Nº 2553 - Outubro de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Portugal na I Guerra Mundial
Tenente-coronel PilAv
João José Brandão Ferreira

Introdução

A primeira lição que a história
E a vida nos ensinam é a transitoriedade
Dos mitos, dos regimes e sistemas

Jaime Cortesão

 

A “Grande Guerra” – conhecida como a guerra que ia acabar com as guerras – teve início em 28 de Julho de 1914 e terminou com a assinatura do Armistício, em 11 de Novembro de 1918 (mais propriamente, às onze horas do dia onze, do mês onze, depois de ter sido protelado onze dias…).

Portugal combateu nesta guerra em quatro frentes, ou teatros de operações, a saber e por ordem cronológica:

– Angola (Sul), desde 1914;

– Moçambique (Norte), desde 1914;

– No mar, mais propriamente, no Atlântico Central e Sul, e no Índico, desde 1914;

– Na Flandres (França/Bélgica), desde 1917.

Sem embargo, aquilo que a generalidade do público conhece por, sobre tal, ter havido a maior incidência discursiva e histórica, é o que se passou na frente europeia, o que descontextualiza e desvirtua a análise sobre todo o conflito.

Conflito, note-se, que, na altura, foi o que maior extensão teve a nível mundial e mais mortos e destruição provocou, desde que a invenção da escrita permitiu a origem da História.

Vamos elaborar um pouco sobre tudo isto.

 

Enquadramento geopolítico e geoestratégico

É necessário que ao chegarmos ao fim da
guerra possamos manter intacto, se não
aumentado, o nosso domínio colonial em
África, e por toda a parte bem assinalado
o nosso prestígio de Nação autónoma
de Nação livre

António José de Almeida

 

O equilíbrio geopolítico e a “nova ordem internacional” que o Congresso de Viena, de 1815, determinou manteve-se praticamente por todo o século XIX. Mas este equilíbrio rompeu-se nos alvores do século seguinte, dado que a posição e o poder relativo das principais potências se alterou.

A “Santa Aliança” que reunia a Rússia, a França e a Áustria-Hungria era já e apenas nominal.

A França estava economicamente debilitada e a recuperação da Alsácia-Lorena, perdida na Guerra de 1870, para o Império Alemão, constituía quase uma obsessão política. A França apostava, também, na balcanização da Europa central, a partilha da Alemanha e o desmembramento do Império Austro-húngaro, sonho que vinha, pelo menos, desde Luís XVI.

A Inglaterra ainda era a maior potência naval do mundo, com uma economia sólida, o mais vasto império ultramarino e uma coesão interna elevada, apesar do grave diferendo que lavrava na Irlanda.

Porém, a Inglaterra sentia-se ameaçada pelo extraordinário crescimento económico alemão – que já quase dominava todo o todo o Continente –, o enorme aumento da Marinha Alemã, sobretudo depois do plano do Almirante Tirpitz (vislumbrando-se a possibilidade de também passar a usar os portos holandeses e belgas), e o expansionismo germânico em África e no Oriente – que tinha visto o seu fulcro na Conferência de Berlim de 1884/85, sob os auspícios de Bismark.

O vasto Império Russo atravessava uma crise gravíssima, derivada da desagregação moral da sociedade – com realce para a decadência das classes dirigentes – e do grande atraso económico, especialmente na indústria e, ainda, no fenómeno revolucionário fomentado pelos bolcheviques, cujo chefe, Lenine, dirigia a partir da Suíça.

No plano externo, a Rússia mantinha vários objectivos de sempre, a saber: a saída para os mares quentes através da livre passagem nos Estreitos Otomanos do Bósforo e Dardanelos, o que lhes permitia a manutenção de uma esquadra no Mediterrâneo; o enfraquecimento da Alemanha e o alargamento da sua esfera de influência na Checoslováquia e nos Balcãs, nomeadamente, na Sérvia.

Eram muitos objectivos em simultâneo, alguns contraditórios e que desagradavam a várias potências ocidentais. As suas deficiências e vulnerabilidades, sobretudo em material e equipamento, tornavam a maioria destes objectivos inviáveis.

O Japão iniciava o seu expansionismo na China e pelo Sudoeste Asiático e, aproveitando-se da aliança entretanto feita com a Inglaterra, vai dar os seus primeiros passos imperiais.

Surgem em cena, todavia, com todo o seu peso, os EUA, expandindo-se e ultrapassando as potências europeias em toda a América Central e Sul, e lançando o seu olhar para África.

A Guerra de 1898, contra a Espanha, sob o pretexto da libertação de Cuba e das Filipinas, marca, indelevelmente, o início do imperialismo Yankee. E quebra de vez o isolacionismo recomendado por Washington e Jefferson, e consubstanciado na Doutrina Monroe, de 1893.

Do choque de todas estas forças e interesses – entretanto agrupados em dois grandes blocos antagónicos a “Entente Cordial”, que reunia a França, a Inglaterra e a Rússia, e a “Tripla Aliança” que juntava a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Turquia – resultou a primeira guerra à escala mundial.

O atentado de Serajevo, em 28/6/1914, perpetrado pelo estudante sérvio Gravilo Príncip – pertencia à sociedade secreta os “Mão Negra” –, que custou a vida ao Arquiduque Fernando, herdeiro do trono Austro-Húngaro, foi apenas o pretexto que a iniciou.

 

Os antecedentes que levaram Portugal à guerra

Vivia-se n’uma atmosfera de ódios,
De enredos e de intrigas, em que mal
Se podia respirar

Manuel de Arriaga

 

A República foi implantada a 5 de Outubro de 1910, mas nunca se chegou a consolidar.

Não se pode negar a muitos dos próceres da República inteligência, boa-fé, idealismo, cultura e, até, isenção e patriotismo.

Mas cedo se desentenderam, cometeram erros e macularam-se com perseguições, originando a decomposição rápida do novo regime.

Dado que a política ultramarina sempre foi nacional, não foi alterada na passagem da Monarquia à República, ou seja, a manutenção da integridade territorial e o combate a tudo o que a pudesse pôr em causa, continuaram a ser objectivos primordiais. E todos os esforços diplomáticos e militares necessários a estes desideratos nunca foram contestados por toda a Nação, até aos anos 60 do século XX (salvo com a criação do PCP, em 1921).

Faltava, porém, aos novos dirigentes republicanos, qualquer experiência no campo das relações internacionais e, para além do respeito pela Aliança Inglesa – afiançando, sem embargo, que não desejavam qualquer tipo de protectorado –, não lhes ocorria mais nada.

A piorar as coisas, as paixões partidárias obliquaram as mentes fazendo com que toda a notável acção diplomática desenvolvida por D. Carlos I fosse menosprezada e todas as iniciativas dos últimos governos monárquicos (como, por ex., a concepção do mapa cor-de-rosa) fossem tidos como devaneios, erros ou absurdos.

As querelas internas de partido consumiam todas as energias e tornavam estéril qualquer acção concertada e objectiva, num exacerbamento nunca visto, que tinha origem recuada, em 1820, e fizera o seu caminho por todo o século XIX.

Numa altura em que maior discernimento e união nacional eram necessários, quando se acastelavam perigos enormes sobre o Ultramar Português, o menor dos quais não seria, certamente, o acordo secreto negociado, em 1913, entre a Alemanha e a Inglaterra, em que estes países repartiam os nossos territórios, a fim de dirimir os conflitos entre ambos – na sequência do que já tinha acontecido, em 1898, e viria a ocorrer novamente, em 1938!

Em Novembro de 1913, o ministro alemão em Lisboa, Barão de Rosen, transmitia ao seu governo o seguinte: “o país está tão dividido em lutas partidárias e conspirações internas que nem dá pelo perigo que ameaça o Ultramar”.

Muitos republicanos também tinham o devaneio de pensarem que viviam numa era nova, que tudo iria ser melhor e que o futuro iria ser baseado na fraternidade humana e no altruísmo dos países. Ideias que, por mais erradas que possam estar, continuam recorrentes, o que podemos observar em muito do que se passou desde o 25 de Abril de 1974, para cá, por exemplo.

Outro erro de que não nos conseguimos curar resulta de nos dividirmos constantemente, entre apoiantes de facções em luta, que deslumbram: ora admiramos a Inglaterra, ora a França, ora a Espanha, ora a Alemanha, ora os EUA, até a Rússia, etc..

O período que antecedeu a I GM não foi excepção a esta regra, num esquecimento que já começa a ser estúpido, que a única facção que interessa, o único partido importante, se chama Portugal! E, como a estupidez é congénita, muitos acharam que a I GM seria a última, a guerra para acabar com as guerras…

Na altura, havia ainda uma condicionante de peso: nada se fazia sem se perguntar à Inglaterra que, por sua vez, não nos queria impor nada e apenas receava precipitações ou asneiras do governo em Lisboa.

Tal ambiente levou Teixeira Gomes, então nosso embaixador em Londres, a dizer esta coisa extraordinária: “Toda a nossa vida social, a nossa estabilidade política, a nossa nacionalidade, a conservação das nossas colónias, tudo depende absolutamente da Inglaterra!”.

 

Portugal na guerra

Não digo que tem pouco, digo que não tem nada
Ministro da Guerra, no Parlamento, referindo-se ao Exército (28/6/1914)

 

As hostilidades tiveram início em 28 de Julho de 1914 e o Governo Português, logo a 7 de Agosto de 1914, apressou-se a reafirmar a Aliança Inglesa perante o Parlamento, apesar da Inglaterra nada ter solicitado e, numa atitude equívoca, não declarou a neutralidade, tão pouco a beligerância.

O país dividiu-se entre os adeptos da beligerância, reunidos à volta do Partido Democrático – de Afonso Costa – e os da não intervenção, que reunia praticamente o restante espectro político e a grande maioria da população.

Deve acrescentar-se que esta questão da beligerância apenas se colocou relativamente à participação em qualquer frente de batalha europeia, já que, em relação à defesa das parcelas ultramarinas o consenso era geral.

Os desentendimentos políticos sucediam-se, ao passo que a situação económica, financeira e social se degradava, apesar de chegarem a Lisboa insistentes pedidos para que nos abstivéssemos de qualquer declaração ou de beligerância.

Os grandes argumentos defendidos pelos adeptos da intervenção militar na Europa, eram:

– Cumprir com os deveres da Aliança Inglesa;

– A defesa do património ultramarino;

– A garantia de participação nas conversações de paz, e no futuro organismo internacional que delas resultasse;

– Prevenir alguma intervenção espanhola.

E ainda um outro, não verdadeiramente explicitado, que tinha a ver com a consolidação do novo regime, tanto na vertente externa – só a França apoiava francamente a República – como interna, provocando uma espécie de “união nacional” em torno da guerra.

Todas estas razões, como mais tarde se veio a verificar, estavam erradas.

Mais avisado se mostrava Sir Eduard Grey, o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, que aconselhava prudência e que guardássemos as nossas forças para defendermos o Continente e o Ultramar.

E quando a Inglaterra e a França nos solicitaram a cedência de alguma artilharia, respondemos que só o faríamos se seguisse também o respectivo pessoal, e a mesma fosse acompanhada de uma divisão de Infantaria.

Entretanto, os alemães, sem qualquer declaração de guerra, atacaram o posto de Maziua, na fronteira norte de Moçambique, a 25 de Agosto de 1914; e, no Sul de Angola, atacaram Naulila, a 17 e 18 de Outubro, e Cuangar, a 30 do mesmo mês.

As autoridades portuguesas já contavam com ataques alemães desde 1913 e alguma preparação local foi feita.

Para Angola, foi enviada uma expedição militar sob o comando do Tenente-coronel Alves Roçadas, a qual desembarcou em Moçâmedes, em 1 de Outubro de 1914.

A primeira das quatro expedições enviadas para Moçambique desembarcou em Porto Amélia, a 1 de Novembro, sob o comando do Tenente-coronel Massano de Amorim.

Em 10 de Outubro, o governo inglês solicitou a Lisboa que se colocasse activamente ao lado da Inglaterra, mas apenas foi enviada a Londres uma missão militar, a fim de conferenciar com o Estado-Maior inglês.

A 23 de Novembro, o Congresso autorizou a intervenção militar.

Os combates com os alemães foram duros e, no mais das vezes, desfavoráveis às armas portuguesas.

Em 1915, deu-se a primeira grande intervenção dos militares na política da I República, dando origem à Ditadura do General Pimenta de Castro. A política intervencionista sofre uma paragem.

Mas, logo em Maio desse ano, ocorre um contra golpe, sangrento, e volta-se à política antiga, formando-se um “governo de guerra”.

Pretende-se declarar a beligerância, mas o governo inglês afirma que o devemos fazer sem invocar a Aliança, baseando-se apenas em razões próprias.

Era preciso um pretexto para declarar guerra à Alemanha e esse pretexto foi encontrado com a apreensão dos navios alemães surtos nos portos nacionais, o que fizemos em 23 de Fevereiro de 1916, e que levou à declaração de guerra alemã, a 9 do mês seguinte.

Foi formado o Corpo Expedicionário Português (CEP), composto por duas divisões de infantaria e um Corpo de Artilharia Pesada Independente, num total de 55.000 homens, comandado pelo General Tamagnini de Abreu, e enviado para a Flandres, em 2 de Fevereiro de 1917. Ficou integrado num corpo de exército britânico, debaixo do comando superior do General inglês, Douglas Haig.

Foi preparado à pressa, em Tancos, naquilo que ficou conhecido pelo “milagre de Tancos”, que de milagre tinha muito pouco.

Os sacrifícios foram enormes e a maioria do povo, bem como da oficialidade, estava contra esta intervenção na frente europeia, o que originou um novo Golpe de Estado, em 5 de Dezembro de 1917, sendo o poder assumido por Sidónio Pais.

Bernardino Machado, Afonso Costa, Augusto Soares, Norton de Matos, João Chagas e muitos outros foram exilados ou afastados.

Não abandonámos o campo de batalha, mas o CEP deixou de ser reforçado e abastecido. Na prática, foi abandonado e a maioria dos oficiais que vinham de licença, já não regressavam.

Uma situação patética!

A 9 de Abril de 1918, a última grande ofensiva alemã da guerra concentrou o seu esforço de ruptura no sector ocupado pelas duas divisões portuguesas, muito fatigadas e depauperadas (e, até, com problemas disciplinares graves), estando apenas a 2ª Divisão, comandada pelo General Gomes da Costa, na frente.

Esta Divisão foi praticamente esmagada por quatro divisões alemãs (seguidas de outras quatro). O seu sacrifício serviu, no entanto, para retardar consideravelmente o avanço alemão, ajudando a impedir o seu objectivo estratégico de atingir a costa.

Verificaram-se muitos actos de bravura individual e bom comportamento de algumas subunidades, que salvaram a Honra da nossa Bandeira.

Mas o desastre foi extenso e a derrota pesada, dado que a frente colapsou em poucas horas e sofremos cerca de 7.000 baixas, a grande maioria prisioneiros.

O que restou das nossas forças estava destroçado e nenhum valor operacional possuía. E praticamente abandonadas à sua sorte.

Foi preciso muita tenacidade para recuperar e reorganizar o que restava e conseguir, junto dos aliados, voltar a ter unidades na frente, o que se conseguiu, finalmente, com três batalhões de infantaria que, integrados no Exército Britânico, combateram nas linhas da frente até à assinatura do Armistício.

A 24 de Agosto, o General Tamagnini foi substituído no comando do CEP pelo General Garcia Rosado, que defendera, em Londres, a reconstrução do Corpo de Exército Português, superando as objecções inglesas.

O que não foi possível levar a cabo.

A 9 de Fevereiro, o contingente português começou a embarcar em Cherbourg, de regresso à Pátria.

Entretanto, em Angola, parte das forças alemãs renderam-se aos sul-africanos, mas outra parte manteve revoltadas as tribos Cuanhamas e Cuamatos, além do rio Cunene, o que nos obrigou a manter extensas operações de pacificação, sob o comando do General Pereira D’Eça.

Para Moçambique continuaram a seguir tropas, tendo a 2ª expedição chegado a 7 de Novembro de 1915, tendo recuperado Quionga, no extremo Nordeste, a 10 de Abril de 1916.

A 3ª expedição seguiu em Maio/Junho de 1916, sob o comando do General Ferreira Gil, passando as nossas tropas a operar em território da África Oriental Alemã, até Dezembro desse ano.

A 4ª expedição seguiu em Fevereiro de 1917, comandada pelo Coronel Sousa Rosa, a qual teve que enfrentar, a partir de 21 de Novembro, as tropas do notável Tenente-coronel Von Lettow-Vorbeck que invadiram Moçambique. Nestas operações as forças portuguesas sofreram 4.800 mortos em combate e por doença.

 

Apontamento sobre a participação da Armada e da Aeronáutica militar

É pouco conhecida esta participação, pois a maior parte da análise se concentra nas operações terrestres.

A participação da Marinha de Guerra é, porém, extensa, tendo operado no Atlântico Central e Sul e no Índico. Destacou forças para Angola e Moçambique.

A Marinha entrou na guerra muito debilitada. A esquadra era pequena – em 5 de Outubro de 1910, existiam 47 navios –, heterogénea e a maior parte dos navios estava vocacionada para operar no Ultramar. Os navios tinham uma idade média avançada e sofriam da falta de …. tudo.

A degradação económico-financeira – que se agravara extraordinariamente desde as Invasões Francesas – nunca tinha recuperado, o que frustrou os sucessivos planos de renovação naval.

O mesmo se passou com a República.

Entre 1910 e 1918, foram aumentados ao efectivo quatro contratorpedeiros, quatro submersíveis, cinco canhoneiras, dois vapores e um aviso de esquadra. Mas, antes de a guerra começar, perderam-se dois cruzadores por acidente.

As missões da Armada durante o conflito foram as seguintes:

– Assegurar a escolta aos numerosos transportes de tropas para África e para França;

– Assegurar a escolta de navios mercantes nacionais para o Ultramar e para as ilhas adjacentes;

– Patrulhar e defender o litoral metropolitano, das barras do Tejo, Douro e Leixões e a Baía de Lagos;

– Estabelecer barreiras antissubmarinas, rocega de minas para defesa de portos e lançamento de campos de minas defensivas;

– Patrulhar e defender as águas dos arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo Verde;

– Participar na defesa do Ultramar, com meios navais e com batalhões constituídos para actuar em terra, com unidades do Exército.

Das principais acções respinga-se:

– A notável acção do Batalhão de Marinha, no Sul de Angola, em 1915, nomeadamente no combate da Môngua;

– Acção do Cruzador Adamastor na fronteira Norte de Moçambique, desde 1916; idem para a Canhoneira Chaimite e para o Cruzador S. Gabriel, este em 1918;

– A protecção aos transportes de tropas para França, em que a Armada fez 148 comboios, em zonas infestadas por submarinos alemães, representando 500.000 toneladas transportadas e cerca de 60.000 milhas navegadas, sem a perda de qualquer navio;

– Reação a dois ataques à cidade do Funchal por parte de um submarino alemão, que provocou danos, mortos e feridos;

– O afundamento do Caça Minas Roberto Ivens, a Sul de Cascais, por ter embatido numa mina;

– A defesa do Porto do Mindelo, em Cabo Verde;

– Reação ao ataque a Ponta Delgada por parte de um submarino alemão, em 7 de Junho de 1917;

– A constituição, em Moçambique, de um Batalhão de desembarque que ajudou na defesa de Quelimane, ameaçada pelos alemães;

– O heróico combate do Arrastão a vapor Augusto de Castilho, contra um poderoso submarino alemão de que resultou o seu afundamento e a morte do seu Comandante, Primeiro-tenente Carvalho Araújo.

Uma palavra para a Marinha Mercante que se portou muito bem e sofreu perdas sensíveis: 100 navios, dos quais quinze ao serviço da Inglaterra, o que representou 100.000 toneladas, um quarto do total. Teve 300 baixas, dos quais 100 mortos.

 

A acção da aviação militar

Quando a I GM teve início, a utilização do avião em operações militares, bem como as unidades combatentes, era incipiente.

A primeira utilização do avião como uma arma ocorreu em 1911, por parte dos italianos, na guerra que os opôs aos turcos.

Foi, contudo, este grande conflito que proporcionou um desenvolvimento tremendo da arma aérea, sendo esta, juntamente com o aparecimento do “Tank”, do submarino e da utilização do gaz como arma química, as maiores novidades em armamento e avanço tecnológico dos conflitos armados, até então.

Em Portugal, a Aeronáutica Militar deu os primeiros passos com a criação do respectivo Serviço, no Exército, em 14 de Maio de 1914, e da respectiva Escola, em Vila Nova da Rainha, dois anos depois.

Na Armada, o Serviço da Aviação Naval nasceu em 28 de Setembro de 1917, já a guerra ia avançada, criando-se a Base do Bom Sucesso e comprando-se quatro hidroaviões, que se juntaram aos dois já existentes. Em Maio, receberam-se mais seis, de França.

Estas aeronaves foram de grande valia no reconhecimento da costa e na detecção de submarinos e minas. Perdeu-se uma aeronave em operação.

Da acção da Aviação Militar destaca-se:

– A organização de uma esquadrilha expedicionária, a fim de apoiar as operações militares da quarta expedição, em Moçambique; foram enviados três aviões Farman F 40, de reconhecimento e informação, três pilotos, três observadores aéreos e três mecânicos, que partiram de Lisboa a 3 de Julho de 1917. A 7 de Setembro, o Alferes Gorgulho descolou de Mocímboa da Praia fazendo o primeiro voo militar português em terras de África. Infelizmente, por via de acidentes e dificuldades de ordem técnica, esta esquadrilha não chegou a entrar em operações. Apesar dos meios não terem ido a voar, tratou-se de uma das primeiras projecções de Poder Aéreo a grande distância, na História dos conflitos;

– A tentativa de organização de um Grupo Aéreo, a fim de apoiar o CEP (uma esquadrilha de caças e duas de reconhecimento e regulação de tiro de artilharia); o oficial encarregue de tal tarefa foi o Capitão Norberto de Guimarães e o material seria cedido pelos ingleses, o que nunca veio a suceder. O nosso pessoal acabou distribuído por esquadrilhas inglesas e francesas, somando, no fim do conflito, um total de trinta pilotos e mecânicos. A sua prestação mereceu encómios, tendo-se destacado o Capitão Óscar Monteiro Torres, abatido em combate aéreo contra cinco aviões alemães, tendo, antes, abatido um deles. Foi o único aviador português que, até hoje, morreu em combate aéreo;

– A formação, com parte dos meios do frustrado Grupo Aéreo para apoiar o CEP, de uma Esquadrilha expedicionária, com nove aviões Caudron G-4, para apoiar as operações em Angola, que chegou a Moçâmedes em 16 de Setembro de 1918. O Comando local decidiu enviá-los para o Lubango, no Planalto Central, onde só chegaram seis meses depois, já a guerra tinha acabado…

 

Alguns números sobre a guerra

Morrer na linha “B”, defendê-la até ao último
homem e ocupar a linha das aldeias

Missão atribuída à 2ª Divisão, pelo
Comandante do XI Corpo de Exército, General Hacking

 

Para África, foram mobilizados 50.150 homens, a que se devem juntar 12.383 para os arquipélagos de Cabo Verde, Açores e Madeira.

Para a frente europeia foram chamados às fileiras cerca de 55.000 homens e enviados dezassete comboios de navios, 117 comboios ferroviários, 7.783 solípedes, 1.501 viaturas e 312 camiões.

Fornecemos aos aliados cerca de 30.000 espingardas, 15 milhões de cartuchos, 56 bocas-de-fogo e 14.400 granadas.

Cedemos à Inglaterra navios que totalizaram 157.233 toneladas e concedemos permissão para a utilização de todos os nossos portos e, ainda, fornecemos géneros alimentícios e matérias-primas.

Entre mortos, feridos e inutilizados perdemos, em França, 14.623 homens e, em África, cerca de 21.000.

No total, foram mobilizados entre 150.000 a 160.000 homens, dos quais: 55.000 para França; 50.000 para África; 12.000 para os Arquipélagos e o restante na Metrópole.

O CEP tinha perdido, até 6 de Abril de 1918 (antes da ofensiva do Lys):

BaixasHomens
Mortos1.044
Feridos2.183
Gaseados1.594
Acidentados403
Prisioneiros102
Desaparecidos94
Total5.420

 

Baixas na Batalha de La Lys:

 MortosPrisioneirosTotal
Oficiais29270299
Praças3696.3156.684
Total3986.5856.983

 

Total do CEP (entre Junho de 1917 e Novembro de 1818):

 MortosFeridosPrisioneirosTotal
Oficiais74256299600
Praças2.0864.9686.40813.462
Total2.1605.2246.67814.062

 

A Marinha (não inclui doença):

 MortosFeridosPrisioneirosTotal
Oficiais85114
Sargentos55 10
Praças14290 232
Total1551001256

 

Perdemos ainda cerca de 100.000 homens por invasão ou subversão dos territórios africanos.

Ainda por curiosidade, tivemos o primeiro:

– Morto na Flandres, a 4 de Abril de 1917, o soldado António Curado do BI 28;

– Prisioneiro, um cabo e dois soldados, do BI 34, em 1 de Junho de 1917;

– Gaseado, no dia 12 de Junho de 1917;

– Prisioneiro alemão, patrulha do BI 24, em 16 de Junho de 1917;

– E único fuzilado, o soldado João Almeida (acusado de traição).

Sem embargo, para termos uma verdadeira percepção da dimensão desta guerra basta dizer que, na ofensiva alemã, entre 21 de Março e 29 de Abril de 1918, em que combatemos, a mesma envolveu 143 Divisões alemãs, que sofreram 340.000 baixas; 58 Divisões inglesas e duas portuguesas, com 341.000 baixas; 58 Divisões francesas, com 231.000 baixas.

Sem comentários.

No fim da guerra desfilámos em Paris com uma Companhia e Bandeiras, comandada pelo Major Ribeiro de Carvalho.

 

Epílogo, consequências e conclusão

Por mais uma vez, na nossa já longa História, os desatinos políticos em que somos férteis obrigaram a que Portugal tivesse que entrar numa guerra sem, para a mesma, estar minimamente preparado.

E se, no Ultramar, a resposta militar não oferecia dúvidas – até por se tratar de legítima defesa –, implicando a manutenção e defesa das nossas linhas de comunicação marítimas, já o envolvimento na frente europeia foi uma aposta política e estratégica errada, já que a tal nada nos obrigava; não tínhamos forças devidamente equipadas e treinadas para enviar nem capacidade logística para as sustentar – além de dispersar o pouco que tínhamos – e nenhum interesse vital estava em jogo, na Europa.

Mais uma vez, acautelámos mal – neste caso, por nítido interesse partidário – a nossa política de prudência e de neutralidade face aos conflitos europeus. E esquecendo, também, que não é neutro quem quer, mas sim quem tem Poder efectivo para fazer respeitar essa neutralidade.

Erro em que voltámos a cair nestes últimos quarenta anos de desnorte político/estratégico, em que mergulhámos e para os quais não se vê saída…

A Nação, no seu subconsciente centenário e telúrico, percebeu isto durante a I GM e, por isso, nunca regateou esforços para a defesa do seu território, europeu e ultramarino, mas opôs-se, por vezes violentamente, à mobilização para a Flandres.

No fim, lá ganhámos o direito de pertencer à Comissão que organizaria a Sociedade das Nações; à de Portos e Vias; à de Reparações e recebemos a minúscula povoação de Quionga, no Norte de Moçambique, que os alemães nos tinham tomado.

Foi tudo e nada representava.

João Chagas, um dos grandes paladinos da intervenção na Europa e que considerava aquela uma “Aleluia”, desiludiu-se e, no fim da guerra, em 1918, escrevia:

“Ontem, o Parlamento Francês celebrou já a

apoteose dos aliados da França. Falou-se de

todos: não se falou de nós. De resto é de toda

a evidência que existe o propósito de ocultar

o caso de Portugal como um caso triste que é,

discordante no conjunto da vitória” [1].

E, de facto, no fim de todos os sacrifícios beneficiámos, em rigor, de coisa alguma.

 

*****

 

Ao custo de oito milhões de mortos directos nos combates – dos 60 milhões de homens mobilizados, só na Europa –, mais de sete milhões de incapacitados e 15 milhões de feridos graves; de uma destruição extensa em campos, vilas e cidades, desfizeram-se quatro Impérios: o Alemão, o Austro-húngaro, o Otomano e o Russo.

Caíram, ainda, as quatro dinastias que os sustentavam e as aristocracias que os apoiavam: os Hohenzollern, os Habsburgos, os Otomanos e os Romanov.

Não estão contabilizadas as inúmeras mortes de civis (estimadas em mais cinco milhões) e que continuaram a aumentar por todo o lado, após a guerra, em resultado das destruições havidas, pelas fomes e doenças que se seguiram.

Um outro ponto, cujo esquecimento é recorrente, importa salientar: foi na I GM que se lançaram as bases para a criação do estado de Israel.

E de tão mal negociado e elaborado que foi o Tratado de Versalhes, em 28 de Junho de 1919 – mais um “diktat” do que outra coisa –, abriu os caboucos e o caminho para a segunda confrontação mundial, ainda de maiores proporções.

 

*****

 

Em Portugal, o fim da guerra, ao contrário do que desejavam os mais estrénuos republicanos, de unir o país em torno de uma causa comum e nacional – a guerra – e, por extensão, à República, deixou o país escaqueirado.

A tensão entre os militares e os políticos não mais deixou de subir; a economia afundou-se; a situação política e social anarquizou-se.

A I República acabou a 28 de Maio de 1926, golpe que tem a sua origem remota na decisão de levar o Exército para a Flandres.

Da I GM lembramo-nos hoje pouco, apesar da meritória obra desenvolvida pela Comissão de Padrões, que semeou estátuas evocativas por todo o país.

E surgiu a Liga dos Combatentes, em 1922, notável instituição (que quase se extinguiu nos idos de 1974/75) que todos os anos comemora as datas da Batalha do Lys e do Armistício.

Faz agora 100 anos. Estamos aqui hoje a ajudar a soprar as velas.

 

Bibliografia

Cardoso, Pedro, “Os Portugueses na Flandres – 1914-1918”, Edição do autor, Bruxelas, 1982.

Cardoso, Pedro, “Cronologia Geral”, ISCSP e AICP, Lisboa, 1995.

Comissão Técnica da Arma de Infantaria, “Livro de Ouro da Infantaria”, Lisboa, 9/4/1922.

Fraga, Luís Alves de, “A Força Aérea na Guerra de África – Angola, Guiné e Moçambique, 1961-1974”, Prefácio, Lisboa, 2004.

Henriques, Mendo Castro e Leitão, António Rosas, “La Lys”, Colecção Batalhas de Portugal, Prefácio, Lisboa, 2001.

Lousada, Abílio e Escorrega, Luís, “Grandes Comandantes e Batalhas do Exército”.

Martins, General Ferreira, “História do Exército Português”, Editorial Inquérito LDA, Lisboa, 1945.

Menezes, António, Jornal do Exército Português, Lisboa, 11/1/2011.

Nogueira, Franco, “As Crises e os Homens”, Ática, Lisboa, 1971.

INTERNET

http://pt.Wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial, (24/3/2014, modificada última vez, 18:20, de 27/1/2014)


 


[1]  João Chagas, Diário, IV, 343, 344.

 

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