Nº 2554 - Novembro de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Em memória

Em memória*

Nestes dias de chumbo, escrever umas palavras simples, que contudo sirvam para documentar a História de vida do General Gabriel Augusto do Espírito Santo, não é tarefa fácil; é ousadia de quem não tem mérito suficiente para este relato.

Conheci o General Gabriel do Espírito Santo em finais de 1975.

O meu pessimismo activo não embaraçava uma fidelidade democrática e coincidia com o seu optimismo crítico, criativo e organizador.

Cultivámos as mesmas simpatias e o gosto pelo memorialismo histórico; sobretudo fizemos frutificar uma Amizade no mútuo respeito pelos mesmos Valores.

Conversar com o General Gabriel do Espírito Santo, peripateticamente nos Jardins do Palácio de Belém ou em qualquer parada de unidade militar, não se esquece!

Coincidíamos na análise crítica dos períodos da decadência da História Portuguesa, e na busca de soluções para gerir uma crise ou resolver um problema.

Mais tarde, as reuniões matutinas com que iniciávamos os dias de trabalho intermináveis no Ministério da Defesa eram um estímulo motivador para o dia seguinte.

Não é possível esquecer como se conseguiu resistir e recompor o desastre criminoso da destruição dos Serviços de Informações Militares, ou organizar e aprontar o transporte das nossas tropas para a operação das Nações Unidas em Timor, usando aviação civil portuguesa, com encargos não cabimentados no Orçamento, ou transportar e instalar o dispositivo da operação da Bósnia, sempre com falta de meios …

Para o efeito, usávamos a ironia “cifrada” que repetíamos múltiplas vezes… “botas do Rossilhão!”

Ou como se transformou o modelo de recrutamento militar de obrigatoriedade, em voluntariado e contratação!

Ou como se reajustou financeiramente sustentado o modelo da Lei da Programação Militar e reequipamento militar que outros posteriormente incumpriram.

Como é melancólico pensar hoje que com ele nunca mais irei à caça, ou nunca mais visitarei as linhas de Elvas, ouvindo e vendo onde foi colocada a Infantaria, ou as Bocas de Fogo …

Nunca mais poderei repetir uma paragem no local do Campo da Batalha do Ameixial e ver o prodígio da Infantaria Portuguesa, surpreendendo a Cavalaria de D. João D’Áustria.

Não voltarei a sentir esse calafrio de orgulho, no valor desses Generais, que, sem meios, minados pela Calúnia e pela Inveja, sustentaram o pensamento Soberanista, que deslegitimou o poder da Casa D’ Áustria, e consolidou a independência da Nação Portuguesa.

O General Gabriel Augusto do Espírito Santo, agora que se foi da Lei da Morte libertado, ficará ao lado deles, na memória que teremos que preservar.


* Dr. Júlio de Castro Caldas, Ministro da Defesa (1999 a 2001).

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2015-03-23
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by COM Armando Dias Correia