“Os castelos sempre sedutores e misteriosos não oferecem caminhos claros à História e, como verdadeiras fortalezas que são, escondem os seus segredos de forma, tantas vezes insondável. Por serem construções militares, sujeitas a forte destruição, grande parte da sua história permanece anónima, suplantada nas suas ruinas”.
(Citação do autor, Dr. João Ferreira da Fonseca)
Este estudo sobre o castelo de Penedono é, como todos os trabalhos desta natureza, fruto de uma investigação aturada feita, ao longo dos anos, em arquivos e bibliotecas mas, acima de tudo, resultado de uma observação minuciosa do monumento, em todas as suas vertentes, muralha a muralha, pedra a pedra, espaços, aberturas, ameias, seteiras, janelas, cisterna, marcas onde assentavam travejamentos, escadarias, adarves e torreões. Trabalho que só com amor e paixão pode ser realizado.
Foi isto mesmo que o historiador João Ferreira da Fonseca concretizou ao dissecar a estrutura castelar, melhor conservada em todo o distrito de Viseu, entre os numerosos castelos medievais que nesse espaço foram erguidos.
As imagens dos castelos são as mais concretas memórias da longínqua e por vezes esbatida Idade Média, construções erguidas em períodos inseguros e violentos, destinadas a garantir a segurança e tranquilidade de pessoas, territórios e bens. Mas estas edificações são o fruto de um aperfeiçoamento constante das técnicas de edificação e da necessidade de adaptação a novas estratégias e táticas militares, bem como à evolução dos armamentos.
Primeiro, castelos roqueiros localizados em pontos elevados, construídos de uma forma apressada e com recurso a materiais simples, existentes no local, pois o inimigo muçulmano progredia rapidamente no terreno. Depois, a partir do século IX e X, a nobreza condal iniciou o levantamento de castelos mais aperfeiçoados, de que é paradigma o castelo de Guimarães, fundamentais para assegurar o poder senhorial e real e possibilitar o avanço da Reconquista.
Penedono tem um castelo com mais de mil anos de história, construído numa elevação fragosa e áspera, onde homens determinados fincaram as primeiras pedras de uma obra sem fim, que foi sendo remodelada e ajustada aos tempos, vontades e técnicas. Segundo o autor, à semelhança da torre de menagem do castelo de Trancoso, identificada como antigo castelo condal do século X, também o castelo de Penedono teria começado por ter uma única torre, edificada nos penhascos, depois ampliada após as campanhas do rei leonês Fernando Magno, nos fins do século XI, princípios do século XII.
A existência dos traçados mais antigos, com muros de altura mais reduzida, cerca de metade dos atuais, de recorte ameado de secção rectangular e com aberturas de pequena dimensão, é denunciada pela observação atenta das paredes das muralhas. A muralha antiga acompanhava e contornava o terreno fragoso, formando um pequeno pátio interior, capaz de abrigar uma pequena hoste.
Após a crise de 1383-85, o castelo de Penedono foi muito beneficiado por obras de remodelação, dotando-se de melhores condições de defesa e de habitabilidade. Sobre as muralhas ancestrais foram erguidos novos muramentos, elevando a cota da altura da fortaleza. Para suportar e melhor distribuir o peso das novas muralhas, as paredes do castelo foram alargadas e coroadas com ameias, terminadas em forma pentagonal, intercaladas por aberturas. Nas arestas foram construídos cinco torreões de planta diversa.
Outra das inovações introduzidas foi a barbacã, estabelecendo um perímetro muralhado, contornando a formação rochosa onde assenta o castelo, a partir do preenchimento das falhas entre os rochedos, e que passou a ser uma primeira linha de defesa. A planta pentagonal irregular do castelo advém da preocupação em se adaptar à morfologia do esporão granítico em que assenta.
Os castelos condais serviram também como moradias das elites nobiliárquicas, mas, com o advento de tempos mais pacíficos, estes nobres mandaram construir novas residências, edifícios mais amplos e confortáveis, o que também aconteceu com os senhores de Penedono, Gonçalo Vasques Coutinho e seus descendentes, que passaram a privilegiar a comodidade dos paços da sua linhagem, em vez do desconforto e singeleza dos diversos castelos que possuíam.
Assim, o castelo de Penedono passou a estar mais voltado para funções estritamente militares e nele estaria uma pequena guarnição formada por escudeiros, besteiros e peões, comandada por um alcaide, homem de boa linhagem e de confiança. Indispensáveis ao castelo eram ainda alguns mesteirais como carpinteiros, ferreiros e armeiros, que zelavam pela sua conservação e funcionamento.
Os diversos cunhos abertos nas paredes do castelo atestam e evocam os fortes caibros que suportavam o interior, entretanto desaparecido. Essas marcas sugerem que o castelo possuía três pisos interiores: – rés-do-chão, primeiro andar e segundo andar, pelos quais se distribuíam os espaços habitáveis.
O piso térreo, ao qual se acedia pela porta principal, incluiria o cárcere, um pequeno estábulo e ainda algumas arrecadações para palhas, lenhas, adega e tulha de cereais.
Por uma escadaria interior talhada em pedra, acedia-se ao primeiro andar, onde se encontraria o salão principal, munido de janelas, que era o espaço mais importante, onde o senhor ou o seu alcaide recebiam e tratavam da administração e dos negócios, tomavam decisões e festejavam com visitas e amigos. Neste piso poderiam ainda existir pequenas câmaras e antecâmaras, separadas por paredes de madeira ou de taipa e, para se sobreviver às invernias, ali se encontrava a lareira.
Uma outra escada dava serventia ao segundo andar, construído aquando da ampliação das muralhas. Aí se encontravam acomodações mais privadas, limitadas por paredes de madeira ou de taipa, acessíveis por estreitos corredores.
Do último andar acedia-se ao caminho da ronda ou adarve, que circundava todo o castelo e era palmilhado pelas sentinelas.
Há mais de mil anos que o castelo de Penedono domina, do alto do seu esporão, os montes, planuras e vales circundantes daquela região, tarefa esta que já cumpria antes de Portugal ter nascido. Coube ao historiador João Ferreira da Fonseca, homem da terra, traçar o percurso histórico deste monumento, introduzindo o leitor na caracterização dos castelos, suas tipologias e funções desempenhadas, quer no domínio militar, quer na contribuição para o ordenamento do território e para a afirmação de poder.
De seguida, enquadra os vestígios arqueológicos existentes e faz-nos entrar no castelo-paço da poderosa família dos Coutinhos. Convida-nos a penetrar na intimidade da fortaleza, num trabalho de reconstituição notável, feito a partir da observação aquilina dos vestígios materiais agora existentes. Ao autor, nada escapa, e num estudo extraordinário, baseado também na documentação disponível nos arquivos e na comparação com outros monumentos coevos, leva-nos consigo numa viagem mágica. Começando nos tempos medievos da pujança castelar, passando pelas obras de expansão executadas a partir dos fins do século XIV, até à sua decadência nos séculos XVIII e XIX e, finalmente, à redescoberta e ao carinho com que os penedonenses dos nossos dias cuidam do seu ex-libris.
Obra apresentada num volume de 187 páginas ricamente ilustrado e documentado com fotografias, mapas, estampas, iluminuras, desenhos, plantas, etc., em co-edição Quartzo Editora e Município de Penedono, O Castelo de Penedono-Mil anos de História, constitui um valioso contributo para a História dos Castelos em Portugal e é um motivo de orgulho para as gentes de Penedono.
A Revista Militar agradece a oferta deste livro e felicita o historiador João Ferreira da Fonseca, que o escreveu, e o Presidente da Câmara Municipal de Penedono, Carlos Esteves de Carvalho, que em boa hora lançou o repto e fez a obra nascer.
Major-general Manuel de Campos Almeida
Vogal Efetivo da Direção da Revista Militar
Vogal Efetivo da Direção da Revista Militar.