Fiel ao propósito anunciado no proémio, o autor empenhou-se em destrinçar a imagem turbulenta e aventureira do paladino que foi a Inglaterra defender a honra de damas inglesas – episódio sublimado por Camões nos Lusíadas –, do filho-segundo de um importante fidalgo português, forçado a abrir, por sua iniciativa e méritos, um trabalhoso caminho na sociedade feudal europeia na transição do século XIV para o século XV.
João Ferreira da Fonseca não faz concessões ao bairrismo ou à fantasia: embora uma antiga tradição local, apoiada nalguns elementos factuais, sugira que o Magriço pode ter nascido no castelo de Penedono, o livro não confirma o facto; da mesma forma, sendo natural que a alcunha derive de uma compleição física pouco robusta, uma vez que não existem fontes primárias que o confirmem, o autor não se compromete com ela.
Fica-nos, em todo o caso, uma dúvida pertinente: numa época em que os jovens de origem fidalga eram treinados, desde a mais tenra idade, em atividades e jogos destinados a prepará-los para as exigência do combate, e sabendo-se que, quando adultos, eram com frequência solicitados para tarefas que requeriam uma enorme capacidade física, como é que um cavaleiro apodado de Magriço – que a novelística medieval aponta como personagem de proezas cavalheirescas – passa efectivamente à História como protagonista de relevantes serviços militares prestados durante cerca de dez anos ao duque da Borgonha.
Para que possamos entender as atribulações por que passou Álvaro Gonçalves Coutinho, o autor recorre a uma compartimentação bem estruturada como base para uma viagem através dos intrincados meandros políticos e sociais da época.
Filho de Gonçalo Vasques Coutinho, que fora nomeado Marechal do reino em 1389, o Magriço, jovem de estirpe fidalga, foi educado na corte de D. João I, sendo aí inequivocamente referenciado nos anos 1405-1406. Porém, por razões desconhecidas, terá caído em desgraça, vendo-se forçado a emigrar para o ducado da Borgonha, onde serviu João Sem Medo, na altura envolvido na guerra dos cem anos. E tão bem o serviu, que não só foi feito fez escudeiro da corte como recebeu, em mais de uma ocasião, pagamentos em numerário. É, porém, de justiça assinalar-se que, durante a sua permanência na Borgonha, Gonçalo Coutinho prestou bons serviços a D. João I, «negociando um conjunto de prerrogativas de mercês e privilégios para os mercadores e marinheiros portugueses». Desgraçadamente, os serviços ao duque não terminaram da melhor forma: em 1419, o Magriço foi espoliado dos seus bens e aprisionado na fortaleza de Carcassonne. Pouco mais se sabe dele, para além do seu regresso a Portugal ainda nesse ano, tão necessitado de dinheiro como quando partira, dez anos antes. A derradeira referência documentada coloca-o, em 1425, na cidade do Porto, litigando com o concelho da cidade a posse da Quinta de Vale de Amores.
O livro, na sua busca para encontrar o homem de carne e osso que habita por trás do imaginário medieval, deixa o leitor com água na boca. Fazemos votos para que seja coroada de êxito a «deslinda» prometida na última página.
A Revista Militar felicita o autor pela publicação desta obra e agradece o volume que foi ofertado para a Biblioteca.
Coronel Nuno António Bravo Mira Vaz
Vogal Efetivo da Direção da Revista Militar
Sócio da Revista Militar. Vogal da Direcção da Revista.