Nº 2542 - Novembro de 2013
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas Bibliográficas : Mulher Combatente

Mulher Combatente

Estilhaços silenciosos da guerra colonial

 

A pedido de Lurdes Loureiro, autora do livro “Mulheres Combatentes”, para que fizesse o prefácio desta obra, é com profunda solidariedade que presto também a minha homenagem às Mulheres que partilharam e partilham o sofrimento dos seus companheiros com tanta dedicação, contra todos os obstáculos e também com tanta dor e sacrifício.

Porque se trata, pois, de uma homenagem às Mulheres dos Combatentes com deficiências físicas e psicológicas profundas, que viram a sua vida brutal e definitivamente mudada, e com tanto sofrimento e coragem, são as verdadeiras cuidadoras da Família, numa dádiva de tanto afecto e amor, é mais que justo salientar a forte chamada de atenção que é preciso continuar a fazer – por razões de dignidade humana – para a dolorosa situações destes Combatentes, das suas Mulheres e Famílias.

Falar, pois, de sofrimento do Combatente é falar, também, na dolorosa situação da Mulher do Combatente, que vive uma angústia diária, diária, discreta e tantas vezes silenciosa.

Como disse Maria Rosa Colaço, grande amiga, mulher de grande sensibilidade e uma das maiores poetisas do nosso tempo, os Combatentes de guerra fizeram “com o seu sangue, um País de liberdade”. E as suas Mulheres, com muito sofrimento e com muitos sacrifícios, merecem não só a nossa homenagem como serem consideradas com mais justiça e dignidade. Porque só elas sabem bem, como disse Madre Teresa de Calcutá, que “É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”.

Os testemunhos de vida, doação, fraternidade e sofrimento, muitas vezes nos limites da resistência humana e psicológica nem sempre têm sido considerados na sua verdadeira dimensão. Por isso, os testemunhos chocantes, dramáticos e comoventes de muitas dessas Mulheres incentivam-nos – a todos nós, Estado e Sociedade Civil – a não parar, a não desistir, a continuar a lutar por reformas condignas e apoio social, psicológico e de saúde gratuitos, a quem tiver a seu cargo um grande deficiente.

Neste trabalho é importante uma forte união e coordenação de esforços a nível nacional e europeu, que assim poderão ter mais força nas suas reivindicações.

Penso que nesta área é de salientar o trabalho excelente, de grande dinamismo e dignidade, da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, da Associação APOIAR, que tem dado um especial apoio às vítimas de stress pós-traumático e suas Famílias, e ainda da Liga dos Combatentes, com delegações localizadas em todo o País.

De qualquer modo, é preciso continuar a fazer uma grande divulgação para que todos os direitos destes Combatentes e suas Mulheres sejam assegurados, com toda a justiça.

Como diz o poeta, “O caminho faz-se caminhando”. E, efectivamente, é preciso não parar, não desistir e continuar a lutar por reformas condignas, mais apoio social e de saúde, toda a ajuda a quem tiver a seu cargo um grande deficiente.

De salientar, também, neste livro, sobre a Mulher Combatente – tema injustamente silenciado e que tantas marcas de sofrimento tem deixado em numerosas Famílias – vários alertas e reivindicações, e até um guia extremamente útil para as Famílias afectadas pelo stress pós traumático, que pode manifestar-se de imediato ou muitos anos depois, e que apenas há cerca de 15 anos acabou por ser reconhecido em Portugal.

Não é o povo que decide a guerra, mas sim o poder político, que por ela opta porque nada lhe custa (porque a subvenciona à custa de outrem, a saber, do povo), mas é sobre o povo que se abate todo o sofrimento da guerra e, como tal, nas palavras de Kant em A Paz Perpétua, é “o povo, que a paga, [que deveria] (…) ter voto decisivo sobre se deve ou não haver guerra”.

Luta-se por um País e não por um regime vigente, e a todos estes grande deficientes-heróis, que por todos nós lutaram e a quem todos somos devedores, nada paga a saúde perdida, o desgaste físico e psicológico, a dor imensa das suas Mulheres e familiares.

Tudo o que se fizer é pouco! Porque os direitos têm de ser dignificados e cumpridos por quem, com honra e sacrifício, TUDO deu à sua Pátria, e lhe consagrou, total e definitivamente, o seu maior e distintivo direito – o direito à vida – e o seu maior bem – a própria vida.

Combatentes-heróis, suas Mulheres e Filhos são justamente recordados pelo imortal poeta Fernando Pessoa em Mar Português – “Por te cruzarmos, quantas mães choraram/, Quantos filhos em vão rezaram!” Das suas lágrimas é feito o nosso mar. Da sua coragem diária é feita a força que mantém unida a Família – o último reduto de verdadeira solidariedade, o único lugar onde a afectividade e a fraternidade estão associadas.

 

Drª. Manuela Ramalho Eanes

 

 

NOTA: A Revista Militar felicita a autora do livro e agradece a oferta do exemplar para o acervo da Revista

Dra.
Manuela Ramalho Eanes
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