Nº 2547 - Abril de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
As Teorias Geopolíticas e Portugal
Tenente-coronel
Jorge Manuel Dias Sequeira

Introdução

Considerando o mar como uma das fontes estruturais do poder, além da terra, ar e ciberespaço, ele foi alvo de várias teorias. Assim, os designados teorizadores geopolíticos clássicos elaboraram as suas teorias valorizando uma delas como factor determinante para o “domínio do mundo”, sendo catalogados com teorizadores dessa fonte estrutural. Por sua vez, aqueles que valorizavam mais do que uma fonte de poder ficaram conhecidos por teorizadores dos poderes conjugados ou poder dual.

Como sustentáculo do nosso artigo, adoptámos o seguinte conceito de geopolítica: “estudo das constantes e variáveis do espaço acessível ao Homem ou que dele sofre efeito intencional que, ao objectivarem-se na construção de modelos de dinâmica de poder, projecta o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na actividade da Ciência Política, com influência na acção externa dos diferentes intervenientes na Sociedade Internacional”. (Dias, 2012b, p. 205)

Nele, observa-se que geopolítica “trabalha” na «construção de modelos de dinâmica de poder», tendo em consideração a geografia, e visa apoiar a tomada de decisão da política, entendida em sentido restrito ou técnico, considerando a “polis” como objecto material e que tem correspondência na ciência política. Por outras palavras, os seus estudos procuram contribuir para a obtenção ou manutenção do poder[1].

Atendendo à proliferação de intervenientes no Sistema Internacional, associada às interdependências criadas entre as diferentes unidades, leva-nos a dizer que a geopolítica pode ser entendida e aplicada a uma determinada escala, mas sem menosprezar o que a rodeia e, sobretudo, sem ignorar as articulações inter-escalares que necessariamente se estabelecem. Ou seja, “a disciplina é multidimensional e tanto pode ser percebida numa dimensão global, como à escala regional e o objecto tanto poderá ser determinada área em particular como um grupo em especial”. (Dias, 2006, p. 315)

A geopolítica permite-nos, pois, o conhecimento e significado do espaço, tanto a nível macro como micro; contudo, elabora também “matrizes de tendências dos espaços estudados e visiona analiticamente possíveis futuros, com a inerente contribuição para a concepção de estratégias totais”. (Bessa e Dias, 2007, p. 60)

No presente artigo pretendemos relevar a excelência da posição geográfica portuguesa, associada à sua vasta plataforma continental. Deste modo, sustentados no pensamento geopolítico de alguns autores clássicos, mas sem esquecer a última obra de Saul Bernard Cohen (2009), procuramos localizar Portugal nessas teorias.

Pretendemos, ainda, argumentar a importância e extensão do “mar português” e como o poder político o poderia utilizar para aumentar o movimento nos portos portugueses e, assim, desenvolver a economia e, concomitantemente, a sua liberdade de acção, ou seja, o poder nacional.

A importância geopolítica do meio marítimo parece óbvia, muito embora a valia relativa das razões de que decorre possa, ao longo dos tempos, ter vindo a ser alterada, por questões que se prendem com a evolução do conhecimento na sua generalidade, com a evolução tecnológica, com as diferentes modificações no sistema económico, com a projecção de poder, com a demografia, com as diferentes escolas no âmbito das relações internacionais, da ciência política, da estratégia, entre outras. (Dias, 2005)

Inicialmente apresentamos os teorizadores do poder marítimo (Mahan e Castex), seguido dos do poder terrestre (Mackinder e Haushofer) e os do poder dual (Spykman e Cohen), segue-se a importância da posição portuguesa e as formas de “valorizar” o mar.

 

1. Teorizadores do Poder marítimo

Os teorizadores do poder marítimo consideravam o mar como a principal fonte estrutural do poder, uma vez que aquele que a dominasse controlava o mundo. Neste domínio, dois importantes pensadores são: o americano Alfred Thayer Mahan e o francês Raoul Castex.

O almirante americano Thayer Mahan (1840-1914) valorizava o comércio como um dos principais elementos para o poder nacional, desta forma era necessário assegurar a liberdade de circulação marítima nos oceanos e mares; assim, o controlo de “choke points” era determinante para a livre circulação da marinha mercante, devendo tal assentar no Poder marítimo, entendido como “a soma de forças e factores, instrumentos e circunstâncias geográficas, que cooperam para conseguir o domínio do mar, garantir o seu uso, e impedi-lo ao adversário”. (IAEM, 1982, p. 72)

Segundo Mahan, o poder marítimo assenta em cinco factores (elementos básicos do poder marítimo): a posição geográfica, a configuração física e a extensão do território, o efectivo populacional, a psicologia nacional e as características do governo.

A «posição geográfica» constitui-se como um factor importante, dado que influencia ou determina o nível de esforço (recursos materiais, recursos económicos, localização de estruturas) que pode ser dedicado à vertente marítima. Por sua vez, a «configuração física e a extensão do território» associam-se às dificuldades apresentadas pelos acidentes orográficos, ao clima, à natureza do solo, aos recursos e à existência de hidrografia navegável, que permitia a penetração no interior dos territórios, aos conceitos de litoral e de permeabilidade das fronteiras. (Bonfim, 2005 e Ribeiro, 2010)

Na perspectiva da geografia humana, o «efectivo populacional» associa-se ao total da população (nacionais e estrangeiros), nomeadamente aqueles que se dedicam a actividades de natureza marítima; já a «psicologia nacional» diz respeito à propensão ou não de um povo para o mar, a sua vocação marítima, a receptividade a projectos de natureza marítima; por fim, as «características do governo» associam-se ao grupo de dirigentes, das elites e as características relacionadas com a sua permanência, com a sua competência, com a sua visão e com a sua coragem na condução do povo. Considerou as ditaduras (dada a maior permanência) com maiores capacidades do que as democracias para desenvolver este poder, o que levou a que fosse bastante criticado. (Ribeiro, 2010)

O pensamento do almirante norte-americano baseia-se na constatação de que cerca de 70% da superfície do globo está coberta de água (dos 510 milhões Km2, 361 milhões estão submersos), pelo que, do seu domínio decorreria o domínio do Globo. Daí a máxima, quem domina o mar domina o mundo ou, por outras palavras, “o domínio do mar é a forma dominante de poder político e o factor decisivo nas relações políticas entre os diversos estados nacionais”. (Sprout e Sprout, 1968, p. 7)

O domínio do mar passava, também, por uma vertente terrestre, que se materializava no controlo de bases terrestres situadas em locais estratégicos e que apresentavam vantagens, quer do ponto de vista do traçado das costas quer na óptica do acesso a zonas no interior (com alguma profundidade), de forma a facilitar a defesa. Os “choke points” (pontos focais)[2] identificados foram: o estreito de Dover, o estreito de Gibraltar, o canal do Suez, a ilha de Malta, o estreito de Malaca, o cabo da Boa Esperança e o Golfo de S. Lourenço.

A ligação dos Oceanos Atlântico e Pacífico, através da construção de um canal na América Central (ainda durante a vida de Mahan, o canal do Panamá) foi defendida por Mahan, criando um «choke point» artificial, controlado pelos EUA e colmatando a lacuna da inexistência de um natural. Para além das facilidades inerentes do ponto de vista comercial, também permitia a “transferência” de forças e uma capacidade de concentração mais rápida. (Dias, 2005)

Em síntese, Mahan considera essencial desenvolver o poder marítimo, ou seja, dispor de um forte poder naval, uma grande marinha mercante e bases navais, estaleiros e portos eficientes, que permitam o controlo dos mares e oceanos e assim o comércio em todo o globo, contribuindo para aumentar a prosperidade e afirmar internacionalmente um país (Figura 1). (Bonfim, 2005)

Fonte: Bonfim, 2005, p. 57

Figura 1 – A Teoria do Poder Marítimo de Mahan (1890)

Neste racional, justifica-se a importância atribuída aos conceitos de posição geográfica, configuração física, extensão do território, dimensão da população, ao carácter do povo e ao génio do governo. A posição geográfica expressa a sua localização em relação às rotas marítimas e ao território de outros países. A configuração e a extensão do território nacional influenciam a disposição com que o povo busca e pode vir a obter o poder marítimo. O carácter do povo é relativo à sua propensão para os assuntos marítimos. O génio do governo significa o seu empenhamento nas políticas destinadas à edificação e aplicação do poder marítimo. (Ribeiro, 2010)

O almirante francês Raoul Castex (1878-1968), na linha de Mahan, sustenta a importância do «domínio das comunicações marítimas» como sustentáculo do poder nacional e, nesta perspectiva, a superioridade do poder marítimo relativamente ao terrestre. A sua sustentação teórica assenta em três conceitos: o «espaço», a «posição» e o «perturbador continental». Relativamente à primeira noção, deve ser entendido, não no sentido ratzeliano de espaço vital, mas sim na relação com a manutenção de uma situação de isolamento, favorável à defesa contra agressões provindas do exterior; “...o espaço como factor defensivo, enquanto possibilidade conferida pela extensão”. (IAEM, 1982, p. 76)

O conceito da «posição» geográfica é associado ao impulso dos países se «virarem para o mar» buscando recursos em “outros mares e continentes”, socorrendo-se dos exemplos de Portugal, Espanha, França e Inglaterra. (Dias, 2005, p. 157)

Relativamente ao terceiro conceito, a teoria das «posições geobloqueantes», ainda hoje actual, assenta na análise efectuada à postura inglesa de oposição à Holanda, à França e à Alemanha e que terá sido facilitada pela sua posição, visto que esta permitia a execução de um bloqueio marítimo às rotas comerciais utilizadas por esses países.

Advém deste autor a expressão da posição geobloqueante de Espanha em relação a Portugal no que concerne às comunicações de transporte terrestres (rodovia, ferrovia e conduta). Castex constata que, em cada século, a tranquilidade da Europa é perturbada por uma nação ou grupo político[3] que, em cada momento, aspira à hegemonia europeia, obrigando à coligação de outras nações para lhe fazer face. Qual será o perturbador do século XXI?

 

2. Teorizadores do Poder terrestre

O professor de Geografia Halford John Mackinder (1861-1947) é considerado um geopolítico do poder terrestre, dada a sua visão global que apresenta nas suas teorias a materialização da relação entre o espaço e o poder político, construindo à escala do globo modelos de dinâmica do Poder. (Dias, 2005) Numa maneira simples, podemos afirmar que as suas teorias baseiam-se num centro (pivot geográfico ou heartland), localizado na «Eurásia» (Europa+Ásia), em torno do qual se articulam todas as «dinâmicas geopolíticas» do planeta (Figura 2). (Chauprade e Thual, 1999)

Fonte: Adaptado de Dias 2005 e Bonfim, 2005

Figura 2 – A primeira e segunda Teoria de Mackinder, 1904 e 1919

 

No crescente interior ou europa costeira, encontravam-se todos os países marítimos da Eurásia (o rimland, de Spykman), como por exemplo, Alemanha, Áustria, França, Espanha, Portugal, Turquia, Índia e China. Integravam o crescente exterior as ilhas, arquipélagos e continentes, susceptíveis de serem dominados pelas potências marítimas, como a Austrália, o Japão, os EUA, o Canadá e a Grã-Bretanha.

Na elaboração das teorias de Mackinder estava subjacente a sua preocupação de manter os britânicos como potência marítima (assente no comércio); neste racional viu o aparecimento do caminho-de-ferro, do avião e da artilharia como uma ameaça ao do domínio dos mares, face ao adversário terrestre. (Mackinder, 1919, p. 137) O adversário localizava-se na grande massa terrestre, da «Eurásia» e que, se fosse dominado por um único Estado (Rússia ou Alemanha), poderia, se desenvolvesse a capacidade naval, obter o domínio do mundo (Figura 3).

Fonte: Mackinder, 1919, p. 138 e 139

Figura 3 – The World-Island united, as it soon will be, by part parallel with railways, and by aeroplane routes, the latter for the most the main railway

 

Prevendo o perigo da emergência de uma potência terrestre, Mackinder (1919) adverte quando se negociava com o inimigo derrotado, a Paz de Versalhes, que o controlo do heartland passava, obrigatoriamente, pelo controlo da Europa de Leste (área extensa e que permite mobilidade no seu interior, com população numerosa e inacessível ao poder marítimo), assumindo-se este passo como o primeiro a dar na busca da hegemonia mundial.

A advertência é de grande importância e pertinência, uma vez que o Tratado de Versalhes configurava as novas fronteiras da Europa e consubstanciava a necessidade de criação de estados tampão que separassem a Alemanha da Rússia (Figura 4). (Mackinder, 1919)

Fonte: Mackinder, 1919, p. 198

Figura 4 – The Middle Tier of States between Germany and Russia.

Many boundary questions have still to be determined

 

É a partir deste entendimento que emerge a máxima de Mackinder (1919, p. 186):

“Quem domina a Europa Oriental, domina o heartland

Quem domina o heartland, domina a Ilha mundial

Quem domina a Ilha Mundial, domina o Mundo”

 

Em 1943, Mackinder publica o artigo intitulado «The round world and the winning of the peace», na revista Foreign Affairs, onde introduziu o conceito de midland ocean (Atlântico Norte e zonas ribeirinhas) assente no pressuposto de que o continente americano possuiria potencialidades suficientes para poder equilibrar o domínio do heartland, desde que mantivesse a capacidade de intervenção na Europa. Pois considerava que a Alemanha só poderá ser contida, se cercada, numa acção conjugada entre os poderes terrestre (heartland), a Leste, e o marítimo (com capacidade anfíbia), a Oeste (bacia do midland ocean), sendo necessária uma efectiva e permanente co-operação entre a América, a Grã-Bretanha e a França (Figura 5). (IAEM, 1982, p. 58 e Bonfim, 2005) Relevam-se ainda no modelo o cinturão de desertos e selva (girdle of deserts and wilderness) e as regiões de drenagem do grande oceano (great ocean drainage).

Adaptado de: Almeida, 1994, p. 36

Figura 5 – A Terceira Teoria de Mackinder, 1943

 

A cooperação efectiva e permanente entre a América, a Grã-Bretanha e a França permitiria uma testa-de-ponte em França, um aeródromo protegido por fossos na Grã-Bretanha e uma reserva de forças bem treinadas e recursos agrícolas e industriais nos Estados Unidos da América (EUA) e no Canadá (defesa em profundidade). A sua tese antecedeu a organização formal da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ao evidenciar os motivos geopolíticos que a impunham, e alertou para a necessidade de uma indispensável cooperação entre os seus membros, condição «sine qua non» do seu sucesso. (Dias, 2005)

Por outro lado, de acordo com Mackinder, seria necessário que as potências ocidentais vencedoras e a Rússia também cooperassem, a partir do momento que houvesse sinais indicadores de ameaça à Paz (cooperação que de facto não foi materializada – pouco tempo depois teríamos a Guerra Fria).

Influenciado por Ratzel, e atendendo ao pensador britânico, o geopolítico alemão Karl Haushofer (1869-1956), na sua obra «Geopolítica das Ideias Continentalistas», de 1931, valorizou, também, o poder terrestre.

A sua teoria compreendia quatro pan-regiões[4] (“divisões do Mundo em grandes áreas, com uma orientação no sentido dos meridianos”), eram elas: a Pan-América, a Pan-Euro-África, a Pan-Rússia e a Pan-Ásia, as quais obedeciam a três condições essenciais, disporem de recursos e população suficientes e acesso ao mar (Figura 6). (Dias, 2005, p. 132 e 133)

Adaptado de: Fernandes, 2003

Figura 6 – As Pan-Regiões de Karl Haushofer

 

A Pan-América tinha como «estado director»[5] os EUA e abrangia todo o espaço centro e sul-americano. Ou seja, integrava todo o território do continente americano (desde o Alasca até à Patagónia, incluindo as ilhas próximas do Atlântico e Pacífico). Associe-se com a tentativa americana de criar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). (Bonfim, 2005)

A Pan-Euro-África tinha com estado director a Alemanha e incluía toda a Europa, a Arábia, parte do Irão e o continente africano. Estas regiões foram contestadas por outros geopolíticos, como Saul Bernard Cohen que sustentava, por exemplo, que a América do Sul estava igualmente distante dos EUA, como de África. (Dias, 2005) O continente africano era visto como o fornecedor de matérias-primas aos países da Europa, situação que se mantêm, só que, além desta, é disputado por outras potências, como sejam o caso da China, da Índia, Estados Unidos da América (EUA), entre outros. (Cohen, 2009)

A Pan-Rússia incluía a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), subtraindo a Sibéria, o Afeganistão, a restante parte do Irão e a Índia, com uma saída para o “mar quente”, o oceano Índico, sonho desde os tempos de Pedro, o Grande. (Bonfim, 2005 e Dias, 2005)

A Pan-Ásia-Oriental (área de co-prosperidade da grande Ásia) teria como estado director o Japão e incluía a Ásia oriental, a Austrália, Filipinas, Indonésia e os demais arquipélagos e ilhas da área. (Bonfim, 2005 e Dias, 2005)

A «Ilha Mundial» preconizada por Mackinder, e a importância do controlo do «heartland» e a sua porta de acesso (Europa de Leste) para o domínio do Mundo, influenciou o princípio da «hegemonia mundial» de Haushofer; este preconizava uma paz pela hegemonia (ou império) que seria conseguida através de um “jogo de alianças e que seria uma evolução da paz pelo equilíbrio existente”, a qual seria mantida através da acção dos estados directores. O «jogo de alianças» que aconselhava consistia na materialização de três eixos principais (Berlim-Roma; Berlim-Moscovo e Berlim-Tóquio) e quatro eixos secundários (Japão-Chile; Japão-Rússia; Japão-China e China-Rússia). (Dias, 2005, p. 135)

Após observarmos as teorias de pensadores que valorizam uma das fontes estruturais do poder[6] – a terra ou o mar – vamos agora analisar dois geopolíticos que viveram já numa época em que os espaços eram permeáveis e, por isso, o domínio do mundo não assentava, somente, no domínio de uma delas; estamos a referir-nos aos teorizadores dos Poderes Conjugados, nomeadamente a Nicholas J. Spykman e a Saul B. Cohen (Dias, 2005).

 

3. Teorizadores dos Poderes conjugados

Nicholas J. Spykman (1893-1943), holandês, naturalizado americano, elaborou o seu modelo de dinâmica de poder na base geográfica de Halford Mackinder, embora interpretada de forma diferente, pois sustenta-se nos pressupostos e entendimentos de «equilíbrio de Poder», «ameaça» e «cerco dos continentes». (Dias, 2005)

A ideia do «cerco dos continentes», de Spykman, obtém-se a partir de uma projecção de Mercator, na qual se constata que o Mundo Velho (Eurásia) e o Mundo Novo (América) têm costas para dois oceanos comuns, o Atlântico e o Pacífico que se envolvem mutuamente (Figura 7).

Fonte: Chaliand e Rageau, 1994, p. 22

Figura 7 – O cerco do Novo Mundo, de Spykman

 

Na teorização de Spykman, assente na ideia geográfica do teorizador britânico, observa-se a massa terrestre do globo dividida por três regiões concêntricas (heartland, rimland e as ilhas e continentes exteriores) às quais acresce uma cintura oceânica envolvente, o modelo exclui o continente americano, designado de Mundo Novo (Figura 8). (Dias, 2005 e Bonfim, 2005)

Para este geopolítico, o heartland tinha como limites a fronteira russo-finlandesa, os Cárpatos, os Balcãs, o Cáucaso, as fronteiras setentrionais do Irão e do Afeganistão, a fronteira da Mongólia e os gelos do Oceano Glaciar Árctico. O rimland corresponde às terras costeiras da Eurásia, ou seja, a Europa Marítima, o Médio Oriente, a Índia, o Sudeste Asiático e o Extremo Oriente (região idêntica ao crescente interior de Mackinder). Nas ilhas e continentes exteriores encontramos regiões como África, Madagáscar, Austrália, Nova Zelândia, Indonésia, Japão. A cintura oceânica integra os oceanos Atlântico, Índico e Pacifico. (Dias, 2005)

Fonte: Chaliand e Rageau, 1994, p. 31

Figura 8 – O Modelo de Spykman

 

A teoria de Spykman valoriza toda a região do rimland, sob o argumento que este espaço seria objecto de competição e conflitualidade por parte dos poderes terrestre e marítimo e o seu controlo significaria uma vantagem geopolítica importante, o que lhe confere uma característica dual. (Dias, 2005)

A elevada dimensão do rimland e a multiplicidade de estados aí existentes leva a que uns se aliem ao poder continental e outros ao poder marítimo, isto é, uns gravitam em redor das hegemonias terrestres e outros em torno de hegemonias marítimas (característica dual). Esta região, na época, tornou-se a «área chave» do pensamento geopolítico e da geografia política norte americana, pois os EUA passaram a implantar-se aí e a estabelecer alianças que lhe permitissem ganhar vantagem competitiva em relação à potência continental. (Dias, 2005)

O controlo do rimland por parte da potência marítima era fundamental para Spykman, pois tal significava que, mesmo que a URSS dominasse o heartland não teria condições para se expandir para a Ilha do Mundo (Mundo Novo) e, consequentemente, não teria acesso ao resto do mundo, ou seja, às ilhas e continentes exteriores. (Dias, 2005 e Bonfim, 2005)

Atentos à teoria de Spykman, após o controlo do “coração da terra” pela URSS, os países ocidentais passaram a ocupar o rimland, com o objectivo de impedir a expansão do comunismo para o resto do globo. Para isso, estabeleceram acordos e tratados, materializando a conhecida “geoestratégia da contenção”, durante grande período da Guerra-Fria, da forma seguinte: com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ocuparam a Europa ocidental; com a Organização do Tratado Central (OTCEN)[7], controlaram o Centro/Sul da Eurásia, com base no Irão[8] e com a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE)[9], dirigiram o Oeste da Ásia, com base no Japão. (Bonfim, 2005)

A dificuldade de controlar um espaço com a dimensão do rimland, agravado com a diversidade e heterogeneidade dos Estados aí existentes, levou outro americano a criticar o modelo de Spykman; estamos a referirmo-nos a Saul Bernard Cohen que o acusava, também, de apenas ter actualizado as teorias de Mackinder.

De facto, o geógrafo norte-americano de ascendência hebraica, em 1964, na sua obra «Geography and Politics in a World Divided», dividia o mundo em duas Regiões Geoestratégicas, lideradas pelas duas super-potências existentes na altura. A região geoestratégica o «Mundo Marítimo Dependente do Comércio» e o «Mundo Continental Euro-Asiático». Cada uma destas estruturas dividia-se em outras mais pequenas, designadas de regiões geopolíticas. Estas eram estabelecidas considerando o seu “significado regional, pela contiguidade da localização e pela complementaridade de recursos, constituindo-se como bases para o surgimento de «nódulos de poder» no interior das regiões Geoestratégicas”. (APUD Dias, 2005, p. 205)

Na região dirigida pelos EUA existiam quatro regiões geopolíticas: América de Expressão Inglesa e Caraíbas; Europa Marítima e Magreb; Ilhas Asiáticas e Oceânia; e América do Sul. No espaço controlado pela URSS havia duas regiões Geopolíticas: heartland Russo e a Europa Oriental; e Ásia Oriental Continental (com destaque para a China como Módulo de Poder).

O que é verdadeiramente novo na teoria de Saul Cohen é a integração da parte Este da Ásia Continental na Região Geoestratégica que inclui o heartland (indo contra as posições de Mackinder e Spykman). Também considerava que, apesar das profundas diferenças entre URSS e China (mesmo políticas), estas apenas materializavam diferentes Nódulos de Poder (Figura 9). (Dias, 2005)

Adaptado de: Silveira, 1998

Figura 9 – As Regiões Geoestratégicas e Geopolíticas, de Saul B. Cohen

 

O modelo de Cohen apresenta também a noção de shatterbelts (Cinturas Fragmentadas); são grandes regiões constituídas por Estados desarticulados no seu alinhamento político e que estão amarrados ao conflito de interesses das grandes potências, que competem pelo seu controlo. Estes espaços destacam-se pela fragmentação política e económica que, conjugadas com diferenças culturais, físicas, políticas e até ambientais, tornam os Estados aí existentes bastante heterogéneos. Todas estas diferenças constituem obstáculos para as grandes potências executarem linhas de acção comuns e duradouras com os países aí localizados. Foram identificadas como shatterbelts as regiões seguintes: Médio Oriente (Eritreia, Etiópia, Sudão e os países da Península Arábica); e Sudeste Asiático (Laos, Cambodja e Indonésia) (Figura 10).

A Península Indiana (Índia, Paquistão e Bangladesh) é uma Região Geopolítica Independente.

Saul Cohen (2003), na sua obra «Geopolitics of the World System», considera vários níveis de Estruturas. Num primeiro nível, as regiões geoestratégicas, tendo mantido as duas do modelo de 1964 e acrescentando mais uma, (Leste Asiático) e redefinindo as áreas de cada uma.

Assim, a Região Marítima Dependente do Comércio integra as regiões Bordejantes para o Atlântico e para o Pacífico e retira-lhe as zonas voltadas para o Indico; integra os países do G7[10] que representam 70% do comércio mundial, sendo que 40% são de estados europeus (Inglaterra, França, Itália e Alemanha). A Região Continental Euro-Asiática, essencialmente ocupando o espaço da Rússia que representa 10% do comércio mundial e a Região do Leste Asiático, onde se inserem países como a China, Coreia do Norte e Indochina (Laos, Vietname e Cambodja). (Cohen, 2003)

Adaptado de: Silveira, 1998

Figura 10 – As shatterbelts, de Saul B. Cohen

 

O grande desenvolvimento económico da China, essencialmente a partir de 1992, e a sua aposta no aumento do poder naval, como seja, a construção de mais de noventa portos. Além disso, controla importantes rotas de petróleo, gás natural e de comércio manufacturado. Foram estes os principais motivos que levaram Saul Cohen a considerar esta região como geoestratégica retirando-a da Região Continental Euro-Asiática. Esta região é uma mistura entre a Maritimidade e a Continentalidade, pois grande parte da população (cerca de 50%) ainda vive no interior e dedica-se à agricultura de sobrevivência. (Cohen, 2003)

Ao nível das regiões geopolíticas, manteve as existentes na Região Marítima Dependente do Comércio, na Continental Euro-Asiática continua a haver duas, agora designadas de (1) heartland Russo e Trans-Cáucaso e (2) Ásia Central, e na região geoestratégicas do Leste Asiático considera duas regiões geopolíticas: China e Indochina. Mantém como região geopolítica independente a Ásia do Sul (Índia, Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka, Maldivas, Diego Garcia e Myarmar) (Figura 11). (Choen, 2003)

Fonte: Cohen, 2003, p. 41

Figura 11 – Modelo de Dinâmica de Poder, 2003

 

Na teoria de 2003 existe apenas uma shatterbelt, o Médio Oriente. Considera que a Europa de Leste pode evoluir para uma nova shatterbelt ou para “gateway”. Considera outro tipo de estrutura que designa de zonas de compressão (compression zones) considerando-as como áreas fragmentadas e objecto de competição entre estados vizinhos, mas não as principais potências. Considera como zonas de compressão o Corno de África (Somália) e a África Central (República Centro Africano e países vizinhos). (Choen, 2003)

Outra estrutura apresentada foi os Estados de Passagem (gateway states), como sendo pontos de contacto entre regiões, áreas ou estados, e que facilitam o movimento de pessoas, bens e ideias; considerou os seguintes: Singapura, Hong-Kong, Mónaco, Finlândia, Bahrein, Trinidad e Bahamas. (Choen, 2003)

Considera que o Estado manterá a sua primazia nas relações internacionais, contudo existe uma hierarquia de poder entre eles, classificando-os em: Potências Globais, ou de Primeira Ordem, onde considera os EUA, a UE (no seu conjunto, mas com relevo para o núcleo dos quinze), o Japão, a Rússia e a China, como aqueles que têm alcance Global e que se constituem como núcleos nas três regiões geoestratégicas; Potências Regionais, ou de Segunda Ordem: Canadá, México, Brasil, Argentina, Argélia, Nigéria, África do Sul, Polónia, Ucrânia, Sérvia/Montenegro, Turquia, Israel, Egipto, Iraque, Irão, Paquistão, Índia, Tailândia, Vietname, Indonésia, Austrália, Taiwan, Coreia do Sul; de Terceira Ordem, são exemplos países como a Arábia Saudita, Etiópia, Cuba, Angola, Síria, Chile, Colômbia, Venezuela, Costa do Marfim, Hungria; de Quarta Ordem, são exemplos, Sudão, Equador, Zâmbia, Marrocos e outras. (Choen, 2003)

O geopolítico americano salienta que existe uma proliferação de países; de facto, desde a Conferência de Viena, em 1815, passou-se de trinta Estados para cerca de duzentos. Este aumento deu-se, essencialmente, devido a dois fenómenos: desagregação e movimentos de libertação e independentistas. Prevê ainda que o número de entidades estatais continuará a aumentar até 2050; entre eles estará a ilha da Madeira, segundo Choen (2003).

A obra de 2009, «Geopolitics, The Geography of International Relations», é uma actualização do livro publicado em 2003. O modelo de dinâmica de poder apresentado não tem alterações significativas relativamente ao apresentado na Figura 11. Contudo, quando perspectiva o mundo até 2025, já surgem alterações expressivas como se mostra na Figura 12. (Cohen, 2009)

Nela, destaca-se o aparecimento de uma quarta região geoestratégica composta pela Ásia do Sul (Índia, Bangladesh e Paquistão) e o Oceano Índico e a manutenção do Médio Oriente como shatterbelt, mas surgem mais dois: o Subsariano e o Andino. Salienta que as regiões mais instáveis do mundo são o Médio Oriente e a região subsariana, que geograficamente se podem juntar através do “Corno de África”. Refere, ainda, que as fronteiras destas cinturas podem expandir-se ou contrair, uma vez que a competição das grandes potências por recursos energéticos e o controlo de pipelines poder estender a shatterbelt do Médio Oriente para Norte (Ásia Central).

Segundo Cohen (2009), a estabilidade global, no primeiro quarto do século XXI, está depende das políticas das Grandes Potências do mundo (world´s Great Power) que serão: EUA, UE, Rússia, China, Japão, Índia e Brasil[11]; e as principais potências regionais: Austrália, Vietname, Irão, África do Sul e Venezuela. Os destinos geopolíticos das grandes potências estão entrelaçados, por isso, elas não correrão o risco de entrar em conflito entre si. As rivalidades económicas marcarão o seu relacionamento, contudo, a interdependência económica levará a que, juntos, beneficiem da especialização económica, ou seja, do comércio, da transferência de tecnologia e dos fluxos de investimento. Outro aspecto que os une é a partilha das principais ameaças, como sejam o terrorismo internacional e a propagação de armas nucleares. (Cohen, 2009, p. 421)

Fonte: Cohen, 2009, p. 423

Figura 12 – Mapa Geopolítico do Mundo, até 2025

 

Saul B. Cohen (2009) deduz que o equilíbrio global será assegurado por um sistema multipolar.

Socorrendo-nos dos ensinamentos destes teorizadores, podemos afirmar que Portugal tem uma excelente posição geográfica[12] expressa na sua localização em relação às rotas marítimas, dada a extensão da sua costa e a existência de Portos naturais de águas profundas (Leixões, Lisboa e Sines) e o seu povo já demonstrou (no passado) a sua apetência pelo mar, associem-se os ensinamentos de Mahan.

Portugal situa-se no «crescente interior» (teorias de 1904 e 1919) e no «midland ocean» (teoria de 1943) de Mackinder, na «área de contenção» de Castex, na Pan-Região «Euro-África» de Karl Haushofer, no «rimland» de Spykman e na região geoestratégica o «Mundo Marítimo Dependente do Comércio» (Pacífico e Atlântico), de Saul Cohen, incluso nas suas diversas actualizações de 1964, 2003 e 2009. (Almeida, 1994)

 

4. A Posição Geográfica de Portugal

A posição marítima de Portugal continental, associada aos arquipélagos dos Açores e Madeira, determina que tenhamos uma vasta Zona Económica Exclusiva (até 200 Milhas Náuticas (370Km)) perfazendo uma área de 1,66 milhões de Km2; a que acresce a proposta nacional para a extensão dos limites da Plataforma Continental. Se a nossa proposta for aceite, ficaremos com uma área de cerca de 3,8 milhões de Km2 sobre a qual teremos direitos; acresce a responsabilidade de busca e salvamento nas duas regiões de informação de voo (RIV) sob jurisdição portuguesa, perfazendo uma área de cerca de 5,8 milhões de Km2 (Figura 13). (EMEPC, 2011 e Pacheco, 2013)

Fonte: Pacheco, 2013

Figura 13 – Limites exteriores da extensão da plataforma continental de Portugal e RIV

 

No espaço marítimo sob nossa jurisdição passam importantes rotas de navegação vindas do Índico (rota do cabo), do Atlântico Sul e do Pacífico, através do Canal do Panamá, sendo que a profundidade das águas e a ausência de obstáculos à navegação nas zonas costeiras são factores que podem potenciar o desenvolvimento do transporte marítimo e dos serviços portuários, sobretudo no Continente. São, contudo, actividades que têm tido um crescimento diminuto, tendo em consideração o que se passa no mundo, apesar de dispormos de portos[13] magníficos, especialmente o de Sines[14], capazes de acolher os maiores navios de transporte de mercadorias. (Matias, 2011)

De facto, no continente existem nove portos comerciais (Figura 14). Cinco constituem o sistema portuário principal – Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines –, dirigidos por administrações portuárias com o estatuto de sociedades anónimas (SA) de capitais exclusivamente públicos. Os quatro portos secundários são: Viana do Castelo, Figueira da Foz (são SA detidas pelo Porto de Leixões e de Aveiro, respectivamente) e Faro e Portimão, administrados pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM). (MOPTC, 2009)

Com as medidas implementadas, nomeadamente, a organização administrativa, as obras realizadas, a elaboração de um plano estratégico para cada porto, entre outras, pretende-se alargar a área de influência (hinterland)[15] dos Portos nacionais a Espanha e, posteriormente, à restante Europa. Tal facto criará novas oportunidades para a economia nacional no contexto ibérico, dando a estes portos uma nova capacidade de criar mais riqueza de forma autónoma, que ultrapassa, o valor que deriva apenas das necessidades da economia portuguesa. (Mendonça, 2010)

Fonte: MOPTC, 2009, p. 109

Figura 14 – Sistema Portuário comercial do Continente

 

Assim, devemos transformar a vantagem comparativa[16] da posição de Portugal em vantagem competitiva[17] no espaço europeu; se por um lado, somos um país periférico ao grande mercado constituído pelo espaço que liga o Reino Unido ao Norte de Itália, passando pelos Países Baixos, França e Alemanha; por outro, possuímos a primeira costa Atlântica da Europa, o “ponto mais perto para os navios que das Américas Orientais ou do Extremo Oriente demandam a Europa”, que será ainda potenciado com a entrada em funcionamento do canal do Panamá redimensionado[18] “aproximando” o nosso país da costa Ocidental do continente americano e do oceano Pacífico (Figura 15). (Fonseca, 2011, p. 4)

Na prática, materializar aquilo que o Brigadeiro Pereira da Conceição (1952, p. 223) defendia: “Portugal só pode continuar a desempenhar a sua missão histórica e universalista, como potência do mar, se se puder apoiar na potência do mar que tenha o domínio do mesmo”, salientando que a única aliança que lhe convém é com a potência que domina os mares, seja ela a Inglaterra, os Estados Unidos da América ou o Japão.

Fonte: Canal do Panamá, 2011

Figura 15 – Principais rotas comerciais que utilizam o Canal do Panamá

A Figura 15 pode ser associada ao modelo geopolítico de Nicolas J. Spykman (1893-1943), nomeadamente, a sua projecção Mercator, em que salienta que o “Mundo Velho” (Europa+Ásia) e o “Mundo Novo” (América) têm costas para dois oceanos comuns, o Atlântico e o Pacífico; envolvendo-se mutuamente, a que designou de “Cerco do Novo Mundo” (Dias, 2005, p. 192) ou, no racional oposto, o cerco do «Velho Mundo», como se mostra na Figura 16; podemos verificar o continente americano a «cercar» a Eurásia através do oceano Atlântico e Pacífico. Note-se também o rimland de Spykman e a maior rota comercial do globo que o circunda, desde o Mar Branco até ao Mar da Sibéria Oriental.

Fonte: Sempa, 2006

Figura 16 – O Cerco do «Velho Mundo»

 

Outra maneira de constatarmos a posição privilegiada de Portugal é nos tempos de viagem dos navios de transporte marítimo; de facto, se considerarmos a velocidade média de um navio porta-contentores – 20 nós –, verificamos que seria mais rápido o transporte de mercadorias de qualquer parte do globo para a Europa ocidental, utilizando o Porto de Sines em vez do Porto de Roterdão (maior porto deste continente), desde que o porto nacional fosse servido por uma linha ferroviária que o ligasse ao centro da Europa, com uma duração da viagem inferior a um dia, como se constata no Quadro 1.

O Canal do Panamá[19] desempenha um papel importante para o comércio marítimo e, ainda mais, para a primeira potência económica mundial, como se deduz nesta citação de Henry Kissinger a propósito das negociações sobre um novo tratado (entretanto assinado): “Ainda que estivéssemos disponíveis para começar novas negociações a respeito do estatuto da Zona do Canal, por razões em grande medida geopolíticas, estávamos determinados a não deixar cair, quer a capacidade norte-americana de, em último caso, defender o canal, quer a legalidade de uma tal acção”. (2003, p. 632)

 

Quadro 1 – Tempos de viagem de Porta-contentores

Origem/Chegada (velocidade 20 nós)

Porto de Sines

Porto de Roterdão

Xangai
(canal do Suez)

19 Dias e 9 horas

21 Dias e 16 horas

Santos
(S. Paulo)

9 Dias e 3 horas

11 Dias e 7 horas

Los Angeles
(Canal do Panamá)

14 Dias e 20 horas

16 Dias e 3 horas

Valparaiso (Chile)
(Canal do Panamá)

14 Dias e 7 Horas

15 Dias e 14 horas

 

Fonte: Sea-Rates, 2012

 

A importância do Canal do Panamá será ainda maior a partir de 2014, uma vez que, o seu alargamento permitirá, pela primeira vez na história, circundar o globo pelo equador com navios de contentores de alta capacidade (8.000 a 12.000 TEU[20]). O sistema de transporte de mercadorias marítimo inclui rotas Leste-Oeste e Norte-Sul e a localização destas permite a conexão entre os principais marcados de transbordo (Figura 17). (Rodrigue, 2012)

Reforçando o referido anteriormente, observe-se as importantes rotas que atravessam as águas sobre domínio nacional, assim como, a posição central de Portugal na ligação de duas “Main Transshipment Market”: a do golfo do México e Caraíbas com a do Mediterrâneo (incluindo o Mar Negro e de Azov).

As maiores dimensões do Canal do Panamá permitem economias de escala e reduzem o custo operacional por contentor; este parece-nos ser o momento oportuno para os portos nacionais captarem um maior número de atracagem dos armadores internacionais. Para isso, Portugal deve disponibilizar serviços de qualidade (preços competitivos, Janela Única Portuária) e boas ligações terrestres (rodoviárias e, principalmente, ferroviárias) ao centro da Europa.

Assim, consideramos fundamental para Portugal a construção de uma linha ferroviária de mercadorias, em bitola europeia, que ligue as plataformas logísticas nacionais do Poceirão (servida pelos portos de Sines, Setúbal e Lisboa) e da Maia/Trofa (servida pelos Portos de Aveiro, Leixões e Viana do Castelo) e que deve ter continuação para Espanha, por exemplo, aproveitando a linha da Beira Alta, seguindo na direcção de Salamanca, Valhadolid, Irún, Bordéus e Paris. Esta ligação internacional permite a ligação a Madrid, a partir de Valhadolid e a Saragoça, em Vitória, na sua continuação, chega-se a Barcelona. Se a duração da viagem até ao centro da Europa for inferior a um dia, a probabilidade desta linha ser rentável é grande (pelas razões atrás referidas). Se assim for, podemos ainda mencionar outras actividades que serão incrementadas, como por exemplo, a reparação naval.

Fonte: Rodrigue, 2012

Figura 17 – Sistema Marítimo Global de mercadorias, 2014

 

Atendendo a que o transporte marítimo tem vindo a ganhar cada vez maior importância e sabendo que as grandes companhias de transporte marítimo (Maersk, MSC, Evergreen e outras) são companhias globais e que operam onde têm melhores condições (acessibilidade, custos, sistemas de transportes...), será uma vantagem competitiva para Portugal se conseguir que estas “usem” com maior frequência os Portos nacionais. Ainda mais, quando a frota de navios mercantes operacionais com bandeira portuguesa, matriculados no Registo Convencional ou no Registo Internacional de Navios da Madeira (RINM-MAR)[21], se limita a 118 unidades, em Julho de 2011, com uma carga autorizada de 1.197.634 de toneladas métricas (IPTM, 2011), sendo utilizado o «Porte Bruto (TDW)» como unidade de medida (Quadro 2).

 

Quadro 2 – Frota Operacional de Bandeira Portuguesa, em 2011

 

R. CONVENCIONAL

RINM-MAR

TOTAL

TIPO DE NAVIOS

TDW

TDW

TDW

Passageiros

C. Geral

Graneleiros

P. Contentores

Petroleiros

Outros

T. Químicos

T. Gas

1

0

0

10

0

1

0

0

165

0

0

67308

0

4270

0

0

18

26

7

7

9

11

20

8

56399

189647

80550

44955

439427

54641

232382

27890

19

26

7

17

9

12

20

8

56564

189647

80550

112263

439427

58911

232382

27890

TOTAL

12

71743

106

1125891

118

1197634

 

Fonte: IPTM, 2011, p.3

 

Contudo, se considerarmos apenas o Registo Convencional[22] constatamos que dispomos somente de doze embarcações, das quais dez são porta-contentores, sendo esta uma das grandes lacunas do País. Esta vulnerabilidade[23] dificilmente poderá ser ultrapassada, pois o investimento nacional nesta área é escasso e a União Europeia privilegia a substituição de frotas, em detrimento da construção de novos navios mercantes (Leal, 2007); contudo, em 2011, importámos cerca de 48,4 milhões de toneladas de mercadorias, das quais 65,3% por transporte marítimo, 30,5% por modo rodoviário e somente 0,1% por transporte aéreo. No mesmo período, exportámos 29,5 milhões de toneladas de mercadorias, das quais 53,4% através dos portos marítimos, 42,2% por via rodoviária e 2,9% por via área. De referir ainda que os outros modos de transporte estiveram associados a 3,4% das entradas e a 0,3% das saídas. (INE, 2012, p. 54)

A posição geográfica do País e a configuração do território com dois arquipélagos, associados a uma grande Zona Económica Exclusiva e a perspectiva de alargamento da sua Plataforma Continental, à tradição marítima remanescente e localização na proximidade do mar de grande parte da população portuguesa, constituem, em conjunto com o “conhecimento técnico e científico sobre o mar existente na Marinha de Guerra e nalguns centros de excelência de universidades e de laboratórios, mais-valias efectivas de Portugal”, o sustentáculo para implementar actividades económicas ligadas ao Mar. (SaeR, 2009, p. 137)

Por outro lado, a localização da capital portuguesa junto a um bom porto, a que se associam inúmeros monumentos históricos, uma grande beleza natural, um ambiente seguro e um clima ameno, pode beneficiar Lisboa com o incremento da escala de navios de cruzeiro aumentando, deste modo, o número de turistas que a visitam, revitalizando o comércio e fomentando o crescimento económico nacional.

 

Considerações Finais

Atendendo às teorias apresentadas, podemos afirmar que Portugal se situa no «crescente interior» (teorias de 1904 e 1919) e no «midland ocean» (teoria de 1943), de Mackinder, na «área de contenção», de Castex, na Pan-Região «Euro-África», de Karl Haushofer, no «rimland», de Spykman e na região geoestratégica o «Mundo Marítimo Dependente do Comércio» (Pacífico e Atlântico), de Saul Cohen. (Almeida, 1994) Nota-se que dispomos de vários elementos que alguns destes autores consideram essenciais para o desenvolvimento do poder marítimo.

A posição geográfica portuguesa é periférica relativamente ao centro da Europa e outras regiões mundiais, mas é central relativamente a mercados de países banhados pelo Atlântico, como por exemplo, o Brasil, Angola, Venezuela, Estados Unidos da América e Canadá. Com o alargamento do Canal do Panamá, os Estados ocidentais do continente americano também comercializam mais facilmente com o «velho continente» e, na sua trajectória de ligação à Europa, o primeiro país que encontram é Portugal.

Também, pela plataforma continental portuguesa passam importantes rotas de navegação, entre o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste; atendendo à profundidade das águas marítimas onde existem bons portos, como o de Sines, com condições para ser um dos mais amplos da Europa, e a ausência de obstáculos à navegação nas zonas costeiras são factores que podem contribuir para o desenvolvimento do transporte marítimo e dos serviços portuários, capazes de acolher os maiores navios de transporte de mercadorias. A construção de uma linha ferroviária de mercadorias (bitola europeia) que ligue as Plataformas Logísticas nacionais e que se ligue ao centro da Europa, segundo a direcção geral: Aveiro/Coimbra, Salamanca, Valhadolid, Irún, Bordéus e Paris, poderia contribuir para tal desiderato.

A posição geobloqueante de Espanha em relação a Portugal representa uma clara fragilidade para o nosso país. Esta poderia ser atenuada promovendo e valorizando o transporte marítimo, incluindo o de curta distância
e de cabotagem, assim como o incentivo da reconstituição da marinha mercante.

 

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[1] O Poder, entendido como a “capacidade de fazer valer a sua vontade relativamente a outros, tendo consciência de que a selecção e eventual aplicação dos instrumentos a utilizar, dependem quer do grau de importância atribuído aos objectivos, quer da conjuntura e das circunstâncias do momento”. (Dias, 2012a, p. 80)

[2]  Pontos Focais: “as rotas marítimas confluem, cruzam-se ou aproximam-se em determinados locais bastante bem definidos geograficamente () são os estreitos (Gibraltar, Ormuz, Malaca, etc.), os canais (Mancha, Moçambique, Suez, Panamá), ou simplesmente zonas de concentração da navegação () os pontos focais, porque neles se concentra a navegação são pontos de interesse geopolítico onde as probabilidades de o inimigo conseguir um ataque remunerador são altas”. (Sacchetti, 1987, p. 29)

[3]  Castex caracteriza as potências perturbadoras da forma seguinte e que as induzem à expansão: países em pleno desenvolvimento; países de população jovem; países com vitalidade; países que mantêm na sua posse terras virgens e países com excesso de potencial humano. (Dias, 2005)

[4]  O modelo de dinâmica de Poder concebido consistia na ampliação ao espaço mundial das suas ideias político-económicas, que sistematizaram utilizando agrupamentos de países e continentes. (IAEM, 1982)

[5]  Estados que “deveriam bastar-se através de uma auto-suficiência económica, conferida pelo controlo ou conquista das Pan-Regiões”. (IAEM, 1982, p. 68 e 69)

[6]  Podemos mencionar como um dos principais teorizadores do poder aéreo o italiano Giulio Douhet (1869-1930) e o russo, naturalizado americano, Alexander De Seversky (1894-1974); não desenvolveremos as suas teorias dada a temática do artigo.

[7]  A OTCEN, também conhecida como Pacto de Bagdad, foi uma aliança militar fundada em 1955 por Irão, Iraque, Paquistão, Turquia e Reino Unido, e desfeita em 1976.

[8]  A “Geoestratégia de Contenção” começou a ser relegada, em virtude da desactivação da OTCEN provocada pela mudança de orientação política no Irão, após a revolução islâmica. O fim da OTASE ocorreu com a derrota americana no Vietname (Bonfim, 2005).

[9]  A OTASE foi uma organização internacional para a defesa colectiva, criada pelo Tratado de Defesa Colectiva do Sudeste Asiático ou Pacto de Manila, assinado em 8 de Setembro de 1954. A organização formal da OTASE foi estabelecida num encontro em Bangkok, Tailândia, em Fevereiro de 1955, onde se estabeleceu o quartel-general; tinha como objectivo principal bloquear possíveis avanços comunistas no sudeste da Ásia. A organização foi dissolvida em 30 de Junho de 1977.

[10]  EUA, Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha e Grã-Bretanha.

[11]  Na Figura 12 aparece como grande potência, no entanto, no texto da obra de Cohen (2009, p. 421), o Brasil aparece como potência regional.

[12]  Os historiadores apontam a posição geográfica de Portugal, entre outras, como uma das razões para nos termos virado para o mar e termos efectuado os «descobrimentos»; foi também do mar que recebemos reforços (em virtude dos bons portos) quando as potências continentais nos pretenderam controlar. (Saraiva, 2011)

[13]  “Os Portos são pólos de desenvolvimento. São centros de refúgio onde o transporte marítimo se encontra com todos os outros: a estrada, o caminho-de-ferro, a via fluvial, o «pipeline» e o avião. Esta confluência de todos os transportes facilita a instalação de complexos industriais. Às indústrias que sempre forçosamente se localizam à beira-mar, como as de construção e reparação naval, ou as de conservas de peixe, acrescentam-se outras de mais recente desenvolvimento, como as refinarias e as siderurgias que, por dependerem muito do transporte marítimo, procuram implantar-se nas áreas portuárias ou perto delas. Da fixação e crescimento de agregados populacionais concentrados em torno dos portos resulta a formação de importantes mercados de consumo que, por sua vez, atraem indústrias de toda a espécie, e suscitam a expansão de actividades comerciais e de todo o sector económico terciário”. (Fonseca, 1973, p. 158)

[14]  O Porto de Sines permite navios com um calado até 16 m, estando projectado o aumento para 19 m. (Grade, 2011, p.33)

[15]  Hinterland: “Land space over which a transport terminal, such as a port, sells its services and interacts with clients. It accounts for the regional market share that a terminal has relative to a set of other terminal servicing this region. It regroups all the customers directly bounded to the terminal. The terminal, depending on its nature, serves as a place of convergence for the traffic coming by roads, railways or by sea/fluvial feeders”. (Rodrigue et al, 2006, p. 263)

[16]  Este conceito aplicado ao Comércio Internacional, por David Ricardo, consiste: “Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à actividade que lhe seja mais benéfica. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente associada ao bem universal do conjunto dos países. Estimulando a dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso mais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de modo mais eficiente e mais económico, enquanto, pelo aumento geral do volume de produtos difunde-se o benefício de modo geral e une-se a sociedade universal de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns de interesse e de intercâmbio”. (1982, p.104)

[17]  “A criação da vantagem competitiva em indústrias sofisticadas exige melhoramentos e inovação – encontrar melhores maneiras de competir e explorá-las globalmente e melhorar constantemente produtos e processos da empresa. Os países têm êxito nas indústrias se suas circunstâncias nacionais proporcionam um ambiente que apoia esse comportamento. A criação de vantagens exige percepção das novas maneiras de competir e disposição de correr riscos e investir na sua implementação”. (Porter, 1993, p. 80)

[18]  A ampliação do Canal do Panamá, com conclusão prevista para 2014, permite o aumento da capacidade dos navios que o atravessam e, consequentemente, o número de toneladas, podendo chegar a 600 milhões ao ano (actualmente é de 340 milhões). De acordo com informações disponibilizadas pela Autoridade do Canal do Panamá, este aumento deve-se a um novo conjunto de eclusas que possibilitará a travessia de navios de grande porte baptizados de «pospanamax», cujas dimensões permitem economias de escala e, ao mesmo tempo, reduzem entre 7% e 17% o custo operacional por contentor. Os seus 366 metros de comprimento comportam no seu interior até 12.000 contentores. (Canal do Panamá, 2011)

[19]  A construção do Canal do Panamá foi sugerida pelo Almirante americano Alfred Thayer Mahan (1840-1914), teorizador do poder marítimo. (Dias, 2005)

[20]  Twenty-foot Equivalent Unit (TEU). Um TEU representa a capacidade de carga de um contentor marítimo normal, de 20 pés de comprimento, por 8 de largura e 8 de altura.

[21]  Para tentar inverter esta tendência de “flagging out” muitos países, como o Reino Unido, França, Holanda, Dinamarca, Noruega e também Portugal, decidiram criar registos Internacionais de navios, com um sistema fiscal concorrencial (Raposo, 2011). Em 2009, no RINM-MAR estavam registados 103 embarcações, das quais vinte e seis eram controladas por armadores portugueses. (Correia, 2010)

[22]  Os designados Registos Convencionais, regem-se por “um sistema fiscal antiquado, difícil de entender e pouco eficaz, não são alternativa para um armador registar os seus navios, sob pena de não poder competir no mercado internacional”. (Raposo, 2011)

[23]  Agravada pela posição geográfica de Portugal que, em situações de conflito, greves ou condições meteorológicas é facilmente bloqueado por via terrestre (rodovia e ferrovia).

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2014-08-08
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia