Nº 2549/2550 - Junho/Julho de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL
General
José Luiz Pinto Ramalho

As comemorações relativas à evocação do centenário da participação de Portugal na I Guerra Mundial (I GM) têm vindo a permitir uma reflexão mais objetiva, quer sobre as razões da participação nacional no conflito quer sobre as condições em que essa participação foi conduzida, em termos militares, nos teatros de operações, primeiro, em África – em Angola e Moçambique – e depois, no centro da Europa – na Flandres.

É habitual referir-se que a História não se repete. Porém, é importante conhecê-la quando se analisa o presente e se prepara o futuro, designadamente em termos estratégicos, políticos e militares, para que os erros do passado não se repitam, pois as consequências serão sempre igualmente nefastas ou mais gravosas ainda, face às novas realidades da conjuntura estratégica.

Na análise da conjuntura estratégica atual, não pode deixar de continuar a considerar-se, para além de todo o discurso político, a favor da Paz e estabilidade internacional, a existência dos interesses nacionais que prevalecem e são determinantes na definição das estratégias nacionais e para a coerência das capacidade dos seus instrumentos políticos e militares, para os defender ou afirmar na cena internacional. As situações na Ucrânia, na Síria, em África e, mais recentemente, no Médio Oriente e no Iraque, com as consequentes reações dos Estados Unidos e da Rússia, são uma clara prova disso.

Perante a indiferença europeia, leia-se, dos seus Estados, relativamente às questões de segurança que ocorrem nos seus espaços de interesse e também de influência, não podem deixar de se levantar legítimas preocupações, até pelo que se vai assistindo, relativamente à prevalência de políticas de defesa, centradas na redução de orçamentos e nas consequentes diminuições de efetivos e capacidades militares.

Já são públicas as vozes que alertam para a desatualização dos conceitos estratégicos, definidos nos pressupostos de ausência de ameaças, privilegiando os sistemas de forças vocacionados para os conflitos de baixa intensidade e para as operações de paz. Vivemos hoje, quer queiramos assumir quer não, um novo ambiente estratégico, mais exigente, de grande conflitualidade, em que a gesticulação militar recorre a meios e processos que se tinham por ultrapassados; os conceitos estratégicos em vigor, da OTAN, da UE e dos respetivos Estados membros, necessitam de ser ajustados a este novo ambiente estratégico.

Seria também uma atitude responsável que os parlamentos e os governos não encarem os pareceres militares e os alertas daqueles que estudam e se preocupam com estas matérias e têm a experiência de funções desempenhadas neste ambiente, apenas como “reivindicações desprovidas de sentido, desajustadas às realidades financeiras e económicas actuais e movidas apenas por sentimentos corporativos”.

Neste contexto, as reuniões da Comissão Parlamentar de Defesa com as Chefias Militares, perante as reduções efetuadas nas Forças Armadas, com impacto nos efetivos e capacidades dos ramos, devendo efetuar uma rigorosa avaliação das mesmas, para o cumprimento, não só das normais funções de soberania mas, igualmente, dos níveis de empenhamento de forças e sua duração temporal, previstos no Conceito Estratégico Militar, em vigor, assim como a consistência e realidade do Sistema de Forças Nacional, estabelecido e aprovado.

Paralelamente, considerar a efetiva capacidade de crescimento da componente militar de defesa nacional, perante uma situação internacional mais gravosa, a exigir uma participação nacional, no quadro das Alianças e Organizações Internacionais a que Portugal pertence, para defender o interesse nacional.

Importa ter presente que as atuais ações reducionistas, apelidadas de reformas, procuram apresentar um quadro de forças, segundo o lema “menos forças, melhores forças”, em que aquilo que é real é a redução de efetivos, com as inerentes diminuição e degradação das capacidades militares existentes, assim como a ausência do lançamento de quaisquer programas de modernização ou de reequipamento, cancelando ou truncando, os programas que já estavam a decorrer, desperdiçando verbas aplicadas, da ordem das dezenas de milhões de euros, para além daquelas já investidas em infraestruturas e formação de pessoal, a par das também sempre consideradas desajustadas ou dispensáveis verbas necessárias a manutenção das capacidades ainda existentes.

No atual contexto geostratégico, em qualquer parte do mundo e nos quadros das alianças em que as forças armadas de diferentes Estados partilham “experiência militar internacional”, valorizar apenas “a coragem e a bravura do soldado”, sem promover as adequadas condições de formação, treino operacional, armamento e sobrevivência em ambiente de combate, não é uma condição suficiente para sustentar o moral da tropas.

Tal atitude valorativa, como expressão utilizada desde que o Homem se conhece, até pode “parecer bem”, do ponto de vista literário, ou ser sugestiva, como “apelo patriótico”; no entanto, por não dispensar outros conceitos doutrinários e nem ser exclusiva de critérios operacionais que possam conduzir “à vitória”, só por, “entusiasmo” ou “imprudência”, pode ser invocada, como alternativa a orçamentos na área da defesa militar.

Os alertas que nos últimos dois anos e meio têm vindo a ser feitos relativamente a estas matérias tiveram a sua última expressão pública, no discurso de Sua Excelência o Presidente da Republica, nas Cerimónias Militares do passado 10 de junho, na Cidade da Guarda, chamando a atenção para a necessidade da preparação ao invés da improvisação e da negligência, a par da atenção para os problemas concretos e específicos dos militares, que têm reflexos diretos na operacionalidade, na coesão, no moral e na disciplina.

Esperemos que não seja apenas a História a não se repetir; que os erros se não repitam também e, mais uma vez, a Lição da I GM não pode ser, levianamente, esquecida, pelo que merece ser citada, para meditação, uma frase do Discurso efetuado, relativamente à preparação nacional para a participação no conflito: “Pode dizer-se que os militares que foram para a Flandres e para África nada tinham senão a coragem.”

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2014-11-01
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia