Nº 2503/2504 - Agosto/Setembro de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Dever de Exaltar um dos Maiores Heróis da História de Portugal: D. João de Castro
Tenente-coronel
David Miguel Pascoal Rosado
“Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao vice-rei da Índia faltam nesta doença as comodidades que acham nos hospitais o mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo quis empenhar os ossos do meu filho, e empenhei os cabelos da barba, porque para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que os soldos de seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai de tantos filhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença me ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós determinada, que com modesta taxa me alimente”.
D. João de Castro
 
D. João de Castro é um dos maiores portugueses de sempre. Personagem de imenso prestígio social e político no contexto da primeira metade do século XVI, ocupou os cargos de 13.º Governador e 4.º Vice-Rei da Índia. Foi militar, cientista, diplomata e político, um nobre de raríssima estirpe que nunca esqueceu os valores mais altos da cidadania e do empenhamento abnegado ao serviço da Nação.[1]
 
 
Nesta sociedade actual em que os valores éticos tendem a sofrer sérias mutações, derivadas de inúmeras realidades sociais, parece-nos que uma aproximação à sua memória se justifica, por todos os motivos. É preciso que as novas gerações exaltem os vultos das nossas glórias, porque ninguém pode acalentar propostas para um melhor futuro se, antes, não conhecer bem o seu passado. Nesse ensejo e a título de exemplo, recordemos que o perfil deste ilustre nacional e o mérito dos seus serviços prestados à Pátria, foram tomados como um adágio a seguir e a respeitar pelos alunos e alunas do Instituto dos Pupilos do Exército (IPE), tendo sido D. João de Castro adoptado como o Patrono desse Estabelecimento Militar de Ensino.[2]
 
 
 
 
Fig. 1 - Painel de D. João de Castro, Patrono do IPE, exposto na Sala D. João de Castro.
 
 
E é precisamente no complexo arquitectónico do actual IPE que encontramos o túmulo de D. João de Castro, localizado na belíssima Capela de Corpus Christi (ou Capela dos Castros), anexa aos Claustros do Instituto. Aliás, ressalva aqui para recordar que a subsistência desta capela no espaço do antigo Convento de S. Domingos de Benfica, em muito se deve à importância atribuída pela presença do monumento fúnebre do 4.º Vice-Rei da Índia. A Capela de Corpus Christi foi instituída em 1648 pelo Bispo Inquisidor Geral, D. Francisco de Castro, que era neto de D. João de Castro. Inserida no contexto social pós-tridentino, a edificação desta Capela apresenta-se como uma “obra pia”, pelo motivo das intenções que à mesma presidem e que se podem sintetizar na concessão de uma sepultura digna aos antepassados do doador[3], e muito especialmente, ao 4.º Vice-rei da Índia.
 
 
Neste entendimento enquadra-se o contrato de instituição da Capela, datado de 1644, onde se lê: “Meu auô e Pay havendo tido neste Reyno os lugares, que he notorio, tratarão mais de cumprir com a obrigação delles, e com a puresa do serviço dos Senhores Reys a que servirão, que de ordenar jasigos e tumulos sumptuosos para sua sepultura (não os desmerecendo), e de seus descendentes; Pelo que, havendo-me Eu por obrigado a acodir a esta tão pia necessidade, ordenei no Conuento de S. Domingos de Bemfica sepultura perpetua para elles e seus descendentes, contratando-me com os Religiosos daquelle Conuento” [4].
 
 
 
Fig. 2 - Perspectiva da entrada principal da Capela de Corpus Christi.
 
 
 Também o sermão do Padre Nuno da Cunha, proferido por ocasião das exéquias fúnebres do Inquisidor Geral, se orientou nesse sentido: “Na Capella Realenga, no Sanctuario magestoso no famoso Mausoleo que laurou (…) pera recolhar as cinzas de seus auós que andauão desagasalhadas, como emulas das almas que em vida as enformarão, as quaes por se hauere mostrado tão desinteressadas nos premios de suas proesas, parece quiserão imitar seus ossos, não querendo da terra nem inda a sepultura, não cessaua o senhor Bispo de consultar seu Confessor se seria de seruiço de Deos aquella obra (…). Daqui procedia acertar tanto em todas, como nesta da grãdiosa obra que laurou em Bemfica, na qual ajuntou com grande acerto a piedade deuida a seus auós, com a religião e culto deuido a Deos, dispondo-a de sorte, que fosse juntamente Sanctuario, e Mausoleo; Santuário pera Deos, Mausoleo pera auós, ficando de tal sorte Deos seruido, que não ficassem seus auós queixossos: que não era justo o accusassem os mortos quando não o accusauão os vivos”[5].
 
 
Aliás, é imperioso que se atente na extrema semelhança dos túmulos monumentais da Capela de Corpus Christi com os monumentos régios que se encontram na capela-mor e nas capelas do transepto da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Belém. Torna-se legítimo que se pondere na afinidade existente entre a Família Real Portuguesa, a família dos Castros e na constatação de como foi possível a D. Francisco de Castro copiar, literalmente, os túmulos da Família Real para os seus antepassados[6].
 
 
A tumulária régia de Belém constituiu-se como a indubitável referência do encomendador, enquanto obra custeada pelo Inquisidor Geral do Reino: “(…) o bispo inquisidor geral Dom Francisco de Castro, seu neto, lhes fez na capella e sepultura propria, na traça, na matéria, e na escultura, depois das reais a nenhua segunda (…).” Sem surpresa, percebe-se que a capacidade de erguer monumentos fúnebres aos seus antepassados só comparáveis aos da Família Real Portuguesa, traduz, acima de tudo, a dimensão do poder que detinha um Inquisidor Geral nesse tempo em Portugal[7]. É inegável que o peso social e político dessa figura eclesiástica era bastante relevante e permitia-lhe agir com razoável independência relativamente às disposições da Casa Real[8].
 
 
 
Fig. 3 - O Túmulo de D. João de Castro na Capela de Corpus Christi
(lado direito da fotografia).
 
 
Num ano em que se comemora o centenário da implantação da República em Portugal, talvez seja oportuno lembrar que, logo após a fundação do então Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar (IPPETM), antecessor do actual IPE, a Capela de Corpus Christi chegou a ser utilizada como animatógrafo. Viviam-se os tempos conturbados da Primeira República, com a perseguição ao Clero a assumir um importante pendor na política seguida pelo Governo Provisório, com especial destaque para tudo aquilo que foi levado a cabo pelo então Ministro da Justiça Afonso Costa, exactamente um daqueles que tinha sido preso aquando do Golpe do Elevador da Biblioteca em 28 de Janeiro de 1908, antecedendo, em poucos dias, o regicídio ocorrido no Terreiro do Paço, em que morreram, pela Pátria, S.M. El-Rei Rei D. Carlos e S.A.R. o Príncipe Real D. Luís Filipe.
 
 
Com a fundação do IPPETM e o amor à Escola que as sucessivas gerações de alunos ali educados foram manifestando, a Capela de Corpus Christi e o Túmulo de D. João de Castro colheram depois o merecido respeito, sendo hoje, sem qualquer sombra de dúvida, dois dos lugares mais nobres daquela Casa. Da nossa parte, sem pejo, partilhamos do entendimento que para se perceber aquilo que é o amor à Pátria numa das suas acepções mais sublimes, é absolutamente indispensável conhecer a vida e obra de D. João de Castro. Nesse desígnio, vamos então por partes, para que distingamos o essencial da herança cultural que D. João de Castro nos legou.
 
 
No que concerne à sua ascendência familiar, D. João de Castro era filho do segundo casamento de D. Álvaro de Castro (Senhor do Paúl de Boquilobo, Governador da Casa do Cível de Lisboa e Vedor da Fazenda de D. João II e D. Manuel) com Leonor de Noronha, filha dos segundos Condes de Abrantes, e vista como uma mulher “muito sagaz e prudente”[9]. Fidalgo de linhagem, a sua ascendência mais longínqua entronca na Casa Real de Navarra[10].
 
 
D. João de Castro nasceu em Lisboa a 27 de Fevereiro de 1500, no seio de uma família da mais elevada aristocracia nacional do século XVI, a qual constantemente afirmou e consolidou a sua ilustre genealogia pelo exercício de altos cargos, quer no domínio do funcionalismo político (no aparelho central ou na máquina administrativa ultramarina), quer na hierarquia eclesiástica[11]. Ainda muito novo, serviu como moço fidalgo de D. Manuel, uma ocupação que partilhou com outros jovens como ele, que viriam posteriormente a ser notáveis no Portugal de Quinhentos e de que são exemplo Damião de Góis e Gaspar Correia. Foi educado na Corte, onde se respirava o ambiente das Descobertas, na África, no Oriente e no Brasil[12]. Aproveitou esses tempos para desenvolver afincadamente a sua formação literária, a qual revelava uma solidez excepcional no contexto pouco letrado dos filhos da nobreza de então.
 
 
Sendo segundo filho e não podendo, por isso, herdar o património paterno, encontrou nas Letras e nas Ciências, a preparação para os cargos que a sua fidalguia o levaria a desempenhar. Contudo, não terá ouvido as lições de Pedro Nunes, com quem só contactaria mais tarde, por volta de 1531. Um outro mestre o terá supervisionado e terá mesmo usufruído da companhia do Infante D. Luís, filho do Rei Venturoso[13].
 
 
 
Fig. 4 - Retrato de D. João de Castro da autoria de Charles Legrand.
 
 
No ano de 1518 e à revelia da vontade paterna, D. João de Castro partiu para Tânger, onde se viria a distinguir em combate e a ser armado cavaleiro. Aos dezoito anos participava na primeira batalha. Durante alguns anos terá servido nessa praça do Norte de África, então sob as ordens do Capitão da Fortaleza, D. Duarte de Meneses. Quando voltou ao Reino, foi compensado por D. João III com uma Comenda de pequeno rendimento. Mas D. João de Castro nunca escondeu o seu fascínio pelos estudos empíricos. Esta dicotomia de interesses entre a carreira das armas e a carreira científica manter-se-ia ao longo de toda a sua vida: “Sem dúvida houve sempre dois homens em D. João - estas naturezas complexas da Renascença raramente conseguiam a harmonia interior -; no fim, porém, parece que o guerreiro já estava saciado, enquanto que o cientista estudioso, o homem de gostos contemplativos, se sentia frustrado” [14].
 
 
O ano de 1524 foi provavelmente aquele em que D. João de Castro terá desposado a sua prima Dona Leonor Coutinho[15], filha de Leonel Coutinho (Fidalgo da Casa de Marialva), morto em combate em Calecute no ano de 1510.
 
 
No que diz respeito às poucas mercês que D. João recebeu e aceitou da Coroa, contam-se as concessões de uma tença anual de 30$000 reais em 1532[16], e da Comenda de S. Paulo de Salvaterra da Ordem de Cristo três anos mais tarde, fixada em carta régia de 31 de Janeiro de 1535[17]. Nesse ano, D. João de Castro esteve em companhia do Infante D. Luís, na campanha militar comandada pelo Capitão-Mor D. António de Saldanha e que culminou na tomada de Tunes a 21 de Julho de 1535. Alguns anos mais tarde, D. João de Castro recordaria, sobretudo, as discussões de carácter cosmográfico travadas com o Infante[18].
 
 
Remonta a este período um episódio posteriormente relembrado pelos descendentes de D. João, que é o da oferta ao Infante pelo Imperador Carlos V de uma imagem da Virgem Maria (uma obra florentina em mármore), a qual, o Infante generosamente oferece ao seu amigo de infância, companheiro de estudos e de armas[19]. Esta imagem, que havia permanecido na posse dos Castros, foi - em meados do século XVII - colocada por D. Francisco de Castro na Capela de Corpus Christi do Convento de S. Domingos de Benfica. Ainda se encontrava nesse local aquando do inventário de 1834, efectuado na sequência do Decreto liberal que determinou a expulsão das Ordens Religiosas[20].
 
 
 
Fig. 5 - A Quinta da Penha Verde.
 
 
Datam de 1536 as primeiras obras teóricas de D. João de Castro: o Tratado da Esfera, por Perguntas e Respostas a Modo de Diálogo[21], e ainda um outro pequeno tratado, sob o título Da Geografia por Modo de Diálogo[22]. No período de 1536 a 1538, D. João de Castro permaneceu em Portugal e ocupou-se sobretudo com a sua Quinta localizada em Sintra, então designada de Fonte d’El-Rei e posteriormente conhecida por Quinta da Penha Verde. Já antes, depois de ser enviado numa Armada que iria auxiliar o cunhado (D. Carlos V de Espanha) do monarca português na conquista de Tunes[23], e da missão ter findado, D. João de Castro tinha-se retirado para a sua Quinta da Penha Verde, prosseguindo os seus estudos. Nessa Quinta recebia amigos como o Infante D. Luís, o Vedor da Fazenda D. António de Ataíde, o Conde da Castanheira e o negociante italiano Lucas Giraldi[24].
 
 
Em 1538, D. João de Castro partiu pela primeira vez para a Índia. Integrava então a Armada do Vice-Rei D. Garcia de Noronha (seu cunhado), comandando a Grifo, que era uma das onze naus que a constituíam. Depois desta empresa, jamais desligaria o seu nome do Oriente. Partindo de Lisboa no dia 6 de Abril, elaborou durante a viagem o primeiro de quatro interessantes roteiros, sendo que desses, apenas três chegaram até nós[25]. A obra inicial, o Roteiro de Lisboa a Goa [26], tinha como primeiro objectivo o registo “(...) sob a forma de um cuidado diário de navegação todas as indicações técnicas úteis para conhecer melhor este tipo de viagem e contribuir para o seu aperfeiçoamento”[27].[28]
 
 
 
Fig. 6 - Cópias das Tábuas dos Roteiros de D. João de Castro 28
 
 
Chegado a Goa no dia 11 de Setembro de 1538, partiu a 21 de Setembro seguinte. Integrado numa expedição a Diu, aquando do primeiro cerco a essa cidade estratégica, escreveu então um segundo trabalho, texto esse que dedicou ao Infante D. Luís: o Roteiro de Goa a Diu ou Roteiro da Costa da Índia[29]. Nessa obra, D. João de Castro considerou particularmente bela aquela porção de costa indiana percorrida. O terceiro trabalho, sob o título de Roteiro da Viagem que fizeram os Portugueses ao Mar Roxo, que constitui um exemplo de observação científica de inegável valor para a época, está datado de 1541, que foi o ano em que D. João de Castro acompanhou o Governador D. Estevão da Gama numa expedição de Goa a Suez, ou, por outras palavras, ao Mar Vermelho, onde explicou o fenómeno da cor roxa das águas. D. João de Castro generalizaria o seu método de investigação nos diferentes mares, como se atenta quando este afirma que “a mesma prática tinha onde quer que o mar parecia verde, e achava pedra coral branca coberta de limo verde, e no mar branco achava areia muito alva sem outra mistura alguma” [30].
 
 
Em todos estes textos, D. João de Castro, “Aos conhecimentos de cosmografia que possuía aliava um sagaz espírito de investigação e de interesse científico” [31], o que nos permite integrá-lo no quadro social e político marcado pelas ideias e pelos ideais humanistas que se reconhecem no século XVI português[32]. Como dizia D. João de Castro, “a muita experiência dos modernos e principalmente a muita navegação de Portugal” [33].
 
 
Tendo regressado a Portugal no ano de 1543, pouco tempo demorou a concretizar-se o seu regresso à Índia. Viu-se obrigado a partir de Lisboa logo a 28 de Março de 1545[34], com a idade de 45 anos, na qualidade de Governador da Índia por nomeação de D. João III. Findo o governo de Martim Afonso, era agora indigitado para o cargo em carta de 28 de Fevereiro de 1545[35]. Entretanto, tinha-se retirado para longe do ambiente cortesão, o que lhe tinha granjeado o epíteto de “Altivo”.
 
 
A permanente fidelidade às suas responsabilidades, fez com que D. João de Castro procedesse à elaboração de registos que ainda hoje se revelam extremamente profícuos na acepção do momento social, político e militar em que tal ida para a Índia se verificou, assim como na transmissão de uma imagem detalhada do seu território e do estado das estruturas do Império Português do Oriente. Podemos materializar este contributo nas missivas que o Governador remeteu para o Reino, e que traduzem bem o seu desânimo perante a desorganização e a corrupção que aceleravam o processo de desagregação do Império Oriental Português, então em curso. Logo aquando da sua permanência na Índia, nomeadamente entre 1538 e 1543, D. João de Castro escrevera ao Rei D. João III: “É grande o número de portugueses que nestas partes andam, porque de Sofala até à China não há coisa que deles não seja trilhada; mas os que andamos em seu serviço somos poucos e mal ordenados” [36].
 
 
 
Fig. 7 - Retrato de D. João de Castro, em gravura a buril de Andreas Rossi.
 
 
A situação que se verificava nessas terras distantes era muito complicada e exigiu um esforço significativo por parte de D. João de Castro durante um período razoavelmente longo e continuado. Sublinhemos que o descontentamento de D. João de Castro perante tais dificuldades levou-o, bem antes, logo no ano de 1539, a solicitar ao monarca português o seu regresso a Lisboa. Nesse documento, tomou inclusivamente a liberdade de apelar à memória régia pelos seus muitos serviços já prestados à Coroa[37].
 
 
Contudo, D. João III não acedeu a tais súplicas, pois nomeou-o como Governador e obrigou-o a uma nova partida para a Índia. Desta feita, D. João de Castro trouxe a companhia de dois dos seus filhos, D. Álvaro e D. Fernando, e não partiu sem antes proceder à elaboração do seu testamento, que data de 19 de Março de 1545. Convém dizer que este documento revela a personalidade notável deste invulgar nobre português. No testamento, constatamos a sua atitude desprendida relativamente aos bens materiais (confirmada aliás, por diversas acções assumidas ao longo da sua vida), tendo inclusivamente insistido para que os seus herdeiros não pressionassem quem para consigo tinha dívidas[38].
 
 
Um facto que contudo lhe merecia especial atenção é o que concernia à sua Quinta em Sintra, que havia sido herdada por morte de seu pai, ocorrida em Setembro de 1528[39]. Foi nessa propriedade que resolveu edificar uma ermida com a invocação de Nossa Senhora do Monte, e na qual manifestou o desejo de ser um dia sepultado. Com o intento de também promover na sua Quinta uma imagem análoga aos locais longínquos visitados, procedeu-se inclusivamente ao derrube de diversas árvores de fruto e ao plantio de espécies exóticas, “agrestes e peregrinas” [40].
 
 
Tendo partido de Lisboa com rumo à Índia no dia 28 de Março de 1545, chegou a Goa a 2 de Setembro do mesmo ano. O próprio D. João de Castro já sabia que a situação que o aguardava era particularmente difícil, e mais uma vez, prevaleceu a faceta de guerreiro em detrimento do alto funcionário político[41]. Com o intento de fazer face aos vários focos de conflito existentes, o Governador desdobrou-se em demandas no sentido de evitar perdas para o Império. Todavia, não pôde evitar uma perda pessoal maior, que foi a morte em combate do seu filho mais novo, D. Fernando, então com apenas 19 anos. Esta verificou-se em 10 de Agosto de 1546, aquando do segundo cerco de Diu[42].
 
 
 
Fig. 8 - Fortaleza de Diu.
 
 
Importava maximizar as defesas e, nesse ensejo, D. João de Castro empenhou-se na reconstrução da fortaleza daquela praça (que conseguira libertar em 11 de Novembro de 1546), angariando apoios com os seus dotes de hábil negociador, diplomata e político. Ficou então célebre o penhor das suas barbas, onde, para reedificar a fortaleza de Diu, mandou a Goa empenhar uma madeixa de cabelos da sua barba. Sabemos que a cidade lhe acudiu com o empréstimo mas não aceitou o seu penhor, fosse por confiar mais na palavra do seu Governador, ou por entender que a garantia era digna de maior empenho[43]. O povo de Goa respondeu com uma quantia superior à que fora pedida, vendo que tinham um Governador humilde, nobre, leal e de grande valor humano para os defender.
 
 
 
Fig. 9 - Retrato de D. João de Castro, em gravura a buril e água-forte de Lucas Vorsterman.
 
 
Após o brilhante feito militar, regressou a Goa onde foi recebido em triunfo no mês de Abril de 1547, num aparato que se pretendia semelhante ao realizado em honra dos antigos imperadores romanos, “cum palma et corona”. A essas imagens aludem as representações do Vice-Rei nas célebres tapeçarias encomendadas pelo seu filho D. Álvaro de Castro[44], e os louros que coroam a cabeça do Vice-Rei no retrato que o próprio encomendou (a Gaspar Correia, o autor das Lendas da Índia, e ao pintor que com ele colaborava) e que depois fez colocar na sala de honra do Palácio do Sabaio[45]. De facto, esses são os mesmos louros que reconhecemos em todas as representações do Vice-Rei e que rematam, inclusivamente, o monumento fúnebre que lhe erigiu o seu neto em S. Domingos de Benfica.
 
 
 
Fig. 10 - Tapeçarias de D. João de Castro
(“Último pano do Cortejo Triunfal: Folias, Danças e Folgazões”).
 
 
O próprio Luís de Camões não hesitou em atribuir-lhe o devido mérito. A atitude militar notável deste ilustre Governador da Índia, assente em fortes convicções acerca do que seria o desempenho condigno de um alto cargo do funcionalismo ultramarino, trouxe-lhe a glória, celebrada por Camões que lhe concedeu em Os Lusíadas o epíteto de “Castro forte”[46]. Posteriormente, outros autores acorreriam no mesmo sentido, pois com D. João de Castro parece ter fim aquele que é tido como o período épico da história da presença portuguesa no Oriente, segundo uma abordagem social, política e militar[47]. Se a este contexto acrescentarmos uma perspectiva económica, poderemos ainda aludir que, logo após o seu desaparecimento, observa-se um manifesto decréscimo da influência do Império Português no Oriente[48].
 
 
Todo o seu governo pode caracterizar-se por uma grande prudência, sentido de justiça e alheamento de intrigas. A sua política foi alicerçada em dois pilares: o domínio dos mares e a manutenção de pontos estratégicos em terra. Tal como um corolário que lhe traçava o destino ao serviço de Portugal, em detrimento das comodidades que poderia indubitavelmente ter tido em outras conjunturas, sabe-se que mesmo na sua última nomeação, na insigne designação para 4.º Vice-Rei da Índia, o destino não lhe conferiu a melhor ventura a título pessoal. Sabe-se que D. João de Castro é nomeado por D. João III, mas a notícia só chega a Goa a 22 de Maio de 1548[49], encontrando-o já enfermo e a poucos dias da sua morte. O tempo era tardio para usufruir das honras e dos privilégios do seu elevado título, pois D. João de Castro viria a falecer menos de um mês depois da sua alta nomeação, a 6 de Junho de 1548[50].
 
 
 
Fig. 11 - D. João de Castro, em gravura a ponteado e água-forte de João Cardini.
 
 
Algum tempo antes, numa das suas numerosas missivas remetidas para Lisboa, D. João de Castro escrevera ao monarca português: “Eu confesso a Vossa Alteza que não sou já o que parti de Portugal e me vou enchendo de ferrugem e apodrecendo como as armas dos seus armazéns (…) que os trabalhos da Índia me têm gastado as carnes e os cuidados e sobressaltos de tantas e tão desvairadas cousas moído os ossos e o mau viver dos homens danado a alma” [51].
 
 
 
Fig. 12 - Painel de azulejos antigos, alusivo a D. João de Castro.
 
 
Os últimos momentos do 4.º Vice-Rei da Índia foram passados - segundo a tradição - por sua opção, na companhia do padre jesuíta Francisco Xavier (1506-1552), que mais tarde viria a ser canonizado[52], e as suas últimas vontades foram registadas pelos quatro sacerdotes que o assistiram nos derradeiros momentos em que se preparava para receber a morte[53].
 
 
Foi sepultado na Igreja de S. Francisco de Goa até à sua posterior trasladação para Portugal. Na verdade, os seus restos mortais deveriam ter tido como última morada a sua capela em Sintra, ou seja, a ermida de Nossa Senhora do Monte na Quinta da Penha Verde. Contudo, decorreram vinte e oito longos anos até que se procedesse à sua solene trasladação[54], tendo os seus restos mortais passado primeiro pela Igreja de S. Domingos de Lisboa, e ficado depois numa capela de parentes existente junto à Sala do Capítulo do Convento de S. Domingos de Benfica[55].
 
 
Seria o seu neto a tomar nas próprias mãos o agradecimento e a homenagem que lhe eram devidos pela Nação e que outros, em seu devido tempo, nunca fizeram, pelos inolvidáveis serviços prestados por D. João de Castro a Portugal[56]. Foi pela pessoa do Inquisidor Geral do Reino, D. Fernando de Castro (seu neto), que se empreendeu em boa hora a edificação da Capela de Corpus Christi (ou dos Castros), localizada nos espaços do actual IPE, e aí se concedeu uma sepultura digna e definitiva ao eminente 4.º Vice-Rei da Índia.
 
 
 
Fig. 13 - Fac-simile do primeiro fólio do contrato celebrado entre D. Francisco de Castro e o Prior e religiosos do Convento de S. Domingos de Benfica, em 1644, com vista à edificação da Capela de Corpus Christi (ou dos Castros).
 
 
É oportuno que se reconheça que ao terem assumido D. João de Castro como figura tutelar da Instituição, ou seja, como um padrão a seguir, os Pupilos do Exército deram um novo fôlego à sua memória histórica. A sua última morada encontra-se numa das dependências mais carismáticas das instalações da Escola, tendo esta constituído um ponto de partida crucial para uma escolha que observou duas vertentes da sua personalidade e da sua actuação, nomeadamente, a sua notável carreira militar e política, por um lado, e por outro, a sua notória aptidão e gosto pela investigação científica[57].
 
 
 
Fig. 14 - Imponente imagem de um dos símbolos mais carismáticos do IPE: a Capela de Corpus Christi (com o Edifício do Corpo de Alunos no plano inferior).
 
 
No que concerne à primeira destas perspectivas, recordemos que D. João de Castro optou, ainda muito jovem, pela carreira de armas, tendo-se distinguido com brio em diversas ocasiões e revelado excepcionais qualidades e virtudes militares. O seu constante desprendimento relativamente a eventuais recompensas pelos seus feitos de guerreiro ao serviço de Portugal, leva-nos ainda a encetar um elogio expresso e inequívoco, pois tal capacidade de abnegação não é despicienda, dadas as circunstâncias da época[58]. Segundo as palavras do próprio D. João de Castro, “(…) vim para servir e não para comerciar com o Oriente” [59].
 
 
A segunda das abordagens, leva-nos sobretudo à pertinente questão de que durante toda a sua movimentada existência, D. João de Castro nunca abdicou da sua atitude e do seu empenho em saber mais, em descobrir e em investigar[60]. Legou-nos uma obra que é ímpar no âmbito da Cosmografia e da Ciência Náutica, traduzida nos roteiros que elaborou[61].
 
 
Rigoroso e pragmático na aferição entre teoria e prática, sabemos que uma significativa parte do seu trabalho científico decorreu no cumprimento da missão que lhe fora conferida pela Coroa Portuguesa. No alvor do método científico, D. João de Castro desenvolveu intensas actividades de investigação, destacando-se, ao nível dos resultados obtidos, estudos tão diversos como a variação das agulhas, das correntes marítimas, da variação das longitudes e do regime dos ventos[62].
 
 
No campo da Ciência, os trabalhos do Patrono do IPE ilustraram a necessidade de associar o cálculo à experiência empírica, exactamente porque a articulação entre a observação e a razão, enquanto desafio emergente, era absolutamente essencial. Mas importa dizer que, consciente das limitações da própria Ciência, encarada em sentido lato, D. João de Castro reconheceu que o saber das Ciências é chegado à verdade, mas não é a verdade absoluta. E esta última acepção é da maior importância, porque nos revela também aquilo que é a humildade do cientista perante a infinita complexidade do mundo natural.
 
 
Das várias obras atribuídas a D. João de Castro, merecem algum destaque os três roteiros que escreveu enquanto esteve na Índia, nomeadamente, o “Roteiro da viagem que D. João de Castro fez a primeira vez que foi à India, no ano de 1538” (mais conhecido por “Roteiro de Lisboa a Goa”), o “Roteiro de Goa a Diu” (1538-1539) e, finalmente, o “Roteiro do Mar Roxo” (1540). Os roteiros de D. João de Castro não acataram o modelo tradicional do roteiro português. Indo mais longe, o seu autor aproveitou para redigir utilíssimas considerações de inegável interesse hidrográfico e náutico, com muitos pormenores que a generalidade dos roteiristas de então, preocupados em descrever sucintamente as viagens, por regra, infelizmente omitia.
 
 
 
Fig. 15 - O Porto de Diu, no Roteiro de Goa a Diu, de D. João de Castro.
 
 
Assim, podemos dizer que as três obras de D. João de Castro tradicionalmente entendidas estritamente como “roteiros”, em vez disso, deveriam ser encaradas mais apropriadamente por “diários”. Referência ainda para dizer que D. João de Castro escreveu também “Uma Enformação que Dom João de Castro, governador da India, mandou a El-Rey Dom João 3º, sobre as demarcações da sua conquista & del Rey de Castella”, que consiste num relatório sobre o direito português à posse das Molucas, que era, como se sabe, um direito então disputado por Espanha.
 
 
Se Lucien Febvre afirmou um dia que “O historiador não tem o direito de desertar”, por outro lado, Gaston Bachelard alertou-nos que “O real demonstra-se, não se mostra”. É hoje, da mais inteira justiça, reconhecer em D. João de Castro, a figura de um dos mais importantes cidadãos que este País teve. Não foi só um militar com a mais elevada honra, carácter e dignidade, que sempre serviu a Pátria sem nada exigir para seu próprio conforto. Foi também um importante cientista que, no seu tempo, fez saltar do “conhecimento sensível” para o “conhecimento inteligível”, muitos dos domínios e preocupações das Ciências.
 
 
Num encontro de acepções, o ilustre Vice-Rei da Índia aliou as exigências da vida castrense com as da investigação científica. A conjugação equilibrada entre ambas as vertentes é incontornável no Estabelecimento Militar de Ensino que assumiu D. João de Castro como seu Patrono [63]. O IPE nunca esqueceu que mais do que ser uma Unidade Militar, é uma Escola. Uma Escola de valores, de ideais e de trabalho, no adágio de vencer pelo próprio esforço.
 
 
A vida de D. João de Castro é um exemplo magistral da salvaguarda das mais altas virtudes militares, da entrega pessoal ao serviço da Nação e da perseverança do investigador científico - rigoroso e metódico - na procura do conhecimento, em prol de um mundo mais culto e esclarecido. Por todas as razões, bem pode o IPE orgulhar-se de ter tão nobre e distinto Português como seu insigne Patrono.
 
 
 
Bibliografia
 
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* Doutor em Sociologia (2008), Mestre em Ciência Política - Cidadania e Governação (2001) e Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Administração Militar (1998). Entre outros cursos, está habilitado com o Curso Avançado de Gestão Pública (CAGEP). Professor Regente da Academia Militar. É membro do Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL), Vice-Presidente da Associação dos Pupilos do Exército (APE) e Vice-Presidente da Associação de Taekwondo de Lisboa (ATLx).
 
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[1] Ver IMPE - “D. João de Castro (1500-1548) - Patrono do IMPE” in IMPE - Capela dos Castros, Lisboa, Instituto Militar dos Pupilos do Exército (com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa), 25 de Maio de 1996.
[2] Em 2010, o Instituto Militar dos Pupilos do Exército (IMPE) assumiu a sua nova designação de Instituto dos Pupilos do Exército (IPE).
[3] Sobre a verga do portal da Capela pode-se observar uma cartela com a pedra de armas do instituidor. A leitura heráldica é a seguinte: de prata com seis arruelas de azul, postas 2, 2 e 2, tendo por timbre um leão de ouro, sainte, segurando nas mãos a roda de navalhas de Santa Catarina, de sua cor, com as navalhas de prata. Cfr. Zúquete, A. E. Martins e Faria, António Machado de - Armorial Lusitano, Lisboa, Edições Zairol, 1961, p. 153.
[4] Ver o contrato celebrado entre D. Francisco de Castro e o Prior e os religiosos do Convento de S. Domingos de Benfica, para a instituição da Capela de Corpus Christi, datado de 26 de Setembro de 1644. Cfr. A. N. T. T. - Mosteiros e Conventos, Convento de S. Domingos de Benfica, Próprios Nacionais N.º 3, N.º Ordem 115, Doc. s/n.º, fl. 4.
[5] Cfr. Ferreira, Fr. Manuel; Cunha, Padre Nuno da e Vel, Fr. António - Orações Funebres nas Exequias que o Tribunal do Santo Officio fez ao Illustrissimo e Reverendissimo Senhor Bispo D. Francisco de Castro, Inquisidor Geral destes Reinos, e Senhorios, do Conselho de Estado de Sua Majestade, Lisboa, Officina Craesbeckianna, 1654, pp. 24 e 25.
[6] Desde a amizade entre o Infante D. Luís (filho de D. Manuel) e D. João de Castro, às relações ainda que institucionais entre D. João de Castro e D. João III (que o nomeou Governador e depois Vice-Rei da Índia), até mesmo às relações oficiais e pessoais de D. Álvaro de Castro e D. Sebastião (de quem foi Vedor da Fazenda e Conselheiro particularmente considerado), diversas são as situações que nos levam a concluir que os Castros contactaram de muito perto com a Família Real. Contudo, esse facto não explica nem justifica que lhes tenha sido permitido possuir túmulos idênticos aos dos Monarcas Portugueses. Se recordarmos o caso dos próprios Braganças aquando da realização de sepulturas para os seus antepassados em Vila Viçosa, sabe-se que, embora já ocupassem o trono português, não copiaram o modelo régio de Belém. Apenas se basearam nele, usando-o como ponto de partida.
[7] Cfr. Vale, Teresa Leonor M. - O Convento de S. Domingos de Benfica, D. João de Castro e o Instituto Militar dos Pupilos do Exército, Lisboa, Instituto Militar dos Pupilos do Exército, 1996, p. 165.
[8] Sobre o peso social e político da Inquisição, bem como outros aspectos relativos ao Santo Ofício, ver por exemplo Saraiva, José Hermano - História concisa de Portugal, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1993 [ed. original 1978], pp. 181 a 185.
[9] Cfr. GÓIS, Damião de - Crónica do Felicíssimo Rei Dom Manuel, Parte III, Cap. XL, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922.
[10] Cfr. IMPE - D. João de Castro. O Patrono, Lisboa, Instituto Militar dos Pupilos do Exército (com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa), 25 de Maio de 1996, fl. não numerada.
[11] Cfr. Andrade, Jacinto Freire de - Vida de D. João de Castro Quarto Viso-Rey da Índia, Lisboa, Officina Craesbeeckiana, 1651, pp. 345 e 346.
[12] Ver PERES, Damião - História dos Descobrimentos Portugueses, 4.ª Edição, Porto, Vertente, 1992 [reimpressão da ed. de 1960].
[13] Certa historiografia, romanticamente, pretendeu fixar estes aspectos nas afirmações do biógrafo Jacinto Freire de Andrade. Cfr. Sanceau, Elaine - Cartas de D. João de Castro, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1955, p. 26, e ainda Garcia, José Manuel - “D. João de Castro: Um Homem de Guerra e Ciência” in AAVV - Tapeçarias de D. João de Castro, Lisboa, Instituto Português de Museus/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1995, pp. 13 e 14.
[14] Ver introdução à edição de 1956, da obra de Sanceau, Elaine - D. João de Castro, Porto, Livraria Civilização Editora, 1956, pp. 21 e 22.
[15] Deste casamento nasceram os seguintes filhos: D. Álvaro (1525-1577), Capitão-Mor do Mar da Índia, Senhor de Penedono e de Fonte da Arcada, Embaixador da Coroa Portuguesa em Paris e em Roma, e ainda Conselheiro de Estado de D. Sebastião; Dona Inês, que casou com D. Luís de Albuquerque e através de tal união se assegurou a descendência dos Castros na Casa de Penamacor; D. Fernando (1528-1546); D. Garcia de Castro (m. 1546); Dona Joana, que casou com Pedro Leitão Freire; Dona Leonor, segunda mulher de seu primo D. Jerónimo de Castro, Senhor do Paúl de Boquilobo e Governador da Casa do Cível; e ainda D. Miguel (n. 1545) Capitão de Malaca. Cfr. Rio Maior, Marquês do - Dom João de Castro 4.º Vice-Rei da Índia. Sua Ascendência e Actual Representação. A data da sua Morte, Lisboa, Tip. da L.C.G.G., 1949, p. 11.
[16] Cfr. A. N. T. T. - Chancelaria de D. João III, Livro 16, fl. 180 v.
[17] Cfr. Idem, Livro 44, fls. 163 e 163 v.
[18] Cfr. VALE, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit., p. 171 e CASTRO, D. João de - Obras Completas, Vol. I (edição de Luís de Albuquerque e Armando Cortesão), Coimbra, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1968-1982, p. 252.
[19] Cfr. Gonçalves, Ferreira - “O Patrono do Instituto” in AAVV - Boletim da Associação dos Pupilos do Exército, n.º 22, Lisboa, Associação dos Pupilos do Exército, 25 de Maio de 1961, pp. 9 e 11.
[20] Ver o inventário dos objectos de culto religioso da Capela de Corpus Christi (ou dos Castros), datado de 1834. Nomeadamente, A. N. T. T. - Relação dos objectos de culto Relligioso pertencentes ao convento de S. Domingos de Benfica que fôrom entregues em deposito ao Parrocho do Distrito e que vai appensa aos Autos de Inventário dos mesmos objectos, Núcleo do Antigo Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Conventos IV/D/16 (2), n.º 481-53, Benfica, Distrito de Lisboa, Convento de S. Domingos, 1834, fls. 24 e 24 v. Actualmente a imagem integra uma colecção particular, sendo que uma fotografia desta obra de escultura pode observar-se in AAVV - Tapeçarias de D. João de…, op. cit., p. 82.
[21] Ver BARRETO, Luís Filipe - O Problema do Conhecimento na Sphaera de D. João de Castro, Lisboa, IICT, 1985.
[22] Cfr. Castro, D. João de - Obras…, op. cit., Vol. I, pp. 23 a 144.
[23] Mereceu inclusivamente os elogios do Imperador Espanhol. Cfr. IMPE - “D. João de Castro (1500-1548) - Patrono…, op. cit., fl. não numerada.
[24] Cfr. Vale, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit., p. 172.
[25] Cfr. MOTA, Avelino Teixeira da - “D. João de Castro Navegador e Hidrógrafo” in Anais do Clube Militar Naval, Maio a Junho de 1948, pp. 301 a 361.
[26] Ver ROCHA, Duarte Pinto - “D. João de Castro e o relacionamento português com os oceanos. O roteiro de Lisboa a Goa” in AAVV - Actas do Colóquio Vasco da Gama, os Oceanos e o Futuro, Lisboa, Escola Naval, 1999, pp. 201 a 210.
[27] Cfr. Garcia, José Manuel - “D. João de Castro…, op. cit., p. 15. No Roteiro de Lisboa a Goa, D. João de Castro afirma: “neste roteiro vão escritas muitas coisas que parecem estranhas e impossíveis, as quais escrevi medrosamente, não porque delas não fosse mui certificado, mas por receio que tive de sair da opinião comum”.
[28] Considera-se perdido o original destas “tábuas”, pelo que as cópias actualmente existentes na Biblioteca Nacional de Portugal, na British Library e na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, são tudo o que resta para ilustrar os roteiros do conhecido Vice-Rei da Índia. Esta cópia, presente na última das referidas bibliotecas, data seguramente de meados do século XVI e é a única que inclui os desenhos que ilustravam os dois roteiros de Goa a Diu e o Roteiro do Mar Roxo, constituindo uma das melhores que foram colocadas em circulação nesse século. Manuscrito em papel, inclui vinte e nove das trinta e uma tábuas aguareladas que deviam existir. O volume encadernado compõe-se de sessenta folhas não-numeradas de papel encorpado, em formato oblongo, com desenhos dos portos, baixios e aguadas, cheios de apontamentos pitorescos, seja de habitantes seja de animais exóticos. A tábua referente a Socotorá é a única que ostenta uma extensa legenda com a descrição da ilha, aliás transcrita do texto do Roteiro de Goa ao Suez, os restantes desenhos do códice levam apenas um título com o nome do lugar representado na gravura.
[29] Cfr. Castro, D. João de - Obras…, op. cit., Vol. II, pp. 1 a 163.
[30] Interessante ver ALBUQUERQUE, Luís de - “D. João de Castro. Os Descobrimentos e o Progresso Científico em Portugal no Século XVI” in AAVV - Boletim da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, n.º 1, 1966, pp. 91 a 108.
[31] Cfr. Fraga, Maria Teresa de - Humanismo e Experimentalismo na Cultura do Século XVI, Coimbra, Livraria Almedina, 1976, p. 64.
[32] Cfr. VALE, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit., p. 173. Acerca desta temática, podemos consultar por exemplo, as obras de HooyKaas, R. - Os Descobrimentos e o Humanismo, Lisboa, Gradiva, 1983 e de Albuquerque, Luís de - As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura, Lisboa, Gradiva, 1987.
[33] Entre outros, útil ver ALBUQUERQUE, Luís de - Ciência e Experiência nos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, ICALP, 1983.
[34] O seu biógrafo escreve que “Pouco tempo deixaram a D. João de Castro descansar no gosto da vitória”. Quanto à data de partida, refira-se que deverá ser esta e não a de 17 de Março, como refere Andrade, Jacinto Freire de - Vida de D. João de Castro…, op. cit., pp. 26 e 37, respectivamente. De facto, como defende Teresa Vale, revela-se desde logo impossível, pois D. João de Castro estava em Lisboa ainda a 19 do mesmo mês, dia em que assinou o seu testamento na presença de testemunhas. Este lapso induz em erro todos os autores que seguem esta parte do texto. O dia correcto será 28 de Março de 1545, tal como aponta e documentalmente fundamenta, Sepúlveda, Cristovão Aires de Magalhães - Testamento de D. João de Castro, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1901, p. 8.
[35] Cfr. Martins, José F. Ferreira - Crónica dos Vice-Reis e Governadores da Índia, Nova Goa, Imprensa Nacional, 1919, p. 291.
[36] Cfr. Albuquerque, Luís de - Cartas de D. João de Castro a D. João III, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, p. 11.
[37] No mesmo, pode ler-se: “Eu, Senhor, vim rico a esta terra e estou pobre (…). De 18 anos tomei as armas em seu serviço; 6 vezes passei em África e lá me nasceram barbas; mandou-me na armada de Levante contra Barba Roxa; fui pessoalmente na tomada da Goleta (…); vim em socorro da Índia por seu mandado, a resistir ao ímpeto e cruel fúria dos Turcos; fui em ajuda de se lançarem fora destas suas terras tão pestilenciais inimigos; nunca a opinião e honra dos portugueses foi por mim diminuída, nem maculada; 20 anos tenho gastados no seu serviço, os melhores e mais estimados da vida, pelo amor de Deus e em paga destes trabalhos peço a V. A. que me dê licença para me ir desta terra a caminho de Portugal a fazer vida com minha mulher e filhos, e acabar estes breves e perturbados dias, que me ficam por passar, na serra de Sintra.” Cfr. Albuquerque, Luís de - Cartas de D. João de Castro…, op. cit., p. 15.
[38] Cfr. Sepúlveda, Cristovão Aires de Magalhães - Testamento de…, op. cit., p. 14.
[39] Cfr. Freire, Anselmo Braancamp - Os Brasões da Sala de Sintra, Vol. II, 2.ª Edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921-1927, p. 174.
[40] Cfr. Barros, João de e Couto, Diogo de - Décadas, Década 6.ª, Livro 6.º, Lisboa, Regia Officina Typographica, 1778-1788, referenciado por Sepúlveda, Cristovão Aires de Magalhães - Testamento de…, op. cit., p. 12. O interesse de D. João de Castro por esta sua propriedade traduziu-se não só no texto do seu testamento, mas também na grande atenção que lhe devotava, sendo que poderemos atentar nesse eco através de algumas ilações, como por exemplo: “Aqui [em Sintra] se recreava com uma estranha agricultura, cortando as árvores que produsião fruto, e plantando em seu lugar arvoredos silvestres e estéreis; quiçà mostrando que servia tão desinteressado que nem da terra que agricultava esperava paga do beneficio. Mas que muito fizesse pouco caso do que podiam produzir os penedos de Sintra, quem soube pisar com desprezo os rubis e diamantes do Oriente!” Cfr. Andrade, Jacinto Freire de - Vida de D. João de Castro…, op. cit., p. 21.
[41] Cfr. Vale, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit., p. 175.
[42] Ver SANCEAU, Elaine - D. João de…, op. cit., pp. 208 a 241.
[43] Este episódio levou ao auge o seu prestígio na Índia e na Europa. Cfr. IMPE - “D. João de Castro (1500-1548) - Patrono…, op. cit., fl. não numerada.
[44] Cfr. Moreira, Rafael - “D. João de Castro e Vitrúvio” e “D. Álvaro de Castro e a Encomenda” in AAVV - Tapeçarias de D. João de…, op. cit., p. 53 e pp. 81 a 87, assim como Quina, Maria Antónia Gentil - “A Série de Tapeçarias dos 'Sucessos e Triunfo de D. João de Castro' na Índia” in AAVV - Tapeçarias de D. João de…, op. cit., pp. 113 a 141.
[45] Refira-se que D. João de Castro encomendou igualmente retratos dos doze Governadores que o haviam antecedido no Governo da Índia, tendo criado assim em Goa uma galeria de retratos que, em certa medida, imitava a existente no Paço da Ribeira de Lisboa. Entre outros, cfr. Garcia, José Manuel - “D. João de Castro…, op. cit., p. 26.
[46] Ver Canto I, 14. Cfr. Camões, Luís de - Os Lusíadas, Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos, Porto, Porto Editora, [s. d.], p. 74.
[47] No que concerne aos autores e às suas acepções, entre outros, podemos referir por exemplo a expressão utilizada por Magalhães Sepúlveda em 1900, em que o elegeu como “(…) a consubstânciação gloriosa das antigas virtudes portuguezas (…)”, e ainda como sintetizou Jaime Cortesão numa acepção datada de duas décadas mais tarde, o Vice-Rei da Índia explanou-se como o “protótipo do português antigo, de consciência recta e austera, e capaz de tudo sacrificar à glória do nome português e ao sentimento da honra pessoal.” Cfr. respectivamente Sepúlveda, Cristovão Aires de Magalhães - Testamento de…, op. cit., p. 1 (na sua introdução ao testamento de D. João de Castro, vindo a lume no ano imediato) e Cortesão, Jaime - “O Império Português no Oriente até 1557” in Peres, Damião (Dir.) - História de Portugal, Vol. 4, Barcelos, Portucalense Editora, 1932, p. 70.
[48] Oportuno ver AQUARONE, Jean B. - D. João de Castro. Gouverneur et Vice-Roi des Indes Orientales (1500-1548), 2 Vols., Paris, Presses Universitaires de France, 1968.
[49] Cfr. SANCEAU, Elaine - D. João de…, op. cit., p. 382.
[50] Cfr. Vale, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit., p. 176.
[51] Cfr. Castro, D. João de - Obras…, op. cit., Vol. III, p. 314.
[52] Sabe-se que, “Logo que o vizo-rei entendeu que era chamado a mais dura batalha (…) se recolheu com o P. S. Francisco Xavier, buscando para tão duvidosa viagem, tão seguro piloto, o qual lhe foi, todo o tempo que durou a doença, enfermeiro, intercessor e mestre.” Cfr. Andrade, Jacinto Freire de - Vida de D. João de Castro…, op. cit., p. 339. Para uma análise detalhada sobre a relação estabelecida entre D. João de Castro e S. Francisco de Xavier, ver Schurhammer, Goer - Francisco Javier: Su Vida y Su Tiempo, Tomo III, Bilbau, Ediciones Mensagero, 1992.
[53] Cfr. A. N. T. T. - Corpo Cronológico, Parte I, Maço 82, Doc. 25, publ. por Rego, António da Silva - Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente, Vol. 4, 2.ª Edição, Lisboa, Fundação Oriente/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992 [ed. original 1950], p. 256.
[54] Traslação efectuada em 1576 por ordem da Coroa Portuguesa, devido à sua pobreza. Cfr. Sepúlveda, Cristovão Aires de Magalhães - Testamento de…, op. cit., p. 7 e Martins, José F. Ferreira - Crónica dos Vice-Reis…, op. cit., p. 292, embora este último evidencie desconhecer várias etapas do processo.
[55] Esta capela reporta-se a Castros de um outro ramo familiar. Cfr. Sousa, Fr. Luís de; Encarnação, Fr. António da; Santa Catarina, Fr. Lucas de - História de S. Domingos, Vols. I e II, Porto, Lello & Irmão, 1977 [ed. original 1662-1767], nomeadamente o seu Vol. I, pp. 899 e 900, bem como Pereira, Gabriel - S. Domingos de Benfica, Lisboa, Officina Typografica, 1905, pp. 14 e 15.
[56] Cfr. IMPE - “D. João de Castro (1500-1548) - Patrono…, op. cit., fl. não numerada.
[57] Cfr. ALBUQUERQUE, Luís de - “D. João de Castro. A aliança da ciência da espada” in Navegadores, Viajantes e Aventureiros Portugueses, Séc. XV e XVI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1987, Vol. II, pp. 106 a 120.
[58] Cfr. Saraiva, José Hermano - História…, op. cit., pp. 193 a 199.
[59] Cfr. IMPE - D. João de Castro…, op. cit., fl. não numerada.
[60] Ver VITERBO, Francisco Marques de Sousa - Trabalhos Náuticos dos Portugueses. Séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988.
[61] Cfr. Vale, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit., p. 186.
[62] Das suas várias contribuições para a ciência náutica, podem ser referidas, por exemplo, a verificação da inexistência de relações de causalidade entre o nordestear da agulha do astrolábio e as mudanças de meridiano, a sensibilidade da agulha magnética à proximidade dos metais, bem como o fenómeno da atracção local. A nossa cartografia também inferiu bastante dos seus roteiros, pois como D. João de Castro afirmou numa das suas obras, “por onde passei assentei todas as terras em alturas e derrotas; e aquelas que me pareceu proveitoso debuxei, para aviso e resguardo de seus pilotos”.
[63] Existe mesmo a incorporação de uma clara referência a D. João de Castro na simbologia heráldica do Instituto. Nesta reconhecem-se, no Chefe do Escudo, três das seis arruelas que integram as armas dos Castros (cfr. Vale, Teresa Leonor M. - O Convento de…, op. cit.,
p. 187). Sabemos que o momento da adopção de D. João de Castro como Patrono do IPE não se encontra completamente clarificado, mas é possível afirmar que nos primeiros anos de vida da Instituição não se registou qualquer referência neste domínio. Mesmo quando em 1957 veio a lume o primeiro exemplar do O Contabilista (num artigo alusivo à figura do Vice-Rei) ainda não se mencionava qualquer vínculo formal da Escola com tão significativo vulto do Império (cfr. Valverde, Eloy - “Portugal na História. D. João de Castro” in AAVV - O Contabilista, Ano I, N.º 1, Setembro-Dezembro de 1957, pp. 2 a 4). Ainda assim, é verdade que no ano seguinte já se observavam menções a D. João de Castro, pelo que a sua eleição como figura tutelar dos Pupilos do Exército terá certamente ocorrido nos anos finais da década de 50.
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2011-05-27
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by COM Armando Dias Correia