Nº 2555 - Dezembro de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL
General
José Luiz Pinto Ramalho

Para os militares e para a instituição Militar, o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), constitui documento estruturante, não só porque rege a vida institucional dos seus servidores em matéria de deveres e direitos, como também o seu relacionamento funcional com a Instituição; é igualmente muito importante na caracterização da Condição Militar, na categorização hierárquica dos militares e na definição e progressão das suas carreiras.

Naturalmente que um documento deste âmbito organizacional, dadas as implicações que tem para os militares e para a Instituição, deve ser um instrumento legislativo que estimule e favoreça a estabilidade de todos, tendo em conta as idiossincrasias da instituição e do elemento humano que a compõe. Esse objetivo consegue-se, fazendo intervir os órgãos de planeamento do pessoal, através da cadeia de comando, dispondo esta também de instrumentos funcionais para fazer disseminar e obter uma informação descendente e ascendente, que permita esclarecer, mas também conhecer os anseios, expectativas e problemas reais que afectam ou podem afectar o pessoal.

Como é conhecido, sejam reformas ou revisões, quer estruturais quer legislativas, ou são devidamente participadas e colhem uma adesão maioritária e criam condições para o seu êxito ou, pelo contrário, alheiam-se da realidade e vão encontrar resistências, provavelmente criar mal-estar, afetar a coesão institucional e, mais do que isso, não servir a finalidade a que se propõem, por desajustamento das decisões e dos objectivos.

Em face do desconhecimento dos desenvolvimentos da anunciada revisão do atual EMFAR, parece estarmos perante esta última indesejável situação, tendo em conta, por um lado, as interrogações, incertezas e desconhecimento, manifestado pela generalidade dos militares, por outro, a posição pública de queixa ao Provedor de Justiça, por parte das Associações de Militares, quanto ao incumprimento da Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de agosto, quanto ao dever de audição e, ainda mais surpreendente, a referência pela comunicação social, a uma reunião das Chefias Militares sobre esta matéria, conferindo-lhe um carácter de urgência e de anormalidade.

Neste contexto, fica a interrogação de como é possível chegar a esta situação, insistindo num processo, que não favorece a transparência, causa instabilidade institucional, cria naturais dificuldades à cadeia de comando, trazendo ainda para a praça pública aquilo que deveria ser conduzido em articulação e cooperação com os estados-maiores dos Ramos e com o EMGFA.

Numa altura em que, no plano internacional, se procura encontrar explicações para a situação de crise que se tem vivido, identificando os chamados “activos tóxicos”, como resultados de procedimentos altamente incorrectos e geradores de prejuízos indesejáveis, merece reflexão o estudo conduzido a nível da defesa nos EUA, relativamente à Liderança, caracterizando aquilo que é designado por “líder tóxico” e as consequências que pode provocar, quer nas organizações quer nos comportamentos individuais.

Esse tipo de liderança é caracterizado por atos marcados pelo interesse pessoal, por agendas próprias, desinseridas das realidades e necessidades das organizações ou instituições que pretendem dirigir, por um fraco processo de decisão, que aposta no “micro-managenment”, na obtenção da informação para esse processo, fora da estrutura formal das organizações, na falta de transparência das decisões, por uma evidente falta de preparação e cultura organizacional, por uma ausência de estratégia de médio e longo prazo, privilegiando o imediatismo dessas decisões, mesmo que as mesmas sirvam outros objetivos, que não os necessários à organização.

Estes comportamentos, por vezes também conduzidos pelo preconceito, pela ignorância, pelo provincianismo, pela vaidade e pela adulação, provocam nas organizações, prejuízos profundos, com repercussões que perduram no tempo, afetando acentuadamente a produtividade, a adequabilidade e a flexibilidade de resposta das mesmas, às novas situações e desafios do futuro, assim como a coesão e o moral do pessoal, com inequívocos efeitos negativos na eficácia e eficiência nos desempenhos que se prospectivam.

A bem da sanidade organizacional, é urgente apontar esse tipo de “liderança”, designadamente, quando estão em causa instituições que são estruturantes do Estado, que têm de perdurar para além de uma gestão conjuntural, sendo importante que, mais do que minorar danos se impeça que possa continuar a acontecer.

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2015-04-19
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia