Nº 2553 - Outubro de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL
General
José Luiz Pinto Ramalho

Começaram a vir a público as várias declarações nacionais, relativamente ao fim da participação nas operações de combate no Afeganistão e à passagem para as autoridades afegãs, quer da responsabilidade primária pela segurança do país, quer das diversas infraestruturas militares que, ao longo dos anos, ali foram construídas; concretiza-se assim a estratégia de saída, delineada pelos EUA e assumida pela OTAN, com o fim da ISAF no próximo mês de dezembro.

Este foi um dos pontos mais significativos da Cimeira da OTAN, no Reino Unido, em 4 e 5 de setembro onde, para além de uma homenagem aos homens e mulheres das diversas forças militares internacionais que ali intervieram, ao longo dos anos, se salientou também a preocupação e a necessidade de encontrar formas de manter o contacto e a coesão entre aliados e parceiros que conjuntamente combateram naquele Teatro e que agora, com o fim das operações militares, devem continuar a encontrar formas de treinar e cooperar entre si.

Mas na realidade este foi apenas um dos 113 pontos referidos na Declaração Final da Cimeira, “Walles Summit Declaration” que, pela sua extensão e detalhe, pode ser considerada como uma reavaliação e atualização do Conceito Estratégico da Aliança, face às atuais realidades da conjuntura estratégica, designadamente a situação na Europa, face aos acontecimentos na Ucrânia e à posição da Rússia, às ameaças presentes no Médio Oriente e norte de África e, em particular, o Terrorismo e a emergência e expansão do “Estado Islâmico” (ISIL – Islamic State of Iraque and the Levant), para além da Síria. Paralelamente, foram salientados os desafios à segurança internacional colocados pela pirataria, pela proliferação das armas de destruição massiva e pela disseminação das tecnologias dos mísseis balísticos.

Uma situação de Segurança Internacional que foi objecto de uma chamada de atenção aos países membros para que dediquem aos seus orçamentos de Defesa 2% do PNB e que 20% do orçamento sejam orientados para a modernização dos grandes sistemas de armas, e à Pesquisa e Desenvolvimento em matéria de defesa; particularmente, para os Aliados, cujos orçamentos estão abaixo daqueles valores, foi aprovado (assim consta da Declaração) que devem parar com a redução dos orçamentos de defesa, aumentar os gastos com a defesa, em termos reais, à medida que o PNB cresça, atingir o nível dos 2% do PNB, no prazo de uma década e, nesse mesmo prazo, atingir os 20% na modernização de novos sistemas de armas que respondam aos NATO Capability Targets e eliminem as insuficiências das capacidades operacionais da Aliança.

Mas a Declaração faz igualmente referência a um conjunto de medidas e decisões, no sentido de aumentar a capacidade de resposta e prontidão das Forças militares à disposição da Aliança, da NATO Response Force (NRF) em geral e da, então criada, Very High Joint Task Force (VJTF) em particular, uma nova Força Terrestre, com o apropriado apoio aéreo e marítimo, além de uma componente de operações especiais, com prontidão de alguns dias, capaz de ser projectada e empregue nas periferias da área geográfica da Aliança, perante desafios ou ameaças que ali possam ocorrer.

A Declaração desta última Cimeira da Aliança, talvez pela sua extensão, não foi objecto de grande divulgação pelos “media” e passível de uma sensibilização das opiniões públicas do seu impacto na responsabilização dos Aliados na resolução das insuficiências operacionais e preocupações de segurança da Aliança; na realidade, o documento percorre todas as missões, presentes e futuras, constitui uma inequívoca responsabilização dos países membros nas missões e compromissos assumidos, assim como um renovado apelo à solidariedade e cooperação transatlântica, como um pilar fundamental da coesão entre europeus e americanos e canadianos.

A Aliança chama ainda a atenção dos países membros para os novos desafios à segurança e estabilidade internacional, constituídos pelo Cyberterrorismo, pela necessidade de garantir a segurança energética, para a problemática das alterações climáticas, para a escassez de recursos estratégicos, designadamente a água, e para o permanente aumento da procura de energia.

Mas a Aliança fez questão de salientar nesta Declaração da Cimeira que se mantêm atuais os princípios do Tratado de Washington, assim como as tarefas fundamentais do Conceito Estratégico aprovado, a defesa coletiva, a capacidade de gestão de crises e a segurança cooperativa, e que a dissuasão continua a ser garantida por uma combinação de capacidades militares, nucleares, convencionais e de defesa anti-míssil. Aos Aliados foi mais uma vez referido que a coesão da Aliança se baseia na solidariedade política e multidisciplinar, entre todos, numa equitativa divisão de partilha de riscos e de custos (burden-sharing), e na determinação e disponibilidade política e material para o cometimento de forças militares nas operações assumidas.

A próxima Cimeira, em 2016, na Polónia, fará certamente uma avaliação das decisões agora assumidas e aprovadas por todos os países membros, colocando-se para todos o desafio do seu cumprimento e as consequências políticas dessa realidade. No caso nacional, estamos mais uma vez perante a opção política de cumprir ou encontrar mecanismos perversos para dizer que se fez o que não foi feito, e que era nossa responsabilidade fazer – o resultado poderá ser o de tornar Portugal num país membro irrelevante no seio da Aliança e as suas Forças Armadas dispensáveis.

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2015-01-07
801-803
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia