Nº 2507 - Dezembro de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
2008 - Lições militares das últimas campanhas do Império (1961-1975)
Tenente-general
José Lopes Alves

Subversão e Contra-subversão - As Forças Armadas Portuguesas em 1961*

 
 
Preâmbulo
 
Como consta do nosso programa, manda o tema da comunicação que me foi pedida que proceda à análise da “Situação das Forças Armadas Portuguesas em 1961”, ano em que eclodiu a Subversão no território de Angola e a Contra-subversão que de imediato foi imperativo montar para a combater e, ainda, que faça algumas considerações sobre a Doutrina que para tal houve que estudar e aplicar. Sinto-me muito honrado por esta possibilidade, que muito agradeço, de contribuir para este Encontro organizado pela “Avózinha” Revista Militar, como no seu centésimo aniversário, em 1948/1949, a intitulou o eloquente jornalista do “Diário de Notícias Dr. Augusto de Castro.
 
Como é conhecido, é longo o período abrangido pelo tema, como muitos são os eventos que nele se verificaram, impondo, portanto, em face do tempo disponível, limitações no seu tratamento e na sua pormenorização. Assim sendo, irei manter-me nesta comunicação no escalão puramente estratégico e em algumas incidências políticas dominantes que o afectaram, tratando sucessivamente:
- Situação englobante;
- Incidência do vector político;
- Análise do vector militar;
- Aspectos de reorganização e preparação;
- Doutrina da contra-subversão;
- Duas notas complementares.
Peço a V. Excias, desde já, alguma paciência, que muito agradeço, porque, apesar das limitações citadas, terei de ser um pouco longo.
 
 
1.  Situação Englobante
 
Aspectos Gerais
 
Ultrapassados os efeitos da Segunda Guerra Mundial, os quais representaram para o nosso País, entre outros porventura menores, a necessidade de reforçar as guarnições militares dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, seis acontecimentos dominantes de interesse directo para Segurança e Defesa marcaram o conjunto político e estratégico nacional e as nossas Forças Armadas no segundo quartel do século XX:
- A entrada na Aliança Atlântica, em 1949;
- A eclosão da Subversão em Angola, em princípios de 1961;
- A ocupação do Estado Português da Índia, pelas Forças Armadas da União Indiana, em fins desse mesmo ano;
- A eclosão da Subversão na Guiné, em 1963, e em Moçambique, em 1964;
- Finalmente, a Revolução de 25 de Abril de 1974.
 
Cingindo-me, no âmbito do tema enunciado, à influência que a Subversão em Angola e a ocupação do Estado Português da Índia tiveram na situação das nossas Forças Armadas nesse ano de 1961, começo por abordar duas questões que, para os mais antigos que se encontram presentes neste Encontro, não serão mais do que recordações já contempladas na história dos tempos.
 
É a primeira questão a de saber como se estabeleceu e medrou o clima de Subversão, Revolução e Guerra Limitada que tanta repercussão viria a ter em todos os países da Europa ainda com domínios ultramarinos nos continentes africano, asiático e da Oceânia, entre os quais o nosso; é a segunda, inserindo-a no mesmo ambiente de guerra irregular, primeiro, e de guerra regular, a seguir, a de voltar à situação que o país viveu em relação aos nossos limitados territórios da Península do Hindustão, ocupados, de facto, em 17 e 18 de Dezembro por decisão do governo do Pandita Nehru, adversário determinado, como outros líderes mundiais, da política do nosso governo “de estar e continuar no Ultramar” contra os “ventos da História”, os quais exigiam, clamavam, o “apagamento” de todos os resquícios de colonialismo que ainda persistiam.
 
Quanto à primeira questão, foi na verdade nas velhas teorias e práticas marxistas, que a Subversão, renascida pelos fins da Segunda Guerra Mundial e no período de “Guerra Fria” que se lhe seguiu, foi buscar sistemas de actuação para fazer soprar os “ventos da descolonização”. Depois do êxito obtido a Rússia em 1917 com a queda dos czares, enquistou em vários países logo a seguir, influenciou depois a instabilidade política e social em países como em Espanha, no período anterior e efectivo da sua Guerra Civil de 1931 a 1939, para reaparecer durante a Segunda Guerra Mundial ao serviço de nacionalismos adormecidos e na luta de guerrilha contra as forças ocupantes de algumas áreas. Fortalecida, expandiu-se depois por todo o Globo, sempre ao serviço da luta pela independência dos povos ainda submetidos, sendo um dos principais veículos dessa expansão o numeroso efectivo de combatentes de países asiáticos e africanos de todas as raças que participaram nessa última grande guerra em condições de igualdade e sujeitos aos mesmos perigos e sacrifícios que todos os outros, nomeadamente nas fileiras dos exércitos inglês, francês e americano.
 
Relativamente à ocupação dos territórios do Estado Português da Índia, não se verificou subversão interna das populações, mas, por pressão psicológica e apoio da União Indiana, foram desencadeadas acções específicas de guerra irregular localmente mais adequadas às populações, como “resistência passiva”, “satiaghraas”, ataques a postos da Polícia, da Guarda-Fiscal e a pequenos destacamentos militares, para projecção internacional do problema, obter armas, criar instabilidade e causar vítimas. Estas acções foram iniciadas com a ocupação do enclave de Nagar-Avelly, no distrito de Damão, em 1954, e alongaram-se depois, em especial, pelos anos de 1954 a 1957. Tendo obtido a independência do Reino Unido em 15 de Agosto de 1947 e convidado logo a seguir a França a abandonar os seus enclaves da costa leste do Hindustão, Costa do Coromanchel, o que este país fez pouco depois, Nehru pretendeu que Portugal lhes seguisse o exemplo. O nosso país como resposta, como é conhecido, reforçou de imediato a guarnição militar do Estado, a qual, na sua maior força, em 1955, abrangia cerca de 7.000 homens do Exército e 250 da Marinha, 600 guardas da Polícia e 250 da Guarda-Fiscal, num total de cerca de 8.000. Este efectivo seria reduzido, em 1959, para 5.400 homens, por ordem do Secretário de Estado do Exército, Tenente-coronel CEM Costa Gomes - 4.165 em Goa, 800 em Damão e 435 em Diu - cerca de 37% inferior ao anterior, quando o governo central se propôs reorganizar e reforçar as forças dos territórios africanos para fazer face à Subversão que começava aí a manifestar-se.
 
A extensão da Subversão aos continentes africano e asiático, para além do “soprar” mais ou menos violento e agreste dos “ventos da descolonização”, teve também a influenciá-la a propaganda sobre o subdesenvolvimento local e falta de progresso generalizado, primeiro, e, logo a seguir, a vontade dos movimentos subversivos de expulsarem simplesmente os países dominadores da Europa, assumindo eles o Poder. Então, os benefícios de que as populações careciam e o fomento do desenvolvimento que se badalavam deixaram de constituir bandeira dos movimentos subversivos - o que lhes interessava, de facto, era que o país dominador abandonasse o território e deixasse o Poder aos seus naturais.
 
Exerceram primordial influência sobre a rajada dos “ventos” e sobre a sua força os resultados da Conferência Anti-Colonialista de Bandung, em 1955, com representantes de 29 países africanos e asiáticos, na qual foi afirmado “o direito de todos os povos à soberania, a igualdade de todas as nações e a recusa do neo-colonialismo e de intervenção estrangeira nos seus problemas e conflitos internos, bem como todo o tipo de discriminação racial”. A Conferência teria novo cenário no Cairo, dois anos depois, em 1957, então já também com representantes de países muçulmanos.
 
Entre as diversas organizações internacionais, algumas privadas, que serviram de esteio à Subversão com vista à independência dos territórios ainda sob domínio destacaram-se a Organização das Nações Unidas (ONU), com o seu Conselho de Segurança, e a Organização da Unidade Africana (OUA), esta criada apenas em 1963 com 53 representantes de países africanos mas, no entanto, já com espírito firmado e activo desde os anos cinquenta instigada pelo imperador da Etópia, Hailé Salassié.
 
Foi nestas duas organizações que desde início sempre se debateu e perorou, em regra negativamente, sobre a política ultramarina dos países europeus, nomeadamente do nosso, se apreciavam e votavam, também normalmente contra, os documentos com os quais o nosso governo procurava justificar a sua posição e se faziam duras acusações sobre a recusa de entrega de resposta a inquéritos que, no exercício da nossa soberania, recusávamos considerar. Esta atitude da ONU em relação a Portugal teve o seu ponto mais negativo em 23 de Março de 1961, sete dias depois da eclosão da Subversão, quando nos recusámos a discutir a proposta de 40 países sobre o futuro de Angola e, agravando a situação, a nossa delegação, chefiada pelo embaixador Vasco Garin, abandonou a reunião. Foi esta atitude um erro que, segundo Franco Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, jamais pôde ser apagado.
 
Pelo que particularmente diz respeito à Organização do Tratado do Atlântico Norte, a que pertenciam também o Reino Unido, a Bélgica e a França com o mesmo problema africano, os seus membros ouviam as informações que lhes queríamos transmitir sobre a evolução da Subversão, não nos criticavam, pelo menos abertamente, e, o que era muito importante, não punham em regra questões quanto à utilização de pessoal, unidades, armamento e equipamento que estavam hipotecados à Aliança para cobrirmos necessidades do Ultramar.
 
Desde sempre adepto da concessão de autodeterminação a todos os territórios ainda submetidos a países europeus, pois fora de acções semelhantes contra a Inglaterra em 1773/1776 que o seu país se criara, o governo americano mantinha-se nessa posição e, através do seu Embaixador em Lisboa, Senhor Elbrick, orientado pelos Presidente Kennedy, Henry Kissinger, Secretário de Estado para os Negócios Estrangeiros, e Robert Mac Namara, Secretário da Defesa, insistia nela permanentemente perante o nosso governo.
 
Efeitos imediatos conseguidos pelos “ventos”
 
No ambiente internacionalmente favorável assim gerado, surgiram efectivamente diversos movimentos subversivos, alguns dos quais evoluíram depois para revolucionários, nos quais constituíam sistemas de actuação violenta a guerrilha, a sabotagem, o terrorismo e, num grau mais avançado da Subversão, as acções militares limitadas. Seriam teatros principais destas acções o Zaire ou Congo (1957/1959), hoje República Democrática do Congo, o Quénia, com a sangrenta revolta dos Mau-Maus (1952/1954), a primeira Guerra da Indochina (1948/1954), a Malásia (1950), Chipre (1955/1960) e, ainda, a Síria, a Palestina, a República da África do Sul, com a luta contra o “Apartheid”, e outros territórios como a Argélia, Marrocos e os nossos próprios, sucessivamente, de Angola, em 1961, Guiné, em 1963, e Moçambique, em 1964.
 
Os países europeus directamente afectados por estas acções resistiram durante algum tempo mas, cansados de guerras, aspirando estabilidade interna, sujeitos a pressões de outros países, como os EUA, e tendo em vista o prosseguimento possível no futuro dos seus interesses nas áreas então subvertidas, acabaram por abandonar os territórios e conceder a autodeterminação ou a independência pretendida pelas populações ou pelos movimentos que as controlavam. Foram os casos da França, no entanto após plebiscito imposto pelo General De Gaulle, em 1958, da Bélgica em 1959, do Reino Unido por 1963 e da Espanha, em relação a Marrocos e ao Saara Ocidental, esta, no entanto, já em 1975. A Namíbia, antigo Sudoeste Africano Alemão, administrada sob mandato da ONU pela República da África do Sul, seria o último país subvertido do continente a conseguir a sua independência, o que só sucedeu em 1990.
 
Quanto a Portugal, na via do procedimento governamental que do antecedente vinha adoptando em relação aos distritos do Estado da Índia, o Poder Político mandava “continuar adentro do conceito da unidade e indivisibilidade da Nação”. Os “ventos da descolonização”, afirmava-se no seio do governo e proclamava-se internacionalmente, não diziam respeito ao nosso País.
 
 
 
 
Os Eventos Sucessivos - Subversão e Invasão
 
O arrastamento por cerca de treze anos da ameaça insidiosa da União Indiana sobre Goa, Damão e Diu, afinal o mesmo período que depois decorreria desde 1961 até à nossa saída em 1974 de terras africanas, faz esquecer por vezes que a eclosão da Subversão em Angola, em princípios de 1961, se verificou antes da invasão de Goa, Damão e Diu pelas Forças Armadas indianas. No entanto, os dois acontecimentos ligaram-se ideologicamente no objectivo de obter a descolonização por parte do mesmo adversário, Portugal, e influenciaram-se mutuamente nas suas preparação e execução apesar de separados por muitos milhares de quilómetros no espaço e nove meses no tempo.
 
É de salientar que até fins de 1961, aproveitando o ambiente internacional que lhe não era ainda inteiramente favorável, tínhamos conseguido dissuadir a União Indiana de nos atacar, instalando nos três distritos uma guarnição militar que, embora pequena, era capaz de se bater capazmente, como historicamente sempre tinha feito, obrigando o agressor, em conformidade, a reunir meios muito superiores para poder actuar em força e com rapidez e para evitar eventuais reacções diplomáticas internacionais que a obrigassem a retroceder.
 
A Subversão em Angola e a invasão do Estado Português da Índia puderam, assim, beneficiar-se, repita-se: a Subversão, tirando partido das dificuldades que o Poder Político e as Forças Armadas Portuguesas estavam a enfrentar na Península do Hindustão e a União Indiana beneficiando das preocupações operacionais e logísticas que o teatro de Angola estava já então a exigir-nos, coarctando-nos qualquer possibilidade, embora remota, de acorrer novamente em defesa do Estado.
 
Efectivamente, a União Indiana, contando certamente encontrar pela frente os oito mil militares que inicialmente haviam constituído, até 1959, a guarnição do Estado, empenhou na invasão um Corpo de Exército de 45.000 homens com experiência de combate, entre os quais alguns batalhões de gurkas e siks, as suas melhores tropas, articulado num 1º escalão de ataque de 30.000 e num 2º de 15.000 e apoiado por fortes meios navais e aéreos. Realizava deste modo um potencial relativo de combate de oito indianos bem armados e equipados para um português com diversas deficiências de armamento, munições e equipamento, com diminutos meios navais e sem qualquer apoio aéreo. O ataque foi iniciado às 04.00 horas de 17 de Dezembro, um sábado, aproveitando o “fim-de-semana” em que as nossas tropas e as populações estariam menos vigilantes, e, no fim do dia seguinte, os três distritos estavam já ocupados apesar da resistência então possível oferecida pelas nossas tropas.
 
Consumara-se deste modo a primeira acção vitoriosa dos tempos actuais contra a nossa presença no Ultramar, a qual iria constituir forte incentivo político e moral para os movimentos subversivos de Angola, já em plena actividade, e para os da Guiné e Moçambique cujas acções se lhe seguiriam.
 
Com esta ocupação, efectivada perante a indiferença e o regozijo da quase totalidade dos países do Mundo, Portugal perdeu a primeira parcela que, com as outras duas, Macau e Timor, vinham marcando, havia cinco séculos, a nossa presença contínua no Oriente.
 
 
2.  Incidência do Vector Político
 
Consciência do Perigo Subversivo
 
Os eventos subversivos constatados por todo o Globo criaram entre as nossas classes política e militar e as populações mais evoluídas de aquém-e-além-mar, a convicção de que se impunha montar rapidamente esquemas e reunir meios para obstar à Subversão já efectivamente instalada em Angola e nela directamente influenciada pela luta de partidos que desde 1959, após a concessão da independência pela Bélgica, se travava no Zaire ou Congo e que obrigou ao deslocamento para a região de forte destacamento das Nações Unidas para garantir a paz. Estaria nesse destacamento, como poderá concluir-se no decorrer desta comunicação, um dos mais importantes esteios dos sangrentos acontecimentos de 15 de Março nas fazendas e povoações do norte do território angolano.
 
O perigo subversivo existia efectivamente e havia dele inteira consciência. Todavia, existiam também, quer na Metrópole, quer no Ultramar, muitos civis e militares, alguns em cargos de responsabilidade, com a convicção, que expandiam, de que entre as populações indígenas dos territórios portugueses não se verificaria a Subversão que se vivia noutros domínios próximos, visto serem “gente” boa, humilde, prestável e que uma mera admoestação seria suficiente para por termo a contendas e manifestações. Acrescentava-se em abono desta ideia que os graves acontecimentos surgidos no Cassange em Janeiro desse ano de 1961, na apanha do algodão, se haviam resumido a simples reivindicações salariais que facilmente se resolveram, que os assaltos de 4 de Fevereiro em Luanda haviam sido cometidos por comunistas drogados, a que a Polícia pôs facilmente cobro, e que os acontecimentos de 15 de Março verificados junto da fronteira norte, nas áreas de São Salvador e Carmona e Baixa do Cassange, eram, quanto muito, obra para pelotões de atiradores e autoridades locais.
 
Ora, sabe-se, pelo que se passou a seguir, contrariando estas convicções cómodas e optimistas, que o prosseguimento da luta transformou a Contra-Subversão em guerra de companhias, primeiro e, sucessivamente, até fins de 1961, de batalhões de caçadores ou unidades equivalentes, de agrupamentos de combate e de zonas de operações, tendo à sua volta um inimigo subversivo fluído, activo e firme no seu objectivo de que o Poder lhe fosse entregue.
 
Relacionamento Político
 
Embora também consciente da gravidade da situação e, nos meses imediatos, do enorme esforço a fazer com rapidez e com os meios de fomento e militares adequados, o Poder Politico mantinha-se firme na sua política de continuar ao mesmo tempo que procurava, com a urgência possível, fazer progredir os territórios e, simultaneamente, esteado nas Forças de Segurança, primeiro, e nas Forças Armadas a seguir, criar condições efectivas de Contra-Subversão. No entanto, os países europeus, em especial os nossos aliados da Aliança Atlântica, encontravam-se a braços com problema semelhante e nos areópagos internacionais o ambiente contra a política ultramarina portuguesa tornara-se de tal modo hostil que países mais chegados, como Espanha e o Brasil, tinham por vezes de recuar nas suas posições em nossa defesa. Mesmo a cruzada por nós levantada em certa altura de que estávamos a lutar em África contra a expansão do Comunismo, dos interesses da Rússia, da China e dos seus Países Satélites no continente africano, o que era verdadeiro, se conseguiu durante algum tempo fazer ponderar os nosso aliados da NATO, foi logo a seguir afastado para segundo plano pois todos eles olhavam também, como já se afirmou, aos seus interesses nacionais e às relações que futuramente lhes conviria estabelecer com os países a caminho da independência.
 
Tudo se conjugava, portanto, para dificultar a passagem da mensagem do Poder Político - “Portugal uno e indivisível do Minho a Timor” - que se defendia nas organizações e países de todos os continentes, mantendo-se, em conformidade, natural “mau relacionamento político generalizado” que alguns militares, pelas suas funções e pelos contactos pessoais com entidades políticas estrangeiras procuravam minorar. É de recordar como exemplo a acção permanente do saudoso General Câmara Pina, Chefe do Estado-Maior do Exército de 1959 a 1969, primeiro, Director do Instituto de Altos Estados da Defesa Nacional, de 1969 a 1974, a seguir e, durante anos, Procurador à Câmara Corporativa, preocupado, acima de tudo, em salvaguardar o prestígio das Forças Armadas.
 
A precariedade do relacionamento político não se devia, todavia, à falta de empenhamento e de qualidade dos nossos agentes do Poder. Na sua grande maioria realizavam trabalho possível e em tempo oportuno, mas a sua acção desenrolava-se com base em princípio que a quase totalidade dos países não aceitava ou tinha dificuldade em defender junto das suas populações ou de terceiros países. Aliás, seria com a cooperação útil de alguns desses agentes políticos nos escalões da Aliança Atlântica que, ao invés do relacionamento que eles procuravam e não obtinham, se conseguiu montar e desenvolver o profícuo relacionamento militar que iria permitir às nossas Forças Armadas durar tantos anos em face ao inimigo que se lhes opunha.
 
 
3.  Análise do Vector Militar
 
Aspectos Gerais
 
Os ataques em Angola em 15 de Março realizaram inteiramente a surpresa, chocando todos os portugueses. Como foi recentemente divulgado, a informação estratégica do evento, que a houve, foi menosprezada, depois de já ter falhado também a relativa à sua preparação que se estendeu por largos meses, como se justificará a seguir. Fomos então, na realidade, surpreendidos a nível geral e não tínhamos localmente meios capazes para uma reacção eficaz.
 
O período de inércia da defesa, de 29 dias, que se seguiu àquela data, foi minorado ao nível das Forças Armadas pela organização e preparação operacional que, desde o início dos anos cinquenta, vínhamos a fazer para cumprirmos as missões da Aliança Atlântica, para fazer face às preocupações a que as ameaças da União Indiana sobre Goa também obrigavam e para acompanharmos a evolução da Subversão já muito activa, como dissemos, noutras áreas. Deste modo, houve surpresa, sim, perante a realidade da guerra irregular num dos nossos territórios e, principalmente pelo grau de violência revelado pelos terroristas e pelo número de vítimas causado, mas o tal período de inércia a nível militar seria logo a seguir internamente ultrapassado.
 
Destacando em primeiro lugar o Exército, o ramo das Forças Armadas ao qual, apoiado pelos outros dois, caberia a parte mais volumosa da Contra-Subversão, vejamos, aflorando aspectos da sua história, como decorreu na década de cinquenta a sua, necessariamente diversificada, preparação.
 
Eventos e Fases
 

a) De espírito mais ou menos conservador, disperso por todo o País mas com muito menor presença nos extensos territórios africanos, o Exército vinha cumprindo pelos anos quarenta, com base na Organização de 1937, as suas finalidades de presença territorial, de instrução e de apoio à segurança necessária ao Poder Político para governar, escudado nos princípios e conceitos bélicos da Primeira Guerra Mundial, em que participámos em 1917 e 1918 e, embora ligeiramente, nas doutrinas em vigor no Exército Francês, com o qual mantivemos sempre profícuas relações culturais. Depois, durante e após a Segunda Guerra Mundial, introduzimos na instrução a experiência nela colhida pelos exércitos beligerantes, em especial pelo Exército Americano, tornando-se esta influência mais intensiva quando se começaram a receber armas, equipamentos e viaturas inglesas e americanas que tinham sido utilizados na guerra, cedidos por acordos bilaterais ou ao abrigo da nossa entrada na Organização Atlântica[1].

 
b) O recebimento a seguir de novos materiais das mesmas proveniências conduziu à reorganização sucessiva do Exército em unidades Tipo Americano (TA) em substituição das unidades Tipo Português (TP) da antiga organização e à consequente adequação de esquemas e métodos de instrução nos Institutos, Escolas Práticas e Unidades. Passou a visar-se, então, a organização e preparação da 3ª Divisão de Infantaria, de 1953, com cerca de 18.000 homens, que constituía a base do nosso contributo para as operações da Aliança, e a melhoria da modernização e preparação de todo o Exército, incluindo-se nestas, naturalmente, a luta contra a Subversão. Este esforço de reorganização foi antecedido e acompanhado da frequência por algumas dezenas de Oficiais e Sargentos de cursos em unidades e escolas do Exército americano de ocupação na Alemanha e nos Estados Unidos e em escolas e unidades dos Exércitos inglês (particularmente, Informações e Contra-Informação), francês e espanhol (unidades especiais).
Nomeadamente para a preparação da contra-subversão, enviámos uma missão de observação de cinco oficiais à Argélia, então em guerra irregular contra o domínio da França, à qual se seguiu pouco depois nova missão de 15 sargentos e oficiais para instrução operacional. Os elementos obtidos nestas missões e outros recolhidos de outras fontes eram cuidadosamente coligidos e ponderados e utilizados de imediato nos cursos e instruções dos nossos estabelecimentos de ensino e unidades.
Esta febre de reequipamento, reorganização e adequação da instrução do Exército a novos esquemas teve pelo mesmo período as suas correspondentes na Marinha e na Força Aérea, esta que havia sido criada, em 27 de Maio de 1952, como ramo independente do Exército pela fusão da Aeronáutica do Exército com a Aviação Naval.
 
c) A entrada na Aliança Atlântica, em 1949, constituiu, de facto, evento que viria a influenciar fortemente a estrutura das Forças Armadas em geral e do Exército em particular. Este, entregue durante largos anos a pacífica e bisonha vida de quartel, tendo apenas como incentivo particular para os oficiais e sargentos a colocação, a maior parte das vezes por oferecimento, em quartéis-generais, comandos e unidades do Ultramar, abriu-se na realidade e em curto período, de norte a sul do País, aos novos armamentos e equipamentos adoptados e aos conceitos, princípios, tácticas, e técnicas correspondentes. Ganhou novo fôlego, movimentou-se e preparou-se efectivamente para cumprir, quer as missões que a ameaça de Leste obrigava a considerar, quer as que iriam surgir da ameaça subversiva latente por todo o Ultramar, ciente de que mesmo a preparação exclusiva orientada para as exigências da Aliança era também de interesse para fazer face à intranquilidade geral que se vivia nos territórios ultramarinos e, porventura, mais tarde, até na Metrópole.
É de admitir que os contactos de muitos dos nossos oficiais e sargentos, em especial dos quadros superiores, com os seus correspondentes de outros países nos comandos, quartéis-generais e outros departamentos da Aliança lhes tenha tornado mais claras as consequências do isolamento da nossa política ultramarina e neles tenha gerado ideias sobre o caminho que mais conviria trilhar.
A influência da Organização não se quedaria, porém, por estes factos, como se referiu. À medida que a mancha inicial da Subversão alastrava e que os efectivos instruídos e os equipamentos da força normal do Exército se revelavam insuficientes ou inadequados, foi aos meios de pessoal e de material obrigatoriamente hipotecados à NATO que foi buscar-se o reforço necessário. Assim sucedeu logo de início, com número considerável de oficiais e sargentos de todas as patentes, com batalhões dos Regimentos de Infantaria nº 2, 7, e 15, de Abrantes, Leiria e Tomar, respectivamente, e com companhias e pequenas unidades independentes, a que seguiriam pouco depois batalhões de Artilharia e de Cavalaria e unidades de Engenharia e Serviços destinados aos três teatros.
Mas, outra importante medida seria ainda tomada em relação às responsabilidades de rotina impostas pela Aliança logo que a Subversão se estendeu e a contra-subversão, já planeada, teve de ser incentivada e efectivada. Os comandos e estados-maiores das Forças Armadas na Metrópole passaram a empenhar-se quase exclusivamente nos problemas do Ultramar, só retomando novamente em pleno as exigências da Aliança por 1975 quando a Guerra Subversiva foi considerada sanada.
 
Aspectos Particulares do Relacionamento Militar
 
Já se afirmou que ao isolamento político do País, motivado pela rejeição quase geral da nossa política em relação à continuidade nos territórios do Ultramar e ao contexto dos documentos que, persistentemente, se elaboravam para a justificar, não correspondia quanto à realização da Contra-Subversão isolamento militar, sendo os contributos já apontados em matéria de instrução operacional e do fornecimento de materiais realizados no quadro de entendimento pronto e efectivo, bilateral ou no âmbito da Aliança, com os diversos sectores dos departamentos de defesa dos países envolvidos.
 
A França merece neste domínio uma referência específica. Perante a delicadeza que lhe impunham as relações com os países africanos, existiria disposição interna no seu governo segundo a qual o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros não podia ter conhecimento do que, quanto a cedências às Forças Armadas Portuguesas, se passava no seu Ministério da Defesa. Pelo contrário, em relação à então República Federal da Alemanha, funcionava abertamente, salvaguardada a confidencialidade dos assuntos, entre o seu Ministério da Defesa e o do nosso País uma comissão mista luso-alemã tendo em vista o fornecimento de meios para os três Ramos.
 
Contribuíram também muito para este relacionamento positivo as relações pessoais estabelecidas entre os comandantes e chefes dos estados-maiores dos países empenhados e a acção dos nossos adidos militares no estrangeiro e de alguns adidos militares estrangeiros em Lisboa, bem como naturalmente, tem de admitir-se, os representantes das empresas interessadas nos fornecimentos.
 
A República da África do Sul e a Rodésia constituíram outro exemplo. Muito empenhadas em nos auxiliar, em especial na última parte da contra-subversão, afirmavam as suas autoridades, o que era verdade, que os territórios de Angola e de Moçambique constituíam “tampões” contra a passagem da Subversão para os seus próprios territórios, disponibilizando-nos por isso todo o apoio necessário. Deles nos vieram em conformidade, quase desde o início da luta, material de transmissões, pessoal especializado em contra-guerrilha e, mais tarde, para segurança dos trabalhos da construção da barragem de Cahora Bassa, em Moçambique, viaturas operacionais e de transporte, aviões e helicópteros, chegando estes a tomar parte activa em operações conjuntamente com as nossas forças.
 
Tendo em vista reforçar este relacionamento, foi planeada a visita a Lisboa em fins de Setembro de 1973 do General Fraser, Chefe do Estado-Maior da RAS, com vista a ser consolidada em acordo bilateral a cooperação militar das Forças Armadas dos dois países, envolvendo-se então também o Ramo Naval na vigilância e acção possível contra a presença de navios de guerra e mercantes soviéticos no Atlântico Sul empenhados, ao que se imaginava, em desembarcar meios para apoio do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o que mais tarde se revelaria ser verdade.
 
 
4.  Aspectos de Reorganização e Preparação
 
Empenhamento dos Estados Maiores
 
No período de preparação da contra-subversão dois núcleos de empenhamento se impuseram naturalmente nas Forças Armadas:
a) Os estados-maiores dos Ramos, nas suas funções normais e, particularmente, nas relativas a informações, contra-informação, acção psicológica e acompanhamento possível da atitude das populações, governantes e tropas perante o fenómeno subversivo em gestação;
 
b) Os estabelecimentos de ensino, escolas práticas e centros de instrução especializada, na recolha de elementos sobre o mesmo fenómeno e na preparação consequente de quadros e do pessoal nas fileiras para o combater.
 
Em síntese, quanto à Subversão e à Contra-Subversão desenvolveu-se faceta activa do pensamento militar até então algo adormecido, englobando os campos político e estratégico interno e externo, o táctico e o logístico no âmbito de espírito de segurança e defesa generalizado.
 
Referindo particularmente o Estado-Maior do Exército, ao qual competia o grande volume das tarefas administrativas e logísticas impostas pelos quantitativos de pessoal a empenhar, nele se elaboravam e difundiam orientações, estudos e relatórios sobre os diversos aspectos da situação. Tratava-se de trabalho honesto, cuidado e responsável de cujas conclusões era dado imediato conhecimento, através das vias hierárquicas estabelecidas, aos escalões militares e políticos superiores, mas verificava-se por vezes que algumas entidades com poder de decisão apreciavam as conclusões dos trabalhos, não de acordo com as bases de informação obtidas, mas com ideias e prismas puramente pessoais, decidindo em conformidade. Era a este propósito também corrente que nem sempre eram submetidos aos escalões superiores referidos os documentos relativos à situação no Ultramar cujo conteúdo se não coadunava com o pensamento político e estratégico dos mesmos escalões. O Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar, seria, dizia-se, uma das entidades em relação às quais era praticado este procedimento.
 
Empenhamento dos Estabelecimentos de Ensino
 
Conduzindo-se na linha da sua missão de preparação dos Quadros e no contexto das directivas recebidas das entidades de que dependiam, os estabelecimentos de ensino superior militar, as escolas práticas e os centros de instrução especializada eram os grandes executores da preparação teórica e prática de que se carecia. Era neles que se preparavam os oficiais, sargentos e especialistas sobre os quais iria depois recair a responsabilidade do comando, condução e execução da luta logo que, e seriam todos em comissões de serviço sucessivas, fossem nela efectivamente empenhados. O ensino nos estabelecimentos continuava a abranger, no entanto, para além da preparação anterior relativa à guerra irregular, leque muito diversificado de disciplinas de conhecimentos específicos relativos à guerra convencional e outros de cultura militar geral abrangentes do pensamento militar da época.
 
No então Instituto de Altos Estudos Militares, do Exército, entre algumas centenas de estudos e temas tratados sobre a guerra do Ultramar, era elaborado no Curso de Estado-Maior pormenorizado e actualizado “Estudo da Situação Estratégica do País” no qual se procurava chegar a conclusões claras e, tanto quanto possível, exactas sobre a situação e possibilidades do Conjunto Nacional na Contra-subversão em que se estava empenhado. Esse estudo, que abordava metodologicamente aspectos de ordem geopolítica, geoestratégica e política atinentes às questões de ordem estratégica, era depois apresentado e ponderado internamente também no Curso de Altos Comandos e divulgado ao Estado-Maior do Exército.
 
Todavia, entre os milhares de páginas trabalhadas no Instituto sobre a Subversão e Contra-subversão, merece particular relevância o Guia “O Exército na Guerra Subversiva” cujos conceitos, votados à doutrina e às técnicas e tácticas da luta, já vinha sendo elaborado e parcelarmente aplicado na instrução das unidades antes de 1961. Foi este “guia”, uma vez completado, que passou a constituir “Bíblia” do nosso empenhamento, no Ultramar conjuntamente com os resultados imediatos da experiência colhida da sua aplicação em cada teatro de operações. Porque lhe é devida, far-lhe-emos a seguir referência mais alargada.
 
Reforço e Reorganização das Forças Ultramarinas
 
A reorganização do Exército por toda a década de cinquenta, tornada necessária, já foi aflorado, pela realização atempada dos imperativos da Aliança Atlântica, pela oposição à ameaça crescente da União Indiana sobre o Estado Português da Índia, pela garantia do apoio aos desenvolvimentos previstos e em realização em todos os territórios ultramarinos e pela oposição possível à Subversão nascente, abrangeu, portanto as estruturas e unidades militares da Metrópole e do Ultramar, neste desde sempre prejudicada, no entanto, pela precariedade do recrutamento local, quer em quantidade, quer, nomeadamente, em qualidade.
 
Pelo que respeita a Angola, a reorganização prevista e em início de realização teve de ser precedida em Junho de 1960 de pequeno e urgente reforço destinado a vigiar e a acompanhar aquém fronteira os distúrbios que se verificavam no Zaire ou Congo após a sua independência e foi desde logo retardada pela razão fundamental da falta de efectivos indígenas e dos meios de equipamento necessários. Deste modo, pelos fins de 1960 e princípios de 1961, quando se produziram os incidentes na Baixa do Cassange, os ataques de elementos do MPLA em Luanda e os sangrentos assaltos e morticínios de 15 de Março no norte do território, existiam apenas por toda sua extensão do território e, diga-se, muitos desfalcados, 3 Regimentos de Infantaria, com sede em Luanda, Nova Lisboa e Sá da Bandeira e alguns destacamentos de batalhão, companhia e pelotão dispersos por todo o território, 1 Grupo de Cavalaria com sede em Silva Porto e 1 destacamento na capital e 3 Companhias de Forças Especiais colocadas em Cabinda, Toto e também em Luanda, num total de cerca de 5.000 militares naturais e 1.500 metropolitanos. Mais precisamente, tomando em consideração a preparação destas unidades e faltas de pessoal ocasionais, em 15 de Março e semanas seguintes dispunha-se no território de apenas cerca de 1.000 militares europeus e 1.200 africanos prontos para actuação imediata.
 
A Força Aérea encontrava-se também por essa altura, desde 1958, a reorganizar e a equipar os seus meios e infra-estruturas. Constituía, então, em Angola a 2ª Região Aérea, que abrangia também São Tomé e Príncipe, e dispunha no conjunto dos territórios de Angola e Moçambique de 3 Bases Aéreas e de cerca de 40 Aeródromos-Base, aeródromos de manobra e aeródromos de recurso, todos eles em trabalhos de manutenção, alargamento e extensão de pistas e reequipamento. Em Angola, concretamente, existiam a Base Aérea nº 9, em Luanda, e os Aeródromos-Base nº 3, no Negage, na zona norte, e o nº 4 em Henrique de Carvalho, no centro-leste. Os meios operacionais disponíveis, já realizados ou em próxima realização, abrangiam 2 aviões PV-2, 6 Nord-Atlas e pequeno número de aviões de reconhecimento e observação Auster e Dornier, este o conhecido DO depois tão utilizado pelo Exército.
 
Estas infra-estruturas e meios seriam aumentados em curto período.
 
Com dificuldades análogas às dos outros dois Ramos, no seu caso acrescidas da especificidade do seu equipamento, também a Marinha procedeu pela mesma altura à preparação e reforço dos seus meios para fazer face no seu âmbito à ameaça subversiva, embora mantendo sempre o apoio de presença e as tarefas inerentes já do antecedente a seu cargo nos territórios, como missões de patrulhamento e vigilância marítima e fluvial e trabalhos de levantamento hidrográfico. Mantendo e desenvolvendo profícua ligação com as Marinhas de outros países, nomeadamente da Aliança Atlântica, criou em Maio e Outubro de 1958, respectivamente, os Comandos Navais de Angola e Moçambique, reactivou a sua Infantaria de Marinha, os Fuzileiros Especiais, nas especialidades de desembarque, assalto e anfíbios, primeiro com pessoal metropolitano e mais tarde também com naturais africanos, e desenvolveu condições locais para que os seus navios pudessem estacionar permanentemente nos territórios e para que agrupamentos navais temporários os pudessem visitar regularmente.
 
A preparação efectuada até cerca de 1961 ao nível dos seus órgãos operacionais e logísticos e dos seus estabelecimentos de ensino e centros de instrução e a experiência colhida nos teatros de operações após esta data, iriam permitir-lhe cumprir durante os treze anos de luta missões de patrulhamento, fiscalização marítima e fluvial, combate, ocupação, transporte, apoio logístico e outras, em proveito próprio e dos outros Ramos empenhados.
 
 
 
 
Efectivos após o “Período de Inércia” da Contra-Subversão
 
Considera-se que este período de inacção ou de falta de reacção capaz perante os acontecimentos e morticínios de 15 de Março natural numa Subversão que, como esta, conseguiu obter o efeito de surpresa, só terminou vinte e nove dias depois, em 13 de Abril de 1961, quando o Chefe do Governo, tendo tido conhecimento do pronunciamento “Abrilada”, liderado pelo General Botelho Moniz, então Ministro da Defesa, e apoiado pelos Coronel Almeida Fernandes, Ministro do Exército, e Tenente-coronel do CEM Francisco da Costa Gomes, que visava rápida mudança da política de defesa em face da eclodida Subversão, os demite das suas funções, assume o cargo de Ministro da Defesa e, num discurso de poucas palavras, ao princípio da tarde desse dia 13, disse a frase sonante que ficou célebre: “Para Angola e em força!”... Mesmo nesse dia seguiu por via aérea para Luanda uma Companhia de Caçadores Pára-quedistas, aliás já há dias pronta para partir, e a 21, por via marítima, 3 Batalhões de Caçadores e outras unidades, as quais, já como reforço válido ainda que muito insuficiente, chegariam ao território a 14 de Abril e a 1 de Maio, respectivamente, o contingente mais volumoso, portanto, um mês e meio depois do 15 de Março. A luta contra o inimigo subversivo, que originou neste dia, estima-se, a morte de 1.200 a 1.800 brancos e de 3.000 a 6.000 pretos (bailundos), poderia desde então ser incrementada.
 
Mas o período de inércia estava definitivamente ultrapassado. Desenrolou-se logo a seguir, na Metrópole, uma corrente de mobilizações, embarques e rendições que se estenderia por treze longos anos, até 1974, abrangendo cerca de um milhão de homens. Conforme dados recolhidos nos estados-maiores, seria de cerca de 170.000 homens em meados desse ano de 1974 o efectivo total de pessoal nos três teatros de operações, ao qual havia ainda que juntar ainda cerca de 60.000 homens que se encontravam em instrução na Metrópole e no próprio Ultramar para as rendições programadas. Jamais, na sua longa história, a Nação Portuguesa havia feito, durante tanto tempo e com a dispersão geográfica e estratégica verificada, semelhante empenhamento de forças.
No quadro exposto, especifica-se a distribuição desse efectivo de 170.000 homens pelos três Ramos, os meios navais e aéreos que então possuíam a Marinha e a Força Aérea, respectivamente, e os efectivos estimados para cada um dos movimentos subversivos que pela mesma altura se opunham às nossas Forças Armadas[2].
 
 
 
 
5.  Doutrina da Contra-subversão
 
Âmbito Teórico Geral
 
Muito embora fugindo, como disse de início, à pormenorização, cabe aqui enunciar o objectivo final da Contra-Subversão como base doutrinária de todos os campos a que deve satisfazer. Efectivamente, face à Subversão, deve visar esse Objectivo “a sua previsão em todos os domínios, a protecção e fortalecimento de todas as estruturas do território ameaçado de modo a impedir que a Subversão possa desencadear-se ou, se já iniciada, que possa ter êxito, a criação de condições internas e externas que possam desfavorecê-la, a neutralização de agentes subversivos já revelados entre as populações em geral, forças de autoridade e noutros sectores afectáveis” e o combate a eventual lassidão das tropas, atendendo a que esta pode estabelecer-se por falta de meios, faltas de coesão e disciplina e, fundamentalmente, pelo alongamento do tempo da missão sem resultados práticos efectivos ou previsíveis.
 
Trata-se, em síntese, de manobra global que deve interessar a todos os sectores do Estado, aquém-e-além-mar, a qual, servida por técnicas adequadas, deverá estender-se ao campo interno, com acções políticas, psicológicas, sociais, de fomento económico e militares e, ao campo externo, com idênticas acções mas com reservas quanto às do domínio militar.
 
Na nossa Contra-Subversão no Ultramar, como é conhecido, nem todos os sectores do Estado realizavam as tarefas que no conjunto da manobra lhes competia, situação que se foi agravando à medida que, sem fim à vista, a luta prosseguia. Neste domínio, as Forças Armadas, mau grado as faltas de pessoal e meios que em certas áreas se verificavam, foram durante todos os anos em que ela existiu sector que não olhou a sacrifícios, ainda que arrostando por vezes com críticas e calúnias por parte de alguns responsáveis e de certos grupos populacionais.
 
Outras Considerações
 
No âmbito deste panorama e no seu significado geral de “conjunto de princípios em que se fundamenta um sistema”, a doutrina da Contra-Subversão seguida no Ultramar começou por assentar nos conceitos, leis e princípios estratégicos, tácticos e logísticos que são parte comum de qualquer tipo de guerra, nomeadamente da guerra regular ou convencional com a qual, na sua parte final, a guerra irregular muitas vezes se associa. Tais conceitos e normas, no entanto, foram e mantiveram-se naturalmente adaptados à missão recebida, às características do inimigo subversivo que se apresentava, às do meio físico em que se actuava, às das forças disponíveis, e, em especial, às características das populações que esse inimigo pretendia conquistar e no seio das quais, se o conseguia, se acantonava e crescia.
 
Já se fez breve referência aos países e exércitos estrangeiros onde se colheram ensinamentos que ajudaram a construir a doutrina e, fundamentalmente, aos resultados crescentes colhidos da nossa própria e crescente experiência de 26 anos consecutivos de preocupações com a mesma finalidade. Na realidade, tais elementos foram sendo sucessivamente coligidos, estudados, ponderados e ensaiados, resultando deles instruções parcelares, manuais e regulamentos que os concretizavam. Como já referido, entre esses documentos difusores de doutrina encontrava-se o guia “O Exército na Guerra Subversiva”, que substituiria então uma outra publicação, esta elaborada em 1961 no Estado-Maior do Exército, intitulada “Guia para o emprego táctico das pequenas unidades na contra-guerrilha”.
 
Não vamos dedicar-nos ao contexto de outros documentos dos Ramos que publicaram matéria doutrinária, nem mesmo às tão conhecidas, por muito manuseadas em todos os escalões “Normas de Execução Permanente” que orientavam a execução dessa matéria pelos comandos e unidades, mas enunciar simplesmente alguns dos campos sobre os quais incidia ou deles decorria necessariamente uma doutrina:
 
Eram esses campos:
- Tratamento das populações já afectadas ou não afectadas pelo inimigo;
- Política de aldeamentos;
- Acção psicológica sobre o inimigo e sobre as nossas tropas;
- Tratamento de presos subversivos e sua exploração com vista às Informações e Contra-Informação;
- Condicionamentos especiais às operações;
- Recrutamento, preparação e emprego de forças especiais;
- Cooperação com as autoridades administrativas e forças de segurança;
- Manutenção do moral das tropas;
- Interpretação e cumprimento de disposições regulamentares;
- Relacionamento entre os Ramos das Forças Armadas;
- Ordenamentos político, estratégico, táctico, administrativo e logístico.
 
Guia “O Exército na Guerra Subversiva”
 
Elaborado no então Instituto de Altos Estudos Militares e publicado pelo Estado-Maior do Exército, o “Guia” ficou a dever-se à devotação e entusiasmo do Tenente-coronel do Corpo de Estado-Maior Henrique Nunes da Silva, que tomou sobre si a iniciativa de propor e promover a sua compilação e redacção nos cursos de Estado-Maior sob a supervisão de professores dos cursos, com base nos muitos elementos de informação já existentes, que cobriam todos os domínios da Contra-Subversão. A elaboração do documento foi iniciada no ano lectivo de 1961-1962, meses depois da eclosão da Subversão em Angola, tendo sido possível distribuir o seu primeiro texto em princípios de 1963, a coberto de despacho do Ministro do Exército desse mesmo ano, e o texto definitivo, então já revisto e completo, em 1966.
 
No seu todo, a publicação comportava cinco volumes:
- I) Generalidades sobre a Guerra Subversiva;
- II) Operações contra bandos armados e guerrilhas;
- III) Acção Psicológica;
- IV) Apoio às Autoridades Civis;
- V) Administração e Logística.
 
Repositório de princípios, métodos e técnicas de acção, nele se alertava também para necessidade de cooperação estreita na Contra-Subversão entre forças militares, forças de segurança e autoridades civis, agindo no âmbito duma “quadrícula territorial” fixa, mas actuante, implantada nas zonas de operações, e na realização, por forças de reforço, de dinâmicas “acções de intervenção”.
 
Doutrina e Ética Pessoal e de Conjunto
 
Mais ou menos regulamentada ou normatizada, a doutrina de contra-subversão existia assim, de facto, e foi-se tornando mais apurada à medida que a experiência pessoal dos comandos e unidades o exigia. O resultado obtido com a execução das suas normas, do qual, aliás, decorria depois contributo para aquele apuramento e para a sua afirmação, era, naturalmente influenciado pela disposição ética dos combatentes e dos comandos e unidades em que estavam integrados, os quais, por princípio, com espírito de missão, de coesão e de solidariedade a seguiam.
 
Aflorando este domínio, publicava há semanas o General Brochado de Miranda, antigo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, na revista “O Combatente”, um texto em que refere a forma como era geralmente acatado o empenhamento pessoal dos elementos nomeados para a guerra do Ultramar.
 
Diz-se no referido texto que, com vénia, se transcreve:
“Mobilizado, marchava-se, não se olhava a políticas ou, se se olhava, esquecia-se...Eram os interesses do País que estavam em jogo, nomeadamente em África, não se levantava dúvida quanto à legitimidade do que ia fazer-se nem se padecia de crise de consciência, de condicionamentos ideológicos, nem de dúvidas quanto á preparação recebida...Mobilizado, marchava-se, por vezes apreensivos, mas jamais admitindo não cumprir. De resto, os territórios dos teatros estavam em evolução positiva, ainda que lenta, pelo menos sem aquela pressa que os ventos da descolonização, os designados ventos da história, exigiam... (Além disso) a presença e a acção moralizadora das tropas iria estimular e harmonizar contactos com os seus indígenas preto e brancos”.
 
No prosseguimento do seu artigo, o General Brochado Miranda refere ainda que, sem prejuízo do cumprimento da missão, que continuou, tiveram influência no seguimento da doutrina alguns anos depois de 1961 o cansaço natural gerado entre os combatentes pelas sucessivas mobilizações a que vinham sendo sujeitos, com oficiais e sargentos a cumprirem quatro e cinco comissões de serviço com curtos intervalos e, do mesmo modo, a acção de “quintas colunas” nas escolas e universidades que incitavam os mancebos em idade militar a faltar à mobilização, a não se apresentar nas unidades, a desertar e a faltar aos embarques. Estas situações, que efectivamente se verificaram, principalmente entre indivíduos mais evoluídos, mais instruídos e mais cultos das classes média e superior, conduziram à perda para as Forças Armadas de cerca de 25% do pessoal em princípio mobilizável.
 
Missão e Grandes Condicionamentos
 
Partindo da Missão Político-Estratégica Geral de “garantir Portugal uno e indivisível do Minho a Timor”, de execução imperativa, a doutrina da Contra-Subversão considerou na sua decorrência as Ideias de Manobra do Poder Político e dos Comandos Militares para a realizar e os grandes condicionamentos de conjunto a respeitar nessa realização.
 
Estes grandes condicionamentos político-estratégicos foram nos três teatros de operações, permanentemente, desde 1961 até ao fim da luta:
a) Actuação possível em contra-guerrilha, mas sem hostilização do inimigo além fronteiras;
b) Captação permanente das populações pelo desenvolvimento e acção psicológica;
c) Acção diplomática no exterior, acompanhando a acção operacional.
 
É de considerar, relativamente a cada um destes condicionantes da missão e das ideias de manobra que os completavam, o seguinte:
a) A não hostilização do inimigo além fronteiras foi geralmente cumprida, pelo menos por tropas, nos teatros de Angola e Moçambique durante todo o período de luta, todavia com natural prejuízo para a actividade operacional visto não se poder ir além desse limite;
b) A captação psicológica das populações indígenas só foi possível em zonas limitadas, quer porque outras já estavam muito penetradas pelas ideias subversivas, quer porque sentiam próxima a realização do seu objectivo de independência, quer porque escasseavam os meios para a realizar, quer, ainda, porque a saturação e o cansaço da luta dos militares e autoridades civis locais nos último tempos, associados às razões anteriores, tornavam mais problemática e difícil a sua realização;
c) A acção diplomática no exterior, vogando como se afirmou em campo sempre difícil, foi sendo sucessivamente menos rendosa, mesmo entre países aliados e amigos, em face da permanência rígida do nosso País na sua posição política.
 
É de insistir em relação a este último aspecto que a saturação e o cansaço das Forças Armadas, nomeadamente do Exército, decorrentes do alongamento da luta foram até 1974 ultrapassados e desprezados pela ética individual e colectiva das tropas, como naturalmente se exigia, mas que o Poder Político jamais soube aproveitar o crescente sacrifício que para elas isso representava e, por arrastamento, para as populações metropolitanas e ultramarinas de que provinham. Este sacrifício só terminaria quando novo Poder Político, este surgido do seio dos próprios militares em 25 de Abril de 1974, determinou o fim do conflito em todo o Conjunto Nacional.
 
O “Modo Português de Fazer a Guerra”
 
Porque se relaciona com a nossa doutrina de Contra-Subversão, tem aqui também lugar uma referência, embora breve, ao contexto do livro da autoria do Captain da US Navy John P. Cann publicado em 1991 e elaborado com a cooperação de experientes oficiais portugueses que tomaram parte no conflito, o qual, vogando em muitas questões da Guerra Irregular, sintetiza na frase titular acima o comportamento, que elogia e admira, dos nossos militares.
 
Deve afirmar-se que o seu intitulado “modo português de fazer a guerra” se inseriu no que sempre foi o comportamento dos nossos militares na África, na Ásia e noutros continentes quando chamados a defender os interesses da Pátria no cumprimento das missões fixadas poderes políticos sucessivos. Assim, a luta de Contra-Subversão, desencadeada militarmente de forma capaz nos três teatros de operações africanos entre 1961 e 1974, foi “modo de fazer a guerra” que assentou permanentemente no devotado cumprimento da directriz política e estratégica do Poder Político estabelecido, na realização das qualidades pessoais dos nossos militares nos meios físico, político, social e humano em que foram lançados e nas capacidades e manifestações do seu Inimigo, neste caso o inimigo subversivo.
 
 
6.  Duas Notas Complementares
 
Falhas da Informação Estratégica
 
Voltando aos sangrentos acontecimentos de 15 de Março de 1961 no norte de Angola em que os terroristas realizaram o efeito de surpresa, é hoje sabido, voltando à afirmação anterior, que houve efectivamente informação da parte de governantes americanos de que algo de muito grave iria eclodir localmente, levado a efeito por movimento subversivo ainda não completamente revelado, mas ambicioso, organizado e já clandestinamente activo. Esse movimento era a União dos Povos de Angola (UPA), hoje FNLA, particularmente apoiado pelo governo americano e por organizações independentistas da mesma origem. Essa informação teria sido transmitida ao General Botelho Moniz, Ministro da Defesa em 4 de Março pelo próprio Embaixador americano em Lisboa e o seu adjunto, Major CEM Viana de Lemos, tê-la-á difundido de imediato para o Quartel-General de Luanda para informação do General Beleza Ferraz, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que então se encontrava em Angola (Cabinda), acompanhado pelo seu adjunto Major CEM Pedro Cardoso. A mensagem, no entanto, não terá chegado ao seu destinatário, sendo arquivada na 2ª Repartição do QG com o despacho “assunto já conhecido”.
 
Mantém-se ainda hoje e manter-se-á no futuro a controvérsia sobre as razões da não entrega da mensagem ao seu destinatário e, consequentemente, sobre o que poderiam ter sido a Subversão a Contra-Subversão em Angola se tal não tivesse sucedido.
 
Mas uma segunda falha da informação estratégica se verificou, esta sobre a montagem e desencadeamento do próprio golpe de 15 de Março.
 
Em declarações pessoais difundidas há cerca de um ano em programa da RTP1, Holden Roberto, que dirigia o Movimento UPA, declarou que a preparação do “golpe” teve início em 15 de Junho de 1960, nove meses antes, sob particular incitamento e apadrinhamento de Bourguiba, então Presidente da República da Tunísia, entidade que foi também o autor do plano geral da acção subversiva e do mecanismo que iria executá-la. Aproveitar-se-ia a época das chuvas, em que seriam mais difíceis, por falta de estradas capazes, os deslocamentos de socorro e de apoio das tropas portuguesas, como efectivamente sucedeu, devendo as acções ser executadas por pequenos grupos de guerrilheiros, cada qual com um objectivo bem definido, afastado de destacamentos militares, e utilizando, além de armas de fogo, canhangulos, catanas, utensílios agrícolas e outras armas de ocasião. Esses objectivos englobariam fazendas isoladas, instalações administrativas e policiais, pequenas povoações e seus habitantes, destruindo, queimando, liquidado e violando sem atender a raça, sexo ou idade, em suma, instaurando o terror. Grande parte das armas e equipamentos utilizados no “golpe” foram deslocados através do Zaire ou Congo por elementos do destacamento multinacional de pacificação da ONU em missão neste país, a que se fez referência, em especial por tropas tunisinas que faziam parte do mesmo destacamento.
Um indício de que o massacre estaria para breve, aliás também não detectado pelos nossos Serviços de Informações, foi o abandono do trabalho que pouco a pouco começou a verificar-se antes da data fatídica pelo pessoal mais válido das fazendas e o seu regresso, com cariz de arrependido, após alguns dias de ausência. Este pessoal era dirigido a centros de instrução de Subversão no território angolano ou no Congo, recebia instrução no uso de armas e técnicas de combate e voltava ao seu anterior emprego para depois actuar.
 
Por essa altura, os Serviços de Informações dos nossos Estados-Maiores estavam mais preocupados com o Norte de África, em especial com Argel, onde proliferavam elementos metropolitanos e ultramarinos votados à preparação da Subversão, uns, e ao seguimento de elementos favoráveis a revolta no continente europeu, outros.
 
 
Remate
 
Seja-me permitido, para encerrar esta já longa comunicação, voltar ao contexto do livro de John Cann, já citado, para podermos aquilatar do que era o pensamento geral válido no exterior do País sobre a nossa última verdadeira Epopeia, que o foi, como Nação com ancestrais amarras em todos os cantos do Globo.
 
Escreveu efectivamente aquele autor o texto seguinte que também com vénia transcrevemos:
O Exército Português (deve entender-se Forças Armadas) foi confrontado com a difícil tarefa de ganhar uma guerra de libertação nacional numa época em não era prudente conservar um império colonial, tendo entre 1961 e 1974 de se empenhar numa tarefa extremamente ambiciosa de dirigir três campanhas de Contra-Subversão simultaneamente e não sendo um país rico nem desenvolvido - era, de longe, o menos rico da Europa Ocidental ainda com domínios ultramarinos. Mas, fê-lo à sua maneira, a milhares de quilómetros de distância da sua Metrópole e com as suas possibilidades durante treze anos contra os insurrectos e contra o espírito do mundo que os apoiava material, doutrinária e psicologicamente”.[3]
 
Estas afirmações de John Cann constituem apenas um dos muitos testemunhos de cidadãos civis e de militares estrangeiros, cujo pensamento, acompanhando o soprar dos “ventos da história”, admiravam a disposição de Portugal de lhes fazer face e de teimar em permanecer. Os nossos militares que em visitas, cursos ou estágios tiveram oportunidade de contactar com camaradas estrangeiros de qualquer continente, mesmo africanos, nas décadas de sessenta e setenta do século passado, terão por certo ouvido, a propósito dessa missão de “teimosia” e sacrifício das nossas Forças Armadas no Ultramar, opiniões laudatórias análogas às redigidas pelo comandante John Cann.
 
Excelentíssimos Almirantes e Generais, Excelentíssimos Senhores e Camaradas, vou terminar.
 
Solicito e muito agradeço a Vossas Excelências se dignem prestar qualquer contribuição que julguem útil ao contexto desta comunicação e, com a mesma finalidade, corrigir ou esclarecer qualquer afirmação minha que porventura se não coadune com os seus próprios conhecimentos e informações. Aliás, do que de certo modo me penitencio, é minha impressão de que pensei e falei mais do ramo Exército do que dos ramos Marinha e Força Aérea.
Muito obrigado pela atenção com que me ouviram.
 
 
________________
 
* Texto completo da comunicação feita no “Encontro da Revista Militar” de 10Dez08.
**     Sócio Efectivo da Revista Militar.

 


[1]  “Livro Branco da Defesa Nacional”, do MDN (1986).
[2]  “Guerra Colonial”, Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (2000).
[3]  Contra-subversão em África.
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Tenente-general

José Lopes Alves

Ex-Presidente da Direcção e Sócio-honorário da Revista Militar. Falecido em 30 de abril de 2018.

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