Este número temático da Revista Militar materializa a nossa participação na Evocação do 1º Centenário da Primeira Guerra Mundial (I GM), constituindo uma singela homenagem a todos os combatentes portugueses, oriundos, naquela data, de um Portugal pluricontinental e multiracial, assim como aos familiares, que sofreram os sacrifícios e a dor das baixas resultantes do conflito, incluindo os que, posteriormente, cuidaram dos inválidos que o mesmo provocou. Por outro lado, desta Evocação resulta uma oportunidade para revisitar o acervo bibliográfico produzido durante aquele período, tornando público o pensamento estratégico militar da altura, permitindo uma percepção mais clara das motivações, dos comportamentos e das decisões, então assumidas.
A participação nacional neste conflito tem duas dimensões, conhecidas de forma diversa. O desempenho do Corpo Expedicionário Português (CEP) no Teatro de Operações Europeu, mais concretamente na Flandres, bem conhecido e profusamente documentado e outra, que teve lugar antes da “declaração formal da guerra” pela Alemanha e que ocorreu no Teatro de Operações Africano, em Angola e em Moçambique, num esforço militar de defesa da integridade daqueles dois territórios. Este exemplar da Revista Militar aborda o empenhamento militar nacional do Exército e da Marinha, neste primeiro período da nossa participação na Iª GM.
Neste primeiro conflito, designado de mundial, confrontaram-se duas visões estratégicas da Guerra, que constituíram os fundamentos das modernas doutrinas militares, que vieram a ter expressão estratégica visível em 1939-45, na IIª GM. Em 1914, confrontaram-se o rumo da diplomacia e pensamento militar alemão, influenciado pela visão Clausewitziana do mundo e da sua percepção de que a Guerra era a continuação da Política por outros meios, com o pensamento militar francês, ainda fortemente influenciado pelas doutrinas napoleónicas, com o exército de massas, apoiado nos valores nacionais, continuado a apostar na ofensiva frontal, para provocar a ruptura física e moral do adversário.
Durante a Iª GM assistimos a uma concentração de efectivos e de meios de apoio de fogo, a par da necessária tonelagem de munições nunca vista, até então. Uma frente marcada por uma linha de trincheiras, guarnecidas por efectivos significativos, apoiadas por milhares de metralhadoras, morteiros, obuses e peças de artilharia de diversos calibres, dispondo ainda de reservas de efectivos, em quantidade e prontidão, para reconstituir as linhas de defesa. Vivia-se o paradoxo das condições de vida que tinham erradicado o flagelo da doença como principal causa de morte durante a guerra, o declínio da mortalidade infantil e um aumento de esperança de vida, em relação ao século anterior, para uma disponibilidade de recrutamento e mobilização de efectivos, que avançavam para uma chacina que aumentava de forma descontrolada de ano para ano.
Em Setembro de 1915, o exército francês já tinha contabilizado um milhão de baixas, cerca de um terço mortos nas batalhas de Marne, Aisne, Picardia e Champagne; na batalha de Verdun, em 1916,perdeu 500 mil soldados, entre mortos, feridos e desaparecidos e o exército alemão mais do que 400 mil. Em Novembro de 1918, a França tinha perdido 1,7 milhões de jovens de uma população de 40 milhões, a Itália 600 mil em 36 milhões, o império britânico cerca de 1 milhão, dos quais 700 mil, dos 50 milhões que viviam nas ilhas Britânicas. A Alemanha perdeu mais de 2 milhões de uma população de 70 milhões antes da guerra.
A industrialização, o caminho-de-ferro, a mecanização da agricultura, a par da disponibilidade dos exércitos nacionais de conscrição, permitiam concentrar nas frentes de combate, nas trincheiras, “uma multidão” de militares, toneladas de munições e sustentar os efectivos mobilizados; em termos militares, a velocidade logística e o recompletamento de efectivos eram superiores à velocidade operacional, o combate fazia-se a pé ou a cavalo, pois o motor só no final da guerra terá uma actuação mais preponderante, assim como o carro de combate e o avião que, só nessa altura, deixam de ser encarados como vectores de apoio ou de recurso.
Estas eram as realidades da estratégia militar nos teatros europeus. Nos “designados campos de operações exteriores”, nos teatros extra-europeus, o planeamento metódico da guerra, nos moldes doutrinários praticados pelos estados-maiores, num quadro operacional de frentes bem definidas, nem sempre foram válidos ou possíveis. Nesses Teatros, o sucesso militar e político foi obtido através de uma manobra militar, que combinava acções de combate tradicionais, com a revolta das populações autóctones, com acções militares clandestinas, incluindo a sabotagem e as acções sobre a retaguarda inimiga.
A pouca divulgação das operações que constituíram as campanhas no Médio Oriente e em África contribuiu para que se tornassem lições esquecidas, quer no domínio das acções clandestinas, quer da acção psicológica, que teriam evitado não só naquelas regiões, como também na Ásia, que o Ocidente fosse surpreendido pelo despertar dos nacionalismos e pelo sentimento de autodeterminação, espontâneo ou provocado, dos povos sob tutela. Merece especial destaque, a obra do Coronel T. E. Lawrence “Os Sete Pilares da Sabedoria”, sobre a Guerra no Médio Oriente, nos domínios psicológico e ideológico, assim como a descrição de operações tácticas e de nível estratégico, mas conduzidas fora das normas doutrinárias da Iª GM.
A presente Edição da Revista Militar sobre as operações militares nos teatros africanos é a contribuição possível, para um melhor conhecimento do esforço patriótico dos militares portugueses, conduzido em condições particularmente difíceis e com uma logística de sustentação que se pode imaginar significativamente precária, a par de um apoio sanitário também deveras incipiente.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.