Um agradecimento muito especial é devido aos colaboradores que fizeram este número temático da Revista Militar: Major-general Matos Coelho, Coronel Tirocinado Vieira Borges, Coronel Nuno Lemos Pires, Capitão-de-mar-e-
-guerra Rodrigues Pereira e Tenente-coronel Luís Manuel Bernardino.
Uma homenagem é devida aos autores dos artigos consultados e publicados na época, e é meu dever referir os nomes do Coronel Henrique Pires Monteiro, Capitão Gastão de Sousa Dias, General José César Ferreira Dias, General Vitoriano José César e Coronel Eduardo Alfredo Araújo Barbosa.
São objetivos da Comissão Coordenadora para a Evocação da Participação de Portugal na Grande Guerra:
– Evocar o sacrifício dos combatentes, mas também do Povo português de onde saíram e a quem chegaram; muitos com mazelas e traumas permanentes; muitos, cerca de 8000, só com a recordação da sua existência. Mas evocar, sempre de forma verdadeira, autêntica, descomplexada, com a vontade firme de querer contribuir para uma memória coletiva que se afirme como de todos;
– De estudo, e não apenas o de natureza militar. Gostaríamos de ser capazes de abordar a Grande Guerra (GG) no âmbito da Estratégia Nacional, o que nos leva a estar abertos a todos os saberes necessários para a sua materialização. Esta forma de partilha do saber entre a Revista Militar e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa é disso um exemplo, como o vai ser o Seminário Internacional a realizar pelo IDN, nos finais de Setembro, e outro em Novembro, resultante da colaboração da Universidade Católica de Lisboa e a Comissão Portuguesa de História Militar e, ainda em Novembro, um outro organizado pela Academia Militar, assim como o que vai resultar do protocolo estabelecido com o Ministério da Educação e Ciência e que vai permitir um envolvimento da Escola para melhor dar a conhecer este dramático mas importante facto histórico para o mundo, para o espaço europeu e, particularmente, para Portugal;
– De divulgação, e a forte presença da prestigiada Liga dos Combatentes por todo o País e junto dos núcleos de imigração mais marcantes espalhados pelo mundo é um importante parceiro; como vai ser, também, importante o resultado do protocolo já estabelecido entre a Comissão e a RTP e as atividades dos nossos Regimentos, espalhados pelo País, muitos deles mobilizados para os Teatros de Operações (TO) de África e também da Europa e que, ao longo destes próximos quatro anos associarão os seus dias festivos à evocação da sua história homenageando todos os seus Soldados e, em particular, os seus Soldados da Grande Guerra.
A Revista Militar, de publicação ininterrupta há 165 anos, com todo o seu acervo e com a esclarecida orientação do seu Presidente de Direção, o Senhor General Pinto Ramalho, propôs-se abordar a GG e a participação de Portugal em dois momentos distintos. Este ano de 2014, orientando a sua reflexão para o TO africano; em 2016, para o TO europeu, considerando, nos dois casos, a importância do TO atlântico.
Assim sendo, este número temático que hoje é apresentado vai permitir conhecer o pensamento estratégico alemão em relação ao continente africano, compreender o nosso, dar conta das reflexões feitas na altura sobre o desenvolvimento da guerra nas colónias portuguesas, em particular em Angola e Moçambique e a procura da sua interpretação, à luz dos dias de hoje, o que os colaboradores que a conceberam e que atrás referi fizeram, recontando os artigos então publicados ou ampliando o seu entendimento com oportunas anotações.
Temos, então, todo o gosto em que levem convosco um exemplar deste número especial e temático da Revista Militar de 2014.
Cremos que agradará aos movidos pela curiosidade do saber; aos investigadores; aos que a utilizarão para difundir conhecimento; como forma de meditar e fazer meditar sobre a história deste pequeno mas importante País em todo o passado século XX, que todos nós aqui presentes vivemos, parcialmente.
Portugal lutou no início do século XX pela sua integridade, na Europa e em África, fazendo-o umas vezes sozinho outras contando com o apoio, quase sempre afastado e nem sempre perfeitamente claro, de Aliados.
Não tendo sido capaz de acompanhar as consequências das I e II Guerras Mundiais, acabou por lutar sozinho para continuar a defender o sonho do Império.
Lutou pela sua própria liberdade e como consequência entregou o Império.
Voltou a juntar-se aos seus Aliados e há mais de duas décadas mantém uma presença ativa em vários pontos do Mundo para garantir e proporcionar segurança e apoiar a criar bem-estar.
É muita história para um pequeno País, e que não é rico. Mas também é sinal que não é um País velho, do passado, abúlico, que já não vive, que só sobrevive.
Por vezes, nos dias de hoje, parece não termos consciência da nossa grandeza como Povo e da nossa afirmativa participação na construção de um Mundo melhor.
Também esse é um objetivo da Comissão e este número da Revista Militar contribuirá para isso. E não fugindo à verdade histórica! Pelo contrário, relatando-a sem complexos, para que, com esse saber de experiências já vividas (e que nem sempre foram transformadas em lições aprendidas), possamos ser melhores.
E a Revista? O que vão poder encontrar nela?
Desde logo, e no início, uma síntese do pensamento estratégico alemão da altura em relação a África:
– Que todo o Estado está necessariamente em luta para defender o seu espaço vital;
– Que as poderosas nações continentais teriam que, necessariamente, tornar-se também potências navais, por só assim ser possível a uma nação adquirir supremacia mundial;
– Que o futuro da Alemanha de então estava sobre a água;
– Que a Bandeira seguia o comércio;
– Que, por isso, a Alemanha não fundava colónias, não conquistava territórios, não instalava organizações administrativas pesadas, limitava-se a dar proteção aos seus súbditos;
– Que os povos débeis não têm o mesmo direito à existência como os fortes e poderosos e serão estes que terão o direito de impor a sua civilização aos pequenos;
Procurando agora fazer-vos uma pequena síntese do que podem encontrar sobre os artigos da época que davam conta do pensamento das autoridades portuguesas e do povo português em relação à defesa das suas colónias, em particular de Angola e Moçambique diria:
– Que a intervenção militar em África foi uma afirmação do direito de Portugal;
– Que o discurso oficial e patriótico correspondia a um sentimento nacional, pese embora a profunda crise económica e financeira e as divisões políticas existentes no que diz respeito à participação de Portugal no TO europeu;
– Que a importância da frente de Angola acabou por se ver ultrapassada pela frente do Norte de Moçambique devido à sua extensão, à intensidade e frequência dos combates, às dificuldades logísticas, ainda mais adversas e, muito especialmente, pelo valor militar do Tenente-coronel Emil Vow Lettow Vonberk, que tão bem soube aplicar os princípios da guerra moderna num TO em que os opositores (Exércitos Português, Inglês e Belga) não estavam preparados para tal;
– Que havia a plena consciência que, sendo fundamental fazer a guerra em África, a sorte da guerra e as consequências do seu desfecho jogava-se na Europa;
– Daí o sentimento que existia na alma dos Soldados e que foi difícil, se não impossível, contrariar:
“A guerra das trincheiras tinha a morte gloriosa;
A guerra colonial foi o martírio obscuro”
– O reconhecimento do valor do inimigo. O tradicional quadrado das recentes campanhas de pacificação, para as quais o Exército estava treinado, era vencido pela manobra superiormente comandada por Emil Lettow Vonberk, que interpretou com soldados indígenas, bem treinados e enquadrados por quadros alemães, as máximas de Napoleão de dividir para viver e concentrar para combater, o que requereu a montagem e organização de um eficaz sistema de informações, que o exército português nunca conseguiu igualar. O valor militar de Lettow Vonberk, falecido em 1964, com o posto de General, foi de tal modo reconhecido que a Revista Militar escreveu em sua homenagem e deu conta de que, tendo perdido a sua pensão após a II Guerra Mundial, foi socorrido pelo seu inimigo Inglês em África, o General Smith e por alguns oficiais portugueses;
– Que a falta de preparação técnica, de estruturas logísticas e sanitárias das forças nacionais para atuarem naquele ambiente operacional era uma evidência;
– Que o sistema de recrutamento para a constituição de unidades com base em nativos era injusto, desigual para brancos e negros, quando a experiência de guerra vinha a demonstrar poder ser a solução mais eficaz. A solução passou pela necessidade de recorrer a sucessivas expedições vindas da metrópole para fazer face a situações que ultrapassassem o exercício normal da soberania, caras, de difícil sustentação, pouco capazes de alcançarem os níveis de operacionalidade necessários;
– A participação da Marinha nos TO Africanos e Atlântico, a exigir uma Força Naval compatível em número e especificação com os extensos e dispersos domínios, o que o poder politico nunca considerou, quando a exigência da situação obrigava à escolta dos transportes, ao apoio às forças de terra no reabastecimento, no apoio de combate, e também ao facto de ter sido utilizada como Infantaria, quer em Angola quer em Moçambique;
– A indiferença com que o desvario político, no Continente, tratou os seus soldados, que se manifestava na frieza com que os recebia no final das comissões. Deixo dois testemunhos:
– do Primeiro-tenente Afonso Cerqueira, do Batalhão de Marinha, organizado em 1914 para o TO de Angola e regressado em 1915. Diz que “viu triste e com surpresa a indiferença com que o Batalhão de Marinha foi recebido à chegada a Lisboa. No Quartel dos Marinheiros só se encontrava o Oficial de Serviço para o receber”;
– do Tenente Costa quando, a 29 de Agosto de 1916, no Norte de Moçambique, em Negonamo, após se ter ouvido o último tiro dos atacantes que retiravam vencidos, exclamou “É que nesta campanha da África Oriental, por pior que se diga, ainda houve quem se batesse”.
A terminar e esperando que vos tenha despertado a vontade de ler este número especial da Revista Militar, deixem-me dar conta da coerência, da verticalidade de muitos combatentes da GG, alguns que se bateram em África e na Europa e que, quando a paz foi alcançada, se viram perseguidos em Portugal, primeiro pela ditadura militar e depois pelo Estado Novo, expulsos das Forças Armadas, presos e deportados, só por que, como diz o Capitão Augusto Castilho no seu livro “Nas Trincheiras da Flandres”, o ânimo que sempre os moveu foi lutar contra todas as formas de ditadura.
* Presidente da Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I Guerra Mundial.