Nº 2551/2552 - Agosto/Setembro 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Marinha na mobilização militar para África
Capitão-de-Mar-e-Guerra
José António Rodrigues Pereira

Preâmbulo

O Século XX iniciou-se sob o espectro do confronto entre o Império Britânico e o Império Alemão, pela hegemonia mundial.

Numa tentativa para acalmar os ímpetos germânicos, a Grã-Bretanha negociara a divisão do Império Ultramarino Português, caso Portugal não conseguisse pagar os empréstimos concedidos pela banca internacional, e que a instabilidade política nacional fazia prever.

Mas estes factos não foram suficientes para que os sucessivos governos portugueses (da Monarquia e da República) pusessem em execução, apesar das muitas propostas elaboradas, um programa de reequipamento naval que dotasse o país de uma força naval compatível com os seus extensos e dispersos domínios ultramarinos.

É neste contexto que se inicia, em Agosto de 1914, o primeiro grande conflito mundial.

 

1. A Marinha no Início do Conflito

Com a excepção do combate da patrulha de alto-mar[1] Augusto de Castilho com o cruzador-submarino alemão U-139, a actuação da Marinha na Grande Guerra é praticamente desconhecida.

Devo ainda esclarecer que, neste trabalho, a palavra Marinha abrange a Armada e a Marinha de Comércio que, então, estavam na dependência do mesmo ministério, e representaram o que os britânicos chamam o Serviço Silencioso realizado longe das vistas do público.

Quando, em Agosto de 1914, rebentou o conflito que ficaria conhecido como a Grande Guerra, Portugal tinha grandes extensões de fronteira com a Alemanha. Recordemos que eram colónias alemãs os actuais territórios da Tanzânia, na fronteira Norte de Moçambique, e da Namíbia, na fronteira Sul de Angola.

Nessa época, a Armada Portuguesa contava com um conjunto de unidades navais bastante heterogéneas, e que a rápida evolução dos armamentos navais verificada nos primeiros anos do Século XX, tornara obsoletos; delas se destacavam cinco cruzadores, três contratorpedeiros, três canhoneiras e um submersível (Quadro I).

 

Quadro I – Navios da Armada em 1914

Tipo

Nome

Data
Aquisição

Deslocamento (Ton)

Potência
(CV)

Armamento
(mm)

Guarnição
(Homens)

Cruzador

D. Carlos I (depois Almirante Reis)

1898

4.253

12.730

4 peças de 150

8 de 120

14 de 47
2 de 37

3 metr
5 tubos lança-torpedos

318

Adamastor

1896

1.757

4.000

2 peças de 150

4 de 105

2 de 65

3 metralhadoras

3 tubos lança torpedos

237

São Gabriel

1898

1.838

3.000

2 peças de 150

4 de 120

8 de 47

2 de 37

2 metralhadoras

1 tubo lança-torpedos

242

Rainha D. Amélia (depois República)

1899

1.683

5.000

4 peças de 150

2 de 100

4 de 47

2 de 37

2 tubos lança-torpedos

263

Vasco da Gama

1876

1902

3.030

6.000

2 peças de 203

1 de 150

1 de 76

8 de 47

4 metralhadoras

259

Iate Real (depois Aviso de Esquadra)

Amélia (depois Cinco de Outubro)

1900

1.365

1.800

2 peças de 47

4 de 37

74

Contratorpedeiro

Douro

1913

670

11.000

1 peça de 100

2 de 76

2 tubos lança-torpedos

73

Liz [1]

1914

550

 

4 peças de 76

2 tubos lança-torpedos

75

Submersível

Espadarte

1912

300

650

1 peça de 76

2 tubos lança-torpedos

58

Canhoneira
torpedeira

Tejo

1901

536

7.000

1 peça de 100

1 de 65

1 metralhadora

2 tubos lança-torpedos

111

Canhoneira

Rio Sado

1875

645

500

2 peças de 105

2 de 65

1 de 37

1 metralhadora

107

Zambeze

1886

616

510

3 peças de 100

1 de 37

1 metralhadora

107

Zaire

1884

558

500

2 peças de 100

2 de 37

1 metralhadora

107

Limpopo

1890

288

523

2 peças de 47

1 metralhadora

48

Açor

1886

335

360

1 peça de 47

53

Chaimite

1898

341

480

2 peças de 47

2 metralhadoras

31

Lúrio

1907

305

500

2 peças de 47

1 metralhadora

55

Save

1908

305

500

2 peças de 47

1 metralhadora

 

Pátria

1903

636

1890

4 peças de 100

6 de 47

1 metralhadora

157

Lancha
Canhoneira

Sena

1904

70

100

2 peças de 37

1 metralhadora

7

Tete

1904

70

100

2 peças de 37

1 metralhadora

7

Zagaia

1909

 

 

3 metralhadoras

27

Flecha

1909

 

 

3 metralhadoras

27

Macau

1909

135

250

2 peças de 57

3 metralhadoras

28

Cacheu

1901

40

100

2 peças de 37

1 metralhadora

7

Infante D. Manuel (depois Rio Minho)

1904

38

64

1 peça de 37

49

Torpedeiro

Nº 1

1882

54

450

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

15

Nº 2

1886

66

700

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

17

Nº 3

1886

66

700

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

17

Nº 4

1886

66

700

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

17

Navio Escola

D. Fernando II e Glória

1843

1.849

à vela

1 peça de 120

2 de 105

2 de 76

4 de 47

1 de 37

2 metralhadoras

91

Duque de Palmela

1869

750

à vela

1 peça de 76

1 peça de 47

66

Transporte

Salvador Correia

1895

300

450

1 peça de 75

2 de 37

47

Rebocador

Lidador

1884

252

400

1 peça de 37

1 metralhadora

35

Bérrio

1898

408

1070

 

42

Vapor

Vilhena

1882

159

80

1 peça de 80

21

Dilly

1909

[2]

[2]

[2]

 

Vulcano

1910

179

412

1 tubo lança-torpedos

27

Lince

1911

151

412

2 peças de 37

17

 

[2] Desconhecido.

 

Algumas das unidades de menor porte e mais obsoletas, utilizadas nas Estações Navais do Ultramar, tinham sido transferidas para a Marinha Colonial – criada em 1910 – e, apesar de guarnecidas por pessoal da Armada, actuavam sob as ordens dos Governadores dos territórios onde se encontravam. Eram os casos da canhoneira Chaimite e das lanchas da Esquadrilha do Zambeze, em Moçambique.

Para suprir a falta de meios materiais, requisitaram-se ainda trinta pequenos vapores e lanchas que, sem grave prejuízo das actividades comerciais, podiam ser armados; no ultramar mobilizaram-se cinco embarcações que foram utilizadas nos serviços de transporte e de vigilância da costa.

Os efectivos da Armada rondavam os 4.000 homens (cerca de 300 oficiais e 3.700 sargentos e praças)[2].

A situação de neutralidade nunca foi assumida oficialmente pelo Governo Português, no início do conflito, e a Armada teve de enfrentar, de imediato, a organização de escoltas para os navios mercantes portugueses, tarefa que se iniciou muito antes de Portugal se tornar uma nação beligerante. Foram empenhados na escolta dos transportes de tropas os mais poderosos meios navais da Armada – os cruzadores e os contratorpedeiros.

Em África, no entanto, e apesar da neutralidade portuguesa, as forças militares alemãs hostilizavam as guarnições portuguesas nas fronteiras.

Desenho do Autor/José Cabrita

Figura 1 – A fronteira do Rovuma

 

A 25 de Agosto de 1914, forças alemãs atravessam o rio Rovuma (Moçambique) e atacam o posto de Maziua, massacrando a pequena guarnição: seis soldados africanos, comandados pelo sargento de Marinha Eduardo Rodrigues da Costa, que seria o primeiro militar português morto no conflito.

A 31 de Outubro de 1914, o posto de Cuangar (Angola) foi atacado e a sua guarnição chacinada.

 

2. O Transporte de Tropas

O Governo Português mandou preparar duas expedições militares com destino aos territórios, onde existiam extensas fronteiras com a Alemanha: Angola e Moçambique (Quadro II).

 

Quadro II – Transportes de Tropas para África 1914-1918

Data

Navio

Passageiros

Destino

11 de Setembro 1914

Moçambique

1300 homens

Moçâmedes

11 de Setembro 1914

Durhan Castle

1527 homens

Lourenço Marques

11 de Setembro 1914

Cabo Verde

Carga e gado

Moçâmedes

1 de Outubro 1914

África

Reforços para Angola

Moçâmedes

5 de Novembro 1914

Beira

Batalhão de Marinha

Moçâmedes

22 de Novembro 1914

Cazengo

Força Expedicionária de Marinha

São Vicente

1 de Dezembro 1914

Ambaca

Reforços para Angola

Moçâmedes

20 de Janeiro 1915

Moçambique

Reforços para Angola

Moçâmedes

20 de Janeiro 1915

Zaire

Reforços para Angola

Moçâmedes

3 de Fevereiro 1915

Ambaca

Reforços para Angola

Moçâmedes

3 de Fevereiro 1915

Portugal

Reforços para Angola

Moçâmedes

3 de Fevereiro 1915

Britannia

Reforços para Angola

Moçâmedes

20 de Setembro 1915

Zaire

Regresso do Batalhão de Marinha

Lisboa

7 de Outubro 1915

Moçambique

Segunda Expedição a Moçambique

Porto Amélia

1 de Fevereiro 1916

Portugal

Segunda Expedição a Moçambique

Palma

Março 1916

Luabo

Navio-Hospital

Palma

28 de Março 1916

Portugal

Terceira Expedição a Moçambique

Palma

5 de Junho 1916

Moçambique

Terceira Expedição a Moçambique

Palma

24 de Junho 1916

Zaire

Terceira Expedição a Moçambique

Palma

28 de Junho 1916

Machico

Terceira Expedição a Moçambique

Palma

8 de Julho 1916

Amarante

Terceira Expedição a Moçambique

Palma

3 de Setembro 1916

Luabo

Companhia de Indígenas

Palma

6 de Setembro 1916

Beira

Material de guerra

Palma

28 de Setembro 1917

Gaza

20 viaturas Kelly

Palma

18 de Outubro 1917

África

Pessoal e munições

Palma

18 de Outubro 1917

Machico

14 viaturas

Palma

Novembro 1917

Portugal

Prisioneiros alemães

Ilha de Moçambique

Dezembro 1917

Mossamedes

Feridos e doentes

Lourenço Marques

17 de Junho 1918

Lourenço Marques

Batalhão de Marinha

Lourenço Marques

25 de Agosto 1918

Luabo

Batalhão de Marinha

Quelimane

21 de Setembro 1918

Lourenço Marques

Militares evacuados

Lisboa

Abril 1919

Lourenço Marques

Batalhão de Marinha

Lisboa

 

A 11 de Setembro largaram de Lisboa os paquetes Moçambique e Durhan Castle[3] e o vapor Cabo Verde com os Corpos Expedicionários do Exército destinados a Angola e a Moçambique, escoltados pelo cruzador Almirante Reis e pelas canhoneiras Beira e Ibo.

No Moçambique seguiam os 1300 homens e alguma carga da expedição comandada pelo Tenente-Coronel Alves Roçadas com destino ao Sul de Angola; o gado e a restante carga seguiriam no vapor Cabo Verde, que largou no mesmo dia. As tropas desembarcaram em Moçâmedes, a 1 de Outubro, pouco antes dos incidentes de Naulila (18 de Outubro de 1914) e do Cuangar (31 de Outubro de 1914).

Recordemos que os alemães dispunham, no Sudoeste Africano Alemão (Namíbia), de 16.000 militares, para além das tribos Cuanhamas e Cuamatos que tinham equipado e armado com o mais moderno armamento ligeiro para lutarem contra os portugueses.

No Durhan Castle embarcaram os 1500 homens da Primeira Expedição Militar para Moçambique comandada pelo Coronel Massano de Amorim; chegados a Lourenço Marques, em 16 de Outubro, os militares são transferidos para o Moçambique (28 de Outubro) que os levou para Porto Amélia, onde chegaram a 1 de Novembro.

Os alemães tinham, na África Oriental Alemã (Tanganica), cerca de 1.600 militares europeus e 13.000 Askaris (tropas nativas bem treinadas) sob o comando do General Paul von Lettow.

A 1 de Outubro partiu o paquete África com mais militares do Corpo Expedicionário para Angola, sendo o navio escoltado pelo cruzador São Gabriel.

Um Batalhão de Marinha Expedicionário a Angola destinado a operar em terra, composto por 545 militares (18 oficiais, 33 sargentos e 512 praças), embarcou a 5 de Novembro, no paquete Beira, chegando a Moçâmedes, a 23 de Novembro.

Em 22 de Novembro de 1914, a Marinha enviou para Cabo Verde, embarcado no vapor Cazengo, o seu segundo contingente para o Ultramar; a Força Expedicionária de Marinha para Cabo Verde, de 90 homens (1 oficial, 9 sargentos e 80 praças), para efectuar a vigilância e defesa dos cabos submarinos e do porto do Mindelo.

A 1 de Dezembro de 1914 largaram de Lisboa os paquetes Ambaca e Peninsular com as restantes forças destinadas a Angola, sob a escolta do cruzador Vasco da Gama. Nas Canárias, a escolta passou para o cruzador São Gabriel.

É extensa a lista dos transportes de tropas para África nos anos de 1915 e 1916. No primeiro, partiram para Angola cinco navios e para Moçambique dois (expedição do Major Moura Mendes).

A 20 de Janeiro de 1915 largou de Lisboa o cruzador Vasco da Gama escoltando os paquetes Moçambique e Zaire com tropas para Angola, onde chegaram a 5 de Fevereiro.

A 3 de Fevereiro de 1915 largaram de Lisboa os paquetes portugueses Ambaca e Portugal e o francês Britannia[4], com tropas para Angola, escoltados pelo cruzador Adamastor.

A 20 de Setembro de 1915, o Batalhão de Marinha Expedicionário a Angola, reduzido a metade dos seus efectivos, foi retirado da área de operações, regressando a Lisboa a bordo do Zaire, a 15 de Outubro de 1915.

Em 7 de Outubro de 1915 largou de Lisboa o paquete Moçambique com a Segunda Expedição Militar para Moçambique, sob o comando do Major Moura Mendes; seguia também no mesmo vapor o novo Governador-Geral, Capitão Álvaro de Castro. Chegaram a Lourenço Marques cerca de um mês depois.

No ano de 1916 partiram dois navios para Angola (onde as operações tinham praticamente terminado) e cinco para Moçambique (com a expedição do General Ferreira Gil).

Reforços de pessoal e material para a expedição do Major Moura Mendes foram enviados depois de Lisboa, em 1 de Fevereiro de 1916, no paquete Portugal, tendo chegado a Moçambique em Março de 1916.

O vapor Luabo foi enviado para o Norte de Moçambique, em apoio das forças militares onde serviu como transporte e navio-hospital.

Em 28 de Maio de 1916 largou de Lisboa o paquete Portugal com as primeiras forças da expedição do General Ferreira Gil, com destino a Moçambique. Seguiram-se o Moçambique (3 de Junho), Zaire (24 de Junho), Machico (28 de Junho) e Amarante (8 de Julho), cujas chegadas a Palma se iniciaram a 5 de Julho. Era a Terceira Expedição Militar para Moçambique, com 4.650 homens, 945 solípedes e 159 viaturas.

Em 9 de Setembro de 1916, o cruzador São Gabriel foi mandado largar de Cabo Verde para Luanda, acompanhando dois transportes de tropas: o Peninsular e o Moçambique.

O Machico (ex-alemão Belmar) de 6.118 toneladas, fora apresado no Funchal e trazido para Lisboa sob o comando de Afonso Vieira Dionísio, em Março de 1916, para integrar a frota dos Transportes Marítimos do Estado. Em Julho de 1916 partiria com destino à baia de Palma (Moçambique) com homens e material para a expedição do General Ferreira Gil. Naquele vulgar cargueiro transformado em transporte de guerra, a viagem tornava-se difícil pela especial missão que lhe fora confiada, e os seus tripulantes tiveram os maiores trabalhos. Sem embarcações ou jangadas para efectuar o desembarque, afastados da praia largas centenas de metros, o Machico protagonizou o famoso desembarque de 625 solípedes, atirados ao mar para nadarem para terra, e que desapareceram no mato, mal chegaram à praia.

Tudo era improvisado, na terra e no mar e, melhor do que ninguém, sentiam-nos os marinheiros.

Nos finais de 1916, o paquete Portugal transportou, de Lourenço Marques para a ilha de Moçambique, prisioneiros alemães e diverso material de guerra, sob a escolta do cruzador Adamastor.

Após a evacuação de Nevala (Dezembro de 1916), o Mossamedes evacua feridos e doentes da zona de operações.

Em 1917, ano da partida do Corpo Expedicionário para França, o envio de militares é efectuado maioritariamente através dos navios da Carreia de África, não utilizados exclusivamente como transportes de tropas.

O Lourenço Marques levando a bordo o Batalhão de Marinha Expedicionário a Moçambique, largou de Lisboa a 17 de Junho de 1918, escoltado pelo contratorpedeiro Tejo até às Canárias, e chegou a Lourenço Marques a 22 de Julho, sendo o único navio mobilizado, em 1918, como transporte de tropas.

 

3. A Marinha de Comércio

Não se pode deixar de fazer uma referência ao notável serviço desempenhado pela Marinha de Comércio durante a guerra; para além de conduzir as forças militares, transportou também passageiros e mercadorias, que representaram muitas horas de inquietação e de perigo no cumprimento da missão, a qual era encarada sem desfalecimento ou hesitação.

A Marinha de Comércio portuguesa, desenvolvida a partir da década de 1870, com a criação da Empresa Nacional de Navegação (20 de Dezembro de 1880) e da Mala Real Portuguesa (27 de Junho de 1888) possuía, no virar do século, quarenta e seis navios a vapor com 57.000 toneladas de arqueação bruta; existiam ainda numerosos navios de vela como a barca Ferreira (ex-Cutty Sark) e a galera Viajante (construída em Damão, em 1850).

Em Agosto de 1914, a frota de vapor compunha-se de cerca de cinquenta unidades com 73.000 toneladas, onde se incluíam catorze paquetes e três cargueiros de longo curso, valor manifestamente insuficiente para garantir as necessidades de abastecimento do país e as ligações entre os seus territórios insulares e ultramarinos.

Esta escassez de transportes contrastava com a situação que se vivia nos principais portos portugueses onde se encontravam imobilizados setenta navios alemães e dois austro-húngaros, que ali se acolheram no início do conflito, evitando o seu apresamento pela Royal Navy.

Apesar das dificuldades, a Marinha Mercante garantiu o abastecimento das províncias e das ilhas, além do transporte e abastecimento das forças militares deslocadas para Cabo Verde, Angola e Moçambique (Quadro III).

 

Quadro III – Navios da Carreira de África e do Oriente (1914-1919)

Ano

(Navios/Ton)

Angola

Cabo Verde

Estado da
Índia

Guiné

Macau

Moçambique

São Tomé

1914

15 / 65.000

4 / 2.006

1 / 1.524

3 / 3.400

 

12 / 37.000

2 / 893

1915

45 / 133.000

8 / 1.997

1 / 2.305

12 / 11.242

 

30 / 125.000

4 / 3.108

1916

20 / 65.000

13 / 5.580

 

8 / 6.449

 

18 / 92.000

4 / 2.958

1917

13 / 45.000

9 / 8.385

 

14 / 12.416

1 / 93

17 / 90.000

2 / 3.200

1918

16 / 47.800

6 / 5.178

 

14 / 9.628

 

17 / 88.700

 

1919

13 / 45.000

 

 

 

 

16 / 50.000

 

 

Nos últimos cinco meses de 1914 (Agosto a Dezembro), partiram para Angola quinze navios, totalizando 47.000 toneladas, e para Moçambique doze, representando 37.000 toneladas; estatisticamente, representam, respectivamente, 3 navios/9400 toneladas e 2,5 navios/7400 toneladas por mês.

O ano de 1915 assistiu a um movimento de navios para Angola e Moçambique de, respectivamente, quarenta e cinco navios (3,75/mês) e trinta navios (2,5/mês), totalizando 133.000 toneladas e 125.000 toneladas, respectivamente.

No ano de 1916, ano da entrada de Portugal na Guerra, os movimentos foram de vinte navios (1,7/mês) para Angola e dezoito navios (1,5/mês) para Moçambique, representando, respectivamente, 65.000 e 92.000 toneladas. Uma diminuição provocada pelo esforço de ligação a outras rotas e que se agravaria, ainda, no ano seguinte (1917), com a mobilização para França e a participação de navios portugueses – agora reforçados com os navios apresados – nas rotas do Mediterrâneo.

Em 1917, foram para Angola treze navios (1,08/mês) com 45.000 toneladas e para Moçambique dezassete navios (1,41/mês) com 90.000 toneladas; era em Moçambique que ainda se desenrolavam operações militares contra os alemães. No último ano de guerra foram enviados, de Lisboa para Angola, dezasseis navios (1,25/mês) e quatro, apenas, para Luanda, com 47.861 toneladas; para Moçambique seguiram dezassete navios (1,41/mês) correspondendo a 88.674 toneladas.

Também para São Tomé, Índia e Macau largaram navios durante aquele período (1914-1918).

No ano do repatriamento – 1919 – seguiram para Angola treze navios e para Moçambique dezasseis.

Mas, este esforço de transporte esbarrou na falta de infra-estruturas nos portos próximos das frentes das operações militares: Sul de Angola e Norte de Moçambique.

Mesmo depois do início das operações militares, nunca os governadores se empenharam na criação de condições logísticas para o esforço militar.

Em Moçambique, por exemplo, os homens eram desembarcados para pangaios (pequenas embarcações locais), em grupos de vinte ou trinta e, depois, já próximo de terra, levados às cavalitas dos nativos, até porem o pé em seco.

Os animais eram atirados ao mar esperando-se que nadassem para terra; a maioria perdia-se depois, ao fugir para o mato!

As perdas em material eram assustadoramente elevadas! Conta-nos o General Gomes da Costa que um esquadrão de cavalaria ficou apeado porque o caixote onde eram transportados todos os arreios, caiu ao mar no transbordo!

Da acção da Marinha de Comércio merecem ser citados os casos do Machico e do Moçambique.

De regresso à Europa, saiu o Machico do porto de Manjuga (Madagáscar) carregado com 6.000 toneladas de conservas para o Exército Francês, em meados de Outubro. Com escalas previstas na cidade do Cabo e Lisboa, o destino da carga era Marselha. Quando atingiu a região das Canárias, o Machico navegava 45 milhas adiante do Portugal que regressava com militares em licença.

Pelas 09h00 do dia 13 de Novembro, já a Norte daquele arquipélago, o oficial de quarto avistou, pela amura de bombordo, uma pequena embarcação, subindo e descendo na vaga e que lhe pareceu um submersível. O Capitão Dionísio mandou carregar todo o leme a estibordo e pediu toda potência da máquina. Quando o navio iniciou a guinada ouviram-se dois disparos. Um caiu no mar a bombordo e o outro, depois de passar sobre o navio, caiu no mar a estibordo. Pela popa passara também um torpedo que a rápida guinada fizera errar o alvo. Todo o pessoal – passageiros e tripulantes – sob a orientação do imediato, ocuparam os postos de abandono; excepto o pessoal da máquina, a quem era pedido que desse toda a potência possível ao navio. A única fuga possível era correr mais do que o submarino, até ficar fora do alcance dos seus torpedos e das suas peças, tentando vencer o inimigo pela velocidade e impedindo-o de alcançar o seu objectivo: destruir o navio, os passageiros e a carga.

Fora, entretanto, lançado um S.O.S. alertando para o ataque, enquanto, sobre o navio, eram lançadas sucessivas granadas que, felizmente, não o atingiram. O Machico navegava agora a 15 nós em direcção ao canal que separa as ilhas Lanzarote e Alegranza, que alcançou ao final de mais de uma hora de ataque[5].

O Portugal, ao receber o S.O.S. do Machico alterou o rumo, passando pelo Sul das ilhas Fuenteventura e Lanzarote, ficando a salvo do inimigo e atingindo Lisboa sem problemas.

Tendo fundeado durante o resto do dia, ao abrigo daquelas ilhas, o Machico suspendeu, ao anoitecer, em direcção a Marrocos, e depois para Norte e atravessando de noite e de luzes apagadas, a zona ao largo do cabo de São Vicente.

Só pelas 04h00 do dia 19, já a navegar a Norte do cabo de São Vicente, foi comunicado para terra que o navio estava bem e chegaria a Lisboa pelas 11h00 desse dia.

Por esta acção, o Capitão Dionísio, o segundo-piloto e o maquinista foram agraciados com a medalha da Torre e Espada.

O paquete Moçambique largou de Lisboa para Lourenço Marques em 13 de Julho de 1918 e, na sua viagem de regresso, iniciada a 25 de Setembro, com cerca de 1.085 pessoas a bordo (952 passageiros e 133 tripulantes), ocorreu um surto de pneumónica que vitimou 191 passageiros e dois tripulantes; o navio viajou, sem escalas, da cidade do Cabo até Lisboa, onde chegou a 20 de Outubro, ficando de quarentena em São José de Ribamar.

 

4. Os Navios Mercantes Alemães e Austro-Húngaros

O início da guerra surpreendeu no mar numerosos navios da marinha mercante alemã, levando-os a procurar abrigo em portos neutros, evitando ser apresados pela Royal Navy. Como já referimos, nos portos portugueses encontravam-se setenta navios alemães e dois austro-húngaros representando cerca de 250.000 toneladas de arqueação; só nos portos do Ultramar encontravam-se imobilizados, vinte e três navios de comércio alemães e um austro-húngaro, totalizando 110.500 toneladas.

A falta de navios mercantes para garantir a manutenção do comércio marítimo, não só pelas perdas provocadas pela acção da guerra submarina como ainda pela necessidade de mobilização de elevado número de navios para fins militares, levou o Governo Português a encarar a requisição daqueles navios para suprir as faltas, utilizando-os para a navegação comercial nacional ou integrados na Armada.

A partir de 1915, o Governo Português tentou negociar com os armadores alemães o afretamento daqueles navios para suprirem as necessidades nacionais; não se tendo chegado a qualquer acordo – Portugal não dava garantias de não ceder os navios aos britânicos – os navios foram requisitados, após pressão do Governo Britânico que também necessitava daquela tonelagem disponível.

A requisição, decretada a 23 de Fevereiro de 1916, significou o aumento de 250.000 toneladas de arqueação da frota mercante nacional e provocou a Declaração de Guerra da Alemanha, a 9 de Março de 1916, tornando-se aqueles navios como presas de guerra.

Em Angola foram requisitados três navios (Quadro IV).

Quadro IV – Navios apresados em Angola

Nome Original

Nome Português

Porto onde se encontrava

Adelaide

Cunene

Luanda

Ingbert

Porto Alexandre

Luanda

Ingraban

Congo

Luanda

 

Em Moçambique a requisição recaiu sobre oito navios (Quadro V).

Quadro V – Navios apresados em Moçambique

Nome Original

Nome Português

Porto onde se encontrava

OBS.

Admiral

Lourenço Marques

Lourenço Marques

 

Hessen

Inhambane

Lourenço Marques

 

Hof

Gaza

Lourenço Marques

 

Kalif

Fernão Veloso

Moçambique

 

Kronsprinz

Quelimane

Lourenço Marques

Navio-hospital

Linda Woermann

Pungué

Beira

Entregue à Marinha Colonial

Zieten

Tungué

Moçambique

 

Salvador

Salvador

Rio Zambeze

Lancha que pertencia à missão jesuíta austríaca de Boror

 

No Estado da Índia foram requisitados seis navios (Quadro VI).

Quadro VI – Navios apresados no Estado da Índia

Nome Original

Nome Português

Porto onde se encontrava

Brisbane

Damão

Mormugão

Kommodore

Mormugão

Mormugão

Lichtenfels

Goa

Mormugão

Marienfels

Diu

Mormugão

Numantia

Pangim

Mormugão

Vorwaertz

Índia

Mormugão

 

Em Cabo Verde foram apresados oito navios (Quadro VII).

Quadro VII – Navios apresados em Cabo Verde

Nome Original

Nome Português

Porto onde se encontrava

Tonelagem

Beta

Maio

Mindelo

2.179

Burgmeister-Hachmann

Ilha do Fogo

Mindelo

4.314

Dora Horn

São Nicolau

Mindelo

2.679

Heimburg

Santo Antão

Mindelo

4.196

Santa Barbara

Santiago

Mindelo

3.763

Theoder Wille

Boavista

Mindelo

3.667

Fogo

Brava

Mindelo

3.184

Wurzburg

São Vicente

Mindelo

5.085

 

Foram ainda apresadas, no rio Zambeze, a lancha Salvador, pertencente à missão de jesuítas austríacos de Boror, e, na Guiné, as pequenas motoras África e Diu, pertencentes a companhias alemãs ali sediadas.

Mas, este súbito aumento do número de navios criou problemas no recrutamento de tripulações, porque não as havia disponíveis para tão grande número de navios; foi necessário recorrer a profissionais de pesca e à formação intensiva de novos tripulantes.

Dos setenta e dois navios apresados, cinco foram aumentados ao efectivo da Armada e os restantes incorporados nos Transporte Marítimos do Estado, garantindo um superavit de tonelagem disponível. Destes últimos, quarenta e dois seriam cedidos – com tripulação e bandeira portuguesas – à Grã-Bretanha.

 

5. Participação nas Operações Militares

Foi preparado, logo em 1914, um Batalhão de Marinha Expedicionário a Angola, composto por 545 militares (18 oficiais, 33 sargentos e 512 praças), destinado a operar em terra. O Batalhão embarcou a 5 de Novembro, no paquete Beira, com destino a Angola.

Chegado a Moçâmedes, a 23 de Novembro, seguiu de imediato para o interior, integrando-se nas forças do General Pereira d’Eça, primeiro, por caminho-de-ferro até à serra da Quilamba; e dali, numa penosa marcha sob sol abrasador e com falta de água, carregando um equipamento individual que pesava 37 kg. A subida daquela serra marcou o início da dura campanha e provocou um enorme desgaste nos homens e nos animais, registando-se as primeiras baixas.

Desenho do Autor/José Cabrita. Adaptado de “O Batalhão de Marinha
Expedicionário a Angola”, F. Oliveira Pinto, Anais do CMN, Abr 1918, pág. 280

Figura 2 – Mapa das Operações no Sul de Angola

 

Durante seis meses, os homens do Batalhão de Marinha foram dispersos pelos vários postos avançados. Foi da base de Tchicusse que partiu o ataque ao Tchipelongo por um destacamento constituído por um pelotão de Marinha e outro de landins, comandados pelo Primeiro-Tenente Afonso de Cerqueira, em defesa da Missão francesa que, assim, pode ser evacuada em segurança com os seus haveres. Esta acção obrigou as forças portuguesas a uma marcha, quase sem descanso, de 54 km.

Para além do inimigo, o Batalhão teve de enfrentar as difíceis condições da campanha, com temperaturas a variar entre os 39º C (de dia) e os 4ºC (de noite), a falta de abrigos apropriados, a deficiente alimentação e, muito espe-
cialmente, a falta de água ou a má qualidade da existente que provocou numerosas baixas – o tifo, a disenteria e o paludismo reduziram os efectivos a 15 oficiais e 314 praças[6].

A pequena, mas importante, vitória de Tchipelongo, moralizou as forças portuguesas que decidiram avançar para Sul em direcção ao Cuamato e Cuanhama.

 

Óleo de Pedro Cruz. Museu de Marinha (PN-I-136)

Figura 3 – Combate de Môngua

 

Após penosas marchas onde se perdeu muito gado, por sede e cansaço – obrigando a abandonar os carros com munições –, a coluna acampou, a 17 de Agosto, na pequena chana da Môngua, com a mata a apenas 300 metros do quadrado português.

No dia 18, a força portuguesa é atacada por 12.000 guerreiros –- que dispunham de mais de 5.000 modernas espingardas mauser – e que lançavam sobre os portugueses toda a espécie de projécteis, desde zagalotes até balas dum-dum.

Rechaçados pelas forças portuguesas – que além das espingardas dispunham de dezasseis metralhadoras e oito peças de artilharia – o inimigo afastou-se.

Voltaram no dia seguinte (19 de Agosto) e voltaram a ser rechaçados; mas a situação no quadrado português começava a mostrar-se dramática pelo cansaço, a sede e a perspectiva da falta de munições. Nessa noite, um pelotão de Marinha participou num assalto que desalojou o inimigo das cacimbas próximas, permitindo o abastecimento de água.

Na manhã do dia 20, o soba Mandimba lança novo ataque sobre a face do quadrado onde estava o Batalhão de Marinha. O combate durou das 7h00 até às 15h00 e tornava-se necessária uma acção que o terminasse; foi decidido efectuar uma carga à baioneta por um pelotão de Marinha e outro de Infantaria 17. Mas toda a 2ª Companhia do Batalhão saltou do quadrado[7]. O inimigo, surpreendido pelo arrojo da iniciativa portuguesa, recusou a luta corpo-a-corpo e debandou definitivamente.

O Batalhão de Marinha teve, neste combate, 74 feridos ficando reduzido agora a metade dos militares que o compunham inicialmente. A 20 de Setembro, o Batalhão foi retirado da área de operações, regressando a Lisboa a bordo do Zaire, a 15 de Outubro de 1915.

Quanto aos alemães, tinham-se rendido às forças britânicas e sul-africanas, em 9 de Julho de 1915.

A Marinha teve também intervenção importante na defesa dos portos que, no caso do Ultramar, teve especial importância o Mindelo, na ilha de São Vicente (Cabo Verde).

O porto do Mindelo era um importante ponto de amarração dos cabos submarinos, fundamentais, na época, para as comunicações telegráficas da Europa com a América e a África; o Mindelo era também, naquela época, um estratégico porto abastecedor de carvão para a navegação e, então, especialmente para a esquadra britânica em serviço naquela área do Atlântico.

Para ali foram deslocados, primeiro, o cruzador São Gabriel e, depois, as canhoneiras Beira e Ibo que, com dois vapores armados, e utilizados como patrulhas, garantiram a defesa marítima daquele porto.

Foram também montadas, sucessivamente, duas peças Krups 76mm, duas peças de 150 mm (desmontadas da fragata D. Fernando II e Glória e da Zambeze), três peças Htochkiss 47mm e uma de 90 mm guarnecidas por pessoal da Armada e quatro peças de montanha Canet de 47 mm, guarnecidas por pessoal do Exército.

Quando, em Fevereiro de 1916, se procedeu à requisição dos navios alemães e austríacos estacionados em portos portugueses, a Beira participou nessas operações, no porto do Mindelo, onde se encontravam oito navios alemães[8]; a sua guarnição ficou ainda com a responsabilidade da guarda daqueles navios e da escolta das suas tripulações até à ilha de São Nicolau, onde ficaram internados.

O cruzador Adamastor partiu de Lisboa, em 15 de Dezembro de 1915, a caminho da Índia; mas, em Março de 1916, quando da declaração de guerra alemã, o navio encontrava-se em Lourenço Marques e foi decido que ali ficaria; iria juntar-se à canhoneira Chaimite, aos vapores Luabo, Pebane e Pungué[9] e às lanchas canhoneiras Salvador[10], Sena e Tete, da Esquadrilha do Zambeze. A Tete seria afundada, em 20 de Fevereiro de 1917, por uma explosão na caldeira provocada, segundo se julga, por explosivos colocados a bordo, misturados na lenha, por agentes alemães. Morreram doze pessoas, incluindo a esposa e dois filhos do comandante e ficaram feridas mais nove pessoas[11].

 

Desenho de José Cabrita, segundo esboço da esquadrilha de embarcações
do Adamastor. Cruzador Adamastor, aguarela de Fernando Lemos Gomes.
Museu de Marinha

Figura 4 – Operações no Rovuma.

 

No dia 27 de Maio de 1916, depois de um intenso bombardeamento pela artilharia do Adamastor, da Chaimite e do posto da Namaca (guarnecido por pessoal da Armada), uma força do Exército Português, incluindo soldados africanos, embarcados nos escaleres dos navios, iniciou a travessia do rio Rovuma para ocupar a margem Norte[12].

Recebidas por intenso fogo de metralhadoras, as forças portuguesas foram rechaçadas com elevadas baixas. A Armada teve, nesta acção, onze mortos e nove feridos.

Ficou ainda prisioneiro dos alemães o Primeiro-Tenente Matos Preto, comandante da Chaimite, quando tentava, no rescaldo da acção, resgatar possíveis sobreviventes portugueses nos bancos de areia da margem alemã. Matos Preto seria libertado a 29 de Setembro de 1917.

Três meses mais tarde conseguiu-se ocupar a margem alemã.

Pelas 03h00 do dia 19 de Setembro, o Adamastor e a Chaimite iniciaram o bombardeamento das posições alemãs para preparar a travessia do Rovuma pelas forças portuguesas que ocuparam as posições alemãs da margem Norte daquele rio.

Em 26 de Abril de 1918 partiu do Tejo o cruzador São Gabriel com destino a Moçambique e que, 100 milhas a Noroeste da Madeira, teve um encontro com um submersível alemão que, atacado a tiro, submergiu. Dias mais tarde aportaria a Las Palmas um submersível alemão danificado num recontro com um cruzador inglês.

Na cidade do Cabo, e a pedido das autoridades locais, o navio português colaborou durante quatro dias na defesa da cidade, onde se esperavam levantamentos dos indígenas e lá haver apenas cinquenta polícias.

Os alemães perderam para os britânicos e belgas a sua África Oriental, em Outubro de 1917, após a batalha de Mahiva; no entanto, von Luttow continuou a combater nas florestas, invadiu Moçambique e avançou para o Katanga onde lhe foi comunicado a assinatura do Armistício; o mítico general acabaria por se entregar, sem ter sido derrotado.

Os navios britânicos tinham largado para o mar em perseguição de alguns submarinos alemães avistados nas proximidades e o porto estava sem defesa em caso de quaisquer tumultos. Desembarcaram 112 marinheiros e quatro oficiais, com armamento individual e as metralhadoras do navio para garantir a defesa do porto – a única área que podia ser defendida – até ao regresso dos navios.

Na sequência do golpe militar que levou ao poder o Major Sidónio Pais (8 de Janeiro de 1918), foram deportadas para Moçambique 240 praças da Armada que tinham lutado contra aquele movimento.

O Ministro da Marinha, Comandante Carlos da Maia, entendeu preparar um Batalhão de Marinha Expedicionário a Moçambique, força sempre útil em qualquer situação de emergência, como a que então se vivia, e a que se juntariam aquelas praças que, assim, voltariam ao serviço da Armada[13].

O Batalhão era constituído por três companhias e uma bateria de seis metralhadoras, com 18 oficiais e 746 praças a que se juntariam, em Moçambique, mais quatro Guardas-Marinhas dos cruzadores Adamastor e São Gabriel e as 240 praças ali deportadas.

Embora sem o entusiasmo do precedente, o Batalhão de Marinha Expedicionário a Moçambique foi organizado, em Abril de 1918, maioritariamente com voluntários, e embarcado no paquete Lourenço Marques.

Como já se afirmou, o Lourenço Marques largou de Lisboa com o Batalhão de Marinha, a 17 de Junho de 1918, sob a escolta do contratorpedeiro Tejo, e chegou a Lourenço Marques a 22 de Julho. Seguiu o Batalhão para Quelimane, a 25 de Agosto, a bordo do Luabo, por se aguardar um ataque dos alemães à cidade, cuja defesa era garantida apenas pelos marinheiros do Adamastor.

Uma companhia comandada pelo Primeiro-Tenente João Capelo embarcou no vapor Capitania, a 23 de Setembro, em direcção a Regone e Gilé, onde a passagem dos alemães deixara as populações sublevadas. Ali permanecerem durante cerca de três meses, pacificando toda a região, e regressando a Quelimane a 22 de Dezembro. Nesta cidade, onde grassava um surto de pneumónica, o Batalhão sofreu vinte e três mortos, incluindo dois oficiais.

Regressou o Batalhão a Lisboa, muito reduzido pelas numerosas baixas provocadas pela pneumónica e a malária, em Abril de 1919, a bordo do paquete Lourenço Marques.

 

Conclusões

A guerra tinha chegado ao fim. A 11 de Novembro de 1918 assinou-se o Armistício.

Os serviços do Estado estavam desorganizados e o material estava desgastado pelo esforço de guerra.

O esforço desenvolvido pela Marinha durante a guerra passou muito despercebido devido, entre outras causas, ao ambiente político interno que envolveu a nossa participação no conflito.

A sua acção foi – como em outros períodos da história – fundamental para a defesa dos interesses nacionais e os marinheiros portugueses podiam orgulhar-se do trabalho realizado.

Sem o caminho do mar não teria sido possível a defesa do Ultramar, afinal, a razão da nossa participação no conflito.

 

[1] Embora habitualmente referido como caça-minas, o Augusto de Castilhoex-arrastão Elite –, mobilizado para o serviço naval, foi oficialmente classificado como Patrulha de Alto-Mar e utilizado na escolta de navios mercantes.

[2]  Segundo a Lista da Armada de 31 de Dezembro de 1909, o quadro de pessoal embarcado era de 274 oficiais e 3515 sargentos e praças; na mesma data de 1914 eram 218 oficiais e 2794 sargentos e praças.

[3]  Os paquetes Durhan Castle (britânico) e Britannia (francês) foram os únicos navios estrangeiros utilizados no transporte de tropas para África.

[4]  Os paquetes Durhan Castle (britânico) e Britannia (francês) foram os únicos navios estrangeiros utilizados no transporte de tropas para África.

[5]  Notar que estávamos em águas territoriais de uma nação neutra.

[6]  Destes, destacam-se o Comandante Coreolano da Costa e o Primeiro-Tenente Carvalho Araújo.

[7]  E só não saiu todo o Batalhão, porque Cerqueira energicamente se opôs.

[8]  Eram os vapores Beta (depois Maio, 2.179 ton), Burgmeister-Hachmann (Ilha do Fogo, 4.315 ton), Dora Horn (São Nicolau, 2.679 ton), Heimburg (Santo Antão, 4.196 ton), Santa Barbara (Santiago, 3.763 ton),Theoder Wille (Boavista, 3.667 ton), Fogo (Brava, 3.184 ton) e Wurzburg (São Vicente, 5.085 ton).

[9]  Era o ex-alemão Linda Woermann.

[10]  Era a lancha ex-austríaca Salvador da Missão jesuíta austríaca de Boror.

[11]  Estas baixas não foram contabilizadas como resultantes de campanha.

[12]  Estavam presentes, a bordo do Adamastor, o Governador-Geral de Moçambique Capitão Álvaro de Castro e o comandante militar, Major Moura Mendes.

[13]  Esta atitude de Carlos da Maia foi mal aceite por alguns sectores políticos e terá sido uma das causas que concorreram para a tragédia que o vitimou.

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2014-12-16
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Capitão-de-Mar-e-Guerra

José António Rodrigues Pereira

Oficial de Marinha, nasceu em Lisboa em 7 de Junho de 1948, entrou para a Escola Naval em 1 de Setembro de 1966, sendo promovido a Capitão-de-mar-e-guerra em 27 de Julho de 1999, e passado à Reserva, por limite de idade, em 7 de Junho de 2005. Reformou-se, a seu pedido, em 30 de Dezembro de 2010.

Prestou serviço em diversas unidades navais, destacando-se os NRP Brava (1970), NRP Porto Santo (1970), NRP Boavista (Açores, 1970-71), NRP Velas (1971), NRP Jacinto Cândido (Moçambique, 1973-75), NRP Afonso Cerqueira (Timor, 1975-76), NRP Hermenegildo Capelo (1977), NE Vega (1984-85), NE Polar (1985-86) e NRP São Miguel (Golfo Pérsico, 1990-91); comandou os NRP Zaire (1979-82), e NE Polar (1986-88).

Para além de diversos curs

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by COM Armando Dias Correia