A Revista Militar, em ligação com a Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I Guerra Mundial, lançou o encontro anual, os ‘VI Encontros da Revista Militar’, subordinado ao Tema do empenhamento militar nacional em Angola e em Moçambique, dedicando igualmente um número temático à participação dos militares portugueses, do Exército e da Marinha naqueles Teatros.
Esse número temático da Revista Militar teve o seu lançamento após a apresentação das Conclusões e encerramento do Colóquio relativo aos VI Encontros, estando a sua distribuição a cargo, quer da Direção da Revista quer da Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I Guerra Mundial.
A Revista Militar congratula-se pela parceria estabelecida com a Universidade de Lisboa que permite, pela segunda vez, a realização dos Encontros nas suas instalações e a participação ativa da Faculdade de Letras; um agradecimento especial a todos os Conferencistas e Moderadores dos vários Painéis, num Tema cuja atualidade se revela cada vez mais inequívoca, quer em termos militares quer políticos.
Atualidade, porque é importante aprender com os erros para, pelo menos, os não repetir. Lembro as recentes palavras de S. Exa o Presidente da República, na Cerimónia Militar do dia 10 de junho, e passo a citar: “Lançado inesperadamente numa Guerra que estava longe de prever, o país viu-se em dificuldade, com um Exército desprovido de organização apropriada, sem uniformes, sem armamento, sem munições sem transportes e sem dinheiro (…) Houve incúria na preparação, alheamento na execução e esquecimento no regresso. As decisões tomadas nos corredores de Lisboa não se revelaram ajustadas, ignoraram os avisados pareceres militares, interferindo abusivamente na acção de Comando”.
Infelizmente, na atualidade, perante uma atitude reducionista, persistente, de efetivos e de capacidades, relativamente às Forças Armadas, sob a capa reformista, tornam estas afirmações como percepções premonitórias de uma indesejável realidade, objeto de múltiplos alertas, mas não tida em conta, nem discutida, fruto de uma opacidade justificativa, no mínimo, escudada numa perigosa indiferença.
Atualidade, porque se assiste na Europa a um conjunto de acontecimentos perturbadores da paz e estabilidade internacionais, ao não atendimento de importantes questões ligadas à Segurança, quer sejam os conflitos abertos quer os radicalismos políticos ou de qualquer natureza, as tendências separatistas, os nacionalismos xenófobos, ao racismo e a uma maior expressão política dos partidos políticos extremistas. A indiferença europeia, leia-se dos seus estados membros, relativamente às questões de segurança que lhe dizem diretamente respeito é, no mínimo, preocupante.
Tal como no período que antecedeu a I GM, hoje, a insegurança e a alteração do protagonismo de certos países na Europa, embora não de cariz militar, levantam os mesmos receios do passado e materializa uma outra ordem social, económica e política, que percepciona uma alteração qualitativa e o desfazer de uma previsibilidade da ordem em que se vivia.
A I GM foi um laboratório de ideias e de experiências, quer no plano e exercício da política quer no domínio militar, e teve dois pólos de exercício e execução, que são conhecidos de forma desigual, mas cuja relação estratégica não deve ser ignorada e constitui, ainda hoje, campo de investigação a estimular.
Na Europa, a avaliação do conflito, das causas e consequências políticas e da atuação militar estão profusamente documentadas, contudo, nos “campos de operações exteriores”, assim eram designados os teatros de operações extraeuropeus, o mesmo não acontece, seja em termos internacionais seja, em particular, no caso nacional. A opção da Revista Militar pela realização deste Colóquio e pelo Tema escolhido é também uma maneira de despertar o interesse para uma investigação mais profunda, seja no domínio político seja nos aspetos militares de índole doutrinária, operacional e logística.
Referi em Editorial da Revista Militar, distribuída no final dos VI Encontros, na edição dedicada ao esforço militar de Portugal nos teatros africanos de Angola e de Moçambique, que a pouca divulgação destas campanhas constituiu lições esquecidas, que irão surpreender os poderes coloniais, a partir da década de cinquenta, do século passado.
De entre os objetivos políticos e estratégicos da Alemanha, na I GM, para África e para o Médio-Oriente, constava, a partir das palavras do Kaiser, “que era necessário inflamar o nacionalismo do mundo islâmico e africano, contra essa nação odiada de mercadores (leia-se a Inglaterra) e empatar os exércitos coloniais, dividindo forças e evitando o reforço da Europa com aqueles meios – esta situação permitiria compensar o impasse europeu e procurar sucessos e vitórias nos territórios extraeuropeus.
Da informação disponível, o empenhamento militar nacional nos teatros de Angola e de Moçambique materializou-se num esforço que fez passar uma guarnição militar, basicamente de recrutamento ultramarino, enquadrada por quadros provenientes do continente, de cerca de 1500 soldados, para um reforço de efetivos naqueles territórios de quase 50 000 militares, durante todo o período da guerra. Destes efetivos, estão contabilizados, segundo as estimativas mínimas, um total de mais de 5500 militares mortos, (2757 europeus e um número indiscriminado de indígenas, militares, guias, carregadores e auxiliares, que certamente excedem as estimativas referidas), em Angola e em Moçambique, durante o período do conflito.
Durante os primeiros anos da I GM, e em particular durante o ano de 1918, as forças portuguesas, juntamente com ingleses e belgas, irão combater as forças coloniais germânicas, designadamente as comandadas pelo Coronel Paul Von Lettow-Vorbeck, em Moçambique, na África Oriental Alemã e no norte da Rodésia.
O envolvimento militar de Portugal na I GM, e sua preocupação em garantir a soberania em Angola e em Moçambique, tem razões políticas bem conhecidas, ligadas, em primeiro lugar, à legitimação do regime, nascido a 5 de Outubro de 1910, mas também à presença colonial naqueles territórios, assim como alguma expectativa de que, no final do conflito, a mesma pudesse ser, inclusive, ampliada. São conhecidas as movimentações nacionais, embora não atendidas, relativamente à África Oriental Alemã, antigo Tanganica e a atual Tanzânia, que faz fronteira com Moçambique; dessas pretensões serão apenas respeitadas as nossas legítimas reclamações relativas ao triângulo de Kionga, no norte, junto ao Rovuma.
O Colóquio realizado constituiu uma excelente oportunidade de reflexão sobre estes temas e fica, desde já, o compromisso da Direção da Revista Militar para, em 2016, nos cem anos da entrada formal de Portugal na I GM, para a realização de novo Colóquio, virado para o empenhamento na Europa no Teatro de Operações da Flandres, assim como a edição de um número temático da Revista sobre essa realidade.
Uma realidade traduzida, em termos nacionais, na mobilização de cerca de 60 000 militares para França, com quase 2000 mortos em combate e nas características do próprio conflito que, em termos operacionais e tácticos, fazia uma utilização da infantaria de forma massiva e temerária, que a metralhadora massacrava, que criou o impasse da guerra de trincheiras e passou a utilizar os sapadores para construírem túneis e minas, criando uma nova vertente tática daquele combate, de minas e contra-minas, escavando de ambos os lados dos contendores, quilómetros de galerias; também a guerra química, o uso de gases a partir da batalha de Ypres, pelos alemães, tornou ainda mais diferente, qualitativamente, o combate. Serão o avião e o carro de combate, no final da guerra, que farão a diferença e determinarão o término e o resultado do conflito de 1914-18.
Na perspetiva da Direção da Revista Militar, continuam a ser necessárias, e sempre muito úteis, as iniciativas que trazem ao conhecimento das opiniões públicas, quer internacional, mas em particular em termos nacionais, o que se passou com o País e com as Forças Armadas, nos momentos, nas circunstâncias e nas consequências, sempre que foi necessário utilizá-las para garantir e defender o interesse nacional.
Quando se prefere ignorar os factos, aqueles que elegem as suas opções em função do compromisso político, em detrimento da coerência estratégica e, relativamente à estratégia militar, privilegiam o que “querem fazer” em vez de responderem às exigências da conjuntura, criam irresponsavelmente condições para os desastres e, tal como ontem, hoje, perante a conflitualidade atual e a sua dimensão política e estratégica, “não há milagres de Tancos”, que os possam atenuar.
A Direção da Revista Militar agradece, uma vez mais, a colaboração e apoio da Universidade de Lisboa na realização dos ‘VI Encontros da Revista Militar’, a presença de todos os Convidados, assim como a vossa atenção e, em particular, as intervenções dos nossos Conferencistas e a ação dos Moderadores, que estimularam e deram vida a um excelente debate.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.