares que vão emergindo, são extremamente complexas, perigosas, com evoluções muito rápidas e por vezes gerando quase instantaneamente enorme violência.
Basta um gesto irreflectido num teatro de operações, porque não se respeitou a visão histórica que os protagonistas reivindicam, ou valores religiosos, ou a cultura, para se incendiar instantaneamente uma situação já complicada, num rastilho que cobre o, agora, muito curto espaço entre o nível táctico, agora em ecrã panorâmico face aos responsáveis pelo nível político.
Ainda no respeitante à característica de sistema aberto do Ensino Superior Militar, convirá sublinhar alguns aspectos mais em concreto, que para alguns poderão ser surpreendentes.
O Conselho do Ensino Superior Militar é composto cinquenta por cento de militares e de civis, incluindo três professores doutores escolhidos pelo Ministro da Defesa Nacional, contrariando em absoluto a ideia de uma espécie de “Junta Militar” do Ensino Superior Militar.
O corpo docente dos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar tem um efectivo muito significativo de professores universitários civis, sem os quais, aliás, seria impossível estes estabelecimentos de ensino serem acreditados no âmbito do Sistema de Acreditação, a nível nacional.
Participam na actividade formativa inúmeros conferencistas civis, de qualidade indiscutível, o que permite abordagens muito actuais e de inestimável valor científico a uma série de temas actuais e relevantes para a formação dos oficiais.
Parte do ensino é externalizado (medicina, engenharias, administração, etc.), existindo, portanto, um aproveitamento das capacidades do ensino superior em geral, a meu ver quanto baste, na formação dos nossos oficiais.
Existem inúmeras parcerias estratégicas nas áreas do ensino com universidades civis nacionais e estrangeiras.
Estão em curso diversos projectos de Investigação, Desenvolvimento e Inovação, em cooperação com Universidades Civis, nacionais e estrangeiras, sendo um civil doutorado, um dos directores de um Centro de Investigação Militar.
Existem alunos civis que frequentam cursos organizados pelos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, no âmbito de cursos de pós-graduação que entretanto foram desenvolvidos e que admitem esta hipótese.
Porque a Segurança é cada vez mais cooperativa, existe um relacionamento muito significativo com outros estabelecimentos de ensino superior militar de países aliados e amigos. No âmbito da Cooperação Internacional avultam os projectos relacionados com o ensino superior militar no âmbito da Cooperação Técnico-Militar, muito importante para o desenvolvimento das FFAA dos países nossos irmãos.
Bolonha, e a comparabilidade que permite entre a formação no universitário militar com o universitário civil, foi assumida nos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, com toda a naturalidade e sem receio.
No que respeita ao saber fazer, de notar que os nossos alunos amanhã são docentes e depois de amanhã regressam de uma missão operacional, para voltarem a ser alunos.
O mesmo acontece com os dirigentes dos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, ontem nos Estados-Maiores, ou no Comando de Forças, nos Comandos Logísticos, hoje no ensino superior militar, mas amanhã com uma guia de marcha de volta a cargos da matriz funcional interna ou externa às FFAA e Guarda Nacional Republicana (GNR). É assim. Com toda a naturalidade. Não poderia mesmo ser de outra maneira, porque o horizonte do ensino superior militar é naturalmente limitado, obrigando a rotatividade no desempenho dos cargos com os recursos humanos disponíveis.
Mesmo os mais velhos, sempre conviveram com uma formação continuada no âmbito do Ensino Superior Militar. Nas FFAA não é sequer pensável progredir na carreira, sem mais e mais formação, constituindo-se os cursos de promoção numa condição estatutária. Imagine-se que este sistema se propagava a todos os sectores profissionais a nível nacional aos quais também se aplicaria um sistema de avaliação do mérito a sério, equivalente ao utilizado nas FFAA. Eu antecipo que muitos figurões deixariam imediatamente de o ser e que se separaria imediatamente muito trigo do joio. Talvez isto fosse bom para o nosso Desenvolvimento.
A nossa articulação com os factores que têm a ver com o Desenvolvimento é algo de natural, devido à natureza das missões que cumprimos, porque se baseia na vivência das coisas, no partilhar das dificuldades, no saber fazer, no planeamento, na disciplina, no rigor na utilização dos recursos. No cumprimento das nossas missões, estamos sempre a passar perto dos vectores que são determinantes para o Desenvolvimento do País.
Por tudo isto, pela experiência vivida no âmbito do Ensino Superior Militar, numa avaliação instintiva do tema proposto, pareceu-me que Universidade e Desenvolvimento não poderiam nem deveriam deixar de ser quase simples sinónimos.
De qualquer forma, tentei evidenciar a articulação entre Ensino Universitário Militar e Desenvolvimento.
Adiantarei desde já que as três principais articulações, que considero existirem entre o Ensino Superior Militar e o Desenvolvimento, têm a ver com a importância do contributo das FFAA e GNR para a Segurança Nacional, os resultados concretos dos projectos de Investigação e Desenvolvimento no âmbito dos Centros de Investigação Militar e o capital humano que resulta dos processos formativos adoptados.
Muitas vezes esquece-se que o Ensino Superior Militar inclui a GNR. Esta significa hoje 20% de todo o Ensino Superior Militar.
As missões das FFAA são determinantes no âmbito da Defesa Militar, sendo-o também as atribuídas à GNR, quando declarados estados de excepção. As fronteiras entre segurança externa e interna estão mais diluídas, embora as FFAA e GNR tenham empenhamentos específicos, que se devem completar uns aos outros, conforme as situações. Assim, o contributo para a Segurança Nacional dos oficiais formados nos estabelecimentos universitários militares afigura-se determinante. Da Segurança Nacional ao Desenvolvimento vai um passo muito estreito, porque afectada a Segurança, o Desenvolvimento é também muito afectado, sendo a inversa também verdadeira.
A Segurança pode ser um conceito muito abrangente. Segundo Emma Rotchild “assistimos à “extensão para baixo”, isto é, da segurança dos Estados para a dos indivíduos e grupos; “extensão para cima”, ou seja, da segurança nacional para segurança em níveis mais amplos (ambiente, humanidade); “extensão horizontal”, isto é, a segurança militar, política, económica, social ou humana; e “extensão multi-direccional”, isto é, dos Estados para as Instituições internacionais, os governos locais ou regionais, as organizações não-governamentais e também a opinião pública, os media e as forças abstractas da natureza ou do mercado”.
A Defesa Nacional (militar e civil), constitui-se como “uma estratégia integrada e um conjunto de acções que o Estado português põe em prática para garantir a Segurança Nacional”.
A Segurança Nacional, apertando agora o conceito mais abrangente de Emma Rotchild já referido, “consiste nos estados de unidade, soberania e independência nacionais, de bem-estar e prosperidade da Nação, de unidade do Estado e normal desenvolvimento das suas tarefas, de liberdade de acção política dos órgãos de soberania e de regular funcionamento das instituições democráticas, no quadro constitucional”.
Na actualidade, sentimos bem o preço que pagamos no nosso Desenvolvimento, por estarmos numa situação em que a nossa soberania é relativa, em que está em causa o “bem-estar e a prosperidade da Nação” e até mesmo alguma “liberdade de acção política dos órgãos de soberania”, em virtude de estarmos muito condicionados pelos nossos credores, devido à situação financeira que se atingiu. No fundo, ao navegar na barca da “incerteza estratégica”, os responsáveis políticos não foram capazes de dosear a relação entre os recursos do País e o que dele pretendemos.
Estão pois em causa factores que tipificam a Segurança Nacional. A Segurança Nacional foi posta em risco, não por causa de conflitos inter-estatais ou outros, mas os efeitos ao nível geral são semelhantes. Nestas situações, há que tentar repor a normalidade e nesse percurso não pode faltar a generalizada convicção de que, afinal, persistem factores determinantes para um estado de Segurança aceitável, para o que são essenciais os contributos muito ponderados das FFAA e GNR.
Passemos então brevemente em revista, atenta a natureza dos leitores desta Revista, como as missões atribuídas às FFAA se relacionam com factores determinantes da Segurança Nacional e com o Desenvolvimento.
As missões constitucionalmente atribuídas às FFAA incluem “missões de interesse público, nomeadamente no apoio ao desenvolvimento sustentado e à melhoria da qualidade de vida dos portugueses”.
Segundo o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, estas missões abrangem um vasto leque de actividades, incluindo: “o apoio ao Serviço Nacional de Protecção Civil, para fazer face a situações de catástrofe ou calamidade pública; o apoio à satisfação das necessidades básicas das populações; a fiscalização da Zona Económica Exclusiva; a busca e salvamento; a protecção do ambiente; a defesa do património natural e a prevenção de incêndios; a pesquisa dos recursos naturais e a investigação nos domínios da geografia, cartografia, hidrografia, oceanografia e ambiente marinho”.
Avisadamente, refere o Conceito Estratégico de Defesa Nacional: “Na execução destas missões deve ser valorizado na máxima extensão possível o princípio do duplo uso”.
Na designada “Defesa 2020” (Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2013, de 15 de Abril), em que se pretende definir os pontos essenciais à Reforma das FFAA, mencionam-se, entre outras, as seguintes actividades mais directamente relacionadas com o Desenvolvimento: “Evacuação de cidadãos nacionais em áreas de crise ou conflito (muito importante numa altura em que a emigração cresce exponencialmente); Missões de interesse público, associadas ao desenvolvimento sustentado e ao bem-estar das populações; Cooperação técnico-militar; Resposta a emergências complexas, designadamente, catástrofes naturais ou provocadas; Cooperação com as forças e serviços de segurança”.
Julgo que a simples enumeração destas actividades evidencia, com toda a clareza, a proximidade entre missões atribuídas às FFAA e factores decisivos no âmbito do Desenvolvimento do nosso País. Ao formar os oficiais que hão-de comandar as mulheres e homens responsáveis pelo cumprimento destas missões, o Ensino Superior Militar tem que considerar todas estas vertentes, com veremos adiante, na tentativa de definição do que se possa entender por “Ciências Militares”.
Olhemos então, um pouco mais, para o Ensino Superior Militar.
Desde 1986, o Ensino Superior Militar entrou em acelerada convergência com o Ensino Superior em geral[1]. O essencial desta convergência decorre do facto de o Ensino Superior Militar ter que se sujeitar aos critérios do Sistema de Avaliação e Acreditação a nível nacional, embora deva ser salvaguardada a sua natureza muito específica. Isto significa, em síntese, que os ciclos de estudos e os próprios estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, têm que cumprir com diversas condições estabelecidas na Lei, designadamente o Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março – Graus académicos e diplomas do ensino superior, Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro – Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior e Decreto-Lei n.º 369/2007, de 5 de Novembro – instituição da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, Agência que estabelece os calendários para promover a avaliação nos nossos estabelecimentos de ensino superior.
Outro momento decisivo da convergência com o Ensino Superior nacional ocorreu com a publicação do Decreto-Lei nº 37/2008, de 5 de Março, ao tipificar o Instituto dos Estudos Superiores Militares (IESM) como estabelecimento de ensino superior público universitário[2] militar, reiterando esta qualificação para a Escola Naval (EN), a Academia Militar (AM) e Academia da Força Aérea (AFA).
Este diploma também estabeleceu, no artº 5º – Avaliação e acreditação – que “Os estabelecimentos de ensino superior público militar estão abrangidos pelo sistema geral de avaliação e acreditação do ensino superior”.
Com a aprovação do Decreto-Lei nº 37/2008, o Ensino Superior Militar passou a ter a mesma estrutura, os mesmos critérios, as mesmas exigências e o mesmo valor do que o Ensino Superior Público a nível nacional.
Outro momento essencial na definição do edifício legal respeitante ao Ensino Superior Militar ocorreu em 2010, com a publicação dos Estatutos da Escola Naval, da Academia Militar, da Academia da Força Aérea e da Escola de Serviço de Saúde Militar, através do Decreto-Lei nº 27/2010, de 31 de Março, Decreto-Lei que também republicou, actualizando-o, o Decreto-Lei
nº 37/2008. O Estatuto do IESM foi publicado através do Decreto-Lei nº 28/2010, de 30 de Março.
Não foi um percurso isento de escolhos. Pelo meio ficaram os projectos da Universidade das FFAA e do ano de Formação Geral Comum.
Um passo fundamental para a criação de condições nos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, que suportem o Ensino Superior Militar, acentuando a convergência deste tipo de ensino com o Ensino Superior nacional, ocorrerá, previsivelmente, no ano escolar 2015/16, quando os nossos estabelecimentos de ensino superior e respectivos ciclos de estudos forem sujeitos ao primeiro ciclo de avaliação pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, um ciclo periódico que está a ocorrer em todas as Instituições de Ensino Superior, para avaliar as condições de manutenção de acreditação dos ciclos de estudo, após a adaptação aos princípios que decorreram da Declaração de Bolonha.
A Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro – Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior – define, no âmbito do Ensino Universitário, o que são “Universidades”, “Institutos Universitários” e “Outras Instituições Universitárias”. Em síntese, a diferença mais significativa entre eles tem a ver com os doutoramentos ministrados, devendo ser um mínimo de três nas “Universidades”, um nos “Institutos Universitários”, não podendo as “Outras Instituições” ministrar este grau, a não ser em associação com Universidades. Os actuais estabelecimentos de ensino universitário militar são, face à lei geral, “Outras Instituições de Ensino Superior”. Para o futuro, como veremos adiante, pretende-se que galguem um degrau da escala indicada, organizando-se em Instituto Universitário, para o que vão necessitar de ministrar pelo menos um doutoramento autonomamente.
Em Outubro de 2012, o Ministro da Defesa Nacional fez publicar um Despacho para o Conselho de Ensino Superior Militar estudar a reorganização do Ensino Superior Militar e outros assuntos associados[3]. Na sequência deste Despacho, no respeitante ao Ensino Superior Militar, foi recentemente publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2013, de 15 de Abril, designada de “Defesa 2020”, que estabeleceu, como nível de ambição, a criação de um Instituto Universitário Militar, que implica, como já referido, um doutoramento em Ciências Militares e uma muito maior cooperação entre os quatro estabelecimentos de ensino superior universitário militar. Este Instituto irá congregar a EN, a AM, a AFA e o IESM, como unidades orgânicas, mediante a adopção de um Estatuto (em estudo) que respeite as identidades destes estabelecimentos de ensino superior público universitário militar.
A “Defesa 2020” ainda refere que, para se chegar ao Instituto Universitário Militar, se deverá aplicar a figura prevista no artº 17º do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, que permite criar um novo modo de governação dos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, mais cooperativo, salvaguardando também a especificidade de cada estabelecimento de ensino actualmente existente.
No fundo, procura-se reforçar a massa crítica dos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, o que poderá facilitar a acreditação futura dos ciclos de estudos, da Investigação e Desenvolvimento e dos próprios estabelecimentos de ensino, num contexto de uma mais que provável escassez de toda a espécie de recursos, a requerer grandes cuidados na respectiva gestão e a consideração de economias de escala.
A criação de um Instituto Universitário Militar implica que se torne possível ministrar um ciclo de estudos de doutoramento (3º ciclo) e isso incorpora um projecto significativamente ambicioso. Este doutoramento, naturalmente de carácter facultativo, potenciando toda a fieira de formação dos oficiais do QP, deverá ser na área das Ciências Militares, para o que foi necessário especificar uma definição para esta área científica, apesar de as licenciaturas em Ciências Militares já serem reconhecidas aos cursos ministrados na EN, na AM e na AFA, desde 1976[4].
Antecipo a oposição de alguns sectores a esta ideia do doutoramento em Ciências Militares. Doutoramento para quê, perguntarão. A resposta mais simples é que esta é uma condição para que o Ensino Superior Público Universitário Militar continue a ser Universitário, no âmbito do Ensino Superior Nacional. Remeter o Ensino Superior Militar para um “gueto”, exclusivamente militar, sem preocupações de manter a inclusão no Ensino Universitário Nacional, seria retroceder um bom par de anos e, a meu ver, um sério revés para o prestígio que as FFAA devem ter, no âmbito da Sociedade Civil. Os oficiais não terão obrigatoriamente que ser doutores e isto nada tem a ver com condições de promoção a oficial general, por exemplo. Vamos precisar de alguns docentes militares doutorados, não só em Ciências Militares, mas em conjugação com doutoramentos em Universidades Civis, com ou sem associação com os estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, e isso tem que ser gerido por quem de direito, para garantir o preenchimento de cargos de docência, de direcção de órgãos de ensino e investigação dos nossos estabelecimentos de ensino superior militar, porque a Lei Geral a isso obriga, mesmo considerando a especificidade do ensino superior militar.
A definição de Ciências Militares, já entregue à consideração do Ministro da Defesa Nacional, depois de tipificada a dimensão humana da comunidade praticante e de evidenciar os projectos já concluídos, em curso e em projecto, é a seguinte “As Ciências Militares são um corpo organizado e sistematizado de conhecimentos, de natureza multidisciplinar, resultantes da pesquisa científica e de práticas continuadas, relativo ao desenvolvimento das metodologias e processos de edificação e emprego de capacidades militares[5] utilizadas na defesa, vigilância e controlo dos espaços nacionais de soberania; na resposta a crises, conflitos e emergências complexas; em operações de apoio à paz e humanitárias; e em missões de interesse público”.
Esta definição de Ciências Militares, que se afigura coerente e ajustada, tem em conta a necessidade de preparar os oficiais das FFAA para todo o leque de missões que decorrem da Constituição, do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e da “Defesa 2020”.
Uma definição de características semelhantes, mas focada na GNR e em que esta se reconheça, tem ainda que ser desenvolvida, para que as duas possam ser depois formalmente reconhecidas, juntas numa área científica mais abrangente, que tentativamente poderíamos designar por Defesa e Segurança.
Por outro lado, se esta definição for aprovada ao nível da Fundação para a Ciência e Tecnologia, reúnem-se melhores condições para a acreditação dos Centros de Investigação Militares existentes nos nossos estabelecimentos superiores de ensino universitário. O problema actual é que os domínios próprios dos Centros de Investigação Militares não são actualmente enquadráveis nos domínios definidos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, o que determina uma maior dificuldade dos Centros de Investigação Militares serem avaliados por esta Fundação.
Do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e da “Defesa 2020” resulta, genericamente, valorizar o conhecimento, a tecnologia e a inovação. Como atrás referido estão a dar-se passos para potenciar as capacidades de Investigação dos nossos Centros de Investigação Militares e isso tem muito a ver com Desenvolvimento.
O Conceito Estratégico de Defesa Nacional refere: “Promover a investigação, o desenvolvimento e a inovação como passo fundamental para o fomento de um nível tecnológico elevado no sector da defesa, que melhore a operacionalidade das Forças Armadas e o desenvolvimento continuado de uma Base Tecnológica e Industrial da Defesa, devidamente integrada em condições de competitividade na indústria europeia de defesa”.
A Resolução do Conselho de Ministros que aprovou a “Defesa 2020” – Orientações para o Ciclo de Planeamento Estratégico de Defesa – refere-se à Investigação, Desenvolvimento e Inovação nos mesmos moldes que o Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Ao nível do Ministério da Defesa Nacional, em recente programa para a Investigação, Desenvolvimento e Inovação, designado de “Ensino Superior – Programa de Actividades Investigação, Desenvolvimento e Inovação com interesse para a Segurança e Defesa”, apresentado pela Direcção-Geral de Armamento e Infra-estruturas de Defesa e aprovado em 2 de Maio, p.p., pelo Ministro da Defesa Nacional, refere-se, que, actualmente, a Estratégia de Investigação, Desenvolvimento e Inovação tem definidas as seguintes áreas tecnológicas: “Tecnologias; Sistemas e Domínios da Integração”. Adiantando-se de seguida a necessidade do “envolvimento alargado das entidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e, sobretudo, da Base Tecnológica e Industrial de Defesa, para permitir dar forma a produtos de mercado concretos e a projectos que vão ao encontro da satisfação das lacunas sentidas pelo Sistema de Forças Nacional”.
No programa Investigação, Desenvolvimento e Inovação atrás referido, a EMPORDEF[6] considera necessário estabelecer uma melhor articulação entre os projectos de investigação em curso, ou a contratualizar com os Centros de Investigação Militares.
Existe pois um campo muito vasto para a acção dos Centros de Investigação Militares, sendo necessário concretizar ainda mais projectos, dos que adiante se indicam, e que demonstram a real capacidade de Investigação, Desenvolvimento e Inovação instalada, que pode ainda ser potenciada, estreitando ainda mais a relação entre Ensino Superior Militar e Desenvolvimento.
Na Marinha, na Escola Naval – Centro de Investigação Naval (CINAV), que também apoia os projectos Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Marinha, os projectos em curso enquadram-se nas seguintes linhas de investigação:
– Processamento de sinais (acústica principalmente submarinos e comunicações);
– Robótica Móvel (incluindo veículos subaquáticos, de superfície não tripulados e aéreos não tripulados);
– Sistemas de Apoio à Decisão (para sistemas de conhecimento situacional marítimo, Sistemas de Informação Geográfica, Apoio à decisão em combate, e técnicas de Inteligência Artificial para a construção naval e as operações do navio);
– Gestão da Manutenção e Engenharia (Técnicas de Análise Multivariada de Dados para manutenção baseada em condição, análise de vibração e termografia);
– História Marítima (época dos Descobrimentos, História da navegação, e arqueologia subaquática);
– Estratégia Marítima (Geopolítica e Extensão da Plataforma Continental);
– Saúde Naval (Medicina Hiperbárica e Aptidão Física).
No Exército, na Academia Militar – Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL), que também apoia as actividades de Investigação, Desenvolvimento e Inovação do Exército e da GNR, os projectos em curso enquadram-se nas seguintes linhas de investigação:
– Estudo das Crises e dos Conflitos;
– Gestão de Crises;
– Apoio à Decisão e Guerra de Informação;
– Ambiente Operacional;
– Comando, Liderança e Fatores Humanos (compreendendo a Ética e Deontologia, Comando e Liderança, Psicologia, Sociologia, Comunicação e gestão de perceções e os Recursos Humanos);
– Medicina Operacional (que compreende a Medicina Operacional e a Motricidade Humana);
– Tecnologias de Apoio à Segurança e Defesa (compreendendo a Robótica e veículos não-tripulados, Explosivos, tecnologias energéticas e dos materiais, Sistemas de Comando e Controlo, Sistemas de combate, e as Tecnologias de defesa NBQR, biotecnologias e de protecção ambiental).
Na Força Aérea Portuguesa, Academia da Força Aérea (AFA) – Centro de Investigação da AFA (CIAFA), que também apoia os projectos Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Força Aérea, os projectos em curso enquadram-se essencialmente numa área de investigação, a fim de se evitar a dispersão de recursos humanos, materiais e financeiros. Assim, todas as linhas de investigação em curso no CIAFA têm finalidades afins e complementares com vista a um objectivo comum: a implementação de actividades de Investigação, Desenvolvimento e Inovação na área dos Veículos Aéreos Autónomos Não-Tripulados. Em conformidade, são as seguintes as linhas de investigação actualmente em curso neste Centro:
– Projecto aeronáutico;
– Construção de plataformas;
– Engenharia de software;
– Sistemas de decisão e controlo;
– Sistemas de navegação e fusão de dados;
– Comunicações;
– Visão e processamento de imagem;
– Manutenção e fiabilidade;
– Certificação;
– Operações.
No IESM – Centro de Investigação de Segurança e Defesa (CISDI) pretende-se focalizar a investigação e concentrar recursos na área correspondente aos elementos nucleares das Ciências Militares. Os projectos em curso enquadram-se nas seguintes linhas de investigação:
– Estudo dos Conflitos Armados;
– Operações Militares;
– Comportamento Humano;
– Técnicas e Tecnologias Militares;
– Pontualmente: (Ciências da Gestão, Ciências Políticas, Ciências Jurídicas, Ciências Policiais, Ciências da Engenharia, Ciências Médicas, etc.).
Epílogo
Na sequência do Despacho nº 229/MDN, de 2 de Outubro de 2012, da “Defesa 2020”, constante na Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2013, de 15 de Abril e do Despacho nº 7527-A/2013, de 31 de Maio, que calendariza as acções previstas na “Defesa 2020”, o Ensino Superior Militar dispõe de um conjunto de linhas de orientação muito actualizadas e, a meu ver, adequadas, para prosseguir o projecto de convergência com o Ensino Superior Público a nível nacional e para garantir a formação dos oficiais das FFAA e da GNR, com vista ao cumprimento das missões consagradas constitucionalmente e que são detalhadas no Conceito Estratégico de Defesa Nacional e na “Defesa 2020”, documentação estruturante da Defesa Nacional muito recente, para o caso das FFAA.
O Ensino Superior Militar dispõe de um Programa de Actividades de Investigação, Desenvolvimento e Inovação muito actualizado (Despacho do Ministro da Defesa Nacional de 2 de Maio, p.p.), estando a dias de também dispor de um programa actualizado na área da Cooperação Internacional e Técnico-Militar, a cargo da Direcção-Geral de Politica de Defesa Nacional.
Deve agora interromper-se a fase de conceptualização e de diagnóstico para dar lugar à acção e concretização dos projectos já calendarizados. O Despacho nº 7527-A/2013, de 31 de Maio, que faz esta calendarização, também define que incumbe ao Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) tutelar o futuro Instituto Universitário Militar. Assim, a edificação do Instituto Universitário Militar passa por tecer o quadro em que, de futuro, se fará a articulação entre quem irá ter a tutela do Instituto Universitário Militar (CEMGFA) e quem continuará a deter a tutela do Ensino Superior Militar ao nível político (o Ministro da Defesa Nacional). Num outro plano, esta edificação também passa pelo acordar dos poderes actualmente detidos pelos Chefes de Estado-Maior, relativamente aos actuais estabelecimentos de ensino superior público universitário militar, para o CEMGFA e pelos dos respectivos Director e Comandantes para o futuro Director do Instituto Universitário Militar. É uma matéria delicada, que deve estar concluída até Novembro de 2013.
Os contributos do Ensino Superior Militar para o Desenvolvimento têm pois muito a ver com o contributo decisivo das FFAA e GNR para a manutenção do estado de Segurança Nacional e com os contributos para o Desenvolvimento que decorrem das actividades concretas de Investigação, Desenvolvimento e Inovação dos Centros de Investigação Militares.
No entanto, o contributo mais decisivo do Ensino Superior Militar para o Desenvolvimento, vem com toda a certeza das pessoas que o frequentam e que adquirem essa mistura de formação superior difícil de definir, constituída de ciências base e ciências militares e, ainda, preparação física e de adestramento militar, tudo devidamente estruturado “numa sólida educação militar, moral e cívica tendo em vista desenvolver nos alunos qualidades de comando, direcção e chefia inerentes à condição militar[7]”, de forma a ficarem aptos a “comandar em situações de risco e incerteza típicas do combate armado, em resposta às exigências da segurança e da defesa nacional”.
A Condição Militar é a diferença essencial com outras formas de Ensino Superior. São valores que se interiorizam no âmbito da formação comportamental, que se adquirem em cada ramo, que só cada ramo sabe fazer e que justificam a manutenção do respeito pela especificidade da formação superior em cada um deles.
Estas pessoas encontram-se nas operações militares reais, de acordo com o determinado pelo poder político, nos exercícios, porque não há lugar ao improviso, nas unidades militares, nos comandos, nos estados-maiores, nos estabelecimentos de ensino, nos órgãos de apoio logístico, no cumprimento das outras missões de interesse público quando reagem a qualquer catástrofe ou exercem a autoridade do Estado no Mar e no Ar, quando salvam pessoas, quando fazem evacuações médicas, nos levantamentos para o projecto da Plataforma Continental, no combate aos incêndios, no caso da GNR a garantir, não só a segurança interna na parte que lhe cabe, mas protegendo estudantes e velhos, nas organizações internacionais, nas coligações, na Presidência da República, nos organismos ministeriais, nas universidades e por todo o lado em que o País se realiza, não só no activo, mas também na reserva e até na reforma. Já foram, e em alguns casos ainda são, presidentes da República, primeiros-ministros, ministros, secretários de estado, presidentes de câmara ou de freguesia. Não recearam eleições, previamente adquirida uma situação a tal adequada. Quando a conflitualidade a nível mundial se complica, chamam-nos para ajudar a explicar o que se passa. Um dia, há muitos anos atrás, foram decisivos para devolver a Democracia. No Programa do Movimento das Forças Armadas lá estava a palavra Desenvolvimento.
Como instintivamente me tinha parecido, logo no início, ao ser desafiado para este tema, sem nunca perder de vista que a missão principal do Ensino Superior Militar é a de formar oficiais para poderem enfrentar situações de conflito armado, ainda há espaço para desenvolver a sinergia entre Ensino Superior Universitário Militar e Desenvolvimento. O que é preciso, neste domínio, é continuar a passar das palavras à acção e acabar com as visões preconceituosas, que geram desperdícios de competências, mesmo num País em sérias dificuldades, no respeitante ao contributo que os militares, em qualquer situação, podem dar para o reforço da Segurança Nacional e Desenvolvimento.
[1] O processo de aproximação do Ensino Superior Militar ao Ensino Superior Nacional, no que respeita a legislação geral, encontra o seu passado recente na aprovação do Decreto-Lei n.º 48/86, de 13 de Março e no Decreto-Lei n.º 88/2001, de 23 de Março.
[2] A natureza universitária do IESM não estava tipificada na Lei, do antecedente.
[3] Despacho n.º 229/MDN, de 2 de Outubro de 2012.
[4] O Decreto-Lei n.º 678/76, de 1 de Setembro, cria o grau de licenciado em Ciências Militares (art.º 32.º) e o Decreto-Lei n.º 48/86, de 14 de Março, define os Estabelecimentos Militares de Ensino Superior que atribuem o grau de licenciado em Ciências Militares, na especialidade que lhes corresponde.
[5] O conceito adotado pela OTAN de “capacidades militares” inclui a Doutrina, a Organização, o Treino, o Material, a Liderança e a educação, o Pessoal, as Infra-estruturas (facilities) e a Interoperabilidade.
[6] Empresa Portuguesa de Defesa SGPS, S.A.
[7] Do Estatuto dos estabelecimentos de ensino superior público universitário militar.
Licenciado em Ciências Militares com o curso de Marinha da Escola Naval, frequentou depois diversos cursos, entre os quais os próprios da carreira militar.
Foi especializado na área das Telecomunicações.
Foi Diretor da Estação Radionaval da Horta e desempenhou o cargo de “Communications and Information System Officer” na União da Europa Ocidental”.
Prestou serviço, entre outras situações, na área da gestão de recursos humanos e no Estado-Maior da Armada, tendo sido Subdiretor da Direcção do Pessoal da Marinha e Chefe da Divisão de Planeamento.